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Nietzsche e Bataille - as artes e a negação do idealismo filosófico

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS
HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
Artur Merlin
Nietzsche e Bataille - as artes e a negação do idealismo filosófico
Se o homem grego foi prematuro ou pioneiro na descoberta do fundo informe da
realidade, só a forma como ele lidou com isso pode nos esclarecer. E ora, tal elevação do
pensamento não foi senão um ato da mania diante do abismo existencial. Nietzsche, no seu
livro o nascimento da tragédia propõe que "só como fenômeno estético podem a existência
e o mundo justificar-se eternamente". Para ele, a experiência estética dos gregos é
vivenciada através dos impulsos artísticos da natureza, personificados em Apolo e Dionísio,
que representam respectivamente a arte, em seu aspecto figurativo, a poética, o plano dos
sonhos. E a pulsão das emoções incognoscíveis, o furor sensualista, o plano da
embriaguez. Ambos impulsos motores para a criação artística, a elevação para esses
planos consiste em uma parte do mundo da arte a ser criado e experienciado.
A noção de informe é trazida à tona por Bataille em sua batalha contra a clausura
não só do pensamento, mas também do enxergar sempre pelas formas, essa clausura bem
evidenciada nas diretrizes que André Breton pregava para a criação no movimento
surrealista. O informe se caracteriza pelo movimento de purgar o pensamento do idealismo,
Bataille diz que o “informe não é somente um adjetivo tendo algum sentido, mas um termo
servindo para desclassificar, exigindo geralmente que cada coisa tenha a sua forma”
(BATAILLE, 1929. p. 147). Nesse sentido, o autor levanta o véu da realidade para um
“enxergar transparente”, enxergar sem o a priori da realidade, essa que outrora era
conhecida somente por meio das ideias.
O idealismo é a negação do que é, em prol de um dever ser. Bataille exemplifica
bem a questão do idealismo quando fala sobre na linguagem das flores: “contudo, é
interessante observar que, se dizemos que as flores são belas, é por que elas parecem
conforme ao que deve ser, isto é, representam, por aquilo que são, o ideal humano”
(BATAILLE, 1929. p. 74). Da mesma forma segue a atribuição das formas as outros tipos de
plantas, como por exemplo as flores mais singulares que “ficamos tentados a atribuir a elas
as perversões humanas mais perturbadoras” (BATAILLE, 1929 p. 85). Nesse sentido, faz-se
mister demonstrar uma passagem onde breton admite que “o maravilhoso é sempre belo,
não importa o que, o maravilhoso é belo, distinto do maravilhoso não há nada que seja belo”
(BRETON, 1972, p. 24, trad. nossa), dessa forma, o idealismo parasitário presente na
mente de quem vigiava o surrealismo não permitia, por exemplo, um belo não maravilhoso,
ou um maravilhoso não belo, e como uma cascata pirâmidica, esse pensamento se difundia
pelos meios onde circulava.
Toda a significância atribuída às flores é senão uma presunção e necessidade da
mente de fazer uma ligação entre signo e significado. E como diz o autor: “parece oportuno
reconhecer que essas aproximações podem continuar sendo feitas a vontade” (BATAILLE,
1929. p. 71), as possibilidades de denominar e significar continuam sendo realizadas de
modo que se afastem cada vez mais da presença real.
Podemos aproximar essa necessidade de significação com o movimento surrealista,
de modo que ao encarar um quadro como Danseuse Espagnole de Joan Miró, munido de
apenas a representação da matéria que se apresenta e do contexto (nome do quadro). As
nossas faculdades cognitivas entram em ação para desvendar as peças mínimas que
possam ligar o signo ao significado. E de repente, ao encontrar coesão, o imaginário o
satisfaz, de modo que o que se apresenta ali não é mais matéria sobre matéria, e sim uma
dançarina espanhola em ato.
Em seu corpus, surge no texto Materialismo um apelo a ressignificação do
materialismo, a ponto de enuncia é preciso tomar emprestada uma apresentação do termo,
mas o que nos interessa, é a presença subliminar das significações do informe, vejamos o
contexto: “já é tempo, quando a palavra materialismo é empregada, de designar a
interpretação direta, excluindo todo e qualquer idealismo, dos fenômenos brutos”
(BATAILLE, 1929. p. 81). Bataille mostra de maneira mais sucinta a sua pretensão de abolir
da experiência os meios a priori, propondo-nos a possibilidade de enxergar os fenômenos
brutos, dados sem a interpretação da ideia contida no sujeito.
O que se apresenta para nós está velado com o véu do idealismo, o véu da negação
do real. Bataille propõe que “caberia então renunciar imediatamente a possibilidade de
substituir a palavra pelo aspecto como elemento da análise filosófica” (BATAILLE, 1929. p.
72). A satisfação da razão em prol do sentido é a degeneração abrupta da tragédia ática,
que era composta essencialmente pelo impulso dionisíaco, como declara Nietzsche: “Eis a
nova contradição: o dionisíaco e o socrático, e por causa dela a obra de arte da tragédia
grega foi abaixo” (NIETZSCHE, 1992, p. 79). Ora essa nova força da natureza, esse
impulso, falava em nome da razão e do categórico, cuja lei suprema de sua doutrina
Nietzsche acredita ser como “Tudo deve ser inteligível para ser belo” (NIETZSCHE, 1992, p.
81).
Para a melhor compreensão desse novo impulso tão importante para as nossas
assimilações, aprofundemonos: Eurípedes, o grande arquiteto do pensamento socrático,
possuído pela aura desse impulso natural emergente, lança em seu prólogo as máximas
necessárias para a satisfação do socratismo. O poeta trágico havia percebido a inquietação
do público ao calcular, rebobinar e apreender os acontecimentos que ali eram expostos,
como se a inquietação para capturar a forma das coisas estivesse ali esperando uma
resposta a priori do espetáculo. Essa porção de inquietação, em sua visão prejudicada a
apreciação do espetáculo nos seus primeiros momentos.
Da união das ideias até aqui expostas podemos intuir que as proposições do prólogo
se assimilam as formas das ideias, pois ocupam no indivíduo um espaço anterior a
experiência, de jeito que as necessidades categóricas do socratismo sejam satisfeitas e que
a experiência seja de acordo com o que se encaixa no que foi dado.
O prólogo de Eurípedes é isso, a forma da ideia antes da coisa, fechando as
interpretações no que está condicionado pela idéia. O que é belo é belo, por que a forma de
encaixa e condiz com a ideia de belo, impossibilitando as novas interpretações, e digo
novas interpretações por que a visão informe, de maneira geral, não é só a
desclassificação, não é só ver a nudez da coisa sem ideias, é também ver as outras
possibilidades das coisas, permitir-se a experiência fora da realidade condicionada pelo
ideal.
Bataille do texto o dedão do pé, evidencia o repúdio de diferentes civilizações em
diferentes épocas a esse órgão tão ínfimo, porém importante para as mais cotidianas
tarefas. No entanto, também mostra que a sua baixeza e feiura eram objetos de desejo
perante os mais diferentes indivíduos. A sedução que o indivíduo sente pelo dedão do pé é
alheio a concepção de beleza ideal, o que nos faz objetar: Por que o indivíduo se sente
atraído por isso? É devido a uma inclinação do homem pelo que é “baixo” e “indecente”.
O grego em seus festivais dionisíacos, em sua elevação, era visto aos olhos do
ethos da lucidez grega como vetor das ações mais obscenas e vis. Nietzsche alertava em
seus escritos sobre o fenômeno: “O servidor ditirâmbico de Dionísio só é portanto entendido
por seus iguais! com que assombro devia mirá-lo o grego apolíneo!”. Mesmo assim, o grego
dionisíaco perdia-se em prazeres pelos objetos que em nada visavam a satisfação carnal.
Podemos associar Bataille a Nietzsche na posição de defesa das possibilidades de
experiência, da reafirmação das formas de viver, escapando do plano da crisálida.
Ponderemos sobre que Bataille diz a respeito à experiência interior:
“A experiência interior do homem é dada no instante em que, rompendo a
crisálida, ele tem consciência de se rasgar a si mesmo e não a resistência
colocada de fora. O ultrapassarda consciência objetiva, que as paredes da
crisálida limitavam, está relacionado com essa mudança radical.”
(BATAILLE, 1985 p. 26)
A negação do determinismo se transmuta na afirmação dos impulsos artísticos
propostos por Nietzsche. O estado de embriaguez é para Nietzsche o corte completo nas
secções da determinação. O indivíduo não mais é um fora do uno, mas parte do uno. A
experiência do dionisíaco é um religare, tornando o homem o que ele é, a figura disforme e
monstruosa da natureza, que por um momento teve a oportunidade de se tornar criatura
criadora, ser criador, a medida de todas as coisas. Da uma união homogênea do homem
com a natureza, na qual toda visão é despretensiosa de ligação racional, tudo coexiste
nesse estado original e cheio de intensidades e possibilidades de experiência.
Nietzsche traz à tona a interpretação do mito do sábio Sileno, que tira a neblina do
que ele estava em busca: a forma como surgiu o espelho transfigurador mítico. O espelho
que seguindo as representações apolíneas cria um mundo imaginário a ser vivido, “onde
tudo que se faz presente é divinizado, não importando que seja bom ou mau”. E é na busca
do rei Midas pela resposta do que seria melhor e mais preferível para o homem ao sábio
Sileno que ele encontra a resposta. No mito, o sábio reluta em responder, mas já
incapacitado de desviar de dar a resposta, ele diz:
“Estirpe miserável e efêmera, filhos do acaso e do tormento! por que me
obrigas a dizer-te o que seria para ti mais salutar não ouvir? o melhor de
tudo é para ti inteiramente inatingível: não ter nascido, não ser, nada ser.
Depois disso, porém, o melhor para ti é logo morrer” (NIETZSCHE, 1992, p.
36)
Diante do pessimismo do sábio, “o grego conheceu e sentiu os temores e os
horrores de existir” (NIETZSCHE, 1992, p. 36), teve que se dispor a colocar entre ele e a
existência fatídica um espelho transfigurador, o artístico mundo apolíneo do olímpico. Diante
dos deuses do júbilo e efervescência vivida, do vigor e da luz, da prosperidade e da beleza,
e envolvidos pelo véu das divindades que vivem a vida como humanos, eles legitimam a
vida, fazendo-a ser desejada a ponto de inverterem a máxima do sábio Sileno em “A pior
coisa de todas é para eles morrer logo; a segunda pior é simplesmente morrer um dia”
(NIETZSCHE, 1992, p. 37).
A monstruosidade que, outrora negada, emerge do plano dionisíaco com um objeto
de empuxo, e agora, com um habitat propício, pode ser exibir, ser notada sem pudor e em
prol da realização estética do indivíduo. É a pura experiência interior, que eleva o indivíduo
a intensificação. Mas como diz a sentença do sábio Paracelso, “só a dose faz o veneno”,
Nietzsche mostra que nem tudo são flores no plano dionisíaco, o impulso é demasiado
supressor, imoral e suicida, a possessão do dionisíaco é capaz de estremecer a carcaça do
grego, de levá-lo ao sentimento imoral pela morte. Como declara Nietzsche: “O músico
dionisíaco, inteiramente isento de toda imagem, é ele próprio dor primordial e eco primordial
desta” (NIETZSCHE, 1992, p. 44). Daí, vem o nascimento da tragédia, a maneira genial e
paliativa que emerge no seio do pessimismo grego.
A tragédia ática é a possibilidade, o ato de experimentar, sair de si, elevar-se ao uno
que proporciona a musicalidade do dionisíaco, mas ao fim, retornar sem sequelas para
cotidiano. O fenômeno trágico é a conciliação entre o dionisíaco e o apolíneo. A música
dionisíaca sem a auxílio das imagens do apolíneo é destrutiva, com o auxílio das imagens o
homem “produz uma réplica do uno primordial”, sem participar diretamente.
A tragédia em sua forma cênica é sentida pictoricamente como “a imagem, que lhe
mostra a sua unidade com o coração do mundo, é uma cena de sonho, que torna sensível
aquela dor primordial juntamente com o prazer primogênio da aparência” (NIETZSCHE,
1992, p. 44). Com o toque de Apolo ao Dionisíaco ele permite que “o encantamento
dionisíaco- musical do dormente lança agora à sua volta como que centelhas de imagens,
poemas líricos, que em seu mais elevado desdobramento se chamam tragédias e
ditirambos dramáticos” (NIETZSCHE, 1992, p. 44). Mesmo que a tragédia seja por essência
pessimista, é também ao mesmo tempo exaltação da vida e vontade de viver. Desse modo
é pela arte que conseguimos olhar profundamente a vida e a totalidade, a possibilidade de
contemplar o abismo sem piscar.
Mas, se por um lado o dionisíaco é deveras intenso e possivelmente destrutivo, por
outro ele é o semblante que dá alma a tragédia, que justifica-a com coro, como declara
Nietzsche: “a tragédia surgiu do coro trágico e que originalmente ela era só coro e nada
mais que coro” (NIETZSCHE, 1992, p. 52). Nietzsche evoca as origens do coro trágico na
antiguidade, na forma que era apresentado nas dionisíacas, o público que assistia, o coro
que cantava e dançava alguma história e o ator principal, o Hipócritas, que representava os
deuses, heróis e lendas. Mas esse coro, aponta Nietzsche, em nada tem a ver com o novo
coro da tragédia ática. O coro da tragédia ática se transmuda no espectador ideal, entrando
de cara nas interpretações cênicas, crente de que o que se apresentava ali era a pura
realidade estupenda dos heróis e dos deuses.
O espectador comum se dilui ao coro trágico, e na medida em que é representado
pelo herói, ele vivencia a essa experiência como de intensificação. E é na queda do herói
trágico que se firma o ápice da tragédia, o público podia identificar-se, com o sofrimento e
dor, elevando-se a catarse pela descarga emocional ali depositada. O público sai aliviado,
sentindo desejo e prazer pela existência, como se a tragédia ática fosse uma “sessão de
descarregamento”. Nietzsche na obra ecce homo dá um brilho a mais na noção de
dionisíaco, encaixando essa nova noção de modo a calhar nessa nossa investigação, como
observamos:
“O dizer sim à própria vida, mesmo nos seus mais estranhos e mais
duros problemas; a vontade de viver, que se alegra com o sacrifício
dos seus tipos mais elevados à própria inesgotabilidade – eis o que
eu chamo dionisíaco” (NIETZSCHE, 2008, p. 54)
A sensibilidade do grego sempre foi chave nessa investigação, ele que quando
prova do sofrer, cai em desgraça, que quando prova da alegria, rivaliza com Zeus em
felicidade e prazeres. Mas por alguns momentos entre o pêndulo da vida, que está sempre
entre a alegria e do sofrimento, pende para um dos lados em demasia. Pondo a vida do
sujeito a beira do abismo, sem previsão de volta. Era de ser necessário uma justa medida,
um pouco da dor para que torne as coisas boas e plenas, um pouco de prazer para suportar
as aflições a vida.
Referências bibliográficas:
BATAILLE, G. Documents, paris, 1929.
BATAILLE, G. O erotismo. Les Éditions de Minuit, 1987.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo.
Companhia das Letras, 1992, 2 reimpressão 2003.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Ecce Homo - como se chega a ser o que se é.
Lusofia:press, 2008.
BRETON, A. Manifeste du surréalisme. Paris: Gallimard, 1972.
Outras referências:
Texto de apoio para GB e documents. - presente no sigaa
recorte NT DIAS Rosa. Nietzsche vida como obra de arte. - presente no sigaa
O PAPEL DO CORO NA TRAGÉDIA GREGA EM NIETZSCHE - Haroldo Osmar de Paula
Júnior

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