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1 Júlia Morbeck – @med.morbeck Objetivos 1- Estudar a epidemiologia, etiologia, ciclo de vida, fatores de risco, fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento das doenças causadas pelos principais helmintos patogênicos. DOENÇAS: Esquitossomose, Ascardidíase, Enterobiose e Teníase. Helmintos ↠ Os helmintos são organismos multicelulares complexos alongados e bilateralmente simétricos. Eles são consideravelmente maiores que os protozoários parasitas e quase sempre são macroscópicos, variando em tamanho de menos de 1 mm a 1 m ou mais. A superfície externa de alguns vermes é recoberta por uma cutícula protetora, a qual é acelular e pode ser lisa ou possuir projeções, espinhos ou tubérculos. A cobertura protetora dos vermes achatados (platelmintos) é denominada tegumento (MURRAY, 2017). ↠ Frequentemente, os helmintos possuem estruturas de fixação elaboradas, como ganchos, ventosas, dentes ou placas. Essas estruturas estão normalmente localizadas na região anterior e podem ser úteis na classificação e identificação dos organismos (MURRAY, 2017). ↠ Os helmintos são separados em dois filos, os Nematelmintos e os Platelmintos (MURRAY, 2017). Nematelmintos ↠ O filo dos Nematelmintos consiste nos vermes cilíndricos, os quais possuem corpos cilíndricos. O sexo dos nematoides é separado, e esses organismos apresentam um sistema digestivo completo. Os nematelmintos podem ser parasitas intestinais ou infectar o sangue e os tecidos (MURRAY, 2017). Platelmintos ↠ O filo dos Platelmintos consiste nos vermes achatados, os quais apresentam corpos que se assemelham a folhas ou se parecem com segmentos de fita. Os Platelmintos podem ser subsequentemente divididos em trematódeos e cestoides (MURRAY, 2017). • Trematodas, ou trematódeos, apresentam corpos com aspecto de folha. A maioria é hermafrodita, com órgãos sexuais masculinos e femininos em um único corpo. O sistema digestivo é incompleto e apenas apresenta tubos em forma de saco. Os ciclos de vida são complexos; caramujos servem como primeiros hospedeiros intermediários, e outros animais ou plantas aquáticas atuam como segundos hospedeiros intermediários. • Cestoides, ou vermes em forma de fita, apresentam o corpo composto de fitas de proglotes ou segmentos. Todos são hermafroditas e não apresentam sistema digestivo, absorvendo nutrientes através das paredes do corpo. Os ciclos de vida de alguns cestoides são simples e diretos, enquanto os de outros são complexos e requerem um ou mais hospedeiros intermediários. Os helmintos ou “vermes” são subdivididos em três grupos: nematoides (“vermes fusiformes”), trematódeos (“vermes chatos”) e cestoides (“vermes em fita”) (MURRAY, 2018). TREMATÓDEOS ↠ Os trematódeos são conhecidos desde a Antiguidade. São helmintos muitos abundantes, geralmente visíveis a olho nu, que parasitam todos os grupos de vertebrados (FEREIRA, 2020). ↠ Os trematódeos digenéticos são vermes achatados dorsoventralmente e quase sempre providos de ventosas, estruturas importantes para sua fixação ao seu hábitat no hospedeiro definitivo (FEREIRA, 2020). ↠ Os trematódeos da infraclasse Digenea são endoparasitas obrigatórios, com ciclos de vida complexos, que envolvem pelo menos dois hospedeiros distintos; são, portanto, heteróxenos. São responsáveis por doenças humanas de grande prevalência em diversas regiões do mundo, várias delas claramente associadas à pobreza (FEREIRA, 2020). Esquistossomose ↠ Das 22 espécies de esquistossomos descritas até o momento, sete são frequentemente encontradas no ser humano (FEREIRA, 2020). No Brasil, descreve-se o adoecimento por Schistosoma mansoni (SIQUEIRA- BATISTA, 2020). ↠ A esquistossomose é provocada pelo platelminto trematódeo Schistosoma mansoni, que possui como hospedeiro intermediário o caramujo do gênero Biomphalaria, sendo popularmente conhecida como “mal do caramujo” ou “barriga d ́água” (ANDRADE et. al., 2022). EPIDEMIOLOGIA ↠ É responsável por importante morbimortalidade, alterando o desenvolvimento dos enfermos jovens, bem como, algumas vezes, reduzindo a capacidade de trabalho APG 06 – ESTUDANTE EM AÇÃO 2 Júlia Morbeck – @med.morbeck dos adultos, representando, por conseguinte um grave problema de saúde pública (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ No Brasil, existem cerca de seis milhões de portadores desta helmintíase. Por ter relação com estados de vulnerabilidade social e com situações de más condições sanitárias, são moléstias que fazem parte do grupo das doenças tropicais negligenciadas. Assim, torna-se um grande desafio a ser enfrentado coletivamente (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Durante os anos de 2010 a 2017 o Brasil registrou um total de 76.862 casos de esquistossomose, os quais apresentaram-se em declínio ao longo dos anos (ANDRADE et. al., 2022). ↠ Houve uma prevalência significativa no sexo masculino (61,11%), o que é apontado em outros estudos e pode estar relacionado ao maior tempo de atividades de lazer em local de exposição ao agente causador da esquistossomose, tornando-os mais vulneráveis (ANDRADE et. al., 2022). ↠ Os cincos estados brasileiros com maiores números de casos são listados, sendo responsáveis por aproximadamente 93,6% (n=71.915) dos casos. O fato destas regiões possuírem um maior número de estados com alta taxa de infecção é devido a presença de um habitat ideal para o Biomphalaria spp., hospedeiro intermediário para o Schistosoma mansoni, sendo comum de ser encontrado nas coleções hídricas naturais e nas coleções hídricas artificias, favorecendo assim a sobrevivência do caramujo (ANDRADE et. al., 2022). ETIOLOGIA ASPECTOS MORFOLÓGICOS ↠ Os trematódeos passam por diferentes etapas de evolução, desde o hospedeiro invertebrado até o vertebrado (vermes adultos, ovos, miracídios, esporocistos, cercárias e esquistossômulos) (SIQUEIRA- BATISTA, 2020). ↠ Os metazoários adultos habitam o sistema porta hepático, com destaque para a veia mesentérica inferior. A fêmea, em fase adulta, tem característica mais alongada e pode ser encontrada em uma fenda do corpo do macho, denominada canal ginecóforo. Sua longevidade é, em geral, de três a cinco anos, podendo chegar a 25 anos (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ O gênero Schistosoma abrange helmintos trematódeos, com sexos separados (dioicos). O tegumento de um helminto adulto é constituído por uma camada sincicial de células anucleadas, recoberta por uma espessa citomembrana heptalamelar, renovada constantemente. Os patógenos alimentam-se de sangue, consumindo diariamente uma quantidade significativa de hemácias. Os produtos não aproveitados na digestão são eliminados através da boca, pois este invertebrado não tem ânus (de fato, apresenta um tubo digestório incompleto). Os solenócitos são células especializadas na excreção. Trematódeos do gênero Schistosoma também não apresentam sistema circulatório (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). B e C. Morfologia dos vermes adultos de Schistosoma mansoni: em B, observa-se o par de ventosas (uma oral e outra ventral, esta também conhecida como acetábulo) que caracteriza os trematódeos; em C, observa-se um casal de vermes adultos, com a fêmea (mais escura) alojada no canal ginecóforo do macho. 3 Júlia Morbeck – @med.morbeck CICLO DE VIDA ↠ O ciclo biológico do S. mansoni é complexo, sendo composto por duas fases parasitárias: uma no hospedeiro definitivo (vertebrado/humano) e outra no intermediário (invertebrado/caramujo) (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). Em condições favoráveis se completa em torno de 80 dias. Há, ainda, duas passagens de larvas de vida livre no meio aquático, que se alternam com as fases parasitárias. No H. sapiens, o ciclo mostra-se sexuado, e o período decorrido entre a penetração das cercárias e o encontro de ovos nas fezes é de cercade 40 dias. No molusco, o ciclo é assexuado e também dura, aproximadamente, 40 dias (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Os vermes adultos vivem nos vasos do sistema porta hepático do hospedeiro vertebrado. A cópula resulta da justaposição dos orifícios genitais masculino e feminino, quando a fêmea está alojada no canal ginecóforo (fenda longitudinal, no macho, para albergar a fêmea e fecundá- la). Uma fêmea coloca cerca de 300 ovos por dia, que só amadurecem uma semana depois, quando conterão, em seu interior, o miracídio formado. Alguns ovos alcançam a corrente sanguínea, enquanto outros chegam ao lúmen intestinal através da submucosa (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). Esses ovos exibem caracteristicamente uma espícula lateral grande. A casca do ovo, bastante rígida, é também porosa, o que possibilita a liberação de substâncias produzidas pelo embrião em formação em seu interior e a entrada de nutrientes (FEREIRA, 2020). ↠ De fato, após a postura, cerca da metade destes ovos é eliminada pelas fezes, a partir de um processo de ulceração dos tecidos do hospedeiro definitivo, com vistas a alcançar o lúmen intestinal. A outra metade tem uma parte retida na parede do intestino e outra que retorna para a circulação sanguínea e aloja-se em diferentes tecidos, em especial no fígado. Tal processo pode gerar efeitos locais ou sistêmicos (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). A inflamação que a presença dos ovos desperta no hospedeiro, especialmente pela liberação de glicoproteínas antigênicas, resulta em ruptura da parede da vênula, liberando os ovos nos tecidos perivasculares e finalmente no lúmen intestinal. Parte dos ovos eliminados, no entanto, fica retida no tecido fibroso resultante da inflamação em torno das vênulas, sem chegar ao lúmen intestinal (FEREIRA, 2020). No ambiente externo, com boa luminosidade, a eclosão dos ovos depende do contato com água doce; a baixa concentração de cloreto de sódio é um fator crítico para desencadear o processo de eclosão. A temperatura da água deve situar-se entre 10°C e 37°C (FEREIRA, 2020). ↠ Ao entrar em contato com a água, os ovos maduros “incham”, eclodem e liberam larvas ciliadas, denominadas miracídios (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ O miracídio de formato oval e revestido por numerosos cílios é o primeiro estágio de vida livre do Schistosoma. Eles ocorrem em locais onde não há rede de esgotos tratados e as fezes contaminadas são lançadas indevidamente em rios e lagos, tendo a chance de nadar ao encontro do hospedeiro intermediário, o caramujo (gênero Biomphalaria, no caso do S. mansoni). Essa forma apresenta grande capacidade de locomoção e afinidade quimiotática para moluscos, sendo que sua garantia de sobrevida depende diretamente do encontro com o hospedeiro intermediário. Assim, dá continuidade ao ciclo evolutivo do parasito (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). Na extremidade anterior do miracídio, encontra-se uma estrutura conhecida como papila apical ou terebratório, onde se situam as terminações das glândulas adesivas e da glândula de penetração. A localização do hospedeiro intermediário é facilitada pela secreção, pelos caramujos, de glicoconjugados que estimulam a movimentação dos miracídios. Tanto os miracídios como os caramujos são atraídos pela luz (ou seja, apresentam fototaxia positiva), fator que facilita seu encontro no ambiente aquático. A luminosidade parece também estimular a exposição, pelo molusco, de sua massa cefalopodal, que é o sítio mais comum de penetração dos miracídios (FEREIRA, 2020). 4 Júlia Morbeck – @med.morbeck O contato com o tegumento do molusco induz uma mudança estrutural na papila apical do miracídio, que assume a forma de ventosa. Ocorre a descarga do conteúdo das glândulas adesivas, principalmente enzimas proteolíticas, que digerem os tecidos do hospedeiro. Cerca da metade dos miracídios que penetraram consegue desenvolver-se no interior do molusco (FEREIRA, 2020). ↠ Ao penetrar nas partes moles do molusco, o miracídio perde parte de suas estruturas. As células remanescentes reorganizam-se e, em 48 horas, transformam-se em um saco alongado repleto de células germinativas. Esse saco é o esporocisto. Os esporocistos primários geram os secundários ou esporocistos-filhos e as células germinativas, destes últimos, são transformadas em cercarias (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). Nesse processo, formam-se inicialmente aglomerados de células germinativas nas paredes do esporocisto primário, que se organizam dando origem a septos. A partir deles, formam-se os esporocistos secundários ao final de 2 semanas após a penetração, desde que sob uma temperatura ideal entre 25°C e 28°C. Ao final de 3 semanas, os esporocistos secundários migram ativamente até o hepatopâncreas do caramujo, um local rico em nutrientes; mais raramente, a glândula reprodutiva do caramujo, chamada de ovotéstis, é também alvo de migração, podendo haver castração do hospedeiro. Cerca de 4 a 7 semanas após a penetração, originam-se, a partir de esporocistos secundários, numerosas formas larvárias, conhecidas como cercarias (FEREIRA, 2020). Aproximadamente 1.000 a 3.000 cercárias, resultantes desse processo de reprodução por poliembrionia, são eliminadas por dia. Um único miracídio chega a originar 300.000 cercárias, todas do mesmo sexo. Os esporocistos secundários podem originar não somente cercárias, mas também novas gerações de esporocistos filhos, que produzirão mais cercárias e uma nova geração de esporocistos, e assim por diante (FEREIRA, 2020). ↠ A cercária, segunda fase de vida livre do helminto, atravessa a parede do esporocisto, migrando para as partes moles mais externas do caramujo. Essa larva tem corpo e cauda, e é adaptada à vida aquática. Os hospedeiros intermediários começam a eliminá-las após 4 a 7 semanas da infecção pelos miracídios, situação que se mantém por toda a vida (aproximadamente, um ano) (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). As cercárias deixam os moluscos seguindo um ritmo circadiano, com maior eliminação nas horas com maior luminosidade e mais quentes do dia. Entretanto, cercárias de isolados de S. mansoni provenientes de roedores podem ser mais frequentemente eliminadas no início da noite, provavelmente como uma adaptação ao comportamento do hospedeiro definitivo (FEREIRA, 2020). Apresentam uma ventosa oral e uma ventosa ventral, esta maior e crucial para a fixação na pele do hospedeiro definitivo durante o processo de penetração. Seu hábitat são as coleções de água doce, onde elas permanecem viáveis por um curto espaço de tempo. Precisam encontrar o hospedeiro vertebrado em 24 a 36 horas, tarefa facilitada pela agitação na água criada pela presença de animais e seres humanos, que estimula sua locomoção (FEREIRA, 2020). ↠ As cercárias são atraídas pelo calor do corpo e pelos lipídios da pele humana; a penetração na cútis é consumada entre os folículos pilosos, com o auxílio das secreções histolíticas das glândulas de penetração e pela ação mecânica devido aos movimentos intensos da larva. Esta se acopla à pele por meio de suas duas ventosas. Nesse processo, que pode durar até 15 minutos, a cercária perde sua cauda, e após atravessar a pele do hospedeiro se transforma em esquistossômulo (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). Localizado o hospedeiro, a penetração na pele dá-se com o auxílio de proteases secretadas por glândulas de penetração, localizadas em sua extremidade cefálica. A cauda das cercárias é deixada para trás logo no início da penetração, que dura poucos minutos. O corpo transforma-se em esquistossômulo, que atravessa a epiderme e a derme e chega aos vasos sanguíneos e linfáticos da pele e do tecido subcutâneo. Transformações dramáticas ocorrem rapidamente, especialmente no tegumento, para garantir a sobrevida do esquistossômulo. A membrana da cercária, recoberta por espesso glicocálix, é substituídapor um epitélio multilamelar, ao qual são incorporadas moléculas do hospedeiro. Esse epitélio, com extensas microvilosidades, será responsável pela nutrição do esquistossômulo e por sua defesa contra a resposta imune humoral do hospedeiro, mediada por anticorpos circulantes e componentes do sistema complemento (FEREIRA, 2020). 5 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Os esquistossômulos aclimatam-se às características orgânicas do meio interno humano, passando pelo tecido subcutâneo. Ao entrarem em um vaso, grande parte deles é alcançada pelo sistema imunológico do hospedeiro. Aqueles que conseguem escapar são transportados de maneira passiva até o coração direito, os pulmões, as veias pulmonares, o coração esquerdo, o sistema porta e as veias mesentéricas, até chegarem às alças intestinais, principalmente do sigmoide e do reto (SIQUEIRA- BATISTA, 2020). ↠ Os esquistossômulos alcançam o sistema porta, seja por via sanguínea seja por meio transtissular. Uma vez aí alojados, são nutridos e desenvolvem-se, evoluindo para formas unissexuadas, machos e fêmeas, 28 a 30 dias após a penetração. Em seguida, migram, acasalados, pelo sistema porta, até a área de abrangência da artéria mesentérica inferior, local onde farão a oviposição. Quarenta dias após a infecção do hospedeiro, em média, os ovos podem ser notados no material fecal. Assim, completa-se o ciclo evolutivo do helminto (SIQUEIRA- BATISTA, 2020). A maturação sexual ocorre primeiramente nos machos. O macho, com 6 a 12 mm de comprimento, acasala-se com uma fêmea de aparelho reprodutor ainda imaturo, dobrando seu corpo em volta do dela e formando um canal virtual denominado canal ginecóforo. A fêmea tem corpo mais afilado e alongado, aproximadamente cilíndrico, com 15 mm de comprimento. O macho, ao secretar hormônios no canal ginecóforo, estimula o amadurecimento do aparelho reprodutor da fêmea. Após o acasalamento, ocorre a migração do casal no contrafluxo da circulação sanguínea, em direção às veias e vênulas do plexo mesentérico. Nessa migração, o macho fixa alternadamente sua ventosa oral e dorsal no endotélio dos capilares para movimentar o casal. Quando o casal chega às vênulas do plexo mesentérico inferior, inicia-se a oviposição. Os primeiros ovos são encontrados nas fezes 6 a 8 semanas após a infecção. Os adultos vivem em média 3 a 10 anos, podendo chegar a 3 décadas de sobrevida. Os ovos permanecem nos tecidos por cerca de 20 dias; se não eliminados nas fezes até o final desse período, ocorre a morte do miracídio em seu interior (FEREIRA, 2020). FISIOPATOLOGIA A etiopatogenia da esquistossomose mansônica depende da interação entre H. sapiens e helminto. Com relação ao S. mansoni, algumas características são determinantes, como a cepa, a fase de evolução, a intensidade e o número de infecções. No que diz respeito ao hospedeiro, destacam-se os seguintes quesitos: a constituição genômica, o órgão predominantemente lesado, o padrão alimentar, a etnia, a sensibilização prévia, as infecções associadas (HIV, HTLV-I, vírus das hepatites B e C, entre outras), o tratamento específico e o padrão imunológico do indivíduo (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). O ciclo do S. mansoni apresenta características distintas em diferentes órgãos e tecidos. As mudanças de etapas “funcionam” como uma maneira do helminto “burlar” o sistema imune do hospedeiro, exigindo deste último díspares respostas para as distintas fases do ciclo (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ A penetração ativa da pele ou da mucosa, executada pelas cercárias, independentemente da integridade dessas estruturas, pode desencadear variadas alterações locais. Do ponto de vista imunológico, a resposta do hospedeiro é ativada, com a consequente inflamação, por vezes significativa, caracterizada por um aumento da produção de citocinas pró-inflamatórias, como fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), interleucina-1 (IL-1) e interferona gama (IFN-γ), o que expressa um tipo de resposta Th1 ao helminto. A resposta imunológica a partir dessa reação inflamatória é capaz de destruir uma quantidade significativa de cercárias e esquistossômulos na pele, produzindo microscopicamente um infiltrado inflamatório agudo discreto, predominantemente composto por granulócitos, inclusive eosinófilos. Assim, muitos pacientes apresentam lesões de urticária e prurido nas partes do corpo que entram em contato com a água contendo cercarias (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ No que diz respeito à regulação da resposta imune inata ao esquistossômulo na pele, um aspecto importante é a produção local de citocinas – interleucinas 6, 10 e 12 (IL-6, IL-10 e IL-12) – e de quimiocinas CCL3, CCL4 e CCL11. O período pré-patente, ainda na fase aguda, completa-se com a produção de ovos – isto é, a oviposição. Mais tarde, acontece a migração dos ovos para diferentes tecidos, o que resulta em reações de hipersensibilidade de tipo IV, caracterizada pela formação do granuloma esquistossomótico. Este último desempenha um duplo papel na resposta imune aos helmintos - por apresentar função de proteção, mas também por suas implicações na patogênese da EM - cuja característica importante é a substituição do predomínio da resposta do tipo Th1, típica do período pré-patente. Além disso, é altamente contrarregulada por IL-10. A capacidade proliferativa dos linfócitos e o tamanho 6 Júlia Morbeck – @med.morbeck do granuloma diminuem, levando a menos danos nos tecidos pela resposta imune (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ As alterações vasculares pulmonares relacionadas à esquistossomose mansônica caracterizam-se por achados clássicos de remodelação vascular associados a outras formas de hipertensão pulmonar, como hipertensão arterial pulmonar idiopática. Isso inclui as modalidades de remodelação endotelial concêntrica, excêntrica, dilatada (ou angiomatoide) e plexiforme, bem como o espessamento da adventícia. Um infiltrado inflamatório perivascular também é proeminente, caracterizado por linfócitos T, mastócitos e células dendríticas, sendo descrita a participação da resposta Th2 (SIQUEIRA- BATISTA, 2020). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS • Dermatite cercariana; • Esquistossomose aguda sintomática (febre de Katayama); • Esquistossomose crônica: forma intestinal, hepatointestinal e hepatoesplênica. COMPLICAÇÕES: Hipertensão pulmonar e cor pulmonale, lesão renal, neuroesquistossomose, forma pseudoneoplásica. ↠ A primeira evidência clínica da penetração de cercárias de S. mansoni, bem como de cercárias de outras espécies que não são capazes de se desenvolver completamente no homem, é a ocorrência de prurido transitório acompanhado de exantema papular. Esse quadro, conhecido como dermatite cercariana, ocorre imediatamente após a exposição às cercárias. Não exige exposição prévia ao parasito para manifestar-se e decorre da morte das cercárias que tentam penetrar na pele. Geralmente dura de 2 a 3 dias, podendo-se observar febre baixa e episódios transitórios de urticária durante 2 semanas (FEREIRA, 2020). ↠ A infecção aguda pode ser assintomática, assim como levar a quadros graves, dependendo da intensidade de infecção e da resistência do indivíduo. Quadros agudos sintomáticos, chamados de febre ou síndrome de Katayama, são mais comuns em crianças ou em indivíduos que não residem nas áreas endêmicas; ocorrem mais frequentemente quando a carga infectante é intensa (FEREIRA, 2020). ↠ O quadro agudo pode manifestar-se de modo inespecífico, com febre, cefaleia, prostração, anorexia e náuseas. Tosse e broncospasmo podem ocorrer, assim como dores abdominais e diarreia, às vezes com fezes mocussanguinolentas (FEREIRA, 2020). ESQUISTOSSOMOSE MÂNSONICA CRÔNICA Findada a fase aguda, o quadro clínico regride, permanecendo a maioria dos pacientes assintomáticos. As manifestações clínicas podem retornar futuramente, sobretudoem razão de repetidas exposições do indivíduo a reinfecções - nos focos endêmicos, com aumento da carga parasitária - e da história natural da doença, a qual pode progredir para quadros de evolução crônica (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ A apresentação clínica nas formas crônicas de esquistossomose é variável. Muitos pacientes com esquistossomose crônica em áreas endêmicas são assintomáticos. Os desfechos clínicos dependem da frequência de exposição e da carga parasitária resultante, da resposta inflamatória desencadeada pelos ovos ou antígenos liberados, da idade do hospedeiro e de fatores imunogenéticos ainda não bem compreendidos. A esquistossomose intestinal pode ser assintomática por anos (FEREIRA, 2020). ↠ Podem-se relatar dores abdominais, episódios de diarreia intermitente, com presença ocasional de muco ou sangue nas fezes. A sintomatologia é geralmente inespecífica. As lesões pseudoneoplásicas do cólon representam uma complicação importante, porém rara (FEREIRA, 2020). ↠ A forma hepatointestinal inicialmente tem quadro clínico também pobre, mas, além dos sintomas digestivos, observa-se aumento de volume do fígado, que se torna palpável, principalmente à custa do lobo esquerdo (FEREIRA, 2020). ↠ Com o passar do tempo e a deposição de ovos no parênquima, ocorre fibrose hepática, mas ainda não há necessariamente hipertensão portal e esplenomegalia. O fígado encontra-se aumentado e endurecido à palpação e os exames de imagem desse órgão mostram fibrose moderada a intensa. A fibrose hepática esquistossomótica não acarreta intensas perdas de função hepática; em geral, os hepatócitos e a estrutura lobular são preservadas (FEREIRA, 2020). 7 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ A hipoalbuminemia resultante da perda de função hepática, associada à hipertensão portal, leva à formação de ascite, sinal que explica um dos nomes populares da esquistossomose no Brasil: barriga d’água. É possível também ocorrer icterícia (FEREIRA, 2020). Uma das complicações mais comuns das formas hepatoesplênicas é o acometimento renal, que decorre da deposição de imunocomplexos nos glomérulos renais, acarretando perda de proteína pela urina de intensidade variável em 10 a 15% dos pacientes com a forma hepatoesplênica da esquistossomose (FEREIRA, 2020). ↠ Nas formas crônicas de esquistossomose, a lesão histopatológica básica é o granuloma que se desenvolve em torno dos ovos, no fígado e no espaço perivascular da parede intestinal, ocasionando posteriormente fibrose periportal (FEREIRA, 2020). Formam-se inicialmente granulomas inflamatórios grandes, ricos em eosinófilos, com um centro necrótico. Os primeiros granulomas tendem a involuir, e os próximos granulomas a se formarem em torno de ovos recém-chegados são progressivamente menores, com mais fibrose e predomínio de macrófagos sobre eosinófilos em sua periferia. Os granulomas que se formam em torno de ovos maduros no pulmão e no intestino, no entanto, não exibem esse padrão de substituição progressiva por lesões menores. Quando há grande quantidade de ovos nos tecidos, os granulomas frequentemente se fundem, originando uma lesão inflamatória difusa (FEREIRA, 2020). ↠ Os granulomas são progressivamente ocupados por camadas concêntricas de colágeno. Citocinas de tipo TH2, como IL-13, parecem desempenhar um papel central nesse processo. Além disso, as células estreladas são fundamentais: uma vez ativadas, transformam-se em fibroblastos hepáticos produtores de colágeno, o principal tipo celular responsável pela fibrose (FEREIRA, 2020). ↠ Na forma hepatoesplênica compensada, junto dos sintomas digestivos e gerais já relatados nas formas intestinal e hepatointestinal - como sensação de plenitude gástrica pós-prandial, azia, dor abdominal vaga e difusa - associam-se a hipertensão portal e a esplenomegalia, podendo evoluir com fenômenos hemorrágicos, como hematêmese e melena, sem manifestação de doença hepatocelular e, portanto, sem a presença de lesão significativa do parênquima hepático (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). Frequentemente são descritas associações da esquistossomose a outras infecções bacterianas e virais. O exemplo mais conhecido são as bacteriemias crônicas por Salmonella enterica, em pacientes com esquistossomose hepatoesplênica. Essas bactérias, bem como outras enterobactérias, alojam-se no tegumento e no trato digestório dos vermes adultos, o que dificulta sua erradicação se a esquistossomose não for tratada simultaneamente. Os mecanismos pelos quais a interação entre as infecções por Schistosoma e Salmonella favorece a persistência da infecção bacteriana permanecem indefinidos, especulando-se sobre possíveis alterações na produção de anticorpos específicos e na capacidade de ativação de macrófagos, em decorrência da infecção por Schistosoma (FEREIRA, 2020). ↠ Além disso, cerca de 20 a 30% dos pacientes apresentam comprometimento do sistema nervoso central (neuroesquistossomose), seja diretamente pelo parasita ou indiretamente pela deposição de complexos imunes circundantes (ANDRADE et. al., 2022). DIAGNÓSTICO ↠ A suspeita diagnóstica de EM deve surgir a partir de dados epidemiológicos e clínicos. Por ter apresentações clínicas heterogêneas, muitas vezes com sintomatologia vaga, os exames laboratoriais são fundamentais para Lesão histopatológica básica da esquistossomose crônica, o granuloma em torno dos ovos depositados no fígado. 8 Júlia Morbeck – @med.morbeck confirmação diagnóstica dos casos da moléstia (SIQUEIRA- BATISTA, 2020). EXAME CLÍNICO ↠ Poliadenopatia e hepatoesplenomegalia dolorosas são achados de exame físico (FEREIRA, 2020). PARASITOLÓGICO DE FEZES Na fase aguda da infecção, relacionada à migração e ao amadurecimento dos vermes, normalmente não são encontrados ovos nas fezes; o diagnóstico, portanto, exige o uso de métodos laboratoriais indiretos. Na esquistossomose crônica, as principais estratégias diagnósticas baseiam-se no achado de ovos de S. mansoni nas fezes ou em tecidos (FEREIRA, 2020). ↠ A mais utilizada é a técnica de Kato-Katz, a qual possibilita a visualização e a contagem dos ovos por grama de fezes, fornecendo um indicador quantitativo que permite avaliar a intensidade da infecção e a eficácia do tratamento. Há também a técnica de Lutz ou Hoffman, Pons e Janer (HPJ), que usa métodos de sedimentação espontânea. Em geral, observam-se ovos contendo miracídios bem formados e viáveis. Os ovos dos helmintos começam a ser eliminados nas fezes a partir da sexta semana após a infecção, ou seja, a partir de 40 dias após a entrada da cercária no organismo humano. O Kato-Katz é o método escolhido para os inquéritos coproscópicos de rotina nas áreas endêmicas e em investigações epidemiológicas (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). EXAMES LABORATORIAIS PESQUISA DE ANTÍGENOS: O alvo principal é antígeno circulante catódico, que pode ser detectado na urina de indivíduos infectados com o uso de um teste rápido em forma de cartão impregnado com anticorpos monoclonais de captura. O POC-CCA é similar a um teste de gravidez. Uma gota de urina é depositada na fita; se aparecer um traço vermelho após alguns minutos, o teste é considerado positivo. Quando aplicado a populações expostas a baixos níveis de transmissão, como aquelas encontradas no Brasil, o método detecta até seis vezes mais portadores de infecção do que o exame de fezes convencional, baseado no exame de uma única amostra pelo método de Kato-Katz. Sua principal limitação consiste na interpretação de traços muito leves, considerados duvidosos pelo examinador. O método, ainda que baseado em antígeno de S. mansoni, também possibilita o diagnóstico de infecção por S. japonicum e S. mekongi (FEREIRA, 2020). MÉTODOS MOLECULARES: Diversos métodos moleculares de diagnóstico, normalmente derivados da reação em cadeia da polimerase(PCR), mostram-se muito superiores ao exame de fezes quanto à sensibilidade. Detecta-se DNA do parasito, de modo qualitativo ou quantitativo, em amostras de fezes, soro ou plasma de pacientes. Uma importante limitação está no fato de os exames permanecerem positivos por semanas ou mesmo meses após o tratamento, o que sugere a possibilidade de liberação prolongada de DNA do parasito de ovos retidos nos tecidos do hospedeiro. O custo e a relativa complexidade do método representam outras sérias limitações para uso em larga escala, especialmente em países endêmicos (FEREIRA, 2020). MÉTODOS IMUNOLÓGICOS: As reações imunológicas são mais empregadas na fase crônica da doença (mostram- se positivas a partir do 25ª dia). Sua importância aumenta com a progressão (cronicidade) da entidade nosológica. Os principais ensaios são: (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). • a intradermorreação (apropriada para inquéritos epidemiológicos e para o diagnóstico dos doentes não oriundos de área endêmica, com quadro sugestivo de estarem apresentando alterações relacionadas à fase pré-postural); • a imunofluorescência indireta, • a técnica imunoenzimática (enzyme-linked immunosorbent assay – ELISA); • o ELISA de captura. No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) “estão disponíveis a Imunofluorescência Indireta (IFI) com pesquisa de IgM e o Ensaio imunoenzimático (ELISA)” (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). AVALIAÇÃO INESPECÍFICA ↠ O hemograma mostra leucocitose com eosinofilia intensa, com contagens chegando a mais de 1.000 eosinófilos/mm3 de sangue, que despertam a atenção do clínico para o possível diagnóstico (FEREIRA, 2020). ↠ Pode ocorrer elevação das enzimas hepáticas, como as transaminases e a gamaglutamiltransferase. Acredita-se que esse quadro seja causado pela deposição de imunocomplexos em diversos órgãos e tecidos (FEREIRA, 2020). TRATAMENTO ↠ Apesar dos poucos fármacos disponíveis para o tratamento da EM, a terapêutica caracteriza-se por alta eficácia e reduzido risco de efeitos adverso (SIQUEIRA- BATISTA, 2020). ↠ O tratamento quimioterápico da moléstia por meio de medicamentos de baixa toxicidade, como o praziquantel 9 Júlia Morbeck – @med.morbeck e a oxamniquina, deve ser preconizado para a maioria dos pacientes com presença de ovos viáveis nas fezes ou na mucosa retal (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). Por ser uma doença de curso crônico e evolução lenta, não impondo urgência para a instituição da terapêutica, recomenda-se aguardar até o pós-parto para iniciar o tratamento das gestantes (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). PRAZIQUANTEL: parece afetar o funcionamento do tegumento e da musculatura dos vermes adultos, provavelmente por inibição da bomba de sódio/potássio dos esquistossomos, levando a um grande influxo de cálcio. É eficaz contra vermes maduros, mas não contra formas imaturas, de todas as espécies de esquistossomos de interesse médico (FEREIRA, 2020). ↠ Entre as décadas de 1970 e 1990, empregava-se no Brasil a oxamniquina, em doses de 15 mg/kg de peso para adultos e 20 mg/kg de peso para crianças. Esse medicamento, que pode produzir efeitos colaterais, como sonolência, tontura e convulsões, não está atualmente disponível no mercado nacional (FEREIRA, 2020). OBS.: Entre os novos medicamentos em avaliação quanto à eficácia, destacam-se os derivados da artemisinina e a mefloquina, ambos habitualmente utilizados contra a malária. Esses medicamentos, ao contrário do praziquantel, parecem mais ativos contra os vermes imaturos do que contra os adultos, abrindo a possibilidade de seu uso combinado (FEREIRA, 2020). PREVENÇÃO De modo geral, as intervenções disponíveis para o controle da esquistossomose baseiam-se: (FEREIRA, 2020). • na eliminação de vermes adultos que parasitam o ser humano, mediante o emprego de praziquantel no tratamento de infecções confirmadas pelo exame parasitológico ou na quimioterapia preventiva em populações expostas a elevados níveis de transmissão; • na eliminação dos hospedeiros intermediários por meio de controle biológico (com o uso de caramujos competidores e peixes e outros animais aquáticos que se alimentam de caramujos), controle químico (com o uso de moluscicidas) ou saneamento ambiental; • na prevenção da infecção de caramujos a partir de miracídios provenientes das fezes humanas, mediante a melhoria de instalações sanitárias e a educação sanitária; • na redução de risco de infecção entre seres humanos, evitando seu contato com a água contaminada. Programas voltados para a erradicação de espécies do caracol têm sido tentados, ainda que eles sejam alvo de críticas. Em geral, a abordagem não resulta na erradicação completa e é difícil de sustentar-se, pois, o repovoamento por caramujos pode ocorrer muito rapidamente. Programas educacionais também têm um papel importante para o enfrentamento da helmintíase. Adolescentes foram o foco principal nesses programas, por serem a faixa etária com a maior intensidade de infecção (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). NEMATÓDEOS ↠ Os nematódeos ou nematoides são helmintos cilíndricos e alongados, com tamanho variando entre 0,2 mm e 6 m, geralmente com simetria bilateral, pertencentes ao filo Nematoda. Existem dezenas de milhares de espécies de nematódeos de vida livre que vivem na água e no solo; são os metazoários mais abundantes na Terra. O parasitismo parece ter surgido em diversos momentos da evolução dos nematódeos (FEREIRA, 2020). ↠ De modo geral, os helmintos tendem a induzir uma polarização da resposta imune do hospedeiro para um padrão TH2, com níveis elevados de IgE e eosinofilia pronunciada (FEREIRA, 2020). ↠ A estrutura básica de um nematódeo adulto pode ser descrita como um tubo que contém outro tubo em seu interior. O tubo externo corresponde à membrana externa do verme, recoberta por um tegumento ou cutícula elástica, acelular, com estrutura relativamente complexa. O tubo interno corresponde ao trato digestório, que nos nematódeos compreende uma cavidade bucal, seguida do esôfago e de um longo intestino, estrutura tubular revestida por uma única camada de epitélio colunar com microvilos proeminentes, que termina em uma cloaca (FEREIRA, 2020). ↠ Os nematódeos intestinais de interesse médico, com exceção das formas parasitárias de Strongyloides stercoralis, são dioicos – ou seja, apresentam sexos separados. Em geral, os machos são menores que as fêmeas (FEREIRA, 2020). Ascaridíase ↠ A ascaridíase – também conhecida por ascaridiose, ascaríase ou ascariose – é uma enfermidade provocada pelo helminto Ascaris lumbricoides, pertencente ao filo 10 Júlia Morbeck – @med.morbeck Nematoda, a qual acomete o intestino delgado humano, sendo considerada um grande problema de saúde pública (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Popularmente, o helminto também é conhecido como “lombriga” ou “bicha”. Na família Ascarididae, na qual o A. lumbricoides está incluído, também são encontradas espécies de importância veterinária, como o Ascaris suum que infecta o intestino delgado de suínos, e o Ascaris ovis, o qual acomete ovinos. Há uma grande controvérsia na literatura científica se a ascaridíase seria ou não uma zoonose, haja vista a existência de relatos de casos de infestação humana pelo A. suum (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). IMPORTANTE: Ascaris lumbricoides é geralmente considerado um parasito estenoxeno, que infecta exclusivamente seres humanos. No entanto, há evidências de infecção natural de seres humanos por A. suum, parasito de suínos. Como as diferenças morfológicas entre A. lumbricoides e A. suum são mínimas (somente em 1952 foram descritas diferenças sutis nos dentículos labiais das duas espécies), vêm-se empregando marcadores moleculares para estudar a distribuição de variantes de Ascaris entre populações humanas e suínas em diferentes contextos epidemiológicos (FEREIRA, 2020). EPIDEMIOLOGIA ↠ Aascaridíase - entidade nosológica cosmopolita de distribuição geográfica mundial - concentra-se principalmente em regiões tropicais e subtropicais, onde o clima quente e úmido confere melhores condições de sobrevivência no ambiente para o ovo do helminto (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ De acordo com a Organização mundial da Saúde (OMS), estima-se que mais de um bilhão de pessoas estejam infectadas pelo A. lumbricoides (SIQUEIRA- BATISTA, 2020). ↠ No Brasil, essa parasitose está presente em todas as regiões e é frequente em crianças, especialmente naquelas de idade escolar, sejam elas de origem urbana ou rural. Este alto índice está intimamente ligado a fatores socioeconômicos, sanitário-ambientais e de educação e pode produzir consequências prejudiciais no que tange ao desenvolvimento físico e cognitivo desses infantes (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). BRASIL: com maior prevalência no Norte e no Centro-Oeste, seguidos pelo Nordeste, pelo Sudeste e pelo Sul, nessa ordem (SIQUEIRA- BATISTA, 2020). FATORES DE RISCO ↠ As condições de higiene da população também são importantes para propagação dessa helmintíase. Nessa lógica, os locais que têm saneamento básico ineficiente apresentam maior facilidade de transmissão do metazoário, já que a fonte de infecção é o próprio ser humano, que deposita os ovos larvados no ambiente por meio da defecação (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Um aspecto cultural que contribui para a disseminação dessa helmintíase é a utilização de fezes humanas como fertilizante no cultivo de hortaliças e frutas. Esse costume, associado à incorreta higienização dos alimentos, é um dos principais fatores de propagação dessa verminose em longas distâncias, inclusive para locais de saneamento adequado (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Além de alimentos contaminados, como frutas, verduras e legumes, os ovos desse parasito também podem ser transmitidos por chuva, vento, partículas de poeira, insetos e até mesmo mãos mal higienizadas. As crianças na fase oral do desenvolvimento, que levam a mão à boca frequentemente e que, muitas vezes, brincam no chão, são particularmente vulneráveis a essa parasitose, às vezes com cargas parasitárias bastante expressivas (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ETIOLOGIA ↠ A ascaridíase é causada por parasitos do gênero Ascaris e espécie Ascaris lumbricoides (SIQUEIRA- BATISTA, 2020). ASPECTOS MORFOLÓGICOS ↠ As principais características que definem esse helminto são: corpo alongado, cilíndrico, fino e com extremidades afiladas; cobertura de cutícula lisa, brilhante e que contém duas linhas claras distribuídas longitudinalmente; ausência de segmentação e de ventosas; coloração que geralmente admite um branco-marfim ou um leve rosado, quando localizado no lúmen intestinal do hospedeiro; e duas extremidades, uma anterior e outra posterior (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). Morfologia de exemplares adultos de Ascaris lumbricoides. A fêmea (A) apresenta extremidade posterior retilínea, enquanto o macho (B), um pouco menor, apresenta extremidade posterior curva, com uma espícula. 11 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Os vermes adultos são cilíndricos, afilando-se gradualmente nas extremidades anterior e posterior. As fêmeas adultas podem chegar a mais de 40 cm de comprimento (porém, geralmente têm 20 a 35 cm) e 3 a 6 mm de diâmetro; os machos maduros medem 15 a 31 cm de comprimento e 2 a 4 mm de diâmetro (FEREIRA, 2020). Ademais, há dismorfismo sexual na espécie, com a fêmea exibindo sua extremidade posterior cônica e retilínea e o macho apresentando-a um pouco mais afunilada e encurvada para a superfície ventral (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Os vermes adultos habitam o lúmen do intestino delgado humano, onde se alimentam e copulam. A fêmea deposita cerca de 200.000 ovos por dia, que são eliminados nas fezes. Seu par de túbulos genitais, que compreendem útero, receptáculo seminal, oviduto e ovário, enovelam-se nos dois terços distais do verme e podem conter até 27 milhões de ovos (FEREIRA, 2020). Os ovos imediatamente expelidos são brancos. Entretanto, tais estruturas absorvem pigmentos biliares das fezes e adquirem logo uma coloração marrom-acastanhada, podendo ser férteis ou inférteis (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Os ovos férteis recém-eliminados são ovoides e medem 45 a 75 μm por 35 a 50 μm. São geralmente recobertos por uma casca externa albuminosa espessa, uma camada intermediária também espessa e uma membrana vitelina interna, muito pouco permeável. Esse revestimento complexo torna os ovos extremamente resistentes no meio externo (FEREIRA, 2020). A camada albuminosa, no entanto, pode estar ausente em alguns ovos férteis, conhecidos como decorticados (FEREIRA, 2020). ↠ Os ovos recém-eliminados ainda não são infectantes (FEREIRA, 2020). Quando encontram condições favoráveis de temperatura (em torno de 25°C, variando de 22 a 30°C), umidade e oxigenação no solo, os ovos férteis tornam-se infectantes em cerca de 3 semanas, após duas mudas das larvas contidas em seu interior (FEREIRA, 2020). ↠ As fêmeas eliminam também ovos inférteis, geralmente alongados, que medem 88 a 94 μm por 39 a 44 μm e não apresentam a camada externa albuminosa. No interior dos ovos inférteis, encontra-se uma massa amorfa de protoplasma com grânulos de diversos tamanhos. Esses ovos, produzidos por fêmeas não fertilizadas, são frequentemente eliminados nas fezes, mas degeneram no meio externo, sem se tornarem infectantes (FEREIRA, 2020). Os ovos férteis são postos com o envoltório mais espesso, apresentam formato ovoide e são relativamente menores que os inférteis, que apresentam formato mais alongado. Os ovos inférteis são observados quando ocorre a infecção do hospedeiro apenas por fêmeas, quando fêmeas jovens que não passaram pelo processo de fecundação iniciam a oviposição e quando o número de fêmeas na população parasitária é significativamente maior que o número de machos (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ALIMENTAÇÃO DO PATÓGENO: O patógeno se alimenta dos macronutrientes (carboidratos, proteínas e lipídios) já digeridos em sua forma monomérica no lúmen intestinal do hospedeiro; mas, igualmente possuem, caso necessário, as enzimas específicas para a digestão dessas substâncias. Outrossim, eles também se nutrem de vitaminas, principalmente A e C (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). CICLO DE VIDA ↠ O ciclo evolutivo do A. lumbricoides é monoxênico, isto é, envolve apenas um hospedeiro. A fecundação dos milhares de óvulos produzidos diariamente pela fêmea ocorre por meio da cópula com o verme masculino. Os ovos, ainda não embrionados, são liberados através das fezes para o ambiente, onde se tornam embrionados caso este ofereça condições favoráveis, como: temperaturas em torno de 27°C, com variações de aproximadamente 3°C para cima ou para baixo; umidade e presença de oxigênio (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Os ovos embrionados dão origem ao primeiro estágio larval (L1) em cerca de 15 dias; após mais 7 dias, acontece a evolução para o segundo estágio larval (L2). Nessas duas primeiras etapas, as larvas são rabditoides e ainda não são infectantes. Somente após a evolução para o terceiro estágio (L3), que é filarioide, as estruturas larvares tornam-se infectantes, podendo permanecer no solo por até sete anos. Para que isso aconteça, a larva, ainda no interior do ovo, reduz significativamente seu metabolismo e somente completa o seu ciclo quando deglutida (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Após a ingestão, os ovos atravessam o tubo gastrintestinal, para eclodir ao chegarem no intestino delgado. O rompimento do ovo ocorre devido às condições ambientais encontradas no local. Sobre isso, pode- se citar o papel das substâncias contidas na bile, da temperatura, do pH e, principalmente, da concentração de dióxido de carbono. As larvas L3, após saírem do ovo, migram para ointestino grosso e alcançam as correntes linfática e sanguínea após atravessarem a parede intestinal na altura do ceco. Em Os ovos eliminados nas fezes (A) tornam-se embrionados (B) em cerca de 3 semanas; alguns ovos inférteis, que contêm em seu interior uma massa amorfa de protoplasma, são também eliminados (C). 12 Júlia Morbeck – @med.morbeck seguida, migram na direção dos pulmões, ao passarem, sequencialmente, pela circulação porta, pelo fígado, pela veia cava inferior, pelo coração e pela artéria pulmonar (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Nos pulmões, essas larvas sofrem nova mudança e evoluem para L4, estágio que é alcançado em média cerca de 8 dias após a ingestão dos ovos. As larvas L4 então rompem os capilares pulmonares, ganhando acesso aos alvéolos, local onde elas amadurecem de L4 para L5. Dos alvéolos, as larvas L5 migram, sequencialmente, em direção à faringe, passando pela árvore brônquica, traqueia e laringe. Nesse ponto, elas são envolvidas pelo muco ali existente, o que lhes confere resistência ao ambiente ácido do estômago. Podem, então, ser expelidas do hospedeiro, a partir do reflexo da tosse, ou deglutidas. Nesse caso, quando chegam ao intestino delgado, se fixam e amadurecem dando lugar às formas adultas, concluindo seu ciclo biológico (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). FISIOPATOLOGIA ↠ Sua fisiopatologia envolve os danos teciduais, a resposta imunológica desencadeada pelo hospedeiro e a obstrução mecânica provocada pelo parasito (SIQUEIRA- BATISTA, 2020). RESPOSTA IMUNIE De modo geral, os helmintos tendem a induzir uma polarização da resposta imune do hospedeiro para um padrão TH2, com níveis elevados de IgE e eosinofilia pronunciada, além de estimular o desenvolvimento de células T reguladoras (FEREIRA, 2020). As células epiteliais do trato digestório são as primeiras células do hospedeiro a entrarem em contato com as larvas infectantes dos nematódeos, uma vez quebrada a barreira mucosa, mas as moléculas do parasito reconhecidas e as vias de sinalização utilizadas para iniciar uma resposta inflamatória não são plenamente conhecidas. Há, entretanto, evidência da importância do fator de transcrição nuclear NF-κβ no desencadeamento de respostas imunes TH2 em camundongos infectados com Trichuris muris; animais incapazes de utilizar essa via de sinalização não conseguem eliminar as infecções. Interleucina (IL)-25, IL- 33 e a linfopoietina estromal tímica (TSLP, do inglês thymic stromal lymphopoietin), também conhecidas como alarminas, são as citocinas derivadas de células epiteliais capazes de induzir a liberação de IL-4, IL-13, IL-9 e IL-5 de diferentes fontes, dentre as quais as células linfoides inatas do tipo 2 (ILC2, do inglês type 2 innate lymphoid cells) e linfócitos TH2, além de eosinófilos e basófilos. Por sua vez, IL-4 e IL-13 suprimem a ativação de macrófagos, resultando em diminuição da população de macrófagos clássicos M1, e estimulam sua diferenciação em macrófagos ativados de modo alternativo, também conhecidos como macrófagos M2 (FEREIRA, 2020). Há diversos mecanismos que contribuem para a expulsão de nematódeos intestinais. As mucinas produzidas pelas células caliciformes imobilizam os vermes, facilitando seu revestimento por proteínas tóxicas provenientes de granulócitos e células epiteliais e por anticorpos do hospedeiro. O peristaltismo intestinal, aumentado na vigência de inflamação, termina por expelir os helmintos (FEREIRA, 2020). As respostas TH2, com a produção de IL-4, IL-13, IL-9, IL-5 e IL-21, estão associadas à expulsão dos vermes em modelos experimentais de infecção primária em camundongos, mas os nematódeos desenvolveram uma variedade de mecanismos para induzir respostas regulatórias que favorecem sua sobrevivência no hospedeiro por longos períodos e reduzem o efeito deletério da inflamação. Algumas moléculas solúveis, ainda mal caracterizadas, produzidas e liberadas pelos vermes adultos, bloqueiam a liberação de citocinas pró- inflamatórias, especialmente IL-12, por células dendríticas, bem como a expressão de moléculas coestimulatórias, como CD40, CD80 e CD86, estimulando a produção de IL-10 e fator de transformação do crescimento-β (em inglês, transforming growth factor, [TGF]-β) em vez de citocinas e quimiocinas pró-inflamatórias, como a IL-12, o fator de necrose tumoral (tumor necrosis factor, TNF)-α e a proteína quimiotática de monócitos (monocyte chemoattractant protein, MCP)-1 (FEREIRA, 2020). As células dendríticas com características regulatórias favorecem a expansão de células T reguladoras (Treg) e suprimem a diferenciação de populações de células TH1 e TH17 efetoras. Enquanto os macrófagos M1 produzem grandes quantidades de citocinas pró-inflamatórias e espécies reativas de oxigênio e nitrogênio capazes de eliminar patógenos intracelulares, os macrófagos M2, abundantes nas infecções por helmintos, secretam IL-10 e TGF-β e expressam níveis elevados de arginase-1, com potente ação anti-inflamatória. As respostas regulatórias induzidas durante a infecção pelos parasitos afetam não somente a resposta específica ao nematódeo, mas podem limitar a resposta imune contra antígenos não relacionados. Desse modo, a infecção por nematódeos Regulação da resposta imune do hospedeiro por helmintos. 1. A lesão tecidual por vermes adultos estimula a produção de alarminas (IL-33, IL-25 e TSLP), que promovem a produção de citocinas do tipo TH2 por células linfoides inatas do tipo 2 (ILC2,) e linfócitos TH2, além de eosinófilos e basófilos. Por sua vez, IL-4 e IL-13 suprimem a ativação clássica de macrófagos, o que resulta em diminuição da população de macrófagos M1, e estimulam sua diferenciação em macrófagos ativados de modo alternativo, também conhecidos como macrófagos M2. Enquanto os macrófagos M1 produzem grandes quantidades de citocinas pró-inflamatórias e espéciesreativas de oxigênio e nitrogênio, os macrófagos M2 secretam moléculas com potente ação anti-inflamatória. 2. Antígenos solúveis dos vermes adultos estimulam a liberação de TGF-β e IL-10 por células dendríticas, inibindo a produção de IL-12 e de moléculas coestimulatórias (CD40, CD80 e CD86). As células dendríticas com características regulatórias favorecem a expansão de células T CD4 reguladoras (Treg), de células TH2 efetoras e de células reguladoras TH1 (Tr1), além de suprimirem a diferenciação de populações de células TH1 e TH17 efetoras. 3. A infecção por helmintos parece favorecer a produção de células dendríticas reguladoras a partir de precursores da medula óssea, incapazes de desencadear respostas efetoras TH1. 13 Júlia Morbeck – @med.morbeck intestinais pode suprimir a resposta contra outros patógenos, aumentando a gravidade de doenças, como hepatites virais, AIDS, tuberculose e malária. Por outro lado, as infecções por helmintos podem modular o desenvolvimento de manifestações alérgicas, como asma e eczema. O efeito imunomodulador dos helmintos serve de base à hipótese da higiene, segundo a qual a redução da exposição a helmintos e outros patógenos na infância, em décadas recentes, poderia resultar em um sistema imune desequilibrado e hiper-reativo. Essa seria uma das explicações para o aumento de prevalência de uma série de doenças de base inflamatória em países desenvolvidos ao longo das últimas décadas. Tal efeito imunomodulador fundamenta o uso experimental de nematódeos intestinais pouco patogênicos para o ser humano para tratar doenças alérgicas e inflamatórias, bem como para reduzir as consequências indiretas da inflamação crônica, como a obesidade e as doenças cardiovasculares (FEREIRA, 2020). ↠ A migração das larvas descrita no ciclo evolutivo do A. lumbricoides pode provocar lesões teciduais. Isso porque, quando o número de larvas não é muito grande e o hospedeiro é imunocompetente, a reação imunológica permanece restrita ao sítio de ação, e muitas larvas sãodestruídas pela ação de macrófagos e eosinófilos (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Porém, se o enfermo está imunodeprimido ou a infestação tem maior magnitude, lesões mais graves podem ser observadas nos locais de passagem e instalação do metazoário. Nesse contexto, são destacadas micro-hemorragias e reações de hipersensibilidade do tipo I, desencadeadas pelo sistema imune em resposta à presença do helminto no organismo. Além disso, pode-se observar hepatomegalia, que, em geral, regride em poucos dias nos casos com passagem de grande número de larvas pelo fígado (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Os danos teciduais no pulmão – causados pela migração larval – ativam as respostas imunológicas inata, celular e humoral. Nesse processo, um intenso processo inflamatório eosinofílico se desenvolve no local da migração. A degranulação dessas células, com a liberação de mediadores inflamatórios e com a consequente reação inflamatória, caracteriza uma pneumonite no hospedeiro, expressa clinicamente como síndrome de Löffler (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ O Ascaris lumbricoides adulto, ao se fixar à mucosa da parede intestinal, pode causar úlceras ou erosões, que justificam a espoliação por meio de perda de sangue e de proteínas. Também acontece a liberação de substâncias antigênicas no trato intestinal, mas estas são mais toleradas pelo sistema imunológico do hospedeiro. A resposta imunológica dirigida ao A. lumbricoides adulto, à semelhança do que ocorre nas fases larvárias, também envolve reação eosinofílica, periférica e tecidual, além de mediações por células Th1 (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ As alterações patológicas mais características da ascaridíase relacionam-se com a capacidade de o helminto migrar para outros locais, causando a obstrução mecânica total ou parcial no intestino delgado, nas vias biliares e no ducto pancreático principal. Também são descritos, com menor frequência, geralmente em infecções maciças, casos de obstrução nos ouvidos, no nariz e nos canais lacrimais. Além disso, já foram relatados raríssimos casos de invasão renal por vermes adultos e de abscesso cerebral pela migração de larvas (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS ↠ Em geral, a ascaridíase é assintomática ou oligossintomática, com evolução benigna. Porém, pode evoluir para casos mais graves e com complicações, como naquelas situações nas quais ocorre obstrução intestinal ou biliar. Clinicamente, as queixas mais descritas são dor abdominal, diarreia e náuseas (SIQUEIRA- BATISTA, 2020). Em infecções de baixa intensidade, três a quatro vermes, o hospedeiro não apresenta manifestação clínica. Já nas infecções médias, 30 a 40 vermes, ou maciças, 100 ou mais vermes, podemos encontrar as seguintes alterações: (NEVES et. al., 11ª ed.). • ação espoliadora: os vermes consomem grande quantidade de proteínas, carboidratos, lipídios e vitaminas A e C, levando o paciente, principalmente crianças, a subnutrição e depauperamento físico e mental; • ação tóxica: reação entre antígenos parasitários e anticorpos alergizantes do hospedeiro, causando edema, urticária, convulsões epileptiformes etc.; • ação mecânica: causam irritação na parede e podem enovelar-se na luz intestinal, levando à sua obstrução. As crianças são mais propensas a este tipo de complicação, causada principalmente pelo menor tamanho do intestino delgado e pela intensa carga parasitária; • localização ectópica: nos casos de pacientes com altas cargas parasitárias ou ainda em que o verme sofra alguma ação imitativa, a exemplo de febre, uso impróprio de medicamento e ingestão de alimentos muito condimentados o helminto desloca-se de seu hábitat normal atingindo locais não-habituais. Aos vermes que fazem esta migração dá-se o nome de "áscaris errático". A existência ou não de sinais e sintomas da helmintíase no Homo sapiens reflete, em alguma medida, a intensidade da carga parasitária. A maioria dos pacientes imunocompetentes não apresenta sintomas, visto que tem cargas parasitárias menos elevadas (SIQUEIRA- BATISTA, 2020). PRINCIPAIS MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA ASCARIDÍASE ÓRGÃO ACOMETIDO MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS FÍGADO E VIAS BILIARES Hepatomegalia, hiperglobulinemia, mal-estar geral, febre Abscesso hepático: febre, dor no hipocôndrio direito, icterícia. Leucocitose, geralmente com 14 Júlia Morbeck – @med.morbeck desvio para a esquerda. Elevação variável de AST e ALT. Coleção intra-hepática visualizada à US Hepatite: pródromo de febre, mal-estar, hiporexia, mialgias, náuseas. Dor leve no hipocôndrio direito, associada a hepatomegalia, icterícia, colúria, hipocolia. Elevação de AST e ALT, mais importantes que FA e GGT Colangite: icterícia, febre e dor no hipocôndrio direito. Hipotensão arterial sistêmica e rebaixamento do nível de consciência em situações de maior gravidade. Elevação de FA e GGT mais importante que de AST e ALT. US pode mostrar dilatação de via biliar principal PULMÃO Síndrome de Löffler: febre, tosse (escarro com cristais de Charcot-Leyden), broncospasmo, dispneia, sibilos, dor retroesternal, hemoptise, edema pulmonar, opacidades “migratórias” à radiografia de tórax e, em alguns casos, insuficiência respiratória Pneumonia: febre alta, mal- estar, tosse produtiva, dor pleurítica, taquipneia, fadiga INTESTINO Abdome proeminente, dor abdominal em cólica, diarreia, náuseas, vômitos, anorexia, desnutrição Obstrução mecânica: distensão abdominal, parada de eliminação de flatos e fezes, peristalse de luta, vômitos fecaloides, intensa dor abdominal, isquemia intestinal, perfuração intestinal com peritonite fecal, intussuscepção, vólvulo Apendicite aguda: dor difusa ou periumbilical, que posteriormente se localiza no quadrante inferior direito do abdome, progressiva, associada a febre, náuseas, vômito. Peritonite fecal em caso de supuração. ↠ Vale ressaltar que, em casos de desnutrição, a falta de substâncias necessárias para a sobrevivência do helminto faz com que ele se alimente da própria parede intestinal do hospedeiro, ocasionando sangramento com baixa velocidade, o qual causa anemia ferropriva. Nessa situação, possivelmente, a suplementação de ferro pode ser necessária (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ A ação tóxica proveniente das reações antígenos- anticorpos no hospedeiro pode desencadear urticária e edema. Outras manifestações clínicas, como sono intranquilo, ranger de dentes e quadros de mudança comportamental (irritação), também foram relatadas em infestações por helmintos do gênero Ascaris (SIQUEIRA- BATISTA, 2020). ↠ As gestantes e as crianças merecem atenção especial, pois, A. lumbricoides compete pelo alimento e lesa o epitélio intestinal, o que diminui a absorção de nutrientes essenciais, podendo ocasionar falhas no desenvolvimento adequado dos fetos e dos pré-escolares (SIQUEIRA- BATISTA, 2020). Em crianças, é comum a apresentação de alterações cutâneas como manchas esbranquiçadas e circulares no corpo, conhecidas popularmente como “pano branco” (deve-se destacar que há outras enfermidades, como a ptiríase versicolor, que também são conhecidas popularmente pela denominação “pano branco”). Embora haja controvérsia quanto ao aparecimento desses sinais, tal despigmentação parece estar associada ao consumo das vitaminas A e C pelo parasito. Desse modo, com o devido tratamento e a consequente eliminação do helminto, tais sinais cutâneos tendem a desaparecer (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). DIAGNÓSTICO CLÍNICO ↠ A ascaridíase geralmente se desenvolve de modo assintomático; por essa razão, o diagnóstico ao exame clínico é muitas vezes de difícil estabelecimento. Além disso, quando existem sintomas, eles são inespecíficos e não possibilitam a caracterização apenas em bases clínicas. O mesmo ocorre com as manifestações obstrutivas da doença - obstrução intestinal,pancreatite aguda, colangite aguda -, que ocorrem de maneira semelhante às outras etiologias dessas alterações (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). Desse modo, o diagnóstico da ascaridíase é obtido encontrando- se ovos do helminto no exame parasitológico de fezes, o que é relativamente fácil de executar qualquer que seja a técnica de exame empregada, devido à grande capacidade de oviposição da fêmea do A. lumbridoides, de cerca de 200.000 ovos por dia (SIQUEIRA- BATISTA, 2020). 15 Júlia Morbeck – @med.morbeck EXAME PARASITOLÓGICO DE FEZES ↠ As técnicas empregadas para análise do material fecal compreendem métodos qualitativos e quantitativos. Os quantitativos oferecem uma pesquisa mais precisa, pois é possível correlacionar a produção de ovos à carga parasitária (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Os ensaios qualitativos mais utilizados são: método do esfregaço espesso de celofane, desenvolvido por Kato e Miurae, e as técnicas de Lutz ou de Hoffman, Pons e Janer. Para a análise quantitativa, destacam-se as técnicas desenvolvidas por Stoll e Hausheer, Barbosa e Kato-Katz (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). O método Kato-Katz é o procedimento que a OMS recomenda tanto para diagnóstico individual como para a quantificação do parasito e a produção de dados epidemiológicos, por se tratar de um exame simples e eficiente na detecção dos ovos no material fecal (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). Nos casos de infecção do hospedeiro apenas por A. lumbricoides macho, ou no período larval desse helminto, não haverá presença de ovos nas fezes, e o exame parasitológico será sempre negativo (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). As técnicas de sorologia não são indicadas para o diagnóstico de Ascaris, pois esses testes ainda são pouco sensíveis para essa parasitose (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). HEMOGRAMA ↠ No hemograma, é possível detectar eosinofilia, principalmente na fase larvária da doença, em geral não ultrapassando 20% na contagem diferencial. Esse é um traço comum das parasitoses que têm em seu ciclo evolutivo a fase pulmonar (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). MÉTODOS COMPLEMENTARES ↠ A radiografia abdominal – simples ou contrastada – pode detectar a presença do A. lumbricoides em sua fase adulta no hospedeiro, principalmente nos casos de obstrução intestinal. Nas infecções unissexuadas (macho), ela é uma alternativa para o diagnóstico dessa helmintíase (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Na imagem, é possível perceber o “novelo” de parasitos nas alças intestinais, por vezes repletas de gás. Em alguns casos, em imagem obtida pelo contraste, verifica-se até mesmo a anatomia característica desse helminto. No entanto, a sensibilidade desse método no diagnóstico da ascaridíase é baixa (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Outros métodos de diagnóstico por imagem (ultrassonografia, tomografia computadorizada) também podem ser empregados para a suspeição da ascaridíase. Os sinais apresentados são os mesmos observados na radiografia convencional; porém, em alguns casos, consegue-se melhor definição da anatomia do verme aprimorando a especificidade e sensibilidade dos métodos (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). TRATAMENTO ↠ O tratamento da ascaridíase deve incluir, além dos medicamentos anti-helmínticos, medidas de educação e melhoria das condições de acesso à saúde, sem as quais Radiografia abdominal após ingestão de bário num paciente com ascaridíase: Os vermes adultos surgem no duodeno como uma massa emaranhada (áreas pretas) dentro do branco do meio de contraste. 16 Júlia Morbeck – @med.morbeck as taxas de reinfecção permanecerão elevadas, anulando a médio prazo os efeitos do tratamento farmacológico (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Há, no mercado, muitos fármacos capazes de tratar a infecção por A. lumbricoides, com índices de sucesso próximos de 100%. A escolha do medicamento deve considerar principalmente o perfil de efeitos colaterais e o custo, especialmente em situações em que se planeja tratamento de massa em determinada população. Todos os pacientes diagnosticados devem ser tratados, mesmo os assintomáticos e aqueles com carga parasitária baixa (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). MEDICAMENTOS PARA O TRATAMENTO DA ASCARIDÍASE INTESTINAL, MECANISMO DE AÇÃO E EFICÁCIA MEDICAMENTO MECANISMO DE AÇÃO EFICÁCIA ALBENDAZOL Impede a divisão celular e inibe a captação de glicose pelo parasito Níveis de cura e redução de ovos superiores a 95% MEBENDAZOL Bloqueia a captação de glicose e aminoácidos pelos helmintos Níveis de cura e redução de ovos entre 94 e 98% LEVAMISOL Promove contração espástica seguida de paralisia muscular Níveis de cura próximos a 93% PAMOATO DE PIRANTEL Causa a paralisia espástica do helminto Níveis de cura e redução de ovos próximos a 100% IVERMECTINA Inibe a transmissão de impulsos nervosos no verme, provocando paralisia Pouco investigada para a ascaridíase; porém, há registros de sua eficácia em vários estágios do ciclo evolutivo PIPERAZINA Provoca paralisia flácida do parasito Níveis de cura em torno de 90% NITAZOXANIDA Inibe a polimerização da tubulina no parasito e o metabolismo energético anaeróbio Níveis de cura em torno de 71 a 100% A migração do Ascaris para sítios não habituais pode ser desencadeada pela administração de medicamentos anti-helmínticos. São descritos casos de pancreatite aguda (relacionados com a migração do verme para o ducto de Wirsung), colecistite aguda e colangite aguda (relacionados com a migração para o canal colédoco) (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Para a obstrução intestinal por A. lumbricoides, deve- se inicialmente tentar o tratamento conservador com as seguintes medidas: (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). • dieta suspensa; • passagem de cateter nasogástrico (CNG) seguida de administração de piperazina (100 mg/kg/dia), antiespasmódico e óleo mineral (40 a 60 mℓ/dia). ↠ Concomitantemente a esses procedimentos, realiza- se a reposição hidreletrolítica necessária para a situação clínica. Em caso de insucesso, está indicada a laparotomia exploradora com enterotomia para retirada mecânica do bolo de A. lumbricoides (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). Os indivíduos com diarreia devem observar cuidados com a hidratação oral, mantendo ingesta hídrica suficiente. Aqueles que se apresentam desidratados devem receber, prioritariamente, soro de reidratação oral com a fórmula preconizada pela OMS, ficando os fluidos parenterais reservados para os casos de maior gravidade, com ineficácia do tratamento oral ou intolerância a ele. Fracionar a alimentação do dia em mais horários ajuda a minimizar náuseas e os desconfortos epigástricos pós-prandiais (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). PREVENÇÃO A prevenção da ascaridíase depende de medidas de cuidado à saúde e de educação, reconhecendo-se a grande relevância dos aspectos culturais nesse processo. Assim, a destinação apropriada dos resíduos fecais, viabilizada por meio da construção de rede de água e esgoto, é fundamental (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). O conhecimento e a difusão das ações de educação em saúde potencializam o controle e a prevenção da ascaridíase. Desse modo, incorporar hábitos mais saudáveis – como lavar as mãos antes das refeições e higienizar, manusear e armazenar adequadamente os alimentos –, é uma ação que precisa ser amplamente trabalhada por meio de campanhas midiáticas e dos trabalhos escolares, sobretudo com crianças em idade escolar (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). Por último, o tratamento dos pacientes com ascaridíase é uma das maneiras mais significativas de controle e profilaxia. Interromper o ciclo de evolução do helminto é de grande valor para reduzir a prevalência dessa condição mórbida, bem como para minimizar a gravidade das infecções que acontecerem (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). Enterobíase ↠ A enterobíase – também conhecida como oxiuríase – é uma enfermidadeparasitária causada pelo nematoide Enterobius vermicularis (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). EPIDEMIOLOGIA ↠ É o helminto intestinal mais comum em países desenvolvidos. As crianças são mais frequentemente 17 Júlia Morbeck – @med.morbeck infectadas do que os adultos; a carga parasitária pode chegar à média de 5.000 a 10.000 vermes por paciente (FEREIRA, 2020). ↠ Tem ocorrência comum em crianças na faixa etária de 5 a 10 anos, mas raramente acomete infantes antes do segundo ano de vida (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Essa parasitose apresenta alta incidência em países de clima temperado, inclusive naqueles com ampla cobertura de saneamento básico (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Enterobius vermicularis é um verme cosmopolita, particularmente comum em países de clima frio, cuja transmissão ocorre frequentemente no interior de unidades familiares e de instituições como creches, asilos etc (FEREIRA, 2020). Tal fator pode estar relacionado com fatores culturais, como banhos e trocas de roupas íntimas menos frequentes (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ETIOLOGIA ↠ Enterobius vermicularis foi descrito pela primeira vez por Lineu, em 1758, então denominado Oxyurus vermicularis (FEREIRA, 2020). ASPECTOS MORFOLÓGICOS ↠ O hábitat de exemplares adultos de E. vermicularis é o ceco, bem como os segmentos adjacentes do intestino delgado e grosso, incluindo o apêndice ileocecal. Os seres humanos são seus únicos hospedeiros conhecidos (FEREIRA, 2020). ↠ Em geral, os parasitos são meromiários, de coloração branca, filiformes e pequenos, porém com diferenças de tamanho entre macho e fêmea, assim como todas as espécies entre os nematoides. A cutícula protege contra ações externas e auxilia a locomoção, apresentando-se brilhante e estriada (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ A fêmea adulta mede 8 a 13 mm de comprimento e 0,3 a 0,5 mm de diâmetro, aparentemente, permanece no lúmen intestinal, junto ao revestimento mucoso que recobre o epitélio (FEREIRA, 2020). ↠ As fêmeas, quando são fecundadas, reúnem cerca 11.000 ovos em seus úteros. Estes se tornam distendidos por toda a massa ovular, ocupando a região bulbar esofágica até o início da cauda. Quando estão grávidas, elas se deslocam para o reto do hospedeiro, principalmente no período noturno – devido à temperatura mais baixa, nesse local, durante a noite – lançando seus ovos na região perianal. Sua longevidade está relacionada com sua oviposição, com duração de 35 a 50 dias, quando o ciclo de vida do nematoide se completa (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). Na região perineal, são expelidos os 5.000 a 17.000 (média de 11.000) ovos existentes em seu útero; alguns destes misturam-se às fezes, enquanto os demais ficam retidos na pele da região perianal. A fêmea morre após a oviposição (FEREIRA, 2020). ↠ Em algumas situações, as fêmeas morrem ao chegarem ao períneo, porém liberam seus ovos da mesma maneira, e estes dão continuidade a seu desenvolvimento (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). Em meninas e mulheres, pode penetrar na vagina (FEREIRA, 2020). ↠ Os ovos apresentam uma superfície viscosa que facilita sua aderência. Eles são compostos por três camadas incolores: a mais externa é de natureza albuminosa; a média, quitinosa; e a mais interna, lipoide e delgada. No interior do ovo, há uma larva formada, embrionária, que se desenvolve até o segundo estágio em anaerobiose. Entretanto, necessita de oxigênio para dar continuidade a seu desenvolvimento ao terceiro, ao quarto e ao quinto estádios. Este último é a forma infectante ao ser humano (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Os machos são bem menores que as fêmeas (2 a 5 mm de comprimento e 0,1 a 0,2 mm de diâmetro), e raramente são vistos (FEREIRA, 2020). Acredita-se que a duração de vida do verme macho esteja limitada a apenas um coito com a fêmea (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). Os ovos recém-eliminados tornam-se infectantes em 6 horas. Medem cerca de 50 a 60 μm por 20 a 30 μm; um lado de sua casca é achatado assimetricamente. A casca é relativamente espessa e Ovos e exemplares adultos de Enterobius vermicularis. Na representação esquemática de ovo (A), macho adulto (B) e fêmea adulta (C). Adaptadas de Rey, 2001. Ovo de Enterobius vermicularis eliminado nas fezes (D). 18 Júlia Morbeck – @med.morbeck incolor. Em condições ideais, os ovos permanecem viáveis no meio externo por até 13 dias (FEREIRA, 2020). CICLO DE VIDA ↠ O metazoário E. vermicularis apresenta ciclo biológico monoxênico, e seu único hospedeiro, conforme já comentado, é o Homo sapiens (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Quando ingeridos, os ovos liberam uma larva L1 no duodeno, de 150 a 154 μm de comprimento. A larva rabditoide sofre duas mudas, provavelmente nas criptas da mucosa, antes de chegar ao jejuno e ao íleo superior (FEREIRA, 2020). ↠ A cópula entre os vermes adultos ocorre no ceco. Todo o ciclo ocorre no lúmen intestinal, sem migração visceral. Cerca de 5 semanas depois da ingestão dos ovos (período que pode variar de 2 semanas a 2 meses) ocorre a primeira migração de fêmeas adultas para a região perianal, geralmente durante a noite, e a oviposição. As fêmeas vivem 1 a 3 meses, e os machos, cerca de 7 semanas (FEREIRA, 2020). ↠ Quando grávidas, as fêmeas liberam seus ovos na região perianal do hospedeiro. Estes são maturados em 4 a 6 horas, na temperatura da superfície do corpo (cerca de 30°C). O intenso prurido perianal causado faz com que o paciente coce a região, facilitando a transferência dos ovos infectantes para a boca, através das mãos contaminadas (autoinfecção) (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). ↠ Um indivíduo suscetível que tenha as mãos contaminadas por ovos de um indivíduo infectado - por exemplo, por ocasião de um cumprimento - e que as leve a boca, poderá adquirir o patógeno e desenvolver a enterobíase. Ao serem ingeridos, os ovos eclodem no intestino delgado, liberando larvas que irão se desenvolver até a forma adulta, enquanto se movem para o ceco. Por fim, os vermes copulam e dão início a um novo ciclo (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). É importante ressaltar que os ovos podem ficam aderidos no ambiente, como nas roupas de cama da pessoa infectada. Tal fato promove uma intensa disseminação do helminto e a possibilidade de novas infecções (SIQUEIRA-BATISTA, 2020). FISIOPATOLOGIA ↠ Os parasitos aderem à mucosa intestinal, causando um leve processo inflamatório, do tipo catarral, com possíveis pontos hemorrágicos. Geralmente, não há lesão anatômica, uma vez que não há penetração do verme na mucosa. A infecção pelos enteroparasitos, normalmente, gera uma resposta imunológica complexa e múltipla, apesar de a maioria dos humanos ter um sistema imunológico capaz de combater a infecção. Quando essa ocorre, pode provocar eosinofilia (SIQUEIRA- BATISTA, 2020). ↠ Tal condição deve-se à resposta imunológica Th2 provocada, na qual a interleucina-4 (IL-4) e a interleucina- 5 (IL-5) são produzidas, estimulando também a produção de imunoglobulina E (IgE) pelos linfócitos B (SIQUEIRA- BATISTA, 2020). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Excepcionalmente, é possível encontrar vermes adultos na cavidade uterina, nas trompas, na cavidade peritoneal e na bexiga urinária. Não é raro o encontro de E. vermicularis no apêndice ileocecal, mas provavelmente não há uma relação causal com a apendicite aguda (FEREIRA, 2020). 19 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ A infecção por E. vermicularis costuma ser assintomática, tendo como sintoma mais comum o prurido na região perianal com periodicidade regular, que pode se tornar muito intenso, principalmente durante a noite - o que pode originar significativa dificuldade para dormir -, devido à migração dos parasitos fêmeas. Tal situação pode levar a uma irritação na região anal com proctite e vulvovaginite, pelo deslocamento das larvas para a região genital feminina,
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