Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Samara Pires - MED25 Semiologi� Médic� Semiologia da dor 1. Introdução ● Sintoma complexo de grande importância prática: inclui componentes emocionais, culturais e religiosos; ● Definição: experiência sensorial emocional desgradável associada a uma lesão tecidual existente, real ou potencial. 2. Anatomia e fisiologia da dor ● Transdução: é a conversão do estímulo nociceptivo por substâncias proteicas em potencial elétrico despolarizante. - Os nociceptores são específicos para pressão, calor, frio, vibração e estiramento, por exemplo, que representam modalidades sensoriais não necessariamente de sensação dolorosa. Obs.: as fibras sensoriais nociceptoras são, em sua maioria, terminações nervosas livres. - Dor aguda: nociceptores térmicos ativados por temperatura acima de 45°C ou abaixo de 5°C e nociceptores de pressão direta são do tipo A delta (velocidade mais rápida); - Dor difusa de longa duração: fibras C de pequeno diâmetro não mielinizadas. A velocidade é menor (0,5 a 2 m/s); - Alodinia: percepção de dor em condições que não provocariam dor em situações normais. As fibras A beta, de grande diâmetro e mielinizadas, provocam essa característica em caso de degeneração neuronal (região parcialmente desaferentada). ● Transmissão: condução do estímulo ao SNC por meio de potencial elétrico despolarizante. - Neurônio de primeira ordem → sinapse no gânglio da raiz dorsal (corno dorsal da medula espinhal) ou no gânglio trigeminal. TRATOS ASSOCIADOS À PERCEPÇÃO DOLOROSA - Vias do grupo lateral: trato neoespinotalâmico (espinotalâmico lateral) → terminam nos núcleos talâmicos, de onde são projetadas radiações talâmicas para o córtex. Geram o aspecto sensorial discriminativo da dor. - Vias do grupo medial: tratos paleoespinotalâmico, espinorreticular e espinomesencefálico → fazem sinapse na formação reticular do tronco cerebral e na substância cinzenta periaquedutal, vão para o tálamo e partem Samara Pires - MED25 para o sistema límbico e para a substância cinzenta periventricular. Geram o aspecto afetivo-motivacional da dor. CARACTERÍSTICAS DOS TIPOS DE FIBRAS - Nociceptivas (A delta e C): prolongamentos periféricos de neurônios pseudounipolares dos gânglios espinhais e de nervos cranianos, como trigêmeo, facial, glossofaríngeo e vago; - Fibras de estruturas somáticas: seguem organização dermatomérica → cursam por nervos sensoriais ou mistos; - Fibras das vísceras: seguem por nervos das cadeias simpática e parassimpática. POR QUE A DOR VISCERAL É DIFUSA? - Os aferentes nociceptivos viscerais são frequentemente bilaterais e ramificados, pois um nervo supre diversas vísceras; - Abundância de fibras C (condução lenta); - Chegada dos aferentes de uma mesma víscera em múltiplos segmentos medulares. ● Modulação: estruturas importantes para a supressão da dor na presença de neurotransmissores, como o glutamato e a substância P. - Teoria do portão ou das comportas: fibras amielínicas (tipo C) e mielínicas finas (tipo A delta) inibem interneurônios inibitórios, portanto “abrem o portão para a passagem dos estímulos nociceptivos. Já as fibras mielínicas grossas (A alfa e A delta) excitam esses interneurônios inibitórios, então “fecham o portão” da dor (por isso que esfregar o local da lesão ajuda a amenizar a dor). - Estímulo elétrico da substância cinzenta periventricular, da cápsula interna e do córtex proporciona alívio da dor → presença de um circuito prosencéfalo-mesencéfalo. 3. Geração e perpetuação da dor ● Sensibilização periférica: a lesão celular provoca a liberação de bradicinina, prostaglandina, interleucinas etc. Isso gera dor aguda, os receptores nociceptivos continuam sendo estimulados e estímulos não nocivos (ex.: tato) passam a ser dolorosos; ● Sensibilização central: o estímulo doloroso é facilitado para chegar no SNC. Ex.: dor quando se toca na pele do rosto após uma crise de neuralgia do trigêmeo. ● Fatores afetivos e emocionais: modificam a evolução e a intensidade da dor → ínsula e cíngulo anterior. Depende do (a): - Intensidade do estímulo; Samara Pires - MED25 - Grau de atenção; - Fator de acentuação da dor ou de distração; - Estado emocional; - Aspectos culturais e religiosos; - Condicionamento da dor. Ex.: cães eram estimulados com choque e queimadura antes da alimentação, então, depois, passaram a responder os estímulos sem manifestação de dor. 4. Classificações da dor ● Início e evolução: aguda (o organismo está sendo agredido ou sua integridade está em risco) ou crônica (dor que dura no mínimo 3 meses e que está associada à plasticidade mal-adaptativa do sistema nociceptivo → pode ser uma dor aguda tratada inadequadamente); ● Fisiopatologia - Nociceptiva: ativa os nociceptores. Geralmente, a remoção do agente causal gera alívio imediato da sensação dolorosa. Ex.: fratura de osso, corte, apendicite, neuralgia do trigêmeo. Pode ser: > Espontânea: tipo pontada, facada, agulhada, latejante, surda e contínua. Pode ser constante (o indivíduo dorme e acorda com dor) ou intermitente; > Evocada: estímulos que reproduzem a dor do paciente. Ex.: escovar os dentes no caso de neuralgia do trigêmeo. - Neuropática: dor gerada por lesão no sistema nervoso, independente de estímulo externo ou interno. > Constante: queimação, dormência ou formigamento. Pode ser aliviada pela interrupção cirúrgica (ex.: secção cirúrgica da via neoespinotalâmica); > Intermitente: dor em choque > Evocada: decorrente de rearranjos sinápticos que sofreram desaferentação. Pode ser do tipo hiperpatia (quando sinapses pouco efetivas são ativadas e tornam-se hiper-responsivas aos impulsos dolorosos) ou do tipo alodinia. > Desaferentação: neurônio é privado de suas aferências → ocorrem rearranjos, como degeneração dos terminais pré-sinápticos, reinervação por brotamento do local desaferentado, ativação de sinapses antes inativas, etc. > Diagnóstico: a estimulação elétrica mimetiza a sensação dolorosa relatada pelos pacientes com dor neuropática, o que não acontece com outros tipos de dor. > Causas: neuropatia diabética, neuropatia alcoólica, neuropatia causada pela deficiência de vitamina B12, dor da síndrome do membro fantasma, dor do coto (hiperexcitabilidade do neuroma formado na extremidade proximal do nervo seccionado) e dor após trauma raquimedular. Samara Pires - MED25 Obs.: a distribuição da dor tende a sobrepor-se, pelo menos parcialmente, à perda sensorial. - Mista: mecanismos nociceptivo + neuropático. - Psicogênica: gerada por condições emocionais, geralmente coincidente com a ocorrência de um evento emocionalmente relevante na vida do paciente. Muda de localização sem qualquer razão aparente e normalmente tem localização imprecisa, irradiando para regiões que não seguem o trajeto do nervo. 5. Origem da dor ● Dor somática superficial: dor nociceptiva pela estimulação dos receptores tegumentares. Características: bem localizada, do tipo picada, pontada, queimação, dependendo da causa; ● Dor somática profunda: decorrente da ativação dos nociceptores dos músculos, fáscias, tendões, ligamentos e articulações. Ex.: estiramento muscular, contração muscular isquêmica, exercício exaustivo prolongado, artrite e artrose. Características: localização imprecisa. ● Dor visceral: estimulação dos nociceptores das vísceras. Características: difusa, difícil localização. Pode estar associada ao (à): - Comprometimento real da víscera → dor visceral verdadeira. Localiza-se na projeção anatômica do órgão onde se origina, como a dor cardíaca, que aparece na região retroesternal ou precordial e é do tipo constritiva ou em aperto; - Comprometimento secundário do peritônio ou da pleura parietal; - Irritação do diafragma ou do nervo frênico; - Dor referida: sensação dolorosa superficial percebida distante da estrutura onde se a originou, pois a representação no tálamo e no córtex das estruturas profundas é muito menor que a do sistema tegumentar, por exemplo. Então, o impulso doloroso das estruturas profundasé percebido como oriundo da pele. Ex.: dor no ombro (dermátomo C4) em caso de lesão do nervo frênico, pois esse nervo origina-se predominantemente no quarto segmento medular cervical. 6. Sistematização semiológica da dor (decálogo) 6.1. Localização: encorajar o paciente a apontar ou a mostrar a área onde sente a dor. Registrar segundo o mapa corporal. - Avaliar se há hipoestesia (redução da sensibilidade), hiperestesia, hiperalgesia (hipersensibilidade a estímulos dolorosos), alodinia e hiperpatia; - Lembrar da localização da dor somática superficial que tende a ser mais localizada e a da visceral e da neuropática, que tendem a ser mais difusas. Samara Pires - MED25 6.2. Irradiação: lembrar que a dor pode seguir o trajeto de uma raiz nervosa ou nervo. Exemplos: - Neuralgia occipital: dor na transição occipitocervical com irradiação superior, anterior e lateral → atinge vértex, globos oculares, ouvidos e às vezes a face; - Cervicobraquialgia: dor cervical com irradiação para a face lateral do braço e antebraço; - Dorsalgia que irradia para a área mamilar; - Dorsalgia na transição toracolombar que irradia anterior e inferiormente. Obs.: alguma condição prévia de saúde pode facilitar a irradiação da dor para outras regiões, como o paciente com úlcera duodenal e isquemia miocárdica que apresenta dor no epigástrio. 6.3. Qualidade ou caráter: dor latejante ou pulsátil, dor em choque, dor em cólica ou torcedura, dor em queimação (pode ser visceral no caso da úlcera péptica, por exemplo, ou superficial no caso da dor neuropática), dor constritiva ou em aperto (ex.: infarto do miocárdio), dor em pontada, dor surda (caso de vísceras maciças), dor “doída” ou dolorimento, dor em cãibra (afecções musculares). 6.4. Intensidade: escala → sem dor, dor leve, moderada, intensa, muito intensa e pior dor possível (componente subjetivo). Pode ser escala subjetiva, analógica visual (de 0 a 10) e de expressão facial (não numérica). 6.5. Duração: pode ser intermitente, contínua ou cíclica. - Anotar data de início, duração média dos episódios dolorosos, número médio de crises por dia e de dias por mês em que se sente a dor; - Dor aguda: dura menos de 1 mês ou menos de 3 meses e cessa após o desaparecimento ou melhora da doença ou lesão. - Dor crônica: persiste além do tempo necessário para cura da doença ou da lesão → habitualmente, demora mais de 3 meses. 6.6. Evolução: pode ser súbita ou insidiosa. Ex.: dor súbita no hipocôndrio direito → colelitíase (pedra na vesícula); dor de início insidioso e surda no hipocôndrio direito → colecistite (inflamação na vesícula biliar). Analisar e comparar a forma como a dor se iniciou e a forma como está agora (ex.: evolução da enxaqueca para cefaleia crônica diária após uso inadequado de analgésicos). - Avaliar se há ou não redução progressiva da dor, se está se tornando crônica ou não. - Observar ritmicidade (presença de crises e surtos) e periodicidade da dor. 6.7. Relação com funções orgânicas: analisar localização da dor e órgãos e estruturas daquela área. Ex.: se a dor é torácica, observar a relação desta com a respiração, movimentos do tórax, tosse, espirro e esforço físico; se a dor for periumbilical ou epigástrica, relacionar com a ingestão de alimentos. Quase sempre, a dor é agravada quando aquele órgão está funcionando → exceção da úlcera Samara Pires - MED25 péptica duodenal, que é aliviada com a ingestão de alimentos, porque decorre da hipercloridria e o alimento “tampona” o HCl. 6.8. Fatores desencadeantes ou agravantes: avaliar alimentos, bebidas alcoólicas, barulhos, luminosidade, menstruação, tosse e espirro, esforço físico, emoção e estresse, conversa, deglutição, mastigação, etc. Ex.: alimentos gordurosos que pioram a dor da doença biliar. 6.9. Fatores atenuantes: aqueles que aliviam a dor, como repouso, distração, analgésicos, anti-inflamatórios, antidepressivos, anticonvulsivantes, fisioterapia, acupuntura, anestésicos locais, procedimentos cirúrgicos, etc. - Indagar nomes, doses e períodos dos medicamentos; - Ex.: a dor de estômago pode diminuir com jejum ou com esvaziamento pelo vômito; a dor neuropática intermitente ou evocada é aliviada com a interrupção cirúrgica da via neoespinotalâmica ou neotrigeminotalâmica (dor facial), mas, se ela for constante, costuma ser resistente ao procedimento. 6.10. Manifestações concomitantes: ex.: estimulação do sistema nervoso autônomo → sudorese, palidez, taquicardia, hipertensão arterial, mal-estar, náuseas e vômitos. Avaliar se a enxaqueca é acompanhada, por exemplo, pela fotofobia e disacusia (intolerância aos ruídos).
Compartilhar