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SUMÁRIO 1. Introdução ..................................................................... 3 2. Etiopatogenia .............................................................. 3 3. Epidemiologia .............................................................. 5 4. Fisiopatologia .............................................................. 6 5. Quadro Clínico ............................................................. 9 6. Diagnóstico ................................................................11 7. Tratamento das DII ..................................................14 Referências Bibliográficas .........................................20 3DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS 1. INTRODUÇÃO As doenças inflamatórias intestinais (DII) são distúrbios inflamatórios crô- nicos que acometem qualquer por- ção do trato intestinal. Apesar de ter uma definição relativamente ampla, 80% a 90% dos casos são classifica- dos como Retocolite Ulcerativa (RCU) ou Doença de Crohn (DC). Os outros 10% incluem as colites linfocítica, co- lagênica e indeterminada. CONCEITO! As DII são distúrbios infla- matórios crônicos que podem acometer qualquer parte do intestino. Elas representam grande importância clínica, seja pelo quadro clínico im- portante e prolongado com grande impacto na qualidade de vida do pa- ciente ou pelas possíveis associações com outras condições médicas que podem ocorrer por conta do quadro de base ou até mesmo do tratamento. 2. ETIOPATOGENIA Ainda não se conhece a etiologia exata das doenças inflamatórias intestinais, mas acredita-se que se devam a uma incapacidade do organismo em re- gular efetivamente as respostas imunes contra antígenos aos quais o trato digestivo está constante- mente sendo exposto. O tempo in- teiro, nosso trato digestivo é exposto a antígenos, principalmente os que fazem parte da própria microbiota in- testinal. Em indivíduos saudáveis, o organismo consegue controlar a res- posta imune contra esses microrga- nismos; já em portadores de DII, essa imunorregulação não acontece e há uma amplificação da inflamação, com consequente ataque imunológico às células do sistema digestivo. O porque que essa imunorregulação está afetada ainda é motivo de estu- dos, o que se sabe é que há fatores genéticos; fatores luminais, relacio- nados à microbiota, seus antígenos, produtos metabólicos e antígenos alimentares; fatores relacionados à barreira intestinal; e fatores asso- ciados à imunorregulação, incluindo as imunidades inata e adaptativa. 4DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS SE LIGA! O fator genético é evidencia- do pela ocorrência maior de DII entre parentes de primeiro grau e gêmeos monozigóticos, o que não é observa- do em cônjuges que vivem na mesma casa, por exemplo. Parentes de primei- ro grau de indivíduos afetados têm uma chance de 30 a 100 vezes maior de também desenvolver DII, e históri- co familiar de primeiro grau positivo é encontrado em 15% dos portadores. Tanto a doença de Crohn quanto a RCU se tratam de desordens po- ligênicas. Em relação à doença de Crohn, foi encontrado um gene rela- cionado à patogênese da doença: o NOD2. Esse gene codifica uma pro- teína que atua como receptor intra- celular para um antígeno de parede bacteriana e que auxilia no contro- le da resposta inflamatória. Com o NOD2 defeituoso, a resposta in- flamatória fica mais descontro- lada. Esse gene está alterado em 15% a 20% dos portadores cauca- sianos. Todavia, ele não explica iso- ladamente a doença: nem todos os portadores de DII o têm defeituoso, e nem todos os indivíduos que têm esse gene defeituoso terão DII. Há outro defeito genético aparente- mente envolvido na patogênese da DII: um polimorfismo no gene que produz o receptor da IL-23. Em con- dições normais, essa citocina aju- da a regular a inflamação crônica, a FLUXOGRAMA DE ETIOPATOGENIA Barreira intestinal Genética Fatores luminais Imunidade inata/ adaptativa ETIOPATOGENIA Disfunção da imunorregulação Microbiota 5DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS resposta contra agentes bacterianos e atua no Crohn. Um defeito no seu receptor, localizado em linfócitos e macrófagos, ocasiona amplificação da inflamação. Ainda sobre fatores genéticos, estu- dos envolvendo o sistema HLA têm encontrado associação entre a pre- sença de certos tipos de HLA e maior risco de desenvolvimento de DII, ou até mesmo à gravidade e extensão da doença em pacientes acometidos. Além disso, as DII’s fre- quentemente vêm acompanhadas de desordens auto-imunes, como a es- pondilite anquilosante e a colangite esclerosante primária. Essa observa- ção pode elucidar uma provável ori- gem imunomediada/autoimune das doenças inflamatórias intestinais. Há também evidências de que pa- cientes com DII apresentam defeitos relacionados à barreira epitelial in- testinal, causando uma resposta imu- nológica defeituosa contra antígenos da flora facilitando a colonização e o estímulo dos produtos bacterianos e da formação de citocinas. No que tange os fatores intralumi- nais, há alterações quantitativas e qualitativas na flora intestinal dos por- tadores de DII. Na DC, a concentração de gram-positivas e gram-negativas está aumentada. Na RCU, foram des- critas bactérias cujos metabólitos são lesivos à mucosa intestinal. Ou seja, alterações da microbiota, associadas a uma resposta imune exacerbada contra essa mesma microbiota, tra- balham juntas no desenvolvimento dessa doença. É muito sugestivo que irregularidades imunológicas tenham papel importante para o seu desen- volvimento e manutenção. 3. EPIDEMIOLOGIA A incidência e prevalência das DII variam com a localização geográfica. São mais prevalentes na Europa se- tentrional e na América do Norte, com menor incidência na Europa central e meridional. A prevalência é mais bai- xa ainda na América do Sul, África e Ásia. Existe ainda uma correlação entre as DII e o nível socioeconômico, ou seja: quanto mais desenvolvida a região geográfica, maior a prevalência de doença inflamatória intestinal. O por- quê disso ainda não é bem elucidado. De qualquer forma, a incidência de DII em regiões menos desenvolvidas está aumentando, e acredita-se que isso se deva à crescente urbanização mesmo nessas regiões, expondo os indivíduos a novos estilos de vida, ali- mentação e exposições a antígenos. As DII’s possuem dois picos de idade de aparecimento: entre aproximada- mente os 15 e os 40 anos, com um menor pico entre os 55 e os 65 anos. Contudo, podem aparecer em qual- quer fase da vida – embora seja raro antes dos 15 anos. Não foi observada 6DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS diferenças significativas nas incidên- cias e prevalências entre os sexos. Além disso, A RCU é mais prevalente e incidente do que a DC. A incidência de RCU tem sido registrada como cerca de 0,5 a 24 casos por 100 mil habitantes por ano; enquanto a de DC tem sido 0,1 a 20 casos por 100 mil habitantes por ano. MAPA MENTAL DE EPIDEMIOLOGIA EPIDEMIOLOGIA Mais prevalente em locais mais desenvolvidos RCU é mais prevalente e incidente do que a DC. Alta incidência na Europa setentrional e América do Note Mais comum entre os 15 e 45 anos 4. FISIOPATOLOGIA A RCU e a DC, embora sejam mui- to parecidas em sua apresentação e, por vezes, gerem confusão diagnós- tica ou não permitam a diferenciação entre elas, apresentam aspectos pa- tológicos diferentes entre si. A Retocolite Ulcerativa se caracteri- za pela inflamação crônica do cólon e reto, ficando confinada a essas re- giões anatômicas. A inflamação se li- mita à camada mucosa e aparece de forma contínua e simétrica ao longo da porção afetada. Os principais sintomas são diarreia com perda de sangue nas fezes, decorrentes diretamente da inflama- ção do reto e/ou cólon. Essa mesma inflamação também altera a permea- bilidade do epitélio, causando extra- vasamento do fluido intersticial rico em proteínas. Além disso, a absorção de água e eletrólitos está prejudicada e alterações da motilidadeintestinal, decorrentes do processo inflamatório, 7DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS contribuem na fisiopatologia da diar- reia. As erosões da mucosa colônica, características da RCU, ocasiona a perda de sangue nas fezes. Na RCU, o limiar sensorial do reto in- flamado é diminuído, o que faz com que a presença de qualquer quanti- dade de fluido na ampola retal desen- cadeie o reflexo da defecação – isso explica o número aumentado de idas ao banheiro. Essa exacerbação sensorial também é a responsável pelos sintomas de tenesmo e urgên- cia fecal que muitos pacientes aco- metidos referem. As alterações de motilidade do intes- tino grosso, com aumento do tônus muscular e da amplitude das contra- ções, ocasionam as manifestações dolorosas. Alterações sensoriais de- vido à inflamação também podem fa- zer o paciente perceber as contrações da musculatura do intestino grosso como cólicas. A perda de sangue nas fezes pode resultar em anemia ferropriva, cuja intensidade pode variar conforme o volume de sangue perdido. Mas fi- que atento: a anemia do paciente com RCU tratado com sulfassalazina (que veremos melhor mais adiante) também pode ocasionar outro tipo de anemia – a megaloblástica! De qual- quer forma, a anemia desses pacien- tes pode causar astenia. Por fim, se o comprometimento da do- ença for muito extenso, mediadores de resposta inflamatória serão libera- dos e podem ocasionar febre. Já a doença de Crohn se caracteri- za pela inflamação transmural – da mucosa à serosa – crônica do tubo digestório, podendo acometer qual- quer porção deste – desde a boca até o ânus, embora haja predileção pelas regiões ileal ou ileocecal. O padrão da inflamação é salteado – ou seja, áreas de inflamação alternadas com áreas saudáveis – e gera reação granuloma- tosa não caseificante, além de poder ter lesões aftoides na área acometida. Como as possibilidades de acometi- mento anatômico da DC são mais am- plas, as manifestações clínicas podem variar conforme o local afetado. Quan- do confinada ao intestino delgado, a diarreia e a dor abdominal são as ma- nifestações mais comuns – sintomas constitucionais como perda ponderal e anemia também podem ocorrer. A diarreia pode ocorrer por má ab- sorção – de nutrientes, fluidos ou ele- trólitos – ou por exsudação de fluido intersticial para o lúmen devido ao pro- cesso inflamatório. No acometimento do íleo mais distal, a má absorção de sais biliares pode ser o mecanismo da diarreia, permitindo que grandes quantidades destes sais cheguem ao intestino grosso e gerem maior secre- ção de cloro e água pelo epitélio. Por fim, é importante ressaltar que é no íleo que ocorre a absorção de vitami- na B12, e sua escassez gera anemia 8DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS megaloblástica – ou seja, outro me- canismo que gera anemia no contex- to da DII. Dor abdominal frequentemente faz parte do quadro. Quando no quadran- te inferior direito e de duração mais constante, pode ser resultado da esti- mulação de receptores na serosa pela inflamação. Além disso, o aumento da contratilidade e distensão das alças pode ocasionar cólicas. Anorexia e náuseas, causadas por mediadores da inflamação no SNC – a exemplo do TNF-alfa – acome- tem, com frequência, portadores de doença de Crohn. SE LIGA! No contexto das DII, convém pontuar sobre as manifestações ex- traintestinais dessas doenças. A mais frequente delas é o acometimento ar- ticular: embora não esteja bem eluci- dado porque ocorre, supõe-se que a deposição de imunocomplexos em pe- quenos vasos desencadearia essa rea- ção inflamatória. Colangite esclerosante primária e espondilite anquilosante tam- bém são outras formas de manifestação extraintestinal. MAPA MENTAL DE FISIOPATOLOGIA FISIOPATOLOGIA Fístulas Menos comuns Mais comuns Continuidade Simétrica + contínua Salteada + lesões aftoides Áreas afetadas Restrita ao cólon e reto Da boca ao ânus Profundidade da lesão Mucosa e submucosa Transmural RCU DC 9DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS 5. QUADRO CLÍNICO Vimos a fisiopatologia dos principais sintomas das DII, o que vai facilitar agora entender o quadro clínico des- sas doenças. Ambas têm manifesta- ções parecidas entre si, mas a carac- terização dessas manifestações pode dar pistas e favorecer um diagnóstico em detrimento do outro. Em relação à RCU, o grau e a loca- lização do acometimento determi- nam os achados clínicos, conforme a seguir: 1. RCU distal: são geralmente qua- dros brandos a moderados. A diarreia está presente em 80% dos acometidos e frequentemente há sangue nas fezes, muco, pus e tenesmo. A dor abdominal é em cólica e geralmente precede as evacuações. Há urgência e incon- tinência fecal eventualmente, e manifestações extra-intestinais são incomuns. 2. RCU hemicólon esquerdo e pan- colite: são os casos moderados a graves. Astenia, febre, perda ponderal e anorexia são comuns. Há diarreia com pus, muco, san- gue e tenesmo e a dor abdomi- nal é mais intensa. Manifesta- ções extra-intestinais ocorrem em 20% a 30% dos pacientes. O exame físico muitas vezes está normal, mas pode eventualmente conter febre, emagrecimento, pali- dez, taquicardia e edema. A complicação mais temida da RCU é o megacólon tóxico, que, em- bora incomum, frequentemente leva a óbito. Dor abdominal intensa com distensão e febre, taquicardia, hipo- tensão e desidratação compõem seu quadro clínico. Dentre as manifestações extra-in- testinais, temos: artrite, aftas orais, artralgia, episclerite e pioderma gangrenoso estão entre as mais comuns. Há também as manifesta- ções extra-intestinais mais graves, tais como: espondilite anquilosante, colangite esclerosante primária e amiloidose. Já em relação à DC, devido à sua ca- racterística de poder acometer qual- quer parte do tubo digestivo, seu quadro clínico pode variar mais. No entanto, alguns padrões de acometi- mento se destacam: doença no íleo e ceco (40%), doença restrita ao intestino delgado (30%) e doença restrita ao cólon (20%). A diarreia é o sintoma mais comum, mas o número de dejeções tende a ser menor. É menos frequente o achado de muco, pus, sangue e te- nesmo nas fezes, exceto quando há envolvimento do cólon distal. A dor abdominal também é frequente, sendo mais frequentemente contínua, de maior intensidade e com localiza- ção predominante no quadrante infe- rior direito. A astenia e o emagreci- mento também podem ocorrer. Já as 10DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS manifestações extra-intestinais são mais frequentes na DC, e são simi- lares às manifestações extra-intesti- nais da RCU. O exame físico na DC pode revelar emagrecimento, carência nutricio- nal ou desnutrição. É fundamental também, em todos os pacientes com suspeita de DC, examinar as regiões anal e perineal devido a uma compli- cação comum da doença: fissuras, fistulização e formação de abces- sos nessas regiões. As fístulas pe- rianais, entre porções do intestino e mesmo entre intestino e bexiga ou vagina podem ocorrer. MAPA MENTAL DE QUADRO CLÍNICO QUADRO CLÍNICO Diarreia Menos volumosa e mais frequente Mais volumosa e menos frequente Sangue nas fezes Mais frequente Menos frequente Anemia ferropriva Anemia megaloblásticaOutros achados Astenia e febre Anorexia e náuseas RCU DC Tenesmo e urgência fecal + cólicas Perda ponderal + dor abdominal contínua 11DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS 6. DIAGNÓSTICO O diagnóstico da DII ocorre a partir de dados da anamnese e história clíni- ca, exame físico e exames comple- mentares – laboratorial, endoscó- pico, radiológico e histopatológico. Não é possível estabelecer diagnósti- co sem exames complementares de- vido à gama de diagnósticos diferen- ciais que cursam com diarreia crônica, bem como devido à impossibilidade de diferenciar a RCU e a DC clinica- mente. Na verdade, cerca de 5% dos casos acabam sem ser diferenciados entre RCU e DC, sendo classificados como “colite indeterminada”. Exames laboratoriais: estes se encon- tram normais ou levementealterados nas DII, especialmente os casos le- ves. Pode haver anemia, leucocitose e trombocitose e, frequentemente, há elevação das provas de atividade in- flamatória (como o VHS e PCR). A calprotectina e lactoferrina fecais são exames úteis para o diagnósti- co das DII, pois evidenciam atividade inflamatória no intestino e apresen- tam boa correlação endoscópica e histológica. Por fim, avaliar função tireoideana também é interessante para exclusão de tireoidopatias, que podem cur- sar com diarreia – particularmente o hipertireoidismo. Exames de cultura e parasitológico de fezes podem ser empregados para descartar diagnósticos diferenciais. A infecção por C. difficile deve ser in- vestigada ainda que na ausência de uso recente de antibióticos. Marcadores sorológicos: vários mar- cadores têm sido estudados para as DII. Dentre eles, os mais destacados são o p-ANCA (anticorpo perinuclear contra estruturas citoplasmáticas do neutrófilo), encontrado principalmen- te na RCU inespecífica; e o ASCA (anticorpo anti-Saccharomyces cere- visae), mais associado à DC. Isolada- mente, esses anticorpos não fecham diagnóstico ou diferenciam entre uma forma e outra, pois aparecem em ou- tras patologias e até mesmo em indi- víduos saudáveis. Devem ser utiliza- dos como ferramenta de ajuda para o diagnóstico à luz do contexto clínico. Exames endoscópicos e de imagem: são muito utilizados no diagnóstico e acompanhamento das DII, além de ser o principal método de obtenção de material para análise histológica. A endoscopia digestiva alta pode en- contrar achados compatíveis com DC no trato gastrintestinal alto. Já a colo- noscopia serve tanto para diagnósti- co e acompanhamento da DC como da RCU. Ela identifica as alterações na mucosa, determina a extensão e o grau de atividade da doença, bem como identifica complicações e avalia a resposta terapêutica. 12DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS RETOCOLITE ULCERTIVA Colonoscopia Inflamação da mucosa do intestino grosso, com extensão proximal homogênea e contínua e quase sempre com envolvimento retal Macroscopicamente Edema, hiperemia, friabilidade, exsudato fibrinomucoide e erosões superficiais. No longo prazo, o cólon pode perder suas haustrações e adquirir aspecto tubular, com mucosa atrófica, pálida e com padrão vascular anormal. Exame histopatológico Perda da arquitetura das criptas, com criptite e abcessos, e deple- ção das células caliciformes. Existe, nas fases de ativação, infiltrado inflamatório com predomínio de neutrófilos polimorfonucleares; já nas fases crônicas, infiltrado de células mononucleares prevalecem. DOENÇA DE CROHN Os locais mais acometidos são o íleo terminal e ceco proximal, além de quase sempre poupar o reto. Macroscopicamente Lesões salteadas, alternadas com áreas de mucosa preservada. Pode haver ulcerações aftoides e úlceras profundas, serpiginosas e irregu- lares na mucosa afetada, e a coexistência de edema e infiltração da mucosa e submucosa com úlceras lineares podem dar o aspecto de cobblestone (“em paralelepípedo). Exame histopatológico a arquitetura das criptas está preservada, há infiltrado inflama- tório com predomínio linfocitário e são encontrados granulo- mas não caseosos, com células gigantes de Langerhans. Tabela 1. RCU x DC Figura 1: Imagens colonoscópicas evidenciando padrões de acometimendo das DII. Fonte: Medicina – GOLDMAN-CECIL, 23ed. Além da colonoscopia e EDA, a en- terotomografia (TC do trânsito do in- testino delgado) pode ser necessária para avaliar comprometimento desta porção e determinar extensão da do- ença. Já a cápsula endoscópica tem utilidade quando os outros exames não deram diagnóstico e há suspeita de comprometimento do delgado. A enteroressonância tem acurácia diag- nóstica similar à da enterotomografia e ainda poupa o paciente da radiação, mas sua limitação se deve ao alto custo. 13DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS FLUXOGRAMA DE DIAGNÓSTICO DIAGNÓSTICO P-ANCA Anemia, Leucocitose, elevação de VHS e PCR Evidenciam atividade inflamatória Marcadores sorológicosCalprotectina e Lactoferrina fecais ASCA RCU inespecífica DC Colonoscopia Histopatológico RCU DC RCU DC Inflamação da mucosa do intestino grosso Inflamação do íleo terminal e ceco proximal Perda da arquitetura das criptas, criptite e abscessos Preservação da arquitetura das criptas Envolvimento retal Poupa o reto Infiltrado inflamatório com predomínio de polimorfonucleares nas fases agudas e mononucleares nas fases crônicas Infiltrado inflamatório com predomínio linfocitários e granulomas caseosos 14DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS 7. TRATAMENTO DAS DII Retocolite Ulcerativa Aqui, usamos o Índice de Gravidade de Truelove e Witts: DOENÇA LEVE DOENÇA MODERADA DOENÇA GRAVE Nº. de evacuações por dia <4 4-6 6 ou mais + um dos sintomas sistêmicos marcados com * Sangue nas fezes Pequena quantidade Quantidade moderada a grande Muito sangue visível Febre (>37,8ºC)* Não Não Sim FC > 90bpm* Não Não Sim Anemia* Não Não Sim VHS* 30 ou menos 30 ou menos >30 Tabela 2. Índice de Gravidade de Truelove e Witts Para induzir remissão: em pacientes com doença leve a moderada, limita- da ao reto (proctite), iniciaremos o tra- tamento com aminossalicilato (como a sulfassalazina) via retal (supositó- rio). Se não houver remissão em qua- tro semanas, adicionaremos um ami- nossalicilato oral. Se ainda assim não houver resposta satisfatória, adicio- naremos um curso breve de corticoi- de tópico ou oral. Alguns pacientes podem recusar-se a usar supositórios retais. Nestes ca- sos, iniciaremos com aminossalicilato via oral, e explicaremos que este tem menor eficácia. Nos casos de intole- rância ou sensibilidade a essa casse de medicamentos, partiremos para corticoide via oral ou tópica por um período breve. Pacientes com doença leve a mode- rada que se estende até o hemicólon esquerdo, iniciaremos o tratamento com aminossalicilato tópico. Se não houver resposta em quatro semanas, poderemos: ou adicionar aminossali- cilato em altas doses via oral, ou ini- ciar este e substituir o aminossalici- lato tópico por corticoide tópico por tempo limitado. Caso seja necessário intensificar o tratamento, suspendemos os trata- mentos tópicos e fazemos aminossa- licilato e corticoide, ambos via oral. Se estamos tratando um paciente com doença leve a moderada, mas extensa em localização – como na pancolite, já iniciaremos o tratamento com aminossalicilato tópico e via oral em alta dose. 15DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS Imunobiológicos e inibidores de Janus Kinase (JAK) podem ser usados para tratar doença leve a moderada em to- das as localizações. Mas será reser- vado para casos selecionados, devido ao alto custo e potenciais riscos. Já na doença grave, em todas as suas localizações, introduzimos corticoi- de intravenoso para induzir remissão enquanto avaliamos necessidade de cirurgia. Quando o corticoide não for possível, a ciclosporina ou a cirurgia será indicada. Caso os sintomas não melhorem em 72 horas ou piorem, adicionaremos ciclosporina intrave- nosa ao corticoide intravenoso e con- sideraremos possível cirurgia. Inflixi- mabe (anti-TNF) pode ser uma opção apenas em casos de doença aguda e grave com impossibilidade de uso da ciclosporina. Para manter remissão: em pacien- tes que entraram em remissão após doença leve a moderada e de pou- ca extensão (proctite ou sigmoidi- te), temos algumas opções de uso: aminossalicilato tópico contínuo ou intermitente; aminossalicilato tópico e oral contínuos ou intermitentes ou aminossalicilato oral (este tem eficá- cia menor). Quando há doença mais extensa, com acometimento de cólon esquerdo e remissão após crise leve a moderada, o paciente irá usar ami- nossalicilato em dose baixa por via oral. Para todas as formas de localização da doença, usamos azatioprina oral ou mercaptopurina se houver duas ou mais exacerbações em 12 meses necessitando de corticoidesistêmico ou se a remissão não for mantida com apenas aminossalicilatos. 16DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS FLUXOGRAMA DE TRATAMENTO DA RCU Para induzir remissão Remissão após doença leve a moderada extensa Para manter remissão Azatioprina VO ou Mercaptopurina se duas ou mais exacerbações em 12 meses Remissão após doença leve a moderada e de pouca extensão Doença leve a moderada Aminossalicilato em dose baixa por via oral Aminossalicilato tópico; aminossalicilato tópico e oral; aminossalicilato oral PancoliteLimitada ao reto Estende até cólon esquerdo Aminossalicilato tópico e via oral em alta dose Aminossalicilato via retal Aminossalicilato tópico Doença grave Sem remissão em 4 semanas Sem remissão em 4 semanas Corticoide IV Adicionar aminossalicilato via oral Adicionar aminossalicilato altas doses via oral Adicionar aminossalicilato altas doses via oral e substituir aminossalicilato tópico por corticoide tópico Sem resposta Corticoide tópico ou via oral Sem efeito ou piora após 72 horas Ciclosporina IV e considerar cirurgia Anti-TNF se doença aguda e grave com impossibilidade de uso de ciclosporina TRATAMENTO RCU 17DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS Doença de Crohn A doença de Crohn pode ser caracte- rizada em relação à sua atividade com um índice chamado Crohn’s Disease Activity Index (CDAI ou IADC). Ele utiliza dados referentes aos últimos 7 dias e seu resultado é o somatório de 8 componentes, que no final classifi- ca a doença em: remissão, atividade leve, atividade moderada e atividade grave. A resposta clínica também é caracterizada pela redução de mais de 100 pontos no CDAI. Temos ainda a classificação de Mon- treal, que leva em conta a localização e o comportamento. Inclui idade ao diagnóstico, localização (ileal, colô- nica, ileocólica, doença TGI superior isolada) e comportamento (não es- tenosante, não penetrante, esteno- sante, penetrante e o modificador de doença perineal). Na indução da remissão da DC, po- demos lançar mão de aminossalici- latos, em especial a sulfassalazina, na doença colônica. Esses medica- mentos são derivados do ácido ami- nossalicílico e têm mecanismo de ação similar ao dos anti-inflamatórios não-esteroidais. Nos casos de do- ença no intestino delgado, devem ser tratados com corticoesteroide. Se não houver resposta clínica signi- ficativa após seis semanas, houver contraindicação ou intolerância, de- vem ser tratados como doença mo- derada a grave. Os pacientes com doença modera- da a grave devem ser tratados com corticoesteroides (prednisona), até a redução de sintomas e cessação da perda de peso. A partir daí, o cor- ticoide deve ser desmamado. A aza- tioprina, um imunomodulador, tam- bém se mostrou eficaz em induzir a remissão, mas demora mais tempo para obter resposta clínica, não sendo recomendados em monoterapia. Pa- cientes que não respondem à azatio- prina podem ter um defeito genético no metabolismo, com diferenças em certas atividades enzimáticas. Esses pacientes devem associar alopurinol à azatioprina, reduzindo a dose des- ta. Mercaptopurina também é uma opção no lugar da azatioprina. Pacientes cuja doença recorre após retirada do corticoide são considera- dos “corticodependentes”. Nesses casos, associa-se a azatioprina e, na ausência de resposta, também o alo- purinol. Na impossibilidade de utilizar a azatioprina, o metotrexato é uma opção. Se, após esses passos, não houver resposta clínica, parte-se para o uso de medicamentos imunobiológicos para indução. No caso, o uso de an- ti-TNF: infliximabe, adalimumabe ou certolizumabepegol. Pacientes com infecções ou absces- sos devem receber antibioticotera- pia apropriada, além de drenagem cirúrgica ou percutânea conforme 18DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS necessidade. A cirurgia é necessária em 50% a 80% dos pacientes em al- gum momento no curso da doença. Para a remissão de pacientes com doença grave a fulminante, devem ser tratados em hospitais terciários, com hidratação, transfusão e suporte nutricional a critério clínico. Iniciamos então tratamento com hidrocortisona intravenosa, que é substituída pelo corticoide via oral após melhora clí- nica e passando a tratar o paciente como portador de doença moderada a grave. Uma vez obtida a remissão, fazemos tratamento de manutenção: iniciamos com azatioprina ou mercaptopurina. Se o paciente entrou em remissão com uso de metotrexato, podemos manter esse medicamento para ten- tar remissão. O mesmo vale para pacientes que não toleraram a aza- tioprina ou mercaptopurina, ou têm contraindicações para estas. Falha da manutenção da remissão in- dica o uso de terapia anti-TNF. Em- bora estudos tenham mostrado maior eficácia em associar azatioprina com anti-TNF, o risco deve ser ponderado devido à maior taxa de infecções e neoplasias com o uso da azatioprina. SE LIGA! Pacientes com doença infla- matória intestinal de longa duração es- tão em risco bastante aumentado para câncer colorretal (CCR), com uma in- cidência de 18% após 30 anos de co- lite! A neoplasia se desenvolve a partir de processos displásicos na mucosa, que podem ser rastreadas e detectadas precocemente, evitando a sua evolução para uma neoplasia. Nesse contexto, é recomendado que pacientes com DII de longa data – geral- mente após 8 anos – sejam rastreados periodicamente para CCR. A periodici- dade pode variar de 1 a 5 anos, a de- pender de fatores individuais como ida- de de início da doença, histórico familiar, extensão da doença e presença de co- langite esclerosante primária. De qual- quer forma, é certo que esses pacientes merecem uma vigilância maior para este tipo de câncer. 19DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS FLUXOGRAMA DE TRATAMENTO DA DC Para induzir remissão Para manter remissão Doença moderada a grave TRATAMENTO DC Azatioprina ou MercaptopurinaDoença leve Doença no intestino delgado Corticoide (Prednisona) até redução de sintomas e cessação da perda de peso Doença colônica CorticoideAminossalicilatos Sem resposta clínica após 6 semanas Tratar como doença moderada a grave 20DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GOLDMAN L., AUSIELLO D. Cecil: Medicina. 25ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2018. Clínica Médica, volume 4:Doenças do Aparelho Digestivo, Nutrição e Doenças Nutricionais. – 2 ed. – Barueri, SP; Manole, 2016. Zaterka S, Eiseig JN. Tratado de Gastroenterologia da Graduação à Pós-graduação. 2ª edição - Editora Ateneu, 2016 Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença de Crohn: Ministério da Saúde, 2017. National Institute for Health and Care Excellence (NICE). Ulcerative colitis management (NG130). Jul. de 2019. National Institute for Health and Care Excellence (NICE). Crohn’s disease management (NG129). Jul. de 2019. Colorectal cancer surveillance in inflammatory bowel disease: Practice guidelines and recent developments. World J Gastroenterol 2019 August 14; 25(30): 4148-4157. 21DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS