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Base� d� Parasitologi� Human� Esquistossomose 1. Introdução ● Classe Trematoda → família Schistosomatidae → parasitos nematelmintos de sexos separados com dimorfismo sexual que ficam nos vasos sanguíneos de mamíferos e de aves. ● O nome “Schistosoma” vem de “fenda”, pois o macho tem o corpo fendido. No entanto, o nome “fenda” é incorreto, sendo apropriado utilizar “sulco”. ⇒ Schistosoma mansoni: ocorre na África, Antilhas e América do Sul. A doença provocada por esse parasito é conhecida como “xistose”, “barriga d’água” ou “mal do caramujo”. As espécies do gênero Schistosoma se instalaram aqui com os escravos e com os imigrantes japoneses, mas somente essa se fixou devido ao encontro de bons hospedeiros intermediários e às condições ambientais. 2. Morfobiologia do parasito ● Macho adulto: cor esbranquiçada, tegumento coberto de minúsculas projeções. Apresenta porções anterior (com duas ventosas: uma oral e outra ventral) e posterior (com um canal ginecóforo → dobras nas laterais do corpo no sentido longitudinal para alojar a fêmea no momento da cópula). Atrás do acetábulo, que é a ventosa ventral, há massas testiculares que se abrem para o canal ginecóforo, por onde os espermatozoides saem para alcançar a fêmea. ● Fêmea: tem cor mais escura por causa do ceco com sangue semidigerido, tegumento liso e apresenta ventosa oral e acetábulo (ventosa ventral). Depois, há a vulva, o útero e o ovário. ● Ovo: apresenta formato oval e um espículo voltado para trás. O ovo maduro tem um miracídio formado, visível pela transparência da casca. ● Miracídio: forma cilíndrica. É uma forma ciliada que tem movimento em meio aquático. A extremidade anterior tem uma papila apical ou terebratorium, onde há cílios maiores e espículos anteriores que provavelmente são importantes no processo de penetração nos moluscos. O aparelho excretor tem as células flama, que terminam no poro excretor. ● Cercária: são larvas que apresentam cauda bifurcada e duas ventosas: uma oral e outra ventral ou acetábulo. A cauda é perdida no processo de penetração e não tem órgãos definidos, serve apenas para movimentação. ● Os vermes adultos vivem no sistema porta e, em torno dos 25 dias, quando atingem a maturidade sexual, migram para os ramos terminais da veia mesentérica inferior, onde se acasalam e a fêmea inicia a postura dos ovos. 3. Ciclo biológico: complexo e heteroxeno ● A vida média de um S. mansoni é de 5 anos, mas alguns casais podem viver mais de 30 anos em um hospedeiro. A fêmea põe ovos → cerca de 50% deles atingem o meio externo juntamente com as fezes → ovos levam cerca de 1 semana para formar o miracídio. Se, por um período de 20 dias, os ovos não conseguirem passar da submucosa para a luz intestinal, os miracídios morrem. Os ovos podem ficar presos na mucosa intestinal ou ser arrastados para o fígado; ● Na presença de água (dependendo da temperatura, oxigenação e luz intensa) → ovos liberam o miracídio → o miracídio penetra no molusco do gênero Biomphalaria (há liberação de substâncias por esse hospedeiro intermediário que atrai os miracídios) por meio de suas partes expostas, como a base das antenas e o pé → o miracídio transforma-se em um saco com paredes cuticulares contendo a ação das células germinativas ou reprodutivas (esporocisto). ● Esporocisto → apresenta movimentos ameboides que evoluem para completa imobilidade → ocorre multiplicação dos esporocistos primários, formando vários esporocistos secundários → formação de esporocistos terciários no interior dos secundários, ocorrendo a formação de cercárias simultaneamente. Já foram observadas 6 gerações de esporocistos-filhos, sugerindo que são ilimitadas e que são responsáveis pela eliminação intensa de cercárias. ● Cercária → formadas a partir de células germinativas dispostas em mórula com uma célula basófila central. Essa formação pode ocorrer por um período de 27 a 30 dias em condições ideais de temperatura (28°C). Vale lembrar que cada miracídio já leva o sexo da cercária que serão produzidas e que ele pode gerar até cerca de 300 mil cercárias. ● Migração das cercárias pelos espaços intercelulares e pelo sistema venoso do caramujo → formação de vesículas por glândulas de escape que eliminam as cercárias → influência da temperatura e da luminosidade no processo de eliminação (principalmente a luz). ● As cercárias nadam ativamente na água, são atraídas pelo hospedeiro preferido → penetram na pele, perdem a cauda (5 a 15 minutos) → migram pelo tecido subcutâneo → penetram num vaso → são levadas aos pulmões → arteríolas pulmonares e capilares alveolares → veias pulmonares (pequena circulação) → aorta (grande circulação) → sistema porta intra-hepático (onde os vermes se transformam em adultos e acasalam) → migração acasalada para a veia mesentérica inferior (onde ocorre a deposição de ovos) → ovos aparecem nas fezes cerca de 42 dias após a infecção. Essa é a via sanguínea pela qual os parasitos atingem o sistema porta-hepático, que é a mais comum. 4. Transmissão ● Penetração ativa das cercárias na pele e mucosas (principalmente pé e pernas entre as 10 e as 16 horas, quando a luz solar e o calor são intensos); ● Locais de risco: valas de irrigação de hortas, açudes, pequenos córregos onde lavadeiras e crianças vão. Obs.: se, eventualmente, as cercárias forem ingeridas, elas serão destruídas pelo suco gástrico, mas, se penetrarem na mucosa da boca, realizarão o ciclo. 5. Patogenia ● Fatores que influenciam: cepa do parasito, carga parasitária, idade, estado nutricional e resposta imunitária da pessoa (principalmente estado imunológico e carga parasitária). ● Cercária → provoca a chamada dermatite do nadador ou dermatite cercariana (quando as cercárias penetram na pele humana): sensação de comichão (coceira), eritema, edema, pequenas pápulas e dor. Há mais intensidade nas reinfecções. ● Esquistossômulos → representam o estágio após o desenvolvimento das cercárias e a perda da cauda. Pode haver linfadenia genera lizada, febre, aumento volumétrico do baço e sintomas pulmonares. Nesse estágio, caso haja uma resposta imunológica específica, o parasito já tem mecanismos para driblá-la, como a sínteses e a aquisição de moléculas semelhantes às do hospedeiro. ● Vermes adultos → os vermes adultos migram para a veia mesentérica inferior ou para outras localizações. Quando eles morrem, podem gerar lesões por serem arrastados pelo sistema porta ou, quando vivos, espoliam o hospedeiro devido ao alto metabolismo, consumindo, por exemplo, grande quantidade de ferro. ● Ovos → quando um grande número de ovos atinge a luz intestinal, pode provocar hemorragias, edemas da submucosa e fenômenos degenerativos, com formações ulcerativas pequenas e superficiais. A eliminação dos ovos gera a eliminação de um antígeno solúvel por eles que provoca um processo inflamatório intenso → formação de uma zona de necrose e de um granuloma, evoluindo para um nódulo. Os granulomas podem aparecer no fígado e no intestino grosso, por exemplo. ● Esquistossomose aguda ⇒ Fase pré-postural: é a fase entre 10 a 35 dias após a infecção. Muitos pacientes são assintomáticos, mas outros têm mal estar, com ou sem febre, problemas pulmonares, como tosse, desconforto abdominal e hepatite aguda. ⇒ Fase aguda: sintomas aparecem em torno de 50 dias e podem durar até 120 dias após a infecção. Ocorre a formação de granulomas (resultado protetor da resposta imune ausente em imunossuprimidos), áreas de necrose, então o paciente apresenta sintomas, como sudorese, calafrios, diarreia, emagrecimento, febre alta, tenesmo, etc. Pode ser letal, mas geralmente evolui para a fase crônica de 4 a 6 meses. No início da infecção, há hipersensibilidade do hospedeiro aos antígenos solúveis secretados pelos ovos, mas esta decresce na fase crônica. ● Esquistossomose crônica ⇒ Intestino: causa diarreia mucossanguinolenta (ocorre por causa da passagem de múltiplos ovos para a luz intestinal), dor abdominal, tenesmo, constipação. ⇒ Fígado: fígadoaumentado de volume e bastante doloroso à palpação. As lesões granulomatosas em torno dos ovos podem tornar o fígado menor e fibrosado, formando lobulações → obstrução da veia porta com a formação de pequenos trombos → hipertensão portal, provocando: ↱Esplenomegalia: hiperplasia do tecido reticular e dos elementos do sistema monocítico fagocitário (SMF) → resultado de um fenômeno imunoalérgico. ↱Varizes: a circulação colateral do esôfago tenta compensar a hipertensão portal devido à obstrução dela, gerando “varizes esofagianas” que podem romper-se e provocar uma hemorragia muitas vezes fatal. ↱ Ascite ou “barriga d’água”: achado nas formas hepatoesplênicas graves e decorre de alterações como a hipertensão. ⇒ Localizações ectópicas: já foram encontrados ovos no sêmen, na pele, nos ovários, no SNC, no pulmão (podem surgir granulomas pulmonares nos capilares que afetam a pequena circulação e o esforço cardíaco), no pâncreas, no testículo e na medula. Resumindo: as formas da doença são bem variáveis dependendo da carga parasitária e o paciente pode até evoluir de uma forma para outra. 6. Diagnóstico ● Clínico: verificar a fase da doença e obter dados sobre o histórico e os hábitos do paciente por meio da anamnese (contato com água, por exemplo). ● Parasitológico ou direto: pode ser feito exame de fezes por método de sedimentação ou centrifugação em éter sulfúrico que se baseiam na densidade dos ovos ou por tamisação (método de concentração). Esses são melhores para detectar ovos nas fezes em caso de altas cargas parasitárias. Já a técnica de Kato-Katz é quantitativa → importante para avaliar controle de cura, controle das medidas profiláticas, ensaios clínicos de novas drogas, etc. Outros: ⇒ Biópsia ou raspagem da mucosa retal: teste sensível e de verificação rápida, mas resulta em desconforto para o paciente. Pode-se fazer biópsia hepática, mas nunca é justificada para diagnóstico apenas da esquistossomose. ⇒ Ultrassonografia: diagnostica as alterações hepáticas, determinando com precisão o grau de fibrose. Porém, quando a fibrose é pouco extensa, pode ser confundida com outras etiologias (hepatite, salmoneloses, tuberculose). ● Imunológico: mede a resposta do organismo ao hospedeiro diante de antígenos do parasito. Não permitem a certeza do diagnóstico, pois podem ocorrer reações cruzadas, resultando em falsos-positivos e negativos. ⇒ Reação intradérmica ou intradermorreação: inoculação intradérmica de antígeno e verificação da pápula formada. A reação não serve como critério de cura, pois pode continuar mesmo depois do tratamento eficaz. É um método mais importante para inquéritos epidemiológicos, porque é rápido e de baixo custo e, quando aplicado individualmente, deve ser associado ao exame de fezes, mesmo que a reação seja positiva. ⇒ ELISA ou método imunoenzimático: o antígeno mais utilizado é o verme adulto, pois é mais econômico e não apresenta muita diferença na sensibilidade e especificidade. Para essa técnica, pode-se utilizar quantidades mínimas de soro e de antígeno e pode-se realizar em série. É considerada a melhor técnica quanto à especificidade e sensibilidade (RIFI, por exemplo, é complicada, demorada e tem menos especificidade). ⇒ ELISA de captura ou Técnica Imunoenzimática para Detecção de Antígenos Parasitários Circulantes: detectam antígenos dos parasitos no soro ou na urina de pacientes por meio de um anticorpo monoclonal fixado às paredes das cubas da placa de ELISA. Esse antígeno (no caso, proteoglicanos provenientes do tubo digestivo do verme) é estável e desaparece após a cura. ⇒ PCR: vantagem de ser utilizada em pacientes com baixa carga parasitária. 7. Epidemiologia ● Doença antiga → detectada em múmias egípcias. ● Outras espécies de parasitos do gênero Schistosoma também vieram ao Brasil, mas devido à própria demanda de hospedeiro intermediário não conseguiram se instalar. ● Há uma estreita relação entre áreas de média a alta endemicidade e aquelas que apresentam Biomphalaria glabrata. Em locais sem saneamento básico onde há essa espécie, ocorre transmissão da parasitose. ● No Brasil → Biomphalaria glabrata ocorre desde o Rio Grande do Norte até Minas Gerais. No Ceará, a espécie Biomphalaria straminea é a única que transmite. A Biomphalaria tenagophila é o agente transmissor de algumas regiões do estado do Rio de Janeiro e em extensas áreas dos estados de São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais. ● Fatores de risco: ⇒ Clima de país tropical: temperatura + luminosidade; ⇒ Hábitats aquáticos que possuem microalgas (alimentos dos moluscos), poluição orgânica, gerando proliferação de fitoplâncton; ⇒ O hospedeiro definitivo que tem importância epidemiológica é o homem; ⇒ Construção de esgotos domésticos que desembocam diretamente em criadouros; ⇒ Falta de educação sanitária e de saneamento básico; ⇒ Disseminação de espécies de caramujos e de linhagens de Schistosoma mansoni por meio de migrações internas → transporte de barco, plantas, etc; ⇒ Sistema pesque-pague (projeto de piscicultura): disseminação de caramujos com os peixes; aquariofilia, comércio de plantas aquáticas. ● Dados epidemiológicos: faixas etárias mais jovens têm maior prevalência e cargas parasitárias mais altas (5-20 anos) e pessoas que trabalham em contato com o meio aquático (lavadeiras, rizicultores, trabalhadores de canaviais irrigados por canais) ou jovens que brincam na água são do grupo de maior risco. 8. Tratamento ● Oxamniquina e praziquantel (estudar no caso de alterações neurológicas, mulheres grávidas, doenças cardíacas graves e hepatite). É importante prevenir a forma grave da doença, pois mesmo com baixas cargas parasitárias podem ocorrer complicações, como ovos na medula espinal que geram paraplegia. Lembrar que cada casal de parasitos pode formar 200 granulomas por dia. ● A oxamniquina (mais usada) atua nas formas evolutivas da pele e dos pulmões. Ela tem ação específica contra o S. mansoni, já o praziquantel atua contra todas espécies do gênero Schistosoma que parasitam o homem. Seus efeitos colaterais são menores em relação aos da oxamniquina e ele atua com pouca eficácia nas formas jovens do parasito. ● Efeitos colaterais: alucinações e tonturas. 9. Profilaxia Medidas principais: ● Tratamento da população: o tratamento em larga escala (todos os casos positivos detectados) ou seletivo (faixas etárias mais jovens) resultaram em diminuição das formas hepatoesplênicas. Porém, com a suspensão do tratamento, em poucos anos, há a volta dos índices anteriores. ● Saneamento básico: principalmente a construção da rede de esgoto e tratamento de água. ● Educação sanitária. ● Uma vacina produzida pela Fiocruz para a esquistossomose está em fase de testes e logo chegará ao mercado.
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