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Ana Luiza Bittencourt SOCIOLOGIA GERAL E JURÍDICA Controle social e Direito - Os seres humanos vivem em grupos e sociedades e é natural que haja conflitos de interesses. Para trazer o equilíbrio são necessários instrumentos de controle social, como: • Religião: sistema de princípios e preceitos para a realização da vontade divina, que assim como o direito tem como um dos objetivos fazer o bem; • Moral: normas que orientam a consciência humana em suas atitudes; • Trato social: padrões de conduta ditados pela própria sociedade, com o propósito de tornar mais agradável o ambiente social. - O direito é forma específica de controle social nas sociedades modernas. É considerado um controle social formal, determinado por normas de conduta que são explícitas (conteúdo público); protegidas pelo uso de sanções e interpretadas e aplicadas por agentes oficiais. Características do controle social por meio do direito Ameaça de coerção: - Associada à aplicação de sanções em caso de descumprimento de normas. - Formalização da ameaça de coerção por meio de: sanções concretas; procedimentos e de instituições que são competentes para a aplicação das sanções. Diferenças entre as sanções: • Sanção moral: sanção interior/interna; arrependimento; culpa. • Sanção social: sanção exterior; proveniente dos outros com quem convivemos. • Sanção jurídica: resposta à falta de eficácia da moral e a falta de proporção da social. Regula comportamento e reação. É externa e institucionalizada. Existem ainda: • Sanção positiva: recompensa. • Sanção negativa: punição. • Sanção informal: ostracismo, diminuição de status, fofoca. • Sanção formal: prisão, multas, restrições de direitos. Obs.: as sanções jurídicas são diferentes das sanções sociais porque são preestabelecidas; são aplicadas por órgão específico; têm um procedimento para sua aplicação; há garantias para os possíveis infratores contra arbitrariedades. Há formas e graus de coerção no sistema jurídico, podendo existir: - Normas de organização não associadas à sanções (normas processuais); - Normas que estabelecem uma obrigação sem impor uma sanção; - Normas de caráter promocional: normas que preveem um incentivo no caso de seu cumprimento; sem obrigar ninguém a obedecê-las; não há possibilidade de coerção. Ex.: benefícios para empresas que contratarem pessoas com deficiência. - Normas de direito constitucional que, se preveem sanções, são no máximo de caráter político. Ex.: art. 3°, III, da CF prevê erradicação da pobreza e da marginalidade, punição é política, não há sanção formal. - Normas de direito internacional público: não associadas às sanções porque não há um poder público internacional que possa aplicar as sanções; o cumprimento de tais normas está sujeito à discrição dos Estados; depende de medidas de pressão política da comunidade internacional; normas coercitivas de direito internacional são excepcionais e muito raramente aplicadas Tipos de sanções jurídicas: - Sanções positivas ou promocionais: oferecem uma vantagem ou um prêmio para quem cumpre a norma. Ex.: bolsas pós-graduação para os melhores estudantes no ENADE. - Sanções negativas/repressivas: impõem uma consequência desfavorável no caso de descumprimento de uma norma. Consistem na privação ou restrição de um direito do infrator. Elas podem ser de 2 tipos: • Preventivas = objetivam evitar a violação das normas, aplicando a determinados indivíduos formas de controle relacionadas com consequências negativas. Em geral, o Estado de direito não aceita as sanções preventivas. Várias medidas de fiscalização podem ser consideradas como preventivas, em vista do efeito prático delas (medo, incômodo). Ex.: blitzes, fiscalização • Reparatórias = aplicam-se contra o autor de um dano, provocado pela violação de normas jurídicas. Objetivam restaurar, na medida do possível, a situação anterior ou, pelo menos, restabelecer a ordem lesionada e objetivam também a confiança dos indivíduos no sistema jurídico. Essas sanções decorrem do princípio de que a pessoa pode ser punida somente após a comprovação (via processo) da comissão de um ato contrário ao direito. Elas podem ser classificadas em 3 categorias: - Constrangimento para forçar o cumprimento de uma obrigação; - Condenação ao ressarcimento de um dano por meio do pagamento em dinheiro; - Imposição de uma obrigação que objetiva castigar e ressocializar o desviante e mostrar à sociedade a eficácia do sistema de controle social (penas pecuniárias, condenações penais, prestação de serviços não remunerados à comunidade). Nesse último caso, devem ser respeitados 3 princípios: legalidade (aplicação de sanções penais previstas em lei sem discriminação), proporcionalidade (a gravidade da sanção deve corresponder à gravidade da infração), imparcialidade (vítimas e familiares não põem decidir acerca da aplicação das sanções). Ótica funcionalista do controle social por meio do direito - Os juristas sociólogos de formação funcionalista consideram que o sistema jurídico realiza o controle social baseado em 5 principais características: • A certeza: fixa modelos de comportamento, é obtida mediante sua clareza e publicidade, com uma linguagem conhecida por todos e levada ao conhecimento da população. • Exigibilidade: é exigível porque existem órgãos de poder, regimes sancionários e instituições que velam por seu respeito, empregando, se necessário, a coação e violência física contra os infratores. • Generalidade: o direito cria modelos gerais de comportamento, já que a norma jurídica afeta questões importantes que geram conflitos na sociedade. Os comportamentos regulados pelas normas obrigam a todos os que se incluem em situações-tipo (quem rouba será punido independente de sua condição social, profissão, sexo, etc.) • Garantia do bem-comum: o direito constitui um sistema de controle social que exprime os valores, aplicando sanções a indivíduos que lesionam os direitos dos indivíduos ou os bens coletivos. • Expansão: as esferas do comportamento humano que não são regulados pelo direito são cada vez mais restritas, trata-se do fenômeno da juridificação ou juridicização, sendo difícil imaginar uma atividade humana não regulada pelo direito, graças a sua onipresença que não é percebida facilmente na vida cotidiana. • Uniformidade: o direito é um sistema que funciona como instrumento de controle social com base em regras uniformes, objetivando ser um sistema que procura submeter todos os membros da sociedade às mesmas regras. A tendência de uniformidade também se verifica em nível mundial, trata-se do fenômeno da aculturação jurídica. Essa uniformidade se dá no: - Plano espacial = por meio do processo político de unificação de um território; - Plano objetivo = os Estados estabelecem princípios similares; - Plano subjetivo = ordenamentos jurídicos modernos proclamam o princípio da igualdade jurídica, mesmo que não haja uma igualdade material. - Plano temporal = o fenômeno da aculturação jurídica se deu muito rapidamente e etapas seculares de desenvolvimento são puladas, diferentemente do que aconteceu com o direito europeu. Essa transformação causa grandes conflitos entre a cultura tradicional e o novo sistema jurídico. Obs.: essa onipresença do direito não é percebida facilmente porque na maior parte dos casos, as relações se desenvolvem sem conflitos, não sendo necessário recorrer ao sistema judicial. Porém, isso não significa que o sistema jurídico não esteja presente. Em primeiro lugar, suas normas orientam o comportamento dos indivíduos, mesmo quando eles não invocam o direito. Em segundo lugar, há a possibilidade de recorrer às instituições jurídicas em caso de conflito. Abordagem crítica do controle social por meio do Direito - Nesta visão há convergência de opiniões no que tange a fenômenos de expansão e uniformização do direito. Mas consideram que o controlesocial pelo direito oculta suas funções latentes, servindo ao controle social pelo controle social. - Discordam no que se refere às finalidades do controle. Consideram que o controle realizado pelo direito cumpre funções latentes, diferentes das funções declaradas nas normas e no discurso jurídico e criticam o funcionalismo por adotar ideias provenientes do senso comum. Essas ideias são expressas pela maioria das pessoas, porém não correspondem aos dados de uma análise científica. Trata-se de opiniões que possuem um caráter ideológico e que servem para legitimar o controle social por meio do direito, ocultando assim a verdadeira função social. - Merton (autor): funções declaradas vs. Funções latentes (reais) de uma instituição social • Função declarada: efeitos que causa o seu funcionamento para o sistema social, sempre que tais efeitos sejam desejados e admitidos por aqueles que participam do sistema. • Função latente: as instituições podem cumprir funções diferentes daquelas declaradas, que influem sobre o sistema social, sem corresponder à vontade das pessoas que nem sequer as percebem (muitas das vezes). - Esta vertente teórica faz 5 críticas, negando a ideologia funcionalista: • Ilegitimidade do poder punitivo = o poder punitivo é ilegítimo porque está a serviço dos grupos de poder que, por meio da criação e da aplicação das normas de controle, asseguram seus interesses. Exemplos: a repressão aos furtos protege a propriedade dos ricos, a legislação sobre os crimes políticos objetiva a proteção do regime político. • Inexistência da distinção entre bem e mal (“criminalidade do crime”) = o desvio é um fenômeno normal em qualquer sociedade > a sociedade pode utilizar o crime para melhorar sua ordem moral e fortalece-la mediante a reação à violação da lei. Além disso, o desvio pode ser uma antecipação de mudanças sociais. Outrossim, o direito se altera com o tempo, então como fazer esta distinção de forma definitiva (entre o bem e o mal)? • Inexistência da culpabilidade pessoal (pluralismo cultural) = a responsabilidade pessoal do indivíduo que transgride normas constitui o fundamento do direito penal. Ela é considerada expressão de uma atitude individual que é reprovável porque contraria normas e valores sociais. O legislador elabora normas para proteger esses valores e aplica sanções negativas contra os desviantes. Nem sempre o que se imagina como justo estará no ordenamento jurídico. Isso se deve à coexistência de culturas e valores diversos (pluralismo cultural). O comportamento do indivíduo é fruto de seu processo de socialização > subculturas. • Impossibilidade de ressocialização = sanções mais graves são em grande parte justificadas por serem medidas de ressocialização dos desviantes e as prisões não conseguem alcançar este objetivo, em sua maioria. • Desigualdade na aplicação da lei, seletividade de classe = a maior parte das normas legais de controle social é formulada de modo impessoal: protegem todas as pessoas e punem qualquer pessoa que desrespeita a lei. Porém, pesquisas apontam para a seletividade na aplicação das normas > tráfico de drogas; roubo; furto; homicídio; estupro; porte ilegal de arma de fogo
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