Prévia do material em texto
Maria Eduarda de Alencar - Odontologia 2019.2 Lesão e Morte Celular Introdução → A lesão celular ocorre quando as células são estressadas tão excessivamente que não são mais capazes de se adaptar – qualquer estímulo da natureza pode provocar lesão – ou quando são expostas a agentes lesivos – endógenos ou exógenos – ou são prejudicadas por anomalias intrínsecas – no DNA ou nas proteínas, por exemplo; → A geração de lesões depende do tempo de ação, intensidade do estresse e da constituição do organismo – capacidade de adaptação. Para produzir lesão celular o estímulo deve interferir no metabolismo celular de maneira que a sua função fisiológica não consiga ser realizada de forma plena, ocorrendo redução da sua função; • Lesão Celular Reversível - Nesse estágio, já existem anomalias estruturais e funcionais, mas a lesão ainda não progrediu para um dano severo, portanto, se o estímulo nocivo for removido as alterações morfológicas e funcionais são reversíveis; • Lesão Celular Irreversível ou Morte Celular - Com a persistência do estímulo nocivo, a célula não consegue mais recuperar seu estado inicial diz-se estão que ela sofreu lesão irreversível ou morte celular. A célula tem quatro sistemas interdependentes que se alterados podem levar à morte celular: membranas – mantém a homeostasia iônica e osmótica da célula e das organelas – respiração aeróbica – fosforilação oxidativa com produção de ATP nas mitocôndrias – síntese de proteínas e manutenção do citoesqueleto e material genético (DNA); - Existem dois tipos de morte celular, a necrose e a apoptose. Na necrose, ocorrem danos acentuados nas membranas causando o extravasamento das enzimas dos lisossomos, essas enzimas entram no citoplasma e digerem a célula. Os conteúdos celulares também extravasam através da membrana plasmática lesada iniciando um processo inflamatório no organismo. Na apoptose, ocorre a dissolução nuclear sem a perda da integridade da membrana, esse processo ocorre em células que não possuem fatores de crescimento ou tem seu DNA celular ou as proteínas danificados; OBS.: A necrose constitui sempre um processo patológico, já a apoptose – morte celular programada – não está necessariamente ligada à lesão celular patológica, auxiliando inclusive em muitas funções normais. Causas da Lesão Celular → As lesões podem ser causadas pelos mais diversos estímulos. Sendo a maioria dos estímulos nocivos classificados em categorias: • Privação de Oxigênio - Hipóxia, ou deficiência de oxigênio no organismo; • Agentes Químicos - O número de substâncias químicas que podem lesar células é enorme, até mesmo substâncias inofensivas, como a glicose, se absorvidas em excesso podem causar danos; - Os agentes comumente conhecidos como venenos causam severos danos em nível celular por alterarem a permeabilidade da membrana, a homeostasia osmótica ou a integridade de uma enzima ou cofator. A exposição a esses venenos pode culminar em morte de todo o organismo; - Causas Exógenas: Substâncias tóxicas como defensivos agrícolas, poluentes ambientais, contaminantes alimentares, medicamentos e drogas ilícitas; • Agentes Biológicos - Ou agentes infecciosos, variam desde microrganismos grandes até os microscópicos; - Micoplasmas, riquétzias, vírus, bactérias, protozoários e metazoários; • Reações Imunológicas - Embora fisiologicamente o sistema imune defenda o corpo contra micróbios patogênicos, as reações imunes podem também resultar em lesão à célula ou ao tecido; - Reações autoimunes e reações alérgicas; • Fatores Genéticos - Resultam em alterações patológicas que vão das mais leves às mais grosseiras; - Os defeitos genéticos causam lesão celular por causa da deficiência de proteínas funcionais, disparando a morte celular quando são irreparáveis. Além disso, as variações genéticas (polimorfismos) podem influenciar também a suscetibilidade das células a lesão por substâncias químicas e outras lesões ambientais; • Desvios da Nutrição - São a principal causa de lesão celular; - Deficiência – de vitaminas, por exemplo, que podem gerar problemas como a cegueira e o escorbuto – e excesso de nutrientes – causa importante de morbidade e mortalidade; • Agentes Físicos - Força mecânica (trauma), radiações, variações de temperatura e alterações de pressão atmosférica; • Envelhecimento - A senescência celular leva a alterações nas habilidades replicativa e de reparo das células e tecidos. Essas alterações levam à diminuição da capacidade de responder ao dano e, finalmente, à morte das células e do organismo. Hipóxia e Anóxia → Hipóxia: Redução no fornecimento de O2; → Anóxia: Interrupção no fornecimento de O2; - Diversas lesões celulares produzem obstruções vasculares que reduzem o fluxo sanguíneo ou causa sua interrupção. Dependendo da intensidade e da duração desse estresse, as células podem degenerar ou morrer – sem oxigênio e nutrientes; - Num caso de hipóxia, as células irão, inicialmente, tentar se adaptar mediante a mudança na maneira de utilizar energia – o ATP passa a ser consumido sobretudo em atividades de bombas iônicas e em sínteses celulares. Entretanto, se o limite adaptativo for ultrapassado podem surgir lesões reversíveis ou irreversíveis – morte celular; • Alterações Celulares - O processo de glicólise – quebra da glicose – é acelerado; - Há um aumento na captação de glicose; - Inibição da gliconeogênese e da síntese de ácidos graxos, triglicerídeos e esteroides; • Lesões Reversíveis → A redução na síntese de ATP, não compensada por produção de energia via glicólise, leva ao surgimento de várias alterações/degenerações – chamadas assim pois são reversíveis: - Redução da função das bombas eletrolíticas dependentes de ATP, o que leva à retenção de Na+ no citosol, aumento da osmolaridade e expansão isosmótica do citoplasma – início da degeneração hidrópica; - Alteração a permeabilidade a outros íons, especialmente o Ca2+, que ao alcançar o citoplasma promove a desestruturação do citoesqueleto por ativar proteases calmodulina- dependentes; - Oferta excessiva de acetil-CoA – produzida na glicólise – às mitocôndrias com cadeia respiratória parcialmente inativada – impossibilitadas de realizar a respiração aeróbica – provoca acúmulo deste, o que favorece a síntese de ácidos graxos, podendo levar ao acúmulo de triglicerídeos sob a forma de pequenas gotas no citosol (esteatose) – o acúmulo de triglicerídeos só não é mais intenso na hipóxia, porque uma resposta adaptativa precoce à hipóxia é a redução na expressão de genes para a síntese de ácidos graxos; • Lesões Irreversíveis - Se a hipóxia persistir, as alterações que ela gera – perturbações eletrolíticas e na síntese de lipídios e proteínas – passam a agredir as membranas citoplasmáticas e de organelas, o que agrava progressivamente as condições da célula e pode levar à morte celular; → Até o aparecimento das lesões irreversíveis é possível observar algumas modificações: - Alteração nas membranas celulares, devido à perda de moléculas estruturais – nos fosfolipideos ocorre a degradação dos lipídeos pelas fosfolipases, ativadas pelos altos índices citosólicos de Ca2+, criando bolhas na membrana – e a incapacidade de repor componentes perdidos; - As membranas também formam figuras em bainha de mielina, por demolição de partes das membranas do retículo endoplasmático; - As modificações na membrana das mitocôndrias levam à expansão da matriz interna e o desaparecimento de cristas floculares, a lesão mitocondrial leva à abertura de poros permitindo a saída de íons resultando em redução do potencial de membrana e consequente da fosforilação oxidativa; - Os lisossomos tornam-se tumefeitos e perdem a capacidade de conter suas hidrolases que são liberadas no citoplasma e inicial a autólise – indicação de morte celular. Radicais Livres - São moléculasque apresentam um elétron desemparelhado no orbital externo, o que as torna, geralmente muito reativas com outras moléculas; - Nas células, a principal fonte de radicais livres é a mitocôndria, oriundos dos processos oxidativos da respiração. Também são formados no citosol, lisossomos, RE e membranas, pela ação de enzimas como citocromo P-450 e xantina oxidase; → Diversas agressões produzem lesões por liberar radicais livres: - Inflamações; - Substâncias químicas produzem radicais livres quando são metabolizadas nas células; - Radiações ionizantes geram radicais livres ionizando a água; - A fumaça do cigarro e alguns elementos oxidativos também contém radicais reativos; → Essas agressões acabam interferindo no funcionamento das mitocôndrias: - O oxigênio molecular (O2) é a principal fonte de radicais livres nas células; - Os principais radicais livres no organismo são derivados do oxigênio: Ânion Superóxido O2• e íon hidroxila OH•. O óxido nítrico NO também pode agir como radical livre, mas os de O2 sejam produzidos em uma quantidade maior. Além do oxigênio, o H2O2 é oxidante e fonte importante de radicais livres; - Naturalmente, existem mecanismos que inativam os radicais livres – mecanismos antioxidantes: Superóxido dismutase (SOD), Glutationa peroxidase e Catalase. Neutralizando-se esses radicais não há efeitos nocivos produzidos. Entretanto, em algumas situações, são produzidos radicais livres numa quantidade muito grande, não sendo possível a neutralização, nesses casos ocorre a lesão; - Os radicais livres são potencialmente lesivos porque reagem com as proteínas, lipídios e ácidos nucléicos: - A peroxidação em cadeia que ocorre quando um radical livre reage com lipídeos de membrana provoca uma lesão celular pela modificação estrutural das membranas celulares – a reação é autocatalítica, a molécula atacada torna-se ativa e forma uma cadeia de reações; - A lesão celular pode surgir também pela modificação da conformação de proteínas inativando-a ou induzindo a sua degradação em proteassomos; - Quando interage com o DNA podem formar adutos e causar quebras na molécula, favorecendo mutações; OBS.: As células possuem mecanismos que reparam as lesões de DNA, porém se o dano é muito grave para ser corrigido (p. ex., após lesão por radiação ou estresse oxidativo) a célula inicia seu programa de suicídio e morre por apoptose. Uma reação semelhante é iniciada por proteínas impropriamente dobradas, as quais podem ser resultantes de mutações herdadas ou disparadores externos, como os radicais livres. - Até o momento, não há evidências que doses maciças de antioxidantes na dieta possam prevenir leões por radicais livres. Tudo indica, no entanto, que a ingestão regular de antioxidantes naturais é benéfica e está associada a menor risco de doenças degenerativas, como a aterosclerose. Resposta Imunitária - A resposta imunitária é o mecanismo de defesa mais importante que o organismo tem contra agentes infecciosos, ao lado disso, ela também faz parte do processo de reparo de lesões causadas pelos mais diferentes agentes agressores; - Como a resposta imunitária é capaz de destruir ou eliminar agentes vivos, ela é também causa muito comum de lesões e doenças, pois pode agredir células e tecidos normais. Alterações para mais ou para menos na função do sistema imunitário estão na origem de muitas doenças; - Quando o SI está deficiente, surgem doenças infecciosas, se atua de forma desregulada para mais, aparecem doenças por autoagressão: - Nas inflamações crônicas, como observado na tuberculose, a resposta imunológica contribui para destruição tecidual e progressão da doença; - Quando existe falhas nos mecanismos de tolerância imunológica, as células do sistema imune reconhecem antígenos próprios como estranhos, desencadeando uma resposta lesiva contra essas células. Morfologia de Células Necróticas → A necrose é caracterizada por alterações no citoplasma e no núcleo das células lesadas: • Alterações Citoplasmáticas - Aumento da eosinofilia – células com citoplasma rosa, corante eosina – devido a desnaturação das proteínas citoplasmáticas que se ligam a eosina, à perda do RNA citoplasmático – gera perda de basofilia, coloração azul do corante hematoxilina; • Alterações Nucleares - As alterações nucleares são todas causadas pela degradação da cromatina e do DNA; - Picnose: Retração e adensamento do núcleo, com perda da individualidade dos grânulos de cromatina. Aumento da basofilia; - Cariólise: Coloração nuclear pálida e fraca, provavelmente devido à atividade da desoxirribonuclease (DNase); - Cariorrexe: Fragmentação do núcleo picnótico; - Dentro de 1-2 dias o núcleo da célula necrótica desaparece totalmente. Essa célula, pode persistir por algum tempo ou ser digerida por enzimas e desaparecer, são então substituídas por figuras de mielina – fagocitadas por outras células ou, mais tarde, degradadas em ácidos graxos. Tipos de Necrose • Necrose de Coagulação - A arquitetura básica dos tecidos mortos é preservada por, pelo menos, alguns dias; - As células anucleadas e eosinofílicas persistem por dias ou semanas, pois a lesão desnatura todas as proteínas, estruturais e enzimas – bloqueando assim a proteólise das células mortas. Estas são, mais tarde, digeridas pelas enzimas lisossômicas dos leucócitos – uma fagocitose lenta, feita pelos fagócitos provenientes dos vasos periféricos que ainda estão íntegros; - Característica de infartos – áreas de necrose isquêmica – em todos os órgãos sólidos, exceto o cérebro – quase sempre as necroses são liquefativas. Num infarto com necrose coagulativa ocorre, geralmente, a parada completa da circulação sanguínea nos capilares da área necrótica – motivo pelo qual as células necróticas sobrevivem por tanto tempo; - Dentre as alterações morfológicas, a cariorrexe é mais rara, ocorrendo então a picnose seguida de cariólise. Macroscopicamente, a área de necrose coagulativa é firma e pálida – por ausência de circulação – bem delimitada do tecido normal. Quando a causa é isquêmica, é característica a forma em cunha, com ângulo voltado para o centro do órgão – para o vaso obstruído; - Além dos infartos, tumores de crescimento muito rápido – superam a capacidade de suprimento dos vasos – e lesões intensas por agentes físicos – queimaduras graves – ou químicos – ácidos e bases fortes – também podem levar a um quadro de necrose coagulativa; • Necrose Liquefativa - Necrose associada à infecção por agentes biológicos, principalmente bactérias – fungos também – a um tecido, ou no caso específico da lesão por isquemia ou hipóxia no tecido cerebral; - A necrose liquefativa é própria de tecidos ricos em lipídeos, como o cérebro e a suprarrenal, mas não é bem claro o quanto isto contribuiu para a liquefação rápida da necrose; - O melhor exemplo de necrose liquefativa é um infarto cerebral. Nesse quadro, ao contrário do infarto do miocárdio, por exemplo, não há interrupção completa da circulação e sim uma redução, suficiente para matar os neurônios, mas as células sanguíneas – fagócitos – conseguem chegar ao local da lesão, sem impedimento; - Há rápida chegada das células fagocitárias, o tecido necrótico é então removido em poucos dias – macroscopicamente ocorre o amolecimento do tecido necrótico, dissolução, por isso o nome necrose liquefativa. Além do cérebro, os pulmões e intestinos também ocorre a necrose liquefativa, geralmente; - Abscessos: São áreas de infecção bacteriana purulenta que produzem uma nova cavidade no tecido. Esta nova cavidade resulta de uma necrose liquefativa, por ação das enzimas proteolíticas das próprias bactérias, e dos neutrófilos atraídos para combate-las; • Necrose Gangrenosa - Em geral, esse termo é aplicado a um membro, comumente a perna, que tenha perdido seu suprimento sanguíneo e que sofreu necrosede coagulação, envolvendo várias camadas de tecido; - Quando uma infecção bacteriana se superpõe, a necrose de coagulação é modificada pela ação liquefativa das bactérias e dos leucócitos atraídos, resultando na chamada gangrena úmida; • Necrose Caseosa - Do latim caseum (queijo), o tecido necrótico adquire um macroscópico semelhante ao queijo, como indica a própria etimologia da palavra; - As áreas de caseificação apresentam-se: - Macroscopicamente: Massas circunscritas, amarelas, secas e friáveis; - Microscopicamente: A principal característica é a transformação das células necróticas em uma massa homogênea, acidófila, contendo núcleos picnóticos e, principalmente na periferia, núcleos fragmentados – cariorrexe. As células perdem totalmente os seus contornos e os detalhes estruturais; - A área de necrose caseosa é frequentemente encerrada dentro de uma borda inflamatória nítida – granuloma; - Esse tipo de necrose é comum na tuberculose, mas pode ocorrer em outras doenças como a paracoccidioidomicose e em algumas infecções fúngicas; - A tendência da necrose caseosa é calcificar-se, ou ser eliminada para o exterior por vias naturais. A cavidade que resulta chama-se caverna; • Necrose Gordurosa ou Esteatonecrose - Também denominada necrose enzimática do tecido adiposo, é uma forma de necrose que compromete adipócitos; - Trata-se da necrose encontrada tipicamente na pancreatite aguda necro-hemorrágica. Nesse distúrbio, as enzimas pancreáticas que escapam das células acinares e dos ductos liquefazem as membranas dos adipócitos do peritônio, e as lipases dividem os ésteres de triglicerídeos contidos nessas células; - Macroscopicamente são visíveis áreas brancas gredosas, semelhantes a cera de vela, produzidas pela reação entre os ácidos graxos livres dos triglicerídeos com o Ca2+ – reação de saponificação; - Microscopicamente observa-se contornos sombreados de adipócitos necróticos com depósitos de cálcio basofílicos circundados por reação inflamatória; - Os próprios ácidos graxos e as enzimas pancreáticas são lesivos às células vizinhas intactas, favorecendo a disseminação da necrose; • Necrose Fibrinóide - É uma forma especial de necrose, visível à microscopia óptica; - Geralmente observada em reações imunes, nas quais complexos antígenos e anticorpos são depositados nas paredes das artérias. Os imunocomplexos depositados, em combinação com a fibrina que tenha extravasado dos vasos, resulta em aparência amorfa e róseo brilhante.