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Uma cidade sem passado - Análise

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ANÁLISE DO FILME “UMA CIDADE SEM PASSADO”
 	 
Produzido e lançado entre os anos 1989 e 1990, Uma cidade sem passado é um filme alemão que retrata a história de Sonja, adolescente estimulada pela professora a participar de um concurso de redação proposto pelo presidente do país. Ganhadora, meses depois um outro concurso a coloca numa jornada mais complexa do que o primeiro e Sonja se depara com dificuldades que a fazem perder o prazo para a entrega de seu texto (a discrepância entre alguns relatos e o “esquecimento” de algumas pessoas que viveram na época analisada pela protagonista, por exemplo). O tema “Minha cidade natal no Terceiro Reich”, passa a ser, então, o objeto de uma pesquisa maior que fará Sonja investir os próximos anos de sua vida no conhecimento do passado daquela cidade – o que abordaremos com base em nossas discussões na disciplina Introdução aos Estudos Históricos a seguir. 
Cercada por instituições sociais como a família, a escola e a igreja, Sonja vivia como muitas adolescentes da sua época. Estudava em um colégio confessional, comungava da fé e interagia com seus familiares. Tais instituições tinham um papel fundamental em sua compreensão de mundo, pois além de comporem a sociedade na qual ela estava inserida, também eram propagadoras de uma memória coletiva que servia de apoio à memória tanto de Sonja quanto dos demais indivíduos. Compreensão esta que passou a ser questionada pela própria protagonista quando iniciou a sua pesquisa para o segundo concurso de redação. 
O desafio de Sonja era encontrar um fio que a conduzisse à verdade, visto que de início o que ela tinha à disposição eram as memórias de alguns familiares e pessoas próximas das quais tomava conhecimento pelos relatos orais coletados informalmente. Deve-se observar com cautela o uso da memória como recurso ao historiador, pois é preciso considerar, como explicado por Freud e mencionado por SILVA e SILVA, o seu caráter seletivo: “Lembramos das coisas de forma parcial, a partir de estímulos externos, e escolhemos lembranças” (2009, p. 275). Disto depreendemos que o problema da memória é o problema da imprecisão (a memória é parcial, “embaralhada”, esquecida) e, em seu nível coletivo, como também nos ensina os mesmos autores, “reelabora constantemente os fatos” (p. 277). 
A persistência de Sonja também a levou a lugares de memória: inicialmente a biblioteca da igreja e o arquivo público local (neste último, seu acesso a documentos relacionados ao prefeito foi proibido tanto pelo órgão quanto pela esposa do falecido líder político) mas as barreiras impediram-na de dar continuidade ao trabalho, que foi retomado após alguns anos, após casar-se, engravidar e dar à luz a sua filha. 
Coletivamente, o que se dizia e ensinavam era que Pfilzinger era uma cidade que não contribuiu para a ascensão e domínio do regime nazista. E mais: que a cidade alemã acolheu judeus durante aquele período e lá eles se sentiam felizes (como discutimos, as pessoas relatavam do passado aquilo que queriam viver no presente). Isto não era suficiente para Sonja, que entre um relato e outro percebia contradições – o professor da Universidade alegava que o prefeito falecido era nazista; a viúva, que o marido havia sido injustiçado; a avó de Sonja apontava para indícios de que na cidade havia existido um campo de concentração – então, recorrendo à justiça recebeu o direito ao acesso livre aos documentos que desejava pesquisar. A esta altura, passou a pesquisar também o acervo do departamento editorial do jornal da cidade, onde descobriu em um dos textos publicados uma direção que serviria para esclarecer algumas questões. 
Ainda assim, a guarda de registros e fontes em lugares de memória mostrou-se problemática. Como ensina Fourquet, “(...) Do real, conhecemos apenas o que podemos inferir das séries de índices que o aparelho do poder registrou e nos transmitiu” (FOURQUET apud CHESNEAUX, 1995, p. 32). 
Em sua busca, deparou-se com uma série de impedimentos: acesso restrito por funcionários dos órgãos e pelas autoridades; controle ferrenho dos documentos; falta de colaboração de funcionários dos órgãos; ameaças explícitas e atentados. O que o filme apresenta é um claro interesse em se manter no sigilo alguns acontecimentos, visando garantir, assim, que as autoridades envolvidas se mantivessem no poder e a pesquisa de Sonja representava um risco a essas autoridades, um conflito explicitado no desfecho que gerara outro embate legal. Daí o controle do passado e da memória coletiva pelo aparelho do Estado ser dirigido às fontes, retendo-as, colocando-as em sigilo, quando não destruindo-as, como aprendemos a partir da discussão acerca do ensinamento de CHESNEAUX (1995, p. 34). 
Por fim, a busca, leitura e compreensão de documentos, registros de época, por meio de um método rigoroso e sistemático, lhe garantiu uma interpretação da realidade que posteriormente ela publicou em formato de livro e lhe rendeu notoriedade pública em várias esferas sociais. Entretanto, percebeu-se cercada de pessoas que quiseram silenciá-la e agora a ovacionavam diante de um busto construído em sua homenagem. Esta percepção fê-la enxergar uma tentativa de resumirem todo o seu trabalho àquele memorial, como se pudessem silenciá-la em vida, como se sua busca por conhecer o passado tivesse de ser encerrada ali – ao que ela responde com a saída abrupta do ambiente, com a filha nos braços, rumo à “arvore dos milagres” que ela visitava na adolescência e onde tinha contato com imagens/fotografias que lhe traziam à memória elementos do passado. Num período de transformações significativas na Alemanha (queda do muro de Berlim e reunificação do Estado), Sonja é a representação da resistência contra a ocultação do passado de seu país e da importância de se compreender o presente pelo conhecimento do passado. A recusa daquele reconhecimento era a queda de um muro que separava o presente e o passado, o que estava propositalmente escondido e o conhecimento da verdade. Sonja definitivamente não tinha compromisso com o que Chesneaux chama de “etiqueta política oficial”. 
 	 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
CHESNEAUX, Jean. Devemos fazer tábula rasa do passado? São Paulo: Ática, 1995. SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2009. 
UMA CIDADE SEM PASSADO. Direção: Michael Verhoven. Produção: Michael Verhoven; Senta Berger (1990). YouTube. Publicado em 2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kKiykbMCtRM&t=2639s. Acesso em: 22 mar. 2021.

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