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205Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 205-207, abr./jun. 2014
Editorial
A revista Serviço Social & Sociedade apresenta aos seus leitores, em seu 
número 118, algumas determinações da categoria trabalho, trazendo elementos 
teóricos, metodológicos e históricos que a fundamentam na perspectiva da 
produção marxiana e da tradição marxista. 
Apresenta contribuições da materialidade das relações do trabalho na vida 
dos homens em diferentes momentos da sua existência, procurando elucidar como 
essas	formas	de	objetivações	refratam	no	fazer	profissional	do	assistente	social.	
Com a temática Trabalho Precarizado, convidamos os leitores a se apro‑
priarem desses conteúdos, compreendendo que a expressão “precarizado” é a 
manifestação que se tornou determinante na forma como o projeto societário 
burguês desenvolve suas relações com o trabalho humano desde seu princípio.
A precarização do trabalho é intrínseca ao modo de produção capitalista, 
porém apresenta graus diferenciados historicamente em termos de tempo e 
espaço, quando se efetiva sua materialização. 
É sob essa matriz de compreensão e análise que, neste número da revista, 
os leitores terão a oportunidade de conhecer o debate e suas implicações no 
pensar/fazer	do	cotidiano	profissional.
 Iniciamos apresentando o processo de trabalho em sua constituição his‑
tórica — da manufatura à maquinaria —, possibilitando a compreensão da re‑
lação dos trabalhadores com a natureza em seus diferentes momentos de sua 
efetivação, e colocando em movimento suas potencialidades. Encontrar registros 
de	atividades	que	manifestem	dimensões	humanas	criativas	é	raro;	verifica-se	
em quase a totalidade das atividades humanas, expressões concretas negadoras. 
Vinculando-se	diretamente	à	natureza	bruta	ou	já	modificada,	os	homens	vão	
construindo uma dada sociabilidade. Sob a determinação do projeto societário 
burguês, em particular durante o processo de trabalho demarcado pela manufa‑
tura e pela maquinaria, tem o trabalhador constituído uma sociabilidade nega‑
dora da sua existência humana. 
No entanto, o projeto societário burguês tem, em sua essência, períodos 
de crises em sua base estrutural. O artigo Crise do capital, precarização do 
trabalho e impactos no Serviço Social revela como as respostas dos “donos do 
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poder” atingem a centralidade do trabalho humano para amenizar a crise da 
continuidade em acumular valor. É somente pela expropriação exponencial da 
força de trabalho, em seus diferentes níveis, que o capital consegue responder 
às contradições imediatas. Esse procedimento atinge os usuários das ações, 
programas e políticas sociais ofertadas pelos órgãos públicos. Os trabalhadores 
que estão envolvidos com essas demandas também recebem as refrações desse 
processo. Nesse horizonte destaca‑se a presença dos assistentes sociais.
O universo da relação capital/trabalho é expressão direta de lutas constan‑
tes que demarcam a efetivação do capital por meio de diferentes formas de 
exploração	 do	 trabalho	 humano.	É	 neste	movimento	 que	Gramsci	 é	 figura	
central para evidenciar as contradições e antagonismos presentes nessa relação. 
O artigo A questão dos Intelectuais em Gramsci traz ao debate, conteúdos 
que nos permitem compreender com mais profundidade as categorias fundantes 
de sua análise a partir de seus escritos originais. 
Na sequência, o artigo Reestruturação produtiva, trabalho informal e a 
invisibilidade social do trabalho de crianças e adolescentes, como o próprio 
nome indica, aborda o trabalho precoce, situando‑o com base na lógica socie‑
tária dada pelo capitalismo.
Ainda que o trabalho de crianças e adolescentes seja um fenômeno mundial, 
o quadro é mais grave nos países cuja inserção no mundo globalizado se dá de 
forma subordinada. Com base em uma pesquisa realizada no município de 
Franca/SP, a autora traz dados que permitem apreender a gravidade do quadro 
apresentado.
O artigo Benefício de prestação continuada e perícia médica previden‑
ciária enfoca o recorrente processo de restrição do acesso ao benefício por 
parte	das	pessoas	com	deficiência,	mesmo	após	a	implantação	do	modelo	de	
avaliação	baseado	na	Classificação	Internacional	de	Funcionalidade,	Incapaci‑
dade e Saúde (CIF).
O não acesso aos direitos conquistados pela classe trabalhadora decorre 
de elementos estruturais que dialogam diretamente com as problemáticas elen‑
cadas	nos	artigos	anteriores.	Afinal,	mais	do	que	problemas	técnicos	e	opera‑
cionais, a negação do acesso completa o quadro de precarização das condições 
de vida e trabalho que atinge de forma ainda mais violenta o contingente de 
pessoas	com	deficiência.
207Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 205-207, abr./jun. 2014
Nesse mesmo arco analítico, cabe situar as expressões da precarização e 
da	terceirização	profissional	que	alcança	o	conjunto	dos	trabalhadores	e,	certa‑
mente alcança também, e muito, os assistentes sociais. É expressiva, nesse 
sentido, a análise realizada no artigo Consultoria empresarial de Serviço Social. 
Enriquece	ainda	esta	reflexão,	o	texto	Saúde Mental, intersetorialidade e 
questão social: um estudo na ótica dos sujeitos.
Finalmente, cabe destacar a resenha sobre o livro Riqueza e Miséria do 
Trabalho no Brasil II, organizado por Ricardo Antunes, na qual, de modo mui‑
to preciso, essa nova morfologia do trabalho é analisada, deixando claro o 
quanto ela se faz acompanhar da informalidade e da precarização.
Trata‑se, sem dúvida, de um número que traz contribuições fundamentais 
para	fazer	avançar	a	reflexão	sobre	a	precarização	do	trabalho	e	suas	graves	
expressões no cenário contemporâneo.
209Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014
 ARTIGOS
Processos de trabalho
da manufatura à maquinaria moderna
Work processes: from manufacture to modern machinery
Alfredo Batista*
Resumo: Apresentar o movimento da categoria trabalho no interior 
dos processos de trabalho estruturados e efetivados desde o artesanato 
até a maquinaria moderna. Nesses processos ocorreram rupturas e 
continuidades na esfera da organização do trabalho, bem como nas 
instâncias	da	revolução	científica	e	tecnológica.	Os	resultados	mani‑
festados nas relações cotidianas, durante os processos de trabalho, 
entre os homens e a natureza contribuíram para criar campos de pos‑
sibilidades	de	objetificações	que	afastaram	os	homens	das	barreiras	
naturais. No entanto, as experiências vivenciadas pelos trabalhadores 
ampliaram	o	universo	individual	e	coletivo	de	reificação	em	seus	di‑
ferentes	níveis	de	sociabilidade,	dificultando	e	impedindo-os	de	vive‑
rem e estruturarem uma vida plena de sentido.
Palavras‑chave: Trabalho. Processo de Trabalho. Sociabilidade.
Abstract: To present the movement of the category work inside the work processes structured and 
brought about from craftsmanship to modern machinery. In such processes there were ruptures and some 
continuity	both	in	the	field	of	work	organization	and	in	the	scientific	and	technological	area.	The	results	
in the daily relationship between man and nature during work processes contributed to create possibilities 
of	objectification	that	moved	the	former	away	from	natural	barriers.	However,	the	workers	had	experiences	
that	broadened	the	individual	and	collective	universe	of	reification	in	their	different	levels	of	sociability,	
which	both	made	it	difficult	and	prevented	them	to	live	and	structure	a	life	full	of	sense.
Keywords: Work. Work process. Sociability.
*	Graduado	em	Serviço	Social	e	Filosofia;	mestre	e	doutor	em	Serviço	Social,	área	de	concentração	
Políticas Sociais e Movimentos Sociais pela PUC‑SP; professor associado da Universidade Estadual do 
Oeste do Paraná — Unioeste, Campus de Toledo — Paraná/PR, Brasil; docente no curso de graduação em 
Serviço Social e dos Programas de Pós‑Graduaçãoem Serviço Social e Desenvolvimento Regional da 
Unioeste. E‑mail: comuna12@uol.com.br.
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Processo de trabalho na idade média
O artesanato
Leo Huberman (1985), em sua obra História e riqueza do homem, sutil e assertivamente enfatiza que a centralidade das relações huma‑nas no período medievo — século IV d.C. ao XVI — constitui‑se, efetivamente, na vida prática.1 Desde o princípio, reis, príncipes, 
senhores feudais, clérigos, comerciantes, empresários, vassalos, servos, escra‑
vos, trabalhadores assalariados e artesãos precisavam vestir‑se, comer, usufruir 
de objetos estéticos e de outras mercadorias.
Mas, quem eram os responsáveis por produzir bens de consumo para dar 
conta das necessidades do estômago e das fantasias da maioria da população 
no período medieval? Trabalhadores, instituídos juridicamente na sociedade 
medieval na condição de servos (a maioria), vassalos, escravos, camponeses e 
trabalhadores livres.2 Ao mesmo tempo, os trabalhadores servos, em especial, 
tinham que cumprir a obrigação legal de pagar tributos ao seu senhor e dízimo 
à Igreja. Se não bastasse tal grau de subordinação e deveres, jamais podiam 
reclamar das terras concedidas pelos senhores feudais, independente das con‑
dições de fertilidade encontradas (Pirenne, 1982).
A relação contratual estabelecida entre o senhor das terras e os trabalha‑
dores, em suas diferentes condições de vínculo, não ocorreu de forma linear 
durante o período medievo. Conforme Júnior (1988), a Idade Média, um dos 
momentos mais emblemáticos da história das civilizações, materializou sua 
1. Lukács (1979, p. 13) é categórico quanto ao ponto de partida e de chegada da fundamentação teórica 
marxiana e da tradição marxista: “é a realidade social enquanto critério último do ser ou não ser social de um 
fenômeno”.
2. A forma de tratamento dado pelo senhor feudal em relação ao servo vinculado ao seu feudo diferen‑
ciava profundamente ao período escravocrata que antecede a Idade Média. Os senhores feudais transforma‑
ram‑nos dependentes às leis e aos costumes do feudo em que estabeleciam sua moradia em conjunto com 
seus familiares. Na condição de camponeses, servos, vassalos, escravos e/ou trabalhadores livres, não podiam 
ser vendidos. O domínio de vínculo contratual delimitado por meio do pagamento via (arrendamento da 
terra, tarefa, salário, trocas de alimentos, moradia e algumas moedas) não garantia, aos trabalhadores, a 
condição de deixar o espaço físico em que viviam com seus familiares sob o poder do senhor feudais. A 
segurança conquistada pelos trabalhadores em seus diferentes tipos de vínculos, apesar de restrita, diferen‑
ciava profundamente do escravo da sociedade antiga (Júnior, 1988).
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existência dividida em quatro períodos: a primeira Idade Média — século IV 
ao VII —; a alta Idade Média — século VIII ao X; a Idade Média central — 
final	do	século	X	ao	XIII;	e	a	baixa	Idade	Média,	a	partir	da	segunda	metade	do	
século XIII até início do XVI.3
Com a derrocada do Império Romano, as condições econômicas, sociais, 
políticas, culturais e religiosas enfrentaram profundas fraturas em suas estrutu‑
ras, dentre as quais se destacavam: existência de uma ampla extensão territorial 
deixada pelo Império Romano em território ocidental e oriental; desenvolvi‑
mento de uma economia totalmente dependente da terra; convivência com uma 
base técnica simples dos instrumentos de trabalho,4 não permitindo ir além da 
realização de práticas primitivas, impedindo o avanço na esfera da produção de 
alimentos para atender às necessidades de todos os envolvidos; produção de 
excedentes para comercialização no mercado; e problemas expressivos enfren‑
tados	na	esfera	da	demografia.
A	demografia	foi	um	elemento	determinante	que	pautou	o	movimento	dos	
projetos das classes dominantes no período medievo. Com a derrocada do 
Império Romano — século III d.C. —, a sociedade não conseguiu organizar‑se 
rapidamente, impactando de forma direta nas áreas, rural e urbana. As terras 
cultiváveis que subsidiavam a maior parte da população, por meio das suas 
colheitas, deixaram de cumprir esse papel. Sem alimentos, faminta, a popula‑
ção urbana obrigou‑se a migrar para o campo em busca de um pedaço de terra 
para plantar.
A insegurança tomou conta da população. Qualquer alteração provocada 
pela força da natureza ou do homem que afetasse as plantações desencadeava, 
como consequência imediata, a baixa produtividade, contribuindo decisiva‑
mente para a falta de alimentos. Dentre as consequências diretas encontrava‑se 
a	redução	demográfica,	atingindo	direta	e	indiretamente	a	todos.	A	necessida‑
de em manter trabalhadores e não trabalhadores em condições de existência 
cotidiana tornou um pesadelo para as classes dominantes. A maioria da popu‑
lação caiu na desgraça da pobreza e da miséria humana. Não suportando a 
3. Essa forma de divisão temporal é uma das interpretações dos historiadores que tratam sobre a temá‑
tica Idade Média.
4. A lavra era realizada por instrumentos rudimentares como a charrua por meio de animais de tração 
(Heers, 1988).
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situação‑limite de humano, a morte tornou‑se companheira de uma parcela 
expressiva da população. Todos os dias, uma grande quantidade, de vidas era 
ceifada.5 Se não bastasse esse cenário, destruidor de almas humanas, outro 
fator	causou	alteração	negativa	nas	estatísticas	demográficas:	a	presença	de	
epidemias, como a malária — do século III ao V — e a varíola — do século 
VI ao VIII. Tudo indicava que, em diferentes tempos e espaços, a população 
começava	novamente	a	aumentar	a	partir	do	final	do	século	VIII	(Júnior,	1988).	
Com a retomada do crescimento populacional, o período medievo foi marcado 
por um segundo momento histórico: a alta Idade Média. Nesse momento a 
sociedade medieval reorganizou‑se, abrindo espaços para a retomada do de‑
senvolvimento na esfera da produção e da reprodução social.6
Vivendo em novas condições econômicas, políticas e sociais, preparadas 
durante a alta Idade Média, organizou‑se na Europa ocidental o período medie‑
vo denominado de Idade Média central — século XI ao XIII. Nesse período, as 
composições das classes sociais ganharam a força dos comerciantes e da própria 
Igreja, preocupados em como criar as bases concretas para desenvolver a eco‑
nomia	para	além	da	produção	baseada	na	terra,	o	que	não	significava	abandoná‑
‑la. É nesse período que a Igreja Católica, sob o argumento de garantir a domi‑
nação no campo da fé ao cristianismo — retomada de Jerusalém que estava sob 
o domínio dos muçulmanos —, propõe a realização do movimento das cruzadas, 
também conhecido como Guerra Santa. A ação desenvolvida pela Igreja Cató‑
lica Apostólica Romana — Guerra Santa — registrou sua primeira batalha em 
1096,	finalizando	esse	empreendimento	em	1316.	Júnior	(1988)	enfatizou	que	
esse empreendimento religioso/político não obteve sucesso em seus propósitos. 
Como consequência imediata, as relações políticas e econômicas entre Ociden‑
te e Oriente estremeceu‑se, em particular no que se refere ao relacionamento 
5. A situação de calamidade pública a que chegou a população — níveis de pobreza e miséria alarman‑
tes — levou uma parcela expressiva dela a tomar decisões não aceitas pela Igreja, dentre as quais se desta‑
cavam práticas anticonceptivas e abortivas, sendo que o infanticídio tornou‑se também uma prática corrente. 
No entanto, outras atitudes negadoras dos fundamentos civilizatórios eram efetivadas. Uma crônica da região 
da	Mosela	afirma	que,	em	fins	do	século	VIII,	“os	homens	comiam	os	excrementos	uns	dos	outros,	homens	
comiam	homens,	irmãos	seus	irmãos,	as	mães	seus	filhos”	(Júnior,	1988,	p.	27).
6.	Nesse	período,	século	VIII	ao	X,	sob	o	domíniodo	Império	Carolíngio,	ocorreram	avanços	signifi‑
cativos no movimento civilizatório. Carlos Magno, ao ser coroado pelo papa Leão III, conseguiu com inte‑
ligência e habilidade unir as forças da Igreja Católica e dos reinados. A partir desse momento os poderes dos 
reis e da Igreja Católica passaram a caminhar juntos.
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entre cristãos e muçulmanos. Positivamente, a realização das cruzadas desen‑
volveu expressivamente a economia no Ocidente, que tinha como palco comer‑
cial central o mar Mediterrâneo.
Vivendo em condições econômicas, políticas e sociais adversas e não 
obtendo sucesso no movimento desencadeado pelas cruzadas, os poderes esta‑
belecidos enfraqueceram e se obrigaram a alterar as regras do jogo acordadas 
com os trabalhadores servos. A atitude imediata recaiu sobre os servos: senho‑
res feudais em conjunto com o clero propuseram rever as bases dos contratos 
realizados	com	os	servos.	Vivenciando	dificuldades	que	extrapolavam	às	de	
períodos anteriores — primeira Idade Média e alta Idade Média —, senhores 
feudais em conjunto com o clero não vacilaram em tomar decisões autoritárias: 
iniciam processos de intervenção nas relações jurídicas acordadas. Lembremos 
que a maioria das leis existentes ocorria sob a jurisdição dos costumes.7 Nesse 
exato momento os acordos públicos sofreram profundas intervenções. Senhores 
feudais	 e	 representantes	 oficiais	 da	 Igreja	Católica	 deixam	de	 cumprir	 seus	
contratos com os trabalhadores, o que causa profunda crise na relação.
Um enorme contingente de trabalhadores — servos e seus familiares — é 
expulso das terras que eles arrendavam. Na condição de abandono, destituídos 
de qualquer condição mínima de existência material, foram jogados nas estradas. 
Humilhados, restava apenas uma escolha frente ao leque possível de alternati‑
vas: roubar e furtar. Essas atitudes contribuíram para criar, embrionariamente, 
uma	quantidade	significativa	de	bens	em	espécie	e	de	objetos.	Os	objetos	sa‑
queados, em momentos oportunos eram trocados e transformados em espécie 
no mercado. Na condição de renegados dos seus espaços físicos — feudos —, 
os servos deixaram os membros das classes dominantes em alerta.8
7. Enquanto as sociedades são movidas pelos costumes, o direito é uma peça desconhecida. No entan‑
to, com o desenvolvimento da divisão do trabalho técnico e social, as situações cotidianas tomam outros 
sentidos, pois deixavam de ter uma única posição teleológica para dar espaço para duas ou mais posições. 
Nessa sociedade mais evoluída, o direito era parte constitutiva da superestrutura para regular a economia e 
o projeto societário da classe dominante em voga.
8. Porém, além da situação desigual que os servos vivenciavam, duas manifestações cotidianas assola‑
ram a Idade Média central: a) por um lado, as classes dominantes começaram a ter que enfrentar as epidemias 
que assolavam as casas dos trabalhadores e opressores; b) a concorrência entre os poderes estabelecidos 
instaurou	processos	conflituosos	—	guerras	civis	—	com	a	finalidade	de	conquistar	novos	territórios,	condi‑
ção política necessária para ampliar o poder ou somente para defender o patrimônio em jogo. As relações 
entre os poderes estabelecidos contavam com o papel da Igreja Católica no processo de rearticulação dos 
poderes, bem como na convivência com outras dimensões da política e do seu domínio.
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Além do objeto “sagrado” terra, responsável por produzir alimentos para 
saciar as necessidades do estômago de todos e, quando possível, transformar 
parte em produtos excedentes para ser entregue aos senhores feudais, outros 
bens começaram a ser produzidos em escala comercial. Alguns trabalhadores, 
detentores de conhecimentos técnicos em criar objetos artesanais iniciam uma 
relação diferenciada no interior do feudalismo. Individualmente, constroem seus 
ofícios9 e, na condição de mestres e/ou aprendizes realizam suas atividades 
criando e desenvolvendo objetos para serem comercializados.10
A categoria ontológica “trabalho” requeria, nesse momento, uma atenção 
diferenciada.11 Com a mudança embrionária nas relações de poder político e 
econômico, abriu‑se uma lacuna na história medieval para que o processo de 
trabalho determinante, pautado no objeto histórico — terra e seus instrumentos 
simples de intervenção —, fosse impactado em suas raízes. O trabalho humano, 
mediador no campo de possibilidades de realizações teleológicas, experimenta‑
va, cotidianamente, alterações em suas manifestações. Até aquele momento 
histórico medievo, a manifestação direta e intensa dos trabalhadores com a terra, 
ao colocarem suas energias físicas e psíquicas para o outro (senhor feudal), esta‑
belecia uma relação de total dependência. Na condição de servo, seu único en‑
contro	com	a	vida	resumia-se	à	figura	de	subordinação	ao	seu	senhor	e	ao	clero.	
A vontade do servo só se realizaria se a vontade do senhor fosse contemplada. 
9. A formação da corporação tinha elementos fundantes que demarcaram historicamente sua existência. 
“Na	 sua	organização	 interna,	 cada	 corporação	 era	 constituída	por	 várias	 oficinas,	 as	 únicas	 que	podiam	
produzir	uma	determinada	mercadoria	naquela	cidade.	Cada	oficina	pertencia	a	um	indivíduo	conhecido	por	
mestre, dono da matéria‑prima, das ferramentas e do resultado econômico gerado pela produção. Os vários 
mestres	formavam	um	colegiado	que	dirigia	a	corporação,	isto	é,	que	fiscalizava	o	respeito	aos	regulamentos	
corporativos. O mais importante destes era impedir qualquer diferenciação de produção (e, portanto, concor‑
rência)	entre	as	oficinas:	o	tipo	de	matéria-prima,	a	quantidade	produzida,	o	preço	de	venda	deviam	ser	rigo‑
rosamente iguais. O fundamental era manter o espírito de cartel daquela associação” (Júnior, 1998, p. 55).
10. Os trabalhadores aprendizes, em sua maioria, após um período de experiências e apropriação dos 
conhecimentos técnicos, emancipavam‑se, assumindo a titularidade de mestre artesão. Após autorização da 
Associação	dos	Artesãos,	os	neófitos	aprendizes	formados	podiam	abrir	seus	ofícios,	dando	continuidade	ao	
ritual da corporação. Os conhecimentos técnicos transferidos aos trabalhadores aprendizes nos ofícios por 
meio dos mestres artesãos eram pagos em dinheiro pelos próprios aprendizes.
11. A centralidade do trabalho possibilita‑nos compreender como que a mediação realizada, durante o 
processo de trabalho, independe de qual momento histórico, pois “o trabalho, portanto, enquanto formador 
de valores de uso, enquanto trabalho útil, é uma condição de existência do homem, independente de todas as 
formas de sociedade” (Marx, 1975a, p. 10).
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Agora, uma parcela de trabalhadores rompe a relação de dependência com o 
senhor, proprietário do feudo e estabelece, perante o outro que o dominava, uma 
relação de autonomia. A situação, criada e colocada em movimento, inaugurava 
a reconstituição do processo produtivo que tinha, como objeto de trabalho, di‑
ferentes matérias‑primas, entre elas a terra.
Inovados personagens produtivos entraram em cena na esfera da produção 
material. Mestres, artesãos e aprendizes avançaram em suas ações produtivas 
e reprodutivas. Incorporados ao sistema político e econômico da época, cum‑
priram suas obrigações legais perante as ordens jurídicas de acordo e conforme 
a	localização	geográfica	em	que	desenvolviam	suas	atividades	e,	rapidamente,	
organizavam‑se em entidades denominadas de guildas.12 Organizados, amplia‑
vam suas forças políticas, pressionando a forma de ser e de existir do modo de 
produção capitalista, em sua fase embrionária, no que se referia à dimensão 
industrial. O artesão entrava em cena e registrava, nos anais da história da hu‑
manidade produtiva e reprodutiva, ocampo de possibilidades em colocar‑se 
enquanto ser social na esfera da produção artesanal.
É a partir desse lugar que o trabalhador, artesão, passa a ter a condição de 
escolher o que, como e para quem produzir seus objetos. Suas decisões possi‑
bilitam estabelecer o encontro em sua totalidade com a natureza. O artesão 
atribuía vida às suas potencialidades, conhecia seus segredos e emocionava‑se 
com suas surpresas, agora não mais dirigida pelo olhar e vontade do outro, mas 
sim a partir da sua vontade.
Motivado pelo desejo próprio, autônomo, em sua forma de participar da 
vida econômica, política, social e religiosa da época em questão, os artesãos 
eram	os	responsáveis	por	colocarem	determinada	finalidade	no	objeto	a	ser	
transformado. Esse fazer cotidiano garantia que os artesãos, nas esferas 
12. O artesão, ao defender seus interesses, deparou‑se com alguns problemas de ordem econômica 
e política. As primeiras associações, denominadas guildas, criadas a partir do século XI pelos comercian‑
tes	—	mercadores	profissionais	—,	permaneceram	ativas	defendendo	avidamente	seus	interesses	duran‑
te o período medievo. Os comerciantes, por sentirem‑se ameaçados pela associação dos mestres artesãos, 
constituídos	legalmente	no	século	XII,	criaram	dificuldades	aos	artesãos	—	principalmente	na	esfera	da	
legislação.	Pressionadas	permanentemente,	apesar	da	solidez	instituída,	as	associações	profissionais	de	
artesãos,	 formadas	por	mestres	de	várias	oficinas,	não	conseguiram	difundi-las	o	quanto	esperavam	e	
necessitavam.
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objetivo/subjetivas,	chegassem,	ao	final,	dominando	a	totalidade	do	processo	
de trabalho. O artesão mestre e seu aprendiz, ao pensarem, desenvolverem e 
efetivarem suas teleologias em determinado objeto material, apropriava‑se de 
conhecimentos técnicos e de outras determinações objetivo‑subjetivas. Este 
aprendizado possibilitava apropriar‑se de novas habilidades e descobertas de 
elementos diferenciados em todo o processo de produção. Na condição de 
autor e ator durante o processo de trabalho, o artesão e seu aprendiz, cons‑
cientes	ou	não,	compreenderam	que,	no	final	do	processo,	sujeito	e	objeto	não	
eram os mesmos. Sujeito absoluto na relação com a natureza e com os próprios 
homens,	o	conhecimento	de	todo	o	processo	de	trabalho	artesanal	ficava	sob	
o domínio do artesão mestre e do aprendiz, o que os fortaleciam técnica e 
politicamente.
Em seu tempo e espaço, os artesãos livres, na condição de sujeitos da 
sua própria história, construíram características que demarcaram o processo 
de trabalho em que estavam vinculados: 1) As atividades cotidianas eram 
desenvolvidas no interior dos ofícios, com dimensões espaciais diferenciadas 
(acolhiam os mestres artesãos e seus aprendizes); 2) Os trabalhadores, inti‑
tulados mestres artesãos, eram proprietários dos ofícios, dos instrumentos de 
trabalho, da matéria‑prima, da apropriação do lucro acumulado no processo 
e dos conhecimentos adquiridos, os quais, em diferentes níveis, eram socia‑
lizados	com	os	aprendizes	em	condições	particulares	de	confiança	entre	as	
partes; 3) A divisão técnica e social do trabalho no âmbito dos ofícios era de 
extrema responsabilidade dos mestres artesãos, sendo que as atividades de‑
senvolvidas e seus diferentes movimentos não sofriam a divisão pormenori‑
zada durante a execução das atividades. Estas congregavam ações repletas 
de teor técnico, criando unidade entre o pensar e o fazer do artesão e, no 
processo, os trabalhadores aprendizes apropriavam‑se deste domínio; 4) A 
força de trabalho, impregnada de conhecimentos técnicos e intuitivos, incor‑
porava conteúdos que não permitiam que o outro alterasse o campo de deci‑
sões de forma direta e/ou indireta; 5) A autonomia dos artesãos, em todo o 
processo de trabalho, abria a possibilidade de os seres sociais exercitarem o 
campo da liberdade em diferentes sentidos (a liberdade de escolha ampliava 
o	grau	de	 reflexo	 em	 suas	 ações	 cotidianas,	 possibilitando	 avançarem	em	
direção ao ser genérico); 6) A forma de produzir e reproduzir dos artesãos 
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mestres e dos aprendizes incomodava outras forças vivas, em particular o 
poder dos burgueses comerciantes e de personagens nobres pertencentes a 
reinados em decadência.
Com o despertar e manifestação concreta do período medievo, marcado 
pela baixa Idade Média, os trabalhadores autônomos artesãos e seus aprendizes 
se viram em delicadas situações produtivas e reprodutivas. Pressionados pelas 
forças	políticas	e	legais	da	época	pertencentes	ao	fim	da	Idade	Média	e	ao	início	
do Renascimento (Heller, 1982), o artesanato autônomo, organizado política e 
profissionalmente,	não	conseguiu	manter-se	com	a	mesma	força.
Novos atores e autores do processo histórico, capitalistas vinculados à 
indústria e ao comércio, efetivaram mediações necessárias, possíveis para criar 
um inovado sistema de produção e reprodução social. Porém o limite presente 
nas esferas da produção e da organização produtiva impediram a passagem e a 
realização do método de produzir artesanal para a manufatura. É no campo do 
possível que a produção, cooperação simples, entra em cena.
Processos de trabalho na modernidade
A cooperação simples
O modo de produção capitalista tem seus primeiros fundamentos concre‑
tos no momento em que o personagem empreendedor — capitalista industrial13 
— conseguiu colocar, simultaneamente, um número expressivo de trabalhado‑
res sob o mesmo teto.14	Esses,	em	condições	específicas	de	vínculo	empregatí‑
13. Para apropriar‑se dos conteúdos históricos da formação dos primeiros personagens — capitalistas 
industriais — a partir da cooperação simples, é necessário pautar‑se, entre outras referências, em Dobb, 1976.
14. A alteração realizada na esfera da organização do trabalho só foi possível porque os donos dos 
ofícios ampliaram os espaços de trabalho. Esta ação permitiu que os meios de produção aumentassem as 
condições de uso. O que era apenas utilizado, manuseado por um único trabalhador artesão, passou para o 
uso coletivo. Esse inovado procedimento possibilitou aumentar a produção de mercadorias, reduziu custos 
e multiplicou o lucro. O ponto alto dessa alteração no processo de trabalho — campo organizacional — fez 
com que o trabalho individual ganhasse a condição de trabalho social.
218 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014
cio	 trabalhavam	diariamente,	 conseguindo,	 no	 final	 de	 cada	 dia,	 produzir	
mercadorias que atendiam ao campo das necessidades humanas dos trabalha‑
dores	e	de	seus	familiares,	bem	como	uma	quantidade	significativa	de	merca‑
dorias excedentes.15
Na condição de trabalhador autônomo, o trabalho desenvolvido pelo arte‑
são fora atingido em sua centralidade. A autonomia para dizer o que, como e 
para quem produzir foi ceifada em suas raízes. Sua vontade foi comprada pelo 
proprietário capitalista em processo de formação industrial em grande escala.16 
Voltado unicamente para a criação e a acumulação de valor, o trabalho objeti‑
vado diariamente era medido, naquele momento, não mais pela produção indi‑
vidual, mas sim por meio da quantidade social média produzida. “O método de 
trabalho pode ser o mesmo, porém o trabalho efetivado sob a lógica da empre‑
gabilidade coletiva põe em movimento uma revolução nas condições materiais 
do processo de trabalho” (Marx, 1975b, p. 373).
O	trabalhador,	portador	de	conteúdos	específicos	de	trabalho	simples	e/ou	
complexos, devido à nova forma organizacional em movimento criado pelos 
donos das pequenas fábricas, sofreu alterações em seu pensar e fazer cotidiano. 
O conhecimento técnico adquirido historicamente, parte constitutiva em sua 
essência individual, foi provocado a deixar de existir por meio da realização de 
atividades pormenorizadas.Em decorrência dessa alteração, a criatividade 
desenvolvida socialmente pelo trabalhador foi distribuída sem nenhuma preo‑
cupação com sua individualidade, por parte do empregador.
Esse mecanismo mostrou que o trabalho combinado aumentava a produção 
de mercadorias em menor tempo. Simultaneamente, esse mecanismo permitiu 
que os custos operacionais e sociais fossem reduzidos, garantindo maior lucro 
ao capitalista. Porém, não é possível negar que o exercício coletivo — trabalho 
15. Registrava‑se que esses trabalhadores, ainda no princípio, trabalhavam em ofícios um pouco maior 
que os existentes nas esferas produtivas focadas no artesanato. Este fator mostrou que, “de início, a diferen‑
ça é puramente quantitativa” (Marx, 1975b, p. 370).
16. A ação do dirigente naquele momento histórico — cooperação simples — não era a de ensinar as 
atividades diárias, mas vigiar os trabalhadores, pois os conhecimentos técnicos das atividades ainda estavam 
sob o controle dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, a maioria dos trabalhadores possuía uma quantidade 
expressiva de ferramentas particulares, bem como o conhecimento da totalidade do processo de trabalho. 
Cabia ao dirigente da fábrica o papel de tentar subordinar a vontade alheia aos seus próprios interesses.
219Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014
combinado — era expressão concreta da superação dos limites presentes em 
cada	individualidade.	Este	imprime	alterações	significativas	no	âmbito	organi‑
zacional do trabalho coletivo, contribuindo decisivamente, enquanto momento 
laboratorial, para a criação, o desenvolvimento e a efetivação dos processos de 
trabalho vivenciados na manufatura e posteriormente na maquinaria.
Aos poucos, o coletivo que se movimenta para produzir também começa 
a reunir‑se para questionar a forma de relação estabelecida entre capital/traba‑
lho: a resistência em cumprir ordens superiores manifesta‑se, de forma em‑
brionária, no interior do ofício. O despotismo e suas peculiaridades, no interior 
do ofício, colocaram elementos concretos de antagonismos e contradições, 
criando focos de resistência por parte dos trabalhadores em materializarem o 
projeto em movimento. No entanto, em condições desiguais no que tangia às 
relações de poder e às correlações de forças estabelecidas, impediram que os 
mecanismos de resistências dos trabalhadores se efetivassem naquele momen‑
to histórico‑social.
Em condições desiguais, subordinados aos caprichos dos capitalistas, os 
trabalhadores assalariados não conseguiram impedir as mudanças profundas 
ocorridas na esfera organizacional durante o desenvolvimento do processo de 
trabalho. Mais uma vez os trabalhadores, sem condições reais históricas para 
apresentar reações orgânicas de classe em si e/ou para si, fragilizaram‑se, per‑
mitindo aumentar o poder dos empresários capitalistas, os quais conseguiram 
impor, no campo da consciência dos trabalhadores e de seus familiares, conteú‑
dos ausentes de relações históricas. A partir desse momento, movida pela rela‑
ção	capital/trabalho	profissional	ou	de	classe	social,	“a	força	de	trabalho	torna‑
‑se, no campo da consciência individual e coletiva, um bem natural e imanente 
ao capital” (Marx, 1975b, p. 382).
O trabalhador, ao deixar de ser proprietário de suas ferramentas, bem como 
do conhecimento da totalidade do processo da produção, transformou‑se em 
uma mercadoria assalariada livre, disposta a ser comprada no mercado confor‑
me as condições objetivas encontradas em cada país, naquele momento histó‑
rico, com ênfase maior na Inglaterra. Esse fato histórico, material, concreto e 
contraditório, estabeleceu o alicerce para que o processo de trabalho sedimen‑
tado sob a determinação da manufatura conseguisse implantar sua forma de ser 
e de existir.
220 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014
A manufatura
Os	 trabalhadores	mantiveram-se	firmes	 em	 seus	 propósitos	 durante	 o	
processo de trabalho movido pela cooperação simples: não permitiram que os 
donos das fábricas se apropriassem dos conteúdos técnicos; a “redoma de vidro” 
permanecia intacta, resistindo aos impactos diários emitidos pelos donos dos 
meios fundamentais da produção; sabiam, mas não entendiam ainda que resis‑
tir na condição de trabalhador era a única forma concreta de impedir o domínio 
total sobre a força de trabalho individual e coletiva. Porém, apesar de resistirem 
aos processos interventivos dos donos das fábricas em relação aos seus conhe‑
cimentos simples e complexos, não conseguiram reverter a situação concreta: 
deixar de ser subordinados aos donos das fábricas.
Durante os séculos XVI a XVIII, a produção manufatureira ocupou o lugar 
da cooperação simples.17 Com a união e a combinação de ofícios diferentes em 
maior escala e mudanças na esfera organizacional das atividades de cada tra‑
balhador, criou‑se a base estrutural fundada no processo de trabalho capitalista 
industrial denominado manufatura.
Destituídos integralmente das suas ferramentas, mais uma vez os traba‑
lhadores fragilizam‑se, restando apenas uma única mercadoria sob o seu domí‑
nio: a força de trabalho livre. Impossibilitados de fazer escolhas entre alterna‑
tivas, todos os dias são obrigados a vender sua força de trabalho aos 
proprietários dos meios fundamentais de produção.18 Sob a orientação do em‑
pregador capitalista industrial manufatureiro, os trabalhadores ocupavam uma 
nova disposição organizacional na fábrica — para cada trabalhador, uma ban‑
cada. “As operações são destacadas, uma das outras, isoladas, justapostas no 
espaço,	cada	uma	delas	confiada	a	uma	artífice	diferente	de	todas	executadas	
17.	O	encerramento	deste	modelo	no	final	do	século	XVIII	não	impediu	que,	em	diferentes	tempos	e	
espaços, até os dias atuais, manifestações esporádicas continuem ocorrendo conforme os princípios materiais 
da manufatura clássica.
18. O capitalista industrial tornou‑se, a partir do século XVIII, o principal agente em negociar, no 
mercado, o que mais lhe interessava — a força de trabalho humana livre. Diferente do método interventivo 
referenciado na cooperação simples, naquele momento os trabalhadores ampliavam suas dependências em 
relação ao empregador: empobrecidos, vendiam suas ferramentas aos novos capitalistas. Literalmente desti‑
tuídos dos seus bens de trabalho, tornaram‑se proprietários apenas da sua força de trabalho simples ou 
complexa para ser comercializada no mercado igual a qualquer outra mercadoria.
221Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014
ao mesmo tempo pelos trabalhadores cooperantes” (Marx, 1975b, p. 388). 
Nasce um novo movimento sistêmico de produção, com um adendo: permane‑
ce o trabalho humano vinculado diretamente ao objeto e aos instrumentos de 
trabalho. “Qualquer que seja, entretanto, seu ponto de partida, seu resultado 
final	é	o	mesmo:	um	mecanismo	de	produção	cujos	órgãos	são	seres	humanos”	
(Marx, 1975b, p. 389).
Os trabalhadores contratados perderam o domínio da compreensão da 
totalidade do processo, mas permaneceram desenvolvendo suas atividades 
operando as ferramentas com suas próprias mãos e, quando necessário, utiliza‑
vam o auxílio de outros membros do corpo humano. Mesmo convivendo no 
interior de um novo processo de trabalho, suas ações eram coordenadas de 
forma direta por atividades que ainda dependiam, em todo o processo, da habi‑
lidade individual de cada trabalhador assalariado. Manusear o instrumento de 
trabalho e dar direção à teleologia presente em cada objeto dependia das con‑
dições objetivo‑subjetivas de cada trabalhador. Essa situação permite‑nos cer‑
tificar	que	as	 relações	estabelecidas	no	processo	de	 trabalho	dominado	pela	
manufatura não ofereceram condições concretas para que durante o processo o 
desenvolvimento e a efetivação de uma base técnica fossem implantados. 
“Aperfeiçoa‑se o método de trabalho devido à repetição.Maior produtividade 
com	menor	esforço.	Os	conhecimentos	parciais	firmam-se,	acumulam-se	e	se	
transmitem” (Marx, 1975b, p. 390),19 mas o trabalho humano ainda comanda.
Isolado, o trabalhador era obrigado, todos os dias, a vivenciar a mesma 
experiência: relacionar e intervir em determinado objeto de trabalho fracionado 
em processo de transformação. Ocorria uma independência entre as atividades, 
permitindo que o empregador, por meio do controle supervisionado, criasse 
condições objetivo/subjetivas para que cada trabalhador aumentasse a sua pro‑
dução. Esse mecanismo, ao necessitar da interferência humana — controlar o 
19. Mesmo trabalhando sob a lógica da atividade especializada, o trabalhador conseguia apreender algo: 
ao efetivarem‑se, todos os dias, os mesmos atos, tinha a percepção pontual que a ferramenta que operava no 
decorrer de algum tempo de trabalho apresentava limites. Nesses momentos, o trabalhador individualmente 
ou em conjunto com outros trabalhadores aperfeiçoava ou criava novas ferramentas. Ao operar novas ferra‑
mentas,	o	grau	de	dificuldade	era	determinado	em	cada	operação	em	suas	ações,	porém	não	garantia	que	
teriam	menor	grau	de	dificuldade.	Ao	mesmo	tempo,	não	garantia	que	o	empregador,	de	posse	de	um	novo	
ou	inovado	instrumento	de	trabalho,	mais	ágil	e	melhor	rendimento,	não	intensificasse	a	cobrança	para	re‑
sultar em maior produtividade.
222 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014
outro —, permite compreender que a manufatura também não é um processo 
produtivo natural, mas sim histórico, social, determinado pela divisão social e 
técnica do trabalho coletivo em determinado movimento histórico, temporal e 
espacial (Marx, 1975b).
Esse mecanismo de isolamento seguido de vigilância fez com que o tra‑
balhador se tornasse dependente do próprio trabalho que executava, pois quan‑
do o contrato de trabalho era interrompido por uma das partes, uma lacuna se 
colocava entre a sua condição de vida no trabalho e fora dele. Nesse momento, 
um campo de incertezas abriu‑se para o trabalhador, destacando: onde ele iria 
realizar a mesma atividade produtiva? Na condição de trabalhador especialista 
em atividades simples e repetitivas era possível encontrar alguém que o contra‑
tasse para fazer a mesma tarefa pautada em dada “continuidade, uniformidade, 
regularidade, ordenamento e notadamente intensidade de trabalho que não al‑
cançam no ofício independente e nem mesmo na cooperação simples”? (Marx, 
1975b, p. 396).20
Com	o	isolamento	do	trabalhador,	a	divisão	técnica	do	trabalho	intensifi‑
cava e o trabalho coletivo passava a ser constituído de muitos trabalhadores que 
atuavam em atividades parciais. O coletivo era, no modo de produção capita‑
lista durante o processo desenvolvido na manufatura, a soma de mais destrezas, 
mais habilidade e mais força. Essa soma escondia o parcelamento, pois o todo 
orgânico	final	apresentava-se	enquanto	um	todo	que	somente	quem	consegue	
pensar o processo pode compreender a soma das partes. Mesmo assim, é uma 
totalidade fundada na compreensão racional lógico‑gnosiológica, e não onto‑
lógica consciente ou não. Sob esse prisma positivista, a totalidade não é com‑
preendida enquanto unidade que se constrói na diferença.
Diante da hierarquia salarial, conforme relações estabelecidas entre os 
trabalhadores e empregadores, o lugar ocupado pelas partes contratantes ia se 
definindo	com	clareza	e	precisão:	Particulariza-se	o	 lugar	que	o	 trabalhador	
ocupava no processo de trabalho. O lugar que ocupava explicitava o grau de 
complexidade	ou	não	desenvolvido	em	sua	atividade,	definindo,	automatica‑
mente e/ou por meio de acordos — individuais ou coletivos — de trabalho, o 
20. Pergunta‑se: será que esta forma concreta do processo de trabalho manufatureiro antecipou elemen‑
tos que estão presentes nos processos de trabalho movidos pelos modelos fordista/taylorista e toyotista de 
executar a produção capitalista?
223Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014
valor da remuneração salarial. Cabia ao trabalhador produzir em escala, elasti‑
cizando, todos os dias, sua força de trabalho, contribuindo decisivamente para 
aumentar a produção de mercadorias excedentes (Marx, 1975b; Braverman, 
1981). Sob a direção única dos empregadores, o parcelamento das atividades 
em escala de crescimento, pautada sob a lógica da progressão geométrica, faz 
com que a manufatura crescesse conforme expandia o mercado mundial. Se por 
um	lado	esse	crescimento	satisfazia	os	filisteus,	donos	das	fábricas,	os	traba‑
lhadores distanciavam‑se cada vez mais das possibilidades de ampliarem suas 
dimensões genéricas. A sociabilidade burguesa decretava: “construímos uma 
nação de hilotas e não temos cidadãos livres” (Marx, 1975b, p. 406).
Aqui, Marx coloca‑nos uma questão cêntrica: o trabalho coletivo permitiu 
que a diferença de cada trabalho individual conectasse‑se a uma totalidade. 
Assim, nenhum trabalhador parcial produzia uma única mercadoria. “Só o 
produto coletivo dos trabalhadores parciais transformam‑se em mercadoria” 
(Marx, 1975b, p. 407). No entanto, o resultado coletivo não era dividido para 
todos os envolvidos no processo de trabalho, mas de propriedade única do ca‑
pitalista, proprietário dos meios fundamentais de produção. O trabalhador as‑
salariado ou com outro tipo de vínculo diferenciado, enquanto vendia sua 
mercadoria, força de trabalho, permanecia subordinado, para sempre, condena‑
do a viver, para sempre, sob o desejo do outro.
No entanto, os capitalistas industriais precisavam reconhecer seus pares, 
todos aqueles que operavam suas atividades com os mesmos propósitos, ou seja, 
acumular	valor.	Unidos	para	atingir	o	mesmo	fim,	organizam-se	em	associações	
e/ou agremiações com o propósito de manter e ampliar seus negócios. Na con‑
dição de categoria de proprietários em seus diferentes níveis e setores, defendiam, 
incondicionalmente, as regras do mercado, em particular a livre‑concorrência.21
Para que seus propósitos fossem atingidos — acumulação de valor —, os 
proprietários dos meios fundamentais do processo de produção industrial eram 
obrigados a buscar saídas. Naquele momento não havia dúvida com relação aos 
21. No entanto, quando eram afetados pela própria lógica da livre‑concorrência entravam em desespe‑
ro e, sem nenhum pudor aos próprios princípios acordados entre pares, usavam de manobras com diferentes 
conteúdos. O importante nesse momento era criar condições para retornar às mesmas condições anteriores. 
Quando não conseguiam retornar ao mercado em condições equilibradas, muitos entravam em falência, o 
que contribuía, decisivamente, para que a concentração do capital fosse ampliada em diferentes setores 
produtivos e/ou reprodutivos.
224 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014
encaminhamentos	realizados	por	aqueles	filisteus.	Em	condições	de	desigual‑
dade no mercado, os trabalhadores tornavam‑se presas fáceis nas mãos dos 
donos das fábricas, garantindo a reprodução do projeto societário burguês em 
desenvolvimento.22 Trabalhadores — homens, mulheres e crianças —, destituí‑
dos dos meios fundamentais do processo produtivo e, unicamente, portadores 
da força de trabalho, eram contratados e, à mercê da vontade despótica do 
empregador, eram expropriados, intensamente, no máximo das suas energias, 
físicas e psíquicas. Ocorria uma elasticização da força de trabalho, as quais 
ganhavam proporções diferenciadas conforme os capitalistas aperfeiçoavam 
seus meios fundamentais de produção e reprodução social. Para a felicidade do 
empregador, o resultado era imediato: o trabalho excedente aumentava, trans‑
formava‑se em mais‑valia absoluta e parcialmente relativa. Fora da “redoma de 
vidro” o poder de resistência dos trabalhadores fora atingido em sua centrali‑
dade. Frente a esta nova situação concreta, Marx (1975b, p. 412) observa: 
“Enquantoa	cooperação	simples	em	geral,	não	modifica	o	modo	de	trabalhar	
do indivíduo, a manufatura o revolucionava inteiramente e se apodera da força 
de trabalho individual de trabalho em suas raízes.”
Ao chegar esse patamar da relação entre capital/trabalho, o trabalhador em 
sua atividade estava deformado, mutilado, respondendo de forma automática a 
um trabalho parcial (Marx, 1975b). Após realizarem suas atividades durante 
dias, meses e anos, os trabalhadores somente eram reconhecidos, socialmente, 
por meio da razão de ser do outro — o seu empregador. Na condição máxima 
de	coisificação,23 o trabalhador expressava‑se em situação única, alienado do 
processo de trabalho, do produto por ele criado e das próprias relações estabe‑
lecidas com os outros trabalhadores. O trabalhador, na condição de alienado, 
somente	encontrava	sua	felicidade	na	vontade	do	outro,	ou	seja,	na	figura	do	
senhor	dos	meios	 fundamentais	de	produção,	naquele	momento	 identificado	
enquanto capitalista industrial. Essa forma despótica de expropriar a força de 
trabalho aprimorava‑se e atingiu profundamente a totalidade da classe trabalha‑
dora. Mas o pesadelo que atormentava os trabalhadores e seus familiares ainda 
estava apenas começando.
22. Dos elementos constitutivos do processo de trabalho, o trabalho humano é o único que cria valor 
(Marx, 1975b).
23. Para aprofundar a discussão, consultar Lefebvre (1999); Lukács (1989); Netto (1981) e Marx (1975b).
225Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014
Ao despertar do amanhecer, sem pedir licença, um novo processo de tra‑
balho entrava em cena em todos os lares, retirando as forças de trabalho produ‑
tivas e as subordinavam. Esse mecanismo diário e repetitivo era coroado com 
uma nova forma de desenvolver o modo de produção capitalista industrial. 
Construído	por	meio	de	avanços	da	técnica,	da	ciência	e	da	filosofia,	os	proprie‑
tários industriais apresentaram, aos trabalhadores e seus familiares, o seu novo 
instrumento de trabalho: a máquina movida a vapor. Nascia a indústria moderna.
A maquinaria e a indústria moderna
“No novo tempo, apesar dos perigos”24
As relações estabelecidas entre os homens e a natureza, bem como entre 
os próprios homens, revolucionaram a forma de pensar e de fazer no Ocidente, 
em particular no continente europeu a partir da última quadra do século XVIII. 
Esse novo tempo espraiou seus propósitos intensamente, durante os séculos 
XIX e XX, para todos os continentes. O agora, em sua singularidade, colocava 
uma nova síntese do que era até alguns instantes próximos, sinalizando campos 
de necessidades e possibilidades para o que havia de vir. O processo de trabalho 
movido pela máquina a vapor inaugurava a indústria moderna.25
Colocado em movimento por meio do instrumento máquina, movido a 
vapor, pela presença da matéria‑prima e pelo principal elemento do processo 
de trabalho — a força de trabalho humana —, nascia, no interior do velho pro‑
cesso de trabalho (pautado na manufatura), a maquinaria, um processo que se 
estendeu para além dos simples atos de rituais de passagem, manifestando‑se 
nas	fissuras	da	base	de	produção	manufatureira.
24. “Novo tempo” letra e música de Ivan Lins.
25. A Revolução Industrial atingiu seu auge, num primeiro momento, por meio da descoberta da má‑
quina	movida	a	vapor	no	final	do	século	XVIII,	tendo	como	palco	principal	a	Inglaterra.	Esse	processo	re‑
volucionário	no	campo	da	ciência	e	da	técnica	foi	aprofundado	no	final	do	século	XIX	com	a	descoberta	do	
motor	elétrico	e	da	explosão,	inaugurando	a	segunda	revolução	científica	e	técnica.	No	entanto,	a	terceira	
Revolução Industrial foi marcada pelo domínio da energia nuclear e do desenvolvimento da microeletrônica 
conquistada durante a Segunda Guerra Mundial (Mandel, 1985).
226 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014
O novo que se colocava — a maquinaria — incorporava algumas conquis‑
tas de ordem organizacional e técnica criadas e desenvolvidas durante o período 
manufatureiro. O legado deixado pelo processo de trabalho desenvolvido e 
efetivado na manufatura deixou registrados conteúdos fundantes: a) as ferramen‑
tas eram manipuladas por mãos humanas; b) cada ferramenta em seu campo de 
possibilidades e limites pertencia ao domínio de um único trabalhador; c) as 
atividades, parceladas individualmente, atingiam grau máximo de saturação; d) 
os resultados quantitativos foram ampliados, no entanto os sujeitos, trabalhado‑
res, conseguiram visualizar, perceber e, em muitos casos, acompanhar a totali‑
dade	do	processo	de	produção,	porém	seu	campo	de	reflexo	era	reduzido	à	sua	
especialidade; e) a especialidade, ao retirar os conteúdos autocriativos de cada 
trabalhador, em sua totalidade, colocava‑os na condição de escravos de uma 
atividade especializada, repetitiva, negadora do trabalho humano; e) os trabalha‑
dores resistiram aos impactos diretos e indiretos provocados pelo modelo ma‑
nufatureiro de produzir e reproduzir socialmente. Mas, devido à força econômi‑
ca e política da classe burguesa em processo de desenvolvimento e efetivação, 
não conseguiram avançar para além das reivindicações de classe em si.
Superando essa fase do desenvolvimento do modo de produção capitalis‑
ta manufatureiro, porém não a eliminando em sua totalidade até os dias atuais, 
a	máquina	 de	fiar	mudou	 completamente	 a	 relação	 produtiva	 e	 reprodutiva	
estabelecida entre capital‑trabalho. Em 1735, John Wyatt colocou em movi‑
mento, no palco da modernidade, a Revolução Industrial em sua primeira fase.26 
O motor, a transmissão e as dimensões da máquina ferramenta passaram a co‑
mandar o inovado cenário. O processo de trabalho movido pela máquina a 
vapor nascia no interior do velho — a manufatura — e convidava todos a ce‑
lebrar as conquistas historicamente constituídas. Um mecanismo “morto” 
passava a dirigir os movimentos humanos sob o comando teleológico do capi‑
talista. Dominante na relação, a máquina ferramenta movida a vapor apropria‑
va‑se dos objetos, matéria‑prima e/ou bruta, e, sem pedir licença, entrava em 
suas intimidades, impondo seus desejos subjetivos‑objetivos. Ao trabalhador 
restava apenas o papel de vigiar a máquina.
26. “Entre 1764 e 1767, James Hargreaves, carpinteiro‑tecelão em Blackburn, inventava uma simples 
máquina manual chamada Jenny, por meio da qual uma mulher podia fazer, ao mesmo tempo, seis ou sete 
fios;	mais	tarde,	ia	até	oitenta	fios”	(Ashton,	1971,	p.	94).	No	entanto,	essa	descoberta	revolucionária	apre‑
sentou consequências sociais imediatas à classe trabalhadora emergente.
227Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014
É na cidade que ocorre, num primeiro momento, o desenvolvimento do 
processo de trabalho que tem como instrumento principal a máquina movida a 
vapor.27 As barreiras orgânicas que impediam os homens de revolucionarem 
suas formas de ser e de existir são superadas. A vitória da técnica e da ciência 
transferida para a máquina colocou, abertamente, o limite que a força de traba‑
lho trazia em sua totalidade, não conseguindo produzir movimentos uniformes 
e contínuos em alta velocidade.
Agora, superadas as barreiras orgânicas com a realização do processo de 
trabalho	movido	pela	máquina	a	vapor,	é	possível	afirmar	que,	na	manufatura,	
a relação estabelecida entre o trabalhador, o objeto e o instrumento de trabalho 
ocorria, totalmente imbricada, enquanto na maquinaria o trabalhador perdeu o 
domínio dessa relação e tornou‑se um apêndice da máquina. O trabalhador, 
todos	os	dias,	desde	o	início	até	o	final	das	suas	atividades	—	isoladamente	
— era responsável por vigiar uma máquina que desenvolvia um movimento 
parcial. Assim, “na manufatura, o isolamento dos processos parciais é um prin‑
cípio	fixado	pela	própria	divisão	do	trabalho,	na	fábrica	mecanizada,	ao	contrá‑
rio, é imperativa a continuidade dos processos parciais”(Marx, 1975b, p. 434).
Como pode um mecanismo “morto” comandar? Como pode um mecanis‑
mo “morto” tornar‑se sujeito no desenvolvimento do processo de trabalho?
Vejamos. Durante o processo de trabalho pautado na manufatura, os tra‑
balhadores, na condição de chefes de setores, supervisores e/ou gerentes das 
atividades nas fábricas, retiraram os trabalhadores da “redoma de vidro” que os 
protegia. Na maquinaria, os proprietários das vontades objetivas e subjetivas 
dos trabalhadores parcelavam e isolavam suas atividades, apropriando‑se dos 
conhecimentos técnicos presentes em cada trabalhador individual e coletivo. 
Destituídos dos conhecimentos que adquiriram em suas atividades diretamente 
ou legadas historicamente, perderam a compreensão da totalidade do processo, 
permanecendo apenas, sob o seu controle, o domínio de conhecimentos simples.28
27. Nascem as fábricas modernas. A cidade é o universo efetivo das transformações objetivas‑subjetivas 
em percurso. A natureza e o ser social são transformados. Marx (1975b, p. 431) enfatiza: “A máquina a vapor 
é a mãe das cidades industriais”.
28. A organização do processo de trabalho na indústria ampliava suas particularidades, deixando de 
garantir a presença cêntrica da esfera da subjetividade do trabalhador que desenvolvia suas atividades com‑
binadas durante o processo de trabalho manufatureiro, efetivando a constituição de atitudes objetivas com 
mínimas inferências subjetivas. Naquele momento, o trabalhador se deparava com o que era um instrumento 
228 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014
Conforme	as	dificuldades	eram	apresentadas	aos	proprietários	capitalistas	
na esfera técnica e/ou organizacional, novos investimentos foram realizados e 
efetivados, alterando e aperfeiçoando as máquinas, criando condições satisfa‑
tórias para ampliar a extração da mais‑valia relativa. As transformações técnicas, 
científicas	e	as	mudanças	na	esfera	organizacional	que	ocorreram	nas	indústrias	
foram incorporadas conforme as condições dadas em outros setores da produção 
e da reprodução social.29
Em condição desigual no campo das correlações de forças no mercado, os 
trabalhadores subordinaram‑se à vontade do proprietário dos meios fundamentais 
de produção. Sem escolha, a máquina obrigava‑o a seguir os seus movimentos, 
seu ritmo, aumentando a elasticidade da força de trabalho humana em grau má‑
ximo de resistência física e psíquica. O resultado foi imediato. O trabalhador 
passou a conviver com saturações concretas que explicitavam o quadro negador 
de sua existência em suas dimensões, material e espiritual. Ao mesmo tempo, o 
capitalista festejava o aumento exponencial dos seus lucros, obtido por meio da 
expropriação do trabalho humano não pago. A mais‑valia relativa passou a do‑
minar a forma de expropriação diária do trabalho humano no mercado.30
A mais‑valia, extraída durante o processo de trabalho dominado pela ma‑
quinaria deixava de caracterizar‑se somente como absoluta, impondo uma nova 
forma dominante: a relativa. Conforme a ciência e a técnica avançavam, novos 
ajustes ou descobertas foram incorporados às máquinas, possibilitando aumen‑
tar a extração da mais‑valia relativa, alterando profundamente as relações de 
poder e de correlações de forças entre capital/trabalho na esfera produtiva e 
reprodutiva. Esse cenário teve desdobramentos imediatos: os salários dos tra‑
balhadores foram reduzidos e os lucros dos capitalistas aumentaram, trazendo, 
pronto, acabado. Essa era a sua ferramenta, aquela era a sua nova relação. O instrumental de trabalho era 
quem impunha atitudes individuais e coletivizadas, pois suas dimensões técnicas presentes nos instrumentos 
necessitam de que as relações no processo de trabalho encerrem‑se sob o domínio do instrumento.
29. Setores como o transporte e a comunicação foram afetados em grandes dimensões, revolucionando 
suas bases, permitindo responder às demandas postas pela criação de navios a vapor, das linhas férreas, dos 
transatlânticos e dos telégrafos (Marx, 1975b).
30. A partir do momento que a mais‑valia relativa era dominante durante o processo de trabalho movi‑
do pela maquinaria, Lukács (1979, p. 54) explicita o salto ontológico presente no humano em relação à na‑
tureza. Nesse momento, com “a introdução das máquinas fez‑se com que o homem e sua capacidade de 
trabalho não fossem mais os fatores determinantes do trabalho, que o próprio trabalho humano fosse desan‑
tropomorfizado”.
229Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014
como consequência o aprofundamento das manifestações da “questão social” 
(Batista, 2002). Em destaque, após 1830, o contingente de pobres e miseráveis, 
em números exponenciais, nas cidades e nos campos, em todo o continente 
europeu, com destaque na Inglaterra, berço do desenvolvimento do capitalismo 
industrial moderno, clássico,31 passa a incomodar os membros da classe bur‑
guesa em seus diferentes níveis (Engels, 1985; Dobb, 1976).
Convivendo com situações adversas diariamente, os trabalhadores e seus 
familiares começaram a dar vazão aos seus propósitos de classe em si e para si. 
O germe da contradição, o proletariado industrial começou a se movimentar. Se 
num primeiro momento atearam fogo, quebraram ou roubaram máquinas, agora 
iniciam uma nova forma de manifestar‑se. Organizados em associações, agremia‑
ções, sindicatos e, posteriormente, em partidos políticos, registraram na história 
da classe trabalhadora a forma madura de enfrentar o projeto burguês, fonte 
cêntrica responsável pela sua negação em sujeito historia individual e coletivo.
Ameaçados pelo germe da contradição — o proletariado industrial —, a 
classe burguesa, por meio de seus representantes, não assistiu passivamente às 
ações políticas apresentadas pelos trabalhadores por meio das suas manifesta‑
ções, organizadas ou não. Sem hesitar, os representantes orgânicos da classe 
burguesa, em fase de efetivação de seu projeto societário, utilizaram instrumen‑
tos jurídicos, políticos ideologizados e a força repressora do Estado para conter 
a classe trabalhadora em movimento por meio de suas entidades representativas. 
A classe burguesa abandonou suas teses progressistas,32 retirando o véu que 
encobria os seus verdadeiros propósitos de projeto societário enquanto classe 
social dominante.
Com as mudanças radicais ocorridas no processo de trabalho comandado 
pela máquina, a força de trabalho dos operários homens — chefes de família 
— recebeu diferentes inferências que alteraram a relação direta com o objeto 
de trabalho, bem como com o seu campo subjetivo em questão. No entanto, 
no momento em que a máquina destruía a relação do trabalho humano com os 
objetos e instrumentos de trabalho, além de fragmentar as atividades, sua 
31.	Segundo	Marx	(apud	Lukács,	1979,	p.	121)	“define	como	‘clássico’,	simplesmente,	o	desenvolvi‑
mento no qual as forças econômicas, determinantes em última instância, se expressavam de modo mais 
claro, evidente, sem interferência, sem desvios etc., que nos demais casos”.
32. Cf. Coutinho, 1972, p. 9.
230 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014
conduta também fragmentava cada indivíduo em múltiplas dimensões nega‑
doras. A brutalidade condicionava a maioria dos trabalhadores a desenvolver 
uma única função: vigiar um mecanismo morto que ganha vida pelas desco‑
bertas mecânicas e, posteriormente, a vapor e elétricas. Esse fato concreto 
permitiu ao capitalista eliminar um quantitativo expressivo de atividades que 
necessitavam da presença do trabalhador homem — adulto — e da sua força 
física. Nesse momento a força de trabalho das mulheres e crianças é contrata‑
da, independente da idade ou sexo, desenvolvendo suas atividades em casa ou 
na fábrica.33 Essa prática contribuiu decisivamente para que esses trabalhado‑
res incorporassem o sentimento de donos do seu tempo de trabalhoe do seu 
negócio. Tem‑se a ilusão de que estão trabalhando com autonomia e livres das 
amarras do capital. Na atualidade, a partir da última quadra do século XX, essa 
prática recebeu o nome de produção terceirizada autônoma (Sennett, 1999).
Não bastasse a sua própria condenação, os trabalhadores homens, chefes 
de	família,	assumiram	a	condição	de	“traficantes	de	escravos”	(Marx,	1975b),	
negociando	no	mercado	a	contratação	do	trabalho	das	suas	esposas	e	filhos.	
Instaurou‑se um inovado processo do capital em relação ao trabalho livre, de‑
senvolvendo a base e a efetivação de elementos destrutivos dos laços afetivos e 
políticos familiares. Frente a essa nova situação histórica revolucionária, Marx e 
Engels (1963, p. 25) enfatizaram: “A burguesia rasgou o véu de sentimentalismo 
que envolvia as relações de família e reduziu‑as a simples relações monetárias”.
A força de trabalho das mulheres e crianças tinha, em sua propriedade 
natural	física	e	psíquica,	elementos	que	a	tornavam	mais	flexível	(Sennett,	1999).	
33. A presença das mulheres e crianças (na condição de escravos do senhor feudal) em atividades rela‑
tivas à produção industrial voltada para a tecelagem era corrente desde o século XII. Essas atividades eram 
desenvolvidas em suas casas na área rural (Heers, 1988). É necessário enfatizar que na manufatura clássica 
criaram‑se condições para que a casa do trabalhador pudesse ser uma extensão da fábrica, colocando em 
movimento a força de trabalho de crianças e mulheres. “Flexibilizando” a forma de contrato trabalho, os 
donos das fábricas pagavam seus empregados e familiares por peça, por lote de material produzido ou outro 
mecanismo semelhante, conseguindo reduzir custos, aumentar a produção e, consequentemente, seus lucros. 
Esse mecanismo foi incorporado com maior intensidade no processo de trabalho movido pela máquina no 
século XIX, bem como nos processos de trabalho desenvolvidos também pelo método de intervenção taylo‑
rista/fordista e toyotista no século XX. Ao trazer esse modelo de extensão do trabalho para a casa do traba‑
lhador,	o	capitalismo	inaugura	o	desenvolvimento	de	atividades	produtivas	“flexibilizadas”	para	além	da	
fábrica	e,	ao	mesmo	tempo,	quando	possível,	o	proprietário	das	fábricas	criou	a	figura	do	empresário	inter‑
mediário, terceirizando parte da produção, fazendo aumentar a extração da mais‑valia absoluta e relativa, 
bem como retirando das suas obrigações as responsabilidades que recaiam sobre os contratos de trabalho.
231Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014
Além de realizarem atividades que exigiam alto grau de sensibilidade e ades‑
tramento,	eram	trabalhadores	flexíveis	por	aceitarem,	com	mais	facilidade,	o	
processo de subordinação com menor grau de reivindicação ao capitalista, se 
comparados com as posições efetivadas pelos trabalhadores homens adultos. 
Essas condições, historicamente determinadas pelo trabalho humano de mulhe‑
res	 e	 crianças,	 contribuíram,	 significativamente,	 para	 ampliar	 a	 produção	 e,	
como consequência direta, para ser expropriada sem medida, aumentando a 
mais‑valia absoluta e principalmente a relativa em favor do empregador.
No mesmo local em que se encontravam esses novos trabalhadores a ser‑
viço do capital, homens de diferentes idades, na fase adulta, não conseguiam 
vincular‑se formalmente no mercado. O exército de reserva aumentava, pres‑
sionava os trabalhadores empregados e ampliava a demanda para empregar‑se 
no âmbito social organizado sob a lógica mercadológica. A concorrência, me‑
canismo intrínseco ao modo de produção capitalista em sua fase industrial 
moderna, reclamava por um espaço permanente no mercado.
A máquina, sujeito do processo de trabalho enquanto instrumento, fazia 
imperar a consolidação da concorrência entre os trabalhadores e entre os próprios 
capitalistas. De um lado, com a contratação de mulheres e crianças para operar 
as	máquinas	modernas,	a	concorrência	entre	os	trabalhadores	se	intensificou.	A	
força de trabalho masculina sofreu um golpe fatal, bem como toda a classe 
trabalhadora. Os trabalhadores homens, adultos, passaram a conviver com de‑
terminações particulares: aumento do desemprego exponencial da força de 
trabalho masculina adulta em detrimento da contratação da força de trabalho 
livre de crianças e mulheres. Esse fenômeno acarretava o fortalecimento dos 
donos das fábricas, que, ao receberem solicitações de aumento de demanda de 
força de trabalho no mercado, posicionavam‑se como capitalistas para ampliar 
a mais‑valia.34 Pressionados pelo processo de concorrência já sedimentado no 
34. Enquanto os capitalistas ampliam o acúmulo de mais‑valia, nas famílias dos trabalhadores as esta‑
tísticas de mortes de crianças aumentam diariamente, principalmente devido ao fato de as crianças permane‑
cerem em suas casas sem os cuidados básicos necessários das suas mães. Essas, para poderem sobreviver e 
contribuir	com	a	renda	familiar,	são	obrigadas	a	vincular-se	aos	trabalhos	fabris.	Ao	mesmo	tempo,	verifica‑
‑se o aumento de crianças que são abandonadas. Ocorrem ainda registros que acusam o uso de medicamen‑
tos	em	crianças	que	precisam	de	maiores	cuidados,	com	a	finalidade	de	tranquilizá-las	do	incômodo	que	
manifestam.	Certifica-se	ainda,	a	céu	aberto,	a	presença	do	aumento	da	prostituição	infantil.	Esse	fato	con‑
creto atinge em sua raiz a questão moral burguesa.
232 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014
interior do próprio sistema produtivo do mercado de trabalho, os trabalhadores 
disputavam entre si um lugar para trabalhar, sujeitando‑se a realizar atividades 
precárias em diferentes níveis: na relação de vínculo empregatício, reduzindo 
salário ou aceitando outras formas de pagamento despóticas; nas condições em 
que desenvolviam suas atividades nos espaços físicos das fábricas, não ques‑
tionavam as condições insalubres e a carga horária excessiva no trabalho diário, 
aceitando trabalhar em situações muito parecidas com as dos animais. Traba‑
lhando em condições aviltantes, perderam força política na esfera organizativa 
coletiva; fragilizando suas forças de poder de negociação, de avanço no campo 
dos direitos, postaram suas ações em atitude de recuo, e, para manter‑se vivos 
buscavam, a qualquer custo, garantir o próprio emprego.35
Ao mesmo tempo, a classe burguesa também tinha que enfrentar suas 
dificuldades	de	posicionamento	de	classe.	Ocorria	na	esfera	do	mercado	uma	
guerra de interesses entre os próprios capitalistas em suas diferentes posições de 
classe, produtiva ou reprodutiva. Aqueles que conseguiam obter maior vantagem 
permaneciam no mercado e, em casos particulares, deixavam o lugar ocupado 
de capitalista na dinâmica geral e ganhavam posições de poder no mercado, 
transformando seus investimentos acumulados em monopólios e/ou oligopólios.
Mas as grandes diferenças eram demarcadas no chão das fábricas. Naque‑
le espaço, a contradição, presente na relação estabelecida entre capital/trabalho, 
fora colocada em movimento. Um número expressivo de trabalhadores perma‑
necia junto durante a jornada de trabalho; os trabalhadores conversavam, dis‑
cutiam a opressão que os instrumentos exerciam sobre o trabalho humano, o 
valor	 ínfimo	do	salário	que	 recebiam	e	as	condições	 insalubres	dos	espaços	
físicos de trabalho os envolviam diariamente. Os trabalhadores, movidos por 
proposições de mudança, organizavam‑se em associações, agremiações e sin‑
dicatos com a proposição de ampliar suas forças políticas, garantindo a manu‑
tenção de direitos já conquistados ou reivindicando novos.
35. Essa situação real, concreta, demarca nos anais da história da classe trabalhadora um momento de 
perdas na esfera da organização e dos direitos sociais. Quebrava‑se a resistência do trabalho masculino. Esse 
fato aumentou a força e o poder dos donos das fábricas, momento em que registramos o aumento do despo‑tismo na relação capital/trabalho. Ressaltamos que em período de crise econômica, na esteira do modo de 
produção capitalista, a relação capital/trabalho se enraíza, prejudicando profundamente os trabalhadores e 
seus familiares (Engels, 1985).
233Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014
Os donos das fábricas também se movimentavam, criando suas entidades 
representativas para que, de forma direta e/ou mediada pelo Estado, se instau‑
rassem processos de negociações. Criaram mecanismos para que esse movi‑
mento interno do chão das fábricas fosse contido e, se possível, destruído ou 
incorporado à política empresarial. De imediato, enquanto os trabalhos regis‑
travam em pautas reivindicativas seus interesses e os apresentavam à classe 
patronal, esta criou mecanismos na esfera da organização do trabalho, bem como 
por	meio	de	alterações	técnicas	e/ou	científicas	para	manter	a	ordem	e	o	con‑
trole no chão da fábrica.
Com o propósito direto de ampliar o controle sobre o físico e o psicológico 
dos trabalhadores na esfera da organização do trabalho, instituíram‑se em núme‑
ro	expressivo	a	figura	do	chefe,	do	supervisor	e,	em	seguida,	a	do	gerente	da	
fábrica.	Constituíram	figuras	que,	na	condição	de	trabalhadores	especializados,	
eram responsáveis por ampliar a produção da mais‑valia absoluta e relativa e, 
ao mesmo tempo, conter as inquietações das manifestações individuais e/ou 
coletivas dos trabalhadores no interior das fábricas.36 Esses personagens tinham 
o papel de garantir o aumento da produtividade, da redução dos custos, princi‑
palmente no uso da matéria‑prima, e conservar os instrumentos de trabalho, 
simples e complexos. Era também papel daqueles trabalhadores, a serviço do 
capitalista industrial, consciente ou não: introduzir conteúdos teleológicos no 
campo subjetivo de cada trabalhador, impostos pelo capitalista, que expressassem 
ser o sucesso individual e coletivo a ser alcançado na fábrica oriundo de resul‑
tados positivos; criarem condições concretas para que os trabalhadores incorpo‑
rassem a cultura da fábrica — produtiva e reprodutiva —, exercitando‑a nos 
espaços de trabalho e fora da fábrica, estendendo‑a particularmente para os 
membros da família e para os círculos de amizade.
Além desse mecanismo criado na esfera organizacional, ocorreu, progres‑
sivamente, o investimento dos donos das fábricas e do Estado para desenvolver 
o	campo	técnico	e	científico.	A	conjugação	de	mudanças	e	ajustes	na	esfera	da	
organização do trabalho e do desenvolvimento revolucionário nas instâncias da 
técnica e da ciência contribuiu, decisivamente, para que o capitalista ampliasse 
36. Quando as ações dos trabalhadores, organizados ou não, saiam do controle, os donos das fábricas 
acionavam a força repressiva cedida pelo Estado ou de ordem particular. As leis sempre estiveram a serviço da 
classe dominante, pois foram criadas por representantes que aderiram ao projeto burguês em desenvolvimento.
234 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014
a acumulação de capital. Ao mesmo tempo, cresceu o poder de domínio em 
relação à força de trabalho por meio das entidades que as representavam. Quan‑
do	a	força	de	trabalho,	em	movimento,	tinha	dificuldades	para	executar	suas	
atividades, pois não conseguia acompanhar o ritmo das máquinas, os donos das 
fábricas, por meio dos seus gerentes e supervisores, promoviam rapidamente a 
substituição	de	trabalhadores.	Afinal,	o	contingente	de	força	de	trabalho	(simples	
e complexa) presente no mercado, na condição de trabalhadores pertencentes 
ao exército de reserva à espera de uma vaga, era imenso. Deve‑se salientar 
ainda que, em períodos de crise do modo de produção capitalista, o contingen‑
te de desempregados aumentava de forma exponencial em quantidade e quali‑
dade, principalmente quando a crise desenvolvia‑se na estrutura da base que 
sustentava o projeto burguês de produção e reprodução social.
A relação estabelecida entre os gerentes e supervisores com os trabalha‑
dores demitidos não apresentava nenhum sinal de preocupação, de arrependi‑
mento ou, no mínimo, humanista. Nesse cenário, a máquina, resultado dos 
processos	 científicos,	 ao	 ser	 colocada	 em	movimento	 a	 serviço	 do	 capital,	
ampliava o campo de negação do trabalho humano. O aviltamento da força de 
trabalho enfraquecia cada vez mais a organização dos trabalhadores. Naquele 
momento, sem conseguir expressar resistência com conteúdos revolucionários, 
os donos das fábricas ganhavam força e conseguiam separar o objeto de traba‑
lho do próprio trabalhador.
Esse processo avançava, criava campos de especialização na fábrica, e a 
totalidade dos trabalhadores, historicamente constituídos, em seus diferentes 
tempos e espaços, fora negada, restando apenas duas dimensões em ação com o 
posicionamento invertido: de um lado, o objeto que se transformava em sujeito 
parcial — a máquina —; do outro, um sujeito que se transformava em objeto 
—	força	de	trabalho	humana	especializada	em	profundo	grau	de	reificação.
Outras dimensões expressivas da manifestação da “questão social” eram 
reveladas em todas as ruas, ruelas, casas e casebres, espaços em que circulam 
e em que viviam os trabalhadores e seus familiares (Engels, 1985; Castel, 1998; 
Lefebvre, 1999). Num primeiro momento, os mecanismos repressivos tentaram 
conter e controlar as manifestações mais expressivas. Mas, com o passar do 
tempo, o Estado também foi requisitado para cumprir o papel de reparador 
material e espiritual, pois a miséria, a pobreza e doenças de abrangência física 
e psíquica atingiam a maioria da classe trabalhadora. Os desdobramentos 
235Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014
ocasionados pelo descompasso existente na relação capital/trabalho assustavam 
diariamente os trabalhadores e seus familiares, mas atingia individual e cole‑
tivamente todos os membros da sociedade. A classe burguesa entrou em de‑
sespero. Esse fato concreto obrigou o Estado a iniciar encaminhamentos na 
esfera das políticas sociais, apesar de tímidos, para responder às inúmeras 
manifestações da “questão social.” O avanço ou não do papel do Estado para 
responder às demandas colocadas diariamente pela classe trabalhadora e seus 
familiares aumentava ou diminuía conforme os movimentos sociais expressa‑
vam, concretamente, suas forças historicamente determinadas (Vieira, 1992). 
No entanto, era sabido que as contradições presentes não podiam ser superadas 
enquanto a lógica produtiva e reprodutiva estivesse sob a condução do proje‑
to de sociabilidade criado e em desenvolvimento pela classe burguesa.
A maquinaria moderna movida a vapor avançava, mas não conseguia con‑
ter os processos de trabalho criado, desenvolvido e efetivado durante o século 
XX. O modelo de produção pautado no taylorismo/fordismo e o toyotismo, 
frutos	da	 segunda	e	 terceira	Revolução	 Industrial,	 respectivamente,	fincaram	
raízes em países diferenciados (Estados Unidos e Japão) e espalharam‑se em 
todos os continentes em diferentes tempos e espaços. No entanto, a produção 
fundada e desenvolvida no ramo têxtil deixou de ser dominante, porém não 
deixou	de	 criar,	 ampliar	 e/ou	 sofisticar	 seus	 instrumentos	 até	 os	dias	 atuais,	
adaptando sua forma de ser aos novos modelos de produção. Para compreender, 
apreender e analisar criticamente esses novos modelos da relação capital/traba‑
lho enquanto avanços e retrocessos, fazem‑se necessários nos debruçarmos sobre 
as literaturas clássicas e contemporâneas sem tirar o pé da realidade.
Considerações finais
As formas de objetivação do trabalho humano presentes desde o modelo 
de produção artesanal até a maquinaria moderna permitiram explicitar momen‑
tos de diferenciações no que tange o campo de possibilidade em materializar o 
avanço do ser singular em direção ao ser genérico.
As formas de objetivação em que o trabalhohumano efetivou‑se a partir 
da criação e do desenvolvimento do processo de trabalho fundado na produção 
236 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014
artesanal	permitiu-nos	apreender	expressões	significativas	de	conteúdos	de	li‑
berdade presentes em cada trabalhador. Na condição de trabalhadores autônomos, 
as atividades eram desenvolvidas todos os dias, sem a interferência de nenhum 
outro personagem dominante na época. Suas ações materiais, concretas, possi‑
bilitavam dominar o processo de trabalho em todas as fases, e o trabalho mar‑
cado	pela	destreza	individual	culminava	com	a	apropriação	do	resultado	final	
— novo objeto produzido — pelo próprio artesão. No entanto, se por um lado 
a emancipação em relacionar‑se com a natureza avançava, o mesmo não ocor‑
ria no campo da consciência. Esses trabalhadores, na condição de categoria 
profissional,	ainda	não	eram	portadores	de	elementos	constitutivos	de	classe	
social trabalhadora, mas sim alimentavam desejos e efetivavam comportamen‑
tos no campo da legalidade, direcionando sua forma de ser e de existir para 
tornar‑se capitalistas industriais. Esse desejo não conseguiu efetivar‑se.
A partir do momento em que os artesãos, na condição de trabalhadores 
autônomos, ameaçavam o poder econômico e político dominante sob a direção 
dos senhores feudais, reis, príncipes e comerciantes não tardaram para que 
deixassem essa condição e se transformassem em assalariados livres. A partir 
de então, o espaço denominado processo de trabalho fundado sob a direção da 
cooperação simples, da manufatura e posteriormente da maquinaria moderna, 
o ser singular — trabalhador assalariado livre — começa a relacionar‑se com a 
natureza e com os próprios homens de forma dependente, quando comparado 
com o trabalhador do artesão.
Na condição de assalariado, reduziu‑se o leque de possibilidade de eman‑
cipar‑se política e humanamente. As relações econômicas e políticas aprofun‑
daram suas determinações particulares e universais, criando novas e inovadas 
relações de poder. A partir do processo de trabalho de cooperação simples, o 
capitalista industrial iniciou seus investimentos para retirar de todos os traba‑
lhadores o que era de mais precioso em sua existência: seu conhecimento e suas 
habilidades individuais e coletivas. Os trabalhadores, em sua maioria assalaria‑
dos, deixaram de dominar a totalidade dos movimentos realizados durante os 
processos de trabalho e, aos poucos, tornaram‑se, na condição de assalariados, 
propriedades dos capitalistas industriais por um tempo determinado de trabalho 
diário. Parceladas as atividades no interior da fábrica, não tardou para que, no 
processo de trabalho pautado na maquinaria, a individualidade também fosse 
fragmentada, esfacelada, destruída. Igual aos animais, não restava aos trabalha‑
237Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014
dores e seus familiares outras condições de existência a não ser: comer, beber, 
dormir e procriar (Marx, 2009b). O distanciamento das condições objetivo/
subjetivas do seu ser singular em direção à condição de ser genérico era cada 
vez mais emblemático. A condição de ser humano, portanto social e político, 
foi negada, e a maioria dos mortais passou a ser reconhecida, consciente ou não, 
no interior dos processos de trabalho, enquanto coisa. A condição de sujeito 
coisificado	tornou-se	a	expressão	máxima	da	negação	do	humano.
Recebido em 28/11/2013 ■ Aprovado em 17/3/2014
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239Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 239-264, abr./jun. 2014
Crise do capital, precarização do trabalho e 
impactos no Serviço Social
Capital crisis, work precariousness and impacts on Social Service
George Francisco Ceolin*
Resumo: O artigo analisa alguns impactos das transformações 
societárias em curso no período histórico de transição dos séculos XX 
e	XXI	na	particularidade	da	profissão	Serviço	Social.	A	análise	agrega	
um	complexo	de	mediações	essenciais	para	elucidar	o	significado	das	
determinações	 da	 alienação	 do	 trabalho	 no	 exercício	 profissional,	
enquanto partícipe da divisão social do trabalho coletivo no processo 
de reprodução das relações sociais. O conteúdo apreende as particula‑
ridades das formas de precarização do trabalho e das manifestações da 
questão social enquanto expressões da alienação e fetichismo em 
tempos de crise do capital.
Palavras‑chave: Crise do capital. Precarização. Serviço Social.
Abstract: The article analyses some of the impacts of the transformations in society on Social 
Service during the historical period of transition of both the twentieth and the nineteenth centuries. 
The analysis aggregates some essential mediation to explain the meaning of the determination of work 
alienation in the professional practice, as it participates in the social division of collective work in the 
process of reproduction of social relationships. The contents elucidatethe details of the forms of work 
precariousness and of the manifestations of the social issue as expressions of alienation and fetishism 
in times of capital crisis.
Keywords: Capital crisis. Precariousness. Social Service.
* Professor no curso de Serviço Social da Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia/GO, 
Brasil, mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC‑Goiás), doutoran‑
do em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisador do Núcleo de 
Estudos e Pesquisas sobre os Fundamentos do Serviço Social na Contemporaneidade (NEFSSC). E‑mail: 
georgeceolin@yahoo.com.br.
240 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 239-264, abr./jun. 2014
1. Introdução
As transformações no mundo do trabalho e seus impactos nos diver‑sos	campos	profissionais	têm	constituído	pauta	central	do	debate	contemporâneo.A reestruturação do capital mundializado, que no Brasil in‑
tensificou-se	nas	últimas	décadas	do	século	XX,	provocou	mudanças	qualitati‑
vas na organização e na gestão da força de trabalho e na relação de classes, 
interferindo	fortemente	nos	trabalhos	profissionais	das	diversas	categorias,	suas	
áreas de intervenção e seus suportes de conhecimento e de implementação, 
conforme José Paulo Netto (1996).
O presente artigo tem por objetivo analisar algumas implicações do im‑
pacto dessas transformações na particularidade do Serviço Social. As sucessivas 
aproximações com o objeto investigado remeteu sua análise às mediações da 
precarização	do	trabalho	e	das	demandas	postas	à	profissão,	nesse	período	de	
intensas transformações societárias.
Ainda, conforme Netto (1996), o problema teórico‑analítico reside em 
explicitar e compreender como, na particularidade prático‑social de cada pro‑
fissão,	 traduz-se	 o	 impacto	 das	 transformações	 societárias,	 determinando	 as	
mediações	que	conectam	as	profissões	particulares	àquelas	transformações.
A análise do impacto dessas transformações no âmbito do exercício pro‑
fissional	agrega	um	complexo	de	determinações	e	mediações	essenciais	para	
elucidar	seu	significado	no	processo	de	produção	e	 reprodução	das	 relações	
sociais,	 configurado	 “enquanto exercício profissional especializado que se 
realiza por meio do trabalho assalariado alienado” (Iamamoto, 2007, p. 214; 
grifos do original).
Mészáros (2006, p. 80‑81), contribui na análise entre trabalho capitalista 
e alienação.1
1. Na análise dos Manuscritos econômicos-filosóficos de Marx, Meszáros (2006, p. 18) esclarece: “o 
ponto	de	convergência	dos	aspectos	heterogêneos	da	alienação	é	a	noção	de	‘trabalho’	(Arbeit). Nos Manus‑
critos,	de	1844,o	trabalho	é	considerado	tanto	em	sua	acepção	geral	—	como	‘atividade	produtiva’:	a	deter‑
minação	ontológica	fundamental	da	‘humanidade’	(‘menschliches Dasein’, isto é, o modo realmente humano 
de	existência)	—	como	em	sua	acepção	particular,	na	forma	da	‘divisão	do	trabalho’	capitalista.	É	nesta	úl‑
tima	forma	—	a	atividade	estruturada	nos	moldes	capitalista	—	que	o	‘trabalho’	é	a	base	de	toda	a	alienação”.
241Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 239-264, abr./jun. 2014
A atividade produtiva na forma dominada pelo isolamento capitalista — em que 
“os homens produzem como átomos dispersos sem consciência de sua espécie” 
— não pode realizar adequadamente a função de mediação entre o homem e a 
natureza,	porque	“reifica”	o	homem	e	suas	relações	e	o	reduz	ao	estado	da	natu‑
reza animal. Em lugar da “consciência da espécie” do homem, encontramos o 
culto	da	privacidade	e	a	idealização	do	indivíduo	abstrato.	Assim,	identificando	
a essência humana com a mera individualidade, a natureza biológica do homem 
é	confundida	com	sua	própria	natureza,	especificamente	humana.	[...]	A	atividade	
produtiva é, então, atividade alienada quando se afasta de sua função apropriada 
de mediar humanamente a relação sujeito‑objeto entre homem e natureza, e ten‑
de,	 em	vez	disso,	 a	 levar	o	 indivíduo	 isolado	e	 reificado	a	 ser	 absorvido	pela	
“natureza”. (Grifos do original)
As	análises	dos	dilemas	do	exercício	profissional	exige	a	compreensão	das	
determinações	objetivas	das	relações	capitalistas	sobre	a	profissão.	O	processo	
de trabalho capitalista é presidido pela inversão do domínio do trabalho morto 
sobre o trabalho vivo. Seguindo a análise de Marx, a “dominação do capitalista 
sobre o trabalhador é, consequentemente a da coisa sobre o homem, do trabalho 
morto sobre o trabalho vivo, do produto sobre o produtor” (Marx, 1978, p. 20).
Conforme Iamamoto (2007, p. 214), a condição assalariada de inserção 
profissional	 no	 efetivo	 exercício,	mediada	pelas	 demandas	 e	 requisições	 do	
mercado	de	trabalho,	sintetiza	tensões	entre	o	direcionamento	que	a	profissão	
pretende imprimir em seu trabalho concreto e as determinações do trabalho 
abstrato, inerente ao trabalho capitalista.
A	condição	assalariada	do	exercício	profissional	pressupõe	a	mediação	do	
mercado de trabalho. Assim, as exigências impostas pelos distintos emprega‑
dores materializam demandas, estabelecem funções e atribuições, impõem re‑
gulamentações	específicas	a	serem	empreendidos	no	âmbito	do	trabalho	cole‑
tivo. Além disso, normas contratuais condicionam o conteúdo e estabelecem 
limites	e	possibilidades	às	condições	de	realização	da	ação	profissional	(Iama‑
moto,	2007,	p.	218-219).	Aqui	 se	 identifica	um	campo	de	 tensão	que	exige	
densas	investigações	na	apreensão	do	significado	das	determinações	do	trabalho	
alienado na particularidade do Serviço Social.
Apreender	a	particularidade	histórica	da	profissão	e	de	sua	prática	social	
exige investigar e examinar o complexo processo e o movimento que caracterizam 
242 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 239-264, abr./jun. 2014
as	singularidades	do	efetivo	exercício	da	profissão	e	suas	mediações	no	âmbito	
dos processos e relações de trabalho inserido na divisão social do trabalho.
2. Capitalismo monopolista e as condições sócio-históricas de emergência 
do Serviço Social
O Serviço Social está diretamente vinculado às demandas construídas no 
complexo das contradições produzidas pelo conjunto das relações sociais de 
produção e reprodução da sociedade capitalista em sua fase monopolista. O 
enfrentamento das expressões da questão social2 é assumido pelo Estado, como 
resposta à necessidade de controle da força de trabalho e de legitimação da 
instância estatal como força garantidora da expansão do modelo de reprodução, 
no período histórico de trânsito para a fase monopolista do capitalismo em seu 
estágio maduro (Netto, 2006b, p. 18).
A produção e a reprodução das relações sociais capitalistas não se restringem 
à relação capital e trabalho nas condições objetivas de produção e reprodução da 
vida material, mas englobam um complexo mais amplo, envolvendo a totalidade 
da vida social e de suas formas de consciência social e expressões culturais.
Marx e Engels (2009, p. 31) expõem:
A produção das ideias, das representações, da consciência, está em princípio dire‑
tamente entrelaçada com a atividade material e o intercâmbio material dos homens, 
linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens 
aparece aqui ainda como direta exsudação do seu comportamento material. O 
mesmo se aplica à produção espiritual como ela se apresenta na linguagem da 
política, das leis, da moral, da religião, da metafísica etc. de um povo. Os homens 
são os produtores das suas representações, ideias etc., e precisamente os homens 
condicionados pelo modo de produção da sua vida material, pelo seu intercâmbio 
material e o seu desenvolvimento posterior na estrutura social e política.
2. Usa‑se a expressão questão social para expressar o conjunto das expressões políticas, sociais e eco‑
nômicas	vinculadas	ao	conflito	entre	o	capital	e	o	trabalho,	impostos	pelo	surgimento	da	classe	operária	e	
seu ingresso no cenário político nocurso da constituição da sociedade capitalista (Netto, 2006b, p. 17).
243Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 239-264, abr./jun. 2014
Assim, a reprodução das relações sociais é a reprodução da processuali‑
dade da vida social em sua totalidade, portanto, de determinado modo de vida. 
A reprodução das relações sociais atinge a totalidade da vida em suas determi‑
nações universalizantes e singulares, em suas tendências históricas e em suas 
manifestações cotidianas.
A	compreensão	do	significado	do	Serviço	Social	só	é	possível	ser	desve‑
lada se inserida no complexo processo de produção e reprodução das relações 
sociais historicamente determinadas, bem como das correlações de forças sociais 
em	disputa	quando	de	sua	legitimação	como	profissão.	A	legitimidade	da	prá‑
tica do Serviço Social institucionalizada e legalmente reconhecida como pro‑
fissão	é	resultado	do	movimento	processual	de	desenvolvimento	da	sociedade	
capitalista e da exacerbação das contradições a ela inerentes, materializada e 
expressa na questão social.
O	Serviço	Social	constituiu-se	enquanto	área	profissional	pelas	necessi‑
dades de respostas das classes dominantes às expressões da questão social, e 
suas conexões genéticas se entretecem com as suas peculiaridades no âmbito 
da sociedade burguesa em sua fase monopolista.3
A organização monopolista do capital teve seu início nas últimas décadas 
do século XIX (Mandel, 1985; Sweezy e Baran, 1986; Braverman, 1987). Nes‑
se período, a concentração e centralização de capitais, em formas de trustes, 
cartéis	e	outras	maneiras	de	combinação,	começaram	a	firmar-se,	e	a	estrutura	
moderna	da	 indústria	e	das	finanças	capitalistas	passaram	a	 tomar	 forma.	A	
moderna	era	imperialista	inaugurava-se,	ao	mesmo	tempo,	pelos	conflitos	ar‑
mados	pela	divisão	do	globo	em	colônias	ou	em	esferas	de	influência	ou	hege‑
monia econômica (Braverman, 1987, p. 215).
A	idade	do	monopólio	alterou	significativamente	a	dinâmica	da	sociedade	
burguesa. Ao mesmo tempo em que potencializou as contradições fundamentais 
do capitalismo já explicitadas no estágio concorrencial, elas foram combinadas 
com novas contradições e antagonismos que tornaram mais complexos os sis‑
temas de mediações que garantem a dinâmica societária burguesa (Netto, 2006b, 
p. 19‑20).
3. Essa tese de interpretação sobre a gênese do Serviço Social é denominada por Montaño de perspecti‑
va histórico‑crítica (Montaño, 2007, p. 30).
244 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 239-264, abr./jun. 2014
O capitalismo monopolista é responsável pela introdução na dinâmica da 
economia capitalista de um conjunto de fenômenos. Segundo Sweezy (1977), 
os preços das mercadorias e serviços tendem a crescer progressivamente; as 
taxas de lucros são mais elevadas; acentua‑se a taxa de acumulação e a tendên‑
cia decrescente da taxa média de lucro e do subconsumo; concentram‑se inves‑
timentos nos setores de maior concorrência; cresce a tendência de diminuir o 
uso da força de trabalho pela introdução de mudanças nos processos da produ‑
ção e do trabalho assalariado, tendo por aliadas a maquinaria e as novas tecno‑
logias; os custos de venda aumentam.
O alvo central da fase monopólica é a criação do mercado universal. Para 
atingi‑lo, o sistema do capital busca a conquista de toda a produção de bens e 
de uma gama crescente de serviços em forma de mercadorias e inventa um novo 
ciclo de produtos e serviços. Muitos deles tornam‑se indispensáveis à medida 
que a vida moderna vai mudando e destruindo as alternativas existentes.
O capitalismo monopolista faz surgir, ainda, uma força inteiramente nova, 
o crédito. Ele coloca à disposição dos capitalistas, isolados ou associados, os 
meios	financeiros	dispersos	pela	sociedade	e	se	transforma	em	um	imenso	me‑
canismo de centralização de capitais.
A	estrutura	modificada	das	empresas	capitalistas	monopolistas	aglomera‑
‑se em imensas unidades, em virtude da concentração e da centralização de 
capital.	A	 complexificação	 do	 controle	 operacional	 e	 o	 gerenciamento	 das	
empresas monopolistas exige cada vez mais um processo de trabalho especia‑
lizado,	provocando	nova	textura	na	divisão	social	do	trabalho	e	personificando	
o capital na forma institucional, sob controle de uma camada especializada da 
classe capitalista (Braverman, 1987, p. 220‑223).
O objetivo primário da nova estrutura da empresa monopolista moderna 
é o acréscimo dos lucros capitalistas pelo controle dos mercados (Sweezy e 
Baran, 1986). A transformação de toda a sociedade em um gigantesco mercado 
é uma chave fundamental para a compreensão da história social recente (Bra‑
verman, 1987, p. 231).
No estágio mais primitivo do capitalismo industrial, havia uma quanti‑
dade limitada de mercadorias em circulação normal, e a organização familiar 
permanecia fundamental para os processos produtivos da sociedade. Pratica‑
mente todas as necessidades da família eram atendidas por seus membros. 
245Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 239-264, abr./jun. 2014
A produção de alimentos, a produção domiciliar de roupas e a fabricação de 
produtos de uso cotidiano da família eram realizadas pela unidade econômica 
familiar. O papel do capital industrial era limitado pela demanda de seu mer‑
cado consumidor.
Durante o período de trânsito do capital concorrencial ao monopolista, o 
capital industrial altera a dinâmica da vida familiar, transformando‑a de unida‑
de produtora em, cada vez mais, unidade consumidora de mercadorias. Com a 
expansão do processo de urbanização e civilização, as relações de mercado se 
tornam a única forma possível de atendimento às necessidades sociais.4
Dessa forma, com o desenvolvimento das relações sociais capitalistas, a 
organização familiar, de núcleo de produção e consumo da vida social, portan‑
to de determinado modo de vida, transforma‑se em instância de consumo de 
padrões	e	valores	artificialmente	criados	como	necessidades.
A mercadorização das relações sociais faz surgir novos ramos de produção 
para preencher as lacunas resultantes, e à medida que novos serviços e merca‑
dorias ocupam os espaços nas relações humanas sob a forma de relações de 
mercado, a vida e social é ainda mais mercantilizada.
O movimento do capital sobre as relações sociais liga‑se a seu impulso 
expansionista (Mészáros, 2002) de inovar produtos e serviços na busca de sua 
reprodução ampliada.
A universalização da etapa de desenvolvimento capitalista monopólica 
intensifica	e	generaliza	não	só	o	produto	do	trabalho,	mas	também	a	relação	
de compra e venda da força de trabalho, à forma mercadoria, subsumindo o 
modo de produzir e reproduzir a vida material e social à forma capitalista, 
quase que excluindo outras possibilidades de produção dos meios necessários 
da vida social.
O assalariamento do trabalho se expande e se generaliza, constituindo um 
novo modo de vida social. A propriedade privada dos meios de produção, ao 
separar os produtores dos instrumentos necessários à produção, impõe aos 
vendedores da força de trabalho a produção de um valor que não lhe pertencem 
4.	Uma	abordagem	da	maneira	pelo	qual	ocorre	essa	intensificação	da	subordinação	do	modo	de	vida	
e das necessidades sociais ao mercado pode ser encontrada no capítulo 13, “O mercado universal”, da obra 
de Braverman (1987, p. 231‑241).
246 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 239-264, abr./jun. 2014
e que não visa satisfazer suas necessidades. Pela alienação de sua capacidade 
de trabalho por determinado tempo, o trabalhador recebe um salário para re‑
constituir e manter sua capacidade produtiva, garantindo assim a continuidade 
da oferta da força de trabalho quando o capital dela demandar.
A forma do “trabalho livre” do sistema do capital, fundado na separação 
do ser que trabalha de suas condições de trabalho, condição sine qua non para 
que o produtor tenha que vender sua força de trabalho, tornao ser que trabalha 
a mais miserável das mercadorias.
O trabalhador, não dispondo das condições objetivas, sua capacidade de 
trabalho só pode ser objetivada quando demandada pelo capitalista. Assim, a 
obtenção de suas condições de vida depende de mediações do mercado de tra‑
balho, externas à sua vontade.
Aumentando e acelerando os efeitos da acumulação, a centralização do 
capital amplia e acelera ao mesmo tempo as transformações qualitativas na com‑
posição técnica do capital. Ocorre crescente acréscimo de sua parte constante em 
relação à sua parte variável, reduzindo assim a demanda relativa de trabalho.
A acumulação capitalista sempre produz, na proporção de sua expansão, 
uma	população	trabalhadora	relativamente	supérflua,	que	ultrapassa	as	neces‑
sidades médias da expansão do capital. Dessa forma,
com a magnitude do capital social já em funcionamento e seu grau de crescimen‑
to, com a ampliação da escala de produção e da massa de trabalhadores mobili‑
zados,	com	o	desenvolvimento	da	produtividade	do	trabalho,	com	o	fluxo	mais	
vasto e mais completo dos mananciais da riqueza, amplia‑se a escala em que a 
atração maior dos trabalhadores pelo capital está ligada à maior repulsão deles. 
Além disso, aumenta a velocidade das mudanças na composição orgânica do 
capital e na sua forma técnica, e número crescente de ramos de produção é atin‑
gido, simultânea ou alternativamente, por essas mudanças. Por isso, a população 
trabalhadora, ao produzir a acumulação do capital, produz, em proporções cres‑
centes,	os	meios	que	fazem	dela,	relativamente,	uma	população	supérflua.	(Marx,	
1968, p. 732)
Uma população trabalhadora excedente, não só produto e alavanca da 
acumulação capitalista, mas também condição de existência do modo de pro‑
dução fundado no capital (Marx, 1968, p. 733).
247Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 239-264, abr./jun. 2014
Ocorre ainda que a dinâmica de reprodução do capital exige uma apro‑
priação da parte do valor novo produzido necessário à manutenção da força de 
trabalho. Ao apropriar‑se não apenas do trabalho excedente, mas também de 
parte do trabalho necessário à reprodução da força de trabalho, o capital 
submete o trabalho às condições de precarização e de não atendimento das 
necessidades humanas da classe trabalhadora. Portanto, a proletarização como 
resultado do desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social é uma 
especificidade	do	modo	de	produção	capitalista	(Iamamoto,	2007,	p.	159).	A	
expansão do mundo urbano/industrial e a decorrente agudização da relação 
antagônica capital e trabalho assalariado expressam‑se na precarização do tra‑
balho e no desemprego.
As formas de manifestação do processo de proletarização decorrentes da 
expansão do capitalismo dão um novo ímpeto às contradições das relações de 
classes. A classe operária, impulsionada pela organização e luta por melhores 
condições de vida de trabalho, impõe‑se como sujeito político coletivo, exigin‑
do seu reconhecimento pelo empresariado e pelo Estado.
O papel do Estado nos condicionamentos das relações sociais e da dis‑
tribuição, cada vez mais desigual, da propriedade privada é grandemente 
ampliado e assume formas mais complexas. O amadurecimento das várias 
tendências do capitalismo monopolista exige a expansão da intervenção das 
atividades do Estado na economia e na regulação da vida social (Braverman, 
1987, p. 242‑244).
Segundo Netto (2006b, p. 26), o Estado funcional ao capitalismo mono‑
polista deve garantir o conjunto de condições necessárias à acumulação e à 
valorização do capital monopolista. O autor continua:
a preservação e o controle contínuos da força de trabalho, ocupada e exceden‑
te, é uma função estatal de primeira ordem [...].	Justamente	neste	nível	dá-se	a	
articulação das funções econômicas e políticas do Estado burguês no capitalis‑
mo	monopolista	[...]	ele	deve	legitimar-se	politicamente incorporando outros 
protagonistas sociopolíticos. O alargamento de sua base de sustentação e legi‑
timação sociopolítica, mediante a generalização e a institucionalização de di‑
reitos e garantias cívicas e sociais, permite‑lhe organizar um consenso que as‑
segura o seu desempenho. (Netto, 2006b, p. 26‑27; grifos do original)
248 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 239-264, abr./jun. 2014
Justamente quando as classes dominantes e o Estado precisam responder 
de	modo	mais	qualificado	às	demandas	 impostas	pelo	movimento	da	classe	
operária, a questão social ganha status e passa a exigir respostas mais elabora‑
das e sistematizadas, que não apenas a repressão.
O Serviço Social é, então, demandado enquanto partícipe do conjunto 
de	profissões	justificadas	pelas	necessidades	de	controle	da	força	de	trabalho	
e de legitimação da ordem societária burguesa, bem como das instituições e 
do próprio Estado, como mediadores das classes e projetos em disputa na 
sociedade.
O Estado, ao buscar legitimação política, torna‑se permeável a demandas 
da classe trabalhadora, que podem nele fazer incidir seus interesses e suas rei‑
vindicações imediatas. Nessas condições, as expressões da questão social podem 
tornar‑se objeto de uma intervenção contínua e sistemática do Estado, tornando‑
‑se alvo de políticas sociais (Netto, 2006b, p. 29).
A necessidade de compatibilizar as questões relativas aos interesses da 
industrialização e acumulação capitalista à legitimação do sistema com as ne‑
cessidades das classes trabalhadoras são demandas que requererem e legitimam 
socialmente	a	profissão,	enquanto	partícipe	da	divisão	social	do	trabalho	capi‑
talista em sua fase monopólica.
As particularidades desse processo, no Brasil, evidenciam que o Serviço 
Social	se	institucionalizou	e	se	legitimou	profissionalmente	como	um	dos	re‑
cursos mobilizados pelo Estado e pelo empresariado, com o suporte da Igreja 
Católica, na perspectiva de enfrentamento e regulação da chamada questão 
social, quando a intensidade e a extensão de suas manifestações no cotidiano 
da vida social adquirem expressão política (Iamamoto e Carvalho, 1986).
O	Serviço	Social,	no	Brasil,	afirmou-se	como	profissão	requisitada	pelo	
setor público, face à progressiva ampliação da função reguladora do Estado, e 
vinculada a organizações patronais privadas, de caráter empresarial, dedicadas 
às atividades produtivas e a prestação de serviços sociais (Iamamoto e Carvalho, 
1986, p. 79).
A interpretação do Serviço Social no conjunto das relações de produção e 
reprodução da sociedade burguesa exige a apreensão das particularidades his‑
tóricas	que	configuram	as	relações	entre	as	classes	sociais	e	destas	com	o	Esta‑
do.	Nessa	perspectiva,	diferentes	análises	buscam	afirmar	a	profissão	nas	par‑
249Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 239-264, abr./jun. 2014
ticularidades	que	reconfiguram	as	expressões	da	questão social e dos padrões 
de regulação com que se defrontam as políticas sociais.5
3. Crise de acumulação, questão social e Serviço Social
A	mundialização	do	capital	(Chesnais,	1996),	sob	a	hegemonia	das	finan‑
ças, redimensiona o trabalho e a sociabilidade na sociedade contemporânea. 
Trata‑se de um período caracterizado pela crise do modelo de expansão do ca‑
pital (Chesnais, 1996) e pelo processo de reestruturação produtiva como tenta‑
tiva de resposta (Antunes, 1999, p. 35‑36). Suas manifestações localizam‑se nos 
primeiros anos na década de 1970 (Harvey, 1998, p. 134), se estende e aprofun‑
da-se	até	os	tempos	atuais.	No	Brasil,	esse	processo	intensifica-se	no	início	dos	
anos 1990 (Alves, 2000), como resultado da integração do país ao mercado 
globalizado,	no	estágio	de	acumulação	flexível	do	capital6 (Harvey, 1998).
A crise de acumulação do capital caracteriza‑se como crise endêmica e 
crônica, com a perspectiva de uma profunda crise estrutural (Mészáros, 2009). 
Sua expressão fenomênica é a crise do modelo de acumulação fordista‑keyne‑
siano e a consequente reestruturaçãodo capital, cujos impactos não se restringem 
à esfera produtiva, incidindo fortemente sobre o conjunto da vida social.
O padrão de crescimento fordista‑keynesiano, que, desde o segundo pós‑
‑guerra, sustentara um modelo de desenvolvimento responsável pelas décadas 
de glória do capitalismo, deu sinais de seus limites na primeira metade da dé‑
cada de 1970. Para responder a esse novo quadro, o capital monopolista empe‑
nhou‑se em uma série de reajustes e reconversões que constrói a contextuali‑
dade em que se desenvolvem autênticas transformações societárias (Antunes, 
1998; Harvey, 1998).
5. Iamamoto e Carvalho (1986), Netto (2006a, 2006b), Martinelli (1989), Faleiros (1980, 1981, 1987, 
1999), Santos (1982), Yazbek (1993), Costa (1985, 1995), Simionato (1995), Abreu (2002).
6.	Segundo	Harvey	(1998),	acumulação	flexível	“se	apoia	na	flexibilidade	dos	processos	de	trabalho,	
dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza‑se pelo surgimento de setores de 
produção	inteiramente	novos,	novas	maneiras	de	fornecimento	de	serviços	financeiros,	novos	mercados	e,	
sobretudo,	taxas	altamente	intensificadas	de	inovação	comercial,	tecnológica	e	organizacional”	(p.	140).
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A crise do padrão taylorista/fordista/keynesiano era, de fato, a expressão 
fenomênica de uma crise estrutural do capital, em sua lógica destrutiva e incon‑
trolável (Mészáros, 2002).
Essa nova dinâmica do capital obscurece como nunca o universo do tra‑
balho, atestando o caráter radical da alienação.
A fetichização das relações sociais alcançou seu ápice na hegemonia do 
capital	financeiro,	obscurecendo	e	subvertendo	a	leitura	das	desigualdades	sociais.
As transformações no mundo do trabalho têm alterado as relações entre 
Estado	e	sociedade,	redefinindo	o	papel	dos	Estados	nacionais	e	alterando	os	
parâmetros de constituição de seu sistema de proteção social, com ampla e 
profunda repercussão na órbita das políticas públicas, com suas conhecidas 
diretrizes	de	focalização,	descentralização,	desfinanciamento	e	regressão	dos	
direitos sociais.
Nas novas condições sócio‑históricas de crise do padrão de acumulação 
do	capital,	a	intensificação	da	tendência	decrescente	da	taxa	de	lucro	(Mandel,	
1985; Chesnais, 1996) exige como resposta do capital o aceleramento do cres‑
cimento e o predomínio do capital constante sobre o capital variável. Altera‑se 
significativamente	a	composição	orgânica	do	capital,	expressando	mais	profun‑
damente a totalidade das contradições da ordem burguesa.
O capitalismo monopolista, para enfrentar suas contradições imanentes, 
em um contínuo crescimento de prevalência do trabalho morto sobre o trabalho 
vivo,	recorre	a	um	padrão	de	acumulação	flexível,	que,	conforme	Netto	(1996),	
implica necessariamente um correspondente modo de regulação social.
A visibilidade das transformações que perpassam os processos sociais de 
produção e reprodução social vai ocorrendo de maneira progressiva. O capital 
se vê compelido a encontrar alternativas para a crise que o ameaça na segunda 
metade da década de 1970, mais precisamente quando explodiu a primeira 
recessão generalizada da economia capitalista internacional desde a Segunda 
Guerra Mundial (Mandel, 1985). Esse foi um período de intensas transformações 
no modo de produção e reprodução social, que se estende até os tempos atuais, 
e metamorfoseia as relações no mundo do trabalho (Oliveira, 1996; Antunes, 
1998; Harvey, 1998; Hobsbawm, 1995). As transformações do capitalismo 
global, que culminaram no processo de reestruturação do capital, caracterizado 
pela introdução de novas tecnologias na produção, e pela precarização das 
251Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 239-264, abr./jun. 2014
relações	de	trabalho,	intensifica	a	substituição	de	trabalho	vivo	por	trabalho	
morto e desencadearam o desemprego estrutural.
As novas dimensões e expressões do mundo do trabalho na sociedade 
capitalista contemporânea têm sido caracterizadas por um múltiplo e contradi‑
tório processo de desconstrução da classe proletária fabril — desproletarização 
do trabalho industrial (Antunes, 1998). Ocorre uma expressiva diminuição da 
classe operária industrial tradicional, notadamente a partir dos anos 1980 e 1990 
(Hobsbawm,	1995),	acompanhada	de	uma	acentuada	mudança	em	seu	perfil,	
da crescente subproletarização de um imenso contingente de trabalhadores e da 
proliferação do desemprego estrutural.
A	reestruturação	do	capital	complexifica	a	relação	capital-trabalho,	inten‑
sifica	a	fragmentação	do	proletariado	e	aprimora	o	controle	de	sua	subjetivida‑
de pela burguesia, enfraquecendo sobremaneira os trabalhadores na perspectiva 
de classe social (Antunes, 1998; Harvey, 1998; Alves, 2000).
Esse processo teve como marca decisiva uma generalizada ofensiva da 
burguesia e do Estado contra a classe trabalhadora e suas conquistas do período 
após 1945.
As transformações no universo do trabalho no capitalismo contemporâneo 
produz múltipla processualidade nas condições de vida e trabalho da classe 
trabalhadora, desproletariza o trabalho industrial fabril e amplia expressivamen‑
te o assalariamento no setor de serviços. Generaliza‑se a subproletarização do 
trabalho, nas formas de trabalho precário, parcial, temporário, subcontratado, 
terceirizado,	doméstico	e	informal.	Verifica-se	na	atualidade	uma	significativa	
heterogeneização do trabalho, expresso, sobretudo, pela crescente incorporação 
do contingente feminino no mundo operário, mas também pela incorporação 
do	trabalho	infantil	e	pela	presença	significativa	de	força	da	mão	de	obra	mi‑
grante, acompanhado de formas contemporâneas de degradação do trabalho, 
além	da	desespecialização	ou	desqualificação	do	operário	industrial	e	da	criação	
dos trabalhadores multifuncionais (Antunes, 1998, 1999).
Para	esse	autor,	ocorre	a	“heterogeneização,	fragmentação	e	complexifi‑
cação da classe trabalhadora”. O resultado mais brutal dessas transformações é 
a expansão, sem precedentes na era moderna, do desemprego estrutural, que 
atinge o mundo em escala global. A repercussão dessas transformações no 
movimento dos trabalhadores provoca uma nítida tendência de diminuição das 
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taxas de sindicalização, bem como da crescente burocratização e instituciona‑
lização das entidades representativas de classe.
No contexto de esgotamento do padrão fordista/keynesiano, emergem o 
toyotismo	e	o	padrão	de	acumulação	flexível,	do	qual	são	características	a	di‑
visão global do mercado e do trabalho, o desemprego estrutural, o capital vo‑
látil,	o	fechamento	de	unidades,	a	hegemonia	financeira	e	a	revolução	tecnoló‑
gica, conforme Harvey (1998). Trata‑se de tentativa do capital de recuperar seu 
ciclo de produção e repor seu projeto de dominação societal.
As novas condições sócio‑históricas metamorfoseiam a questão social 
inerente ao processo de acumulação capitalista, adensando‑a de novas mediações.
A reestruturação do capital, subordinado à lógica do capital mundializado, 
desenvolve como nunca a internacionalização da produção e dos mercados, 
redefine	os	papéis	dos	Estados	nacionais,	requer	políticas	de	ajustes	estruturais,	
reconduz suas formas de intervenção na questão social e altera os parâmetros 
de constituição dos sistemas de proteção social. Um mundo internacionalizado 
requer	um	Estado	dócil	aos	influxos	neoliberais	e,	ao	mesmo	tempo,	forte	para	
traduzir essas demandas em políticas nacionais (Petras, 2002).
O neoliberalismo é expressão da reestruturação política e ideológica con‑
servadora do capital em resposta à perda da rentabilidade e da governabilidade, 
que enfrentou durante a década de 1970 (Soares, 2003). O projeto neoliberal se 
expressa na naturalização do ordenamento capitalista e das desigualdades sociais, 
bem como no desmontedas conquistas sociais da classe trabalhadora, consubs‑
tanciados nos direitos sociais, que têm no Estado uma mediação fundamental. 
As conquistas sociais são transformadas em impeditivos para o desenvolvimen‑
to	e	a	liquidez	financeira	do	Estado,	sendo	apontadas	como	a	principal	causa	de	
sua	crise	fiscal.
O desmonte do sistema público de proteção social consiste na expressão 
política7 das respostas construídas pelo capital mundializado no enfrentamento 
de sua crise de acumulação.
7.	A	mundialização	financeira	unifica,	em	um	mesmo	movimento,	a	reforma	do	Estado,	tida	como	es‑
pecífica	da	área	política;	a	 reestruturação	produtiva,	 referente	às	atividades	econômicas	empresariais	e	à	
esfera do trabalho; a questão social, reduzida aos chamados processos de exclusão e integração social; a 
ideologia neoliberal e as concepções pós‑modernas (Iamamoto, 2007, p. 114).
253Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 239-264, abr./jun. 2014
A exigência na esfera da produção é reduzir custos e ampliar as taxas de 
lucratividade para enfrentar a tendência de queda da taxa média de lucro, inten‑
sificada	pelo	rápido	crescimento	do	capital	constante	na	composição	orgânica	
do capital.
A economia é movida em uma relação dinâmica e contraditória entre a 
reestruturação	de	seu	parque	produtivo	e	a	destruição	de	parte	significativa	de	
seu aparato industrial. Os investimentos especulativos são favorecidos em de‑
trimento da produção, raiz do agravamento das expressões da questão social, 
da redução dos níveis de emprego e da regressão das políticas sociais públicas 
(Behring, 2003).
O Estado torna‑se objeto de uma reformatação para se adequar à lógica do 
capital mundializado, por meio de um abrangente processo de reformas (Behring 
e Boschetti, 2006).
Dessa forma, o neoliberalismo difunde a ideia de que o bem‑estar social 
pertence ao foro privado dos indivíduos e seus grupos sociais. Deslocam‑se as 
respostas às manifestações da questão social da esfera do Estado para a do 
mercado e a sociedade civil. A ideologia liberal estimula um vasto empreendi‑
mento	de	refilantropização	do	social,	não	admitindo	os	direitos	sociais	como	
função estatal e operando, assim, uma profunda despolitização da questão social, 
ao	desqualificá-la	como	questão	pública.
Soares	(2003,	p.	12)	reafirma:
A	filantropia	substitui	o	direito	social.	Os	pobres	substituem	os	cidadãos.	A	ajuda	
individual substitui a solidariedade coletiva. O emergencial e o provisório subs‑
tituem o permanente. As microssituações substituem as políticas públicas. O local 
substitui o regional e o nacional. É o reinado minimalismo do social para enfren‑
tar a globalização da economia. Globalização só para o grande capital. Do traba‑
lho e da pobreza cada um cuida do seu como puder. De preferência, um Estado 
forte	para	sustentar	o	sistema	financeiro	e	falido	para	cuidar	do	social.
A redução dos gastos sociais e o desmantelamento do sistema público de 
seguridade social têm suas expressões na privatização, descentralização, foca‑
lização e programas assistenciais emergenciais. À precarização das relações de 
trabalho e ao desemprego estrutural, resultantes do processo de reestruturação 
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do capital, somam‑se mudanças regressivas na relação entre o Estado e a socie‑
dade quando a referência é a proteção social como direito do cidadão. As con‑
dições de trabalho e relações sociais em que se inscrevem o Serviço Social são 
indissociáveis da contrarreforma do Estado (Behring, 2003).
As expressões da precarização do trabalho e das relações de emprego na 
contemporaneidade	configuram-se	como	um	traço	da	universalidade	do	modo	
de produção capitalista em tempo de crise estrutural da composição técnica e 
orgânica do capital e de seu padrão de acumulação.
As expressões da questão social, fundadas na contradição inerente à pro‑
dução coletiva e apropriação privada da riqueza social na sociabilidade burgue‑
sa,	são	radicalizadas	em	tempos	de	hegemonia	do	capital	financeiro,	acentuan‑
do	a	concentração	e	a	centralização	do	capital.	O	padrão	de	acumulação	flexível,	
ao acelerar a predominância do trabalho morto na composição técnica do capi‑
tal, provoca alterações qualitativas na organização e relações da produção, bem 
como	nas	estruturas	e	significados	das	profissões.
A incorporação de conquistas tecnológicas na globalidade do processo de 
produção,	intensificado	como	nunca	com	a	reestruturação	do	capital,	acelera	a	
produtividade do trabalho e a rotação do capital, permitindo maior concentração 
e	centralização	de	capitais,	que,	impulsionadas	ainda	pelo	capital	financeiro,	
ampliam a escala da produção. O avanço da produtividade do trabalho forja um 
decréscimo do capital variável inverso ao crescimento absoluto da população 
trabalhadora.
O processo da dinâmica do modo de reprodução capitalista, sob a predo‑
minância	do	capital	financeiro,	produz	uma	massa	de	trabalhadores	supérfluos	
às necessidades do aparato reprodutivo do capital, provocando um verdadeiro 
desastre social (Soares, 2003). Decifrar as novas mediações pelas quais se ex‑
pressa à questão social	em	tempos	de	padrão	flexível	de	acumulação	significa	
apreender as várias expressões que as desigualdades sociais assumem na 
atualidade, os processos de sua produção e reprodução, bem como projetar e 
forjar as estratégias para seu enfrentamento.
Segundo Iamamoto (2007, p. 164), quando as múltiplas e diferenciadas 
expressões da questão social são desvinculadas de sua fundamentação comum, 
desconsiderando os processos sociais em sua dimensão de totalidade, pulverizam 
255Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 239-264, abr./jun. 2014
e fragmentam as diversas expressões da questão social, resultando na autono‑
mização de suas múltiplas expressões, transformando‑as em problemas sociais, 
despolitizando e individualizando o seu enfrentamento, tendo como foco de 
responsabilidade os indivíduos e suas famílias. A pulverização da questão social 
camufla	a	sua	origem	imanente	ao	sistema	capitalista	maduro.
A questão social expressa desigualdades econômicas, políticas e culturais 
das classes sociais, mediadas por disparidades nas relações de gênero, caracte‑
rísticas étnico‑raciais e formações regionais, colocando amplos segmentos da 
sociedade em situação de marginalidade em relação aos bens materiais e espi‑
rituais civilizatórios. As lutas dos proletários conquistaram seu reconhecimen‑
to como sujeitos políticos, rompendo o domínio das relações entre capital e 
trabalho no âmbito privado e extrapolando a questão social para a esfera públi‑
ca, exigindo a interferência do Estado no reconhecimento e na legalização de 
direitos sociais da classe trabalhadora (Iamamoto, 2007, p. 160).
A questão social é expressão de um conjunto multifacetado das expressões 
das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista em sua fase 
monopolista, impensáveis sem a intermediação do Estado. Objeto de um vio‑
lento processo de criminalização, que atinge as classes subalternas (Ianni, 
1992), acompanhado da tentativa de naturalização da questão social, suas 
manifestações são transformadas em objeto de programas assistenciais foca‑
lizados de combate a pobreza ou em expressões de violência dos pobres, cuja 
resposta é a repressão.
Inscrita na própria natureza das relações sociais capitalistas, a questão 
social, nas condições sócio‑históricas contemporâneas, apresenta‑se com novas 
roupagens, aprofundando e recolocando suas contradições em outros patamares. 
O desmonte do sistema público de proteção social transfere responsabilidades 
da esfera estatal para a esfera de interesses privados, muitas vezes revestidos 
de ajuda, caridade e voluntarismo, na forma de execução das políticas sociais. 
Vive‑se uma tensão entre a defesa dos direitos sociais universais e a mercanti‑
lização	e	refilantropizaçãodo	atendimento	às	necessidades	sociais,	com	claras	
implicações nas condições e relações de trabalho dos assistentes sociais (Iama‑
moto, 2007).
Os múltiplos processos que envolvem a reestruturação do capital em sua 
inserção à lógica do mercado mundial, bem como seus impactos no mundo do 
256 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 239-264, abr./jun. 2014
trabalho	e	nas	relações	sociais,	determinam	modificações	na	estrutura	das	pro‑
fissões	e	no	seu	significado	social.
Conforme Netto (1996, p. 89),
as	alterações	profissionais,	assim,	derivam	da	intricada	interação	que	se	processa	
entre as transformações societárias, com seu rebatimento na divisão sociotécnica 
do trabalho, e o complexo (teórico, prático, político e, em sentido largo, cultural) 
que	é	constitutivo	de	cada	profissão.
A apreensão do Serviço Social na totalidade da dinâmica da vida social 
como	condição	para	identificar	o	significado	social	da	profissão	no	processo	de	
produção e reprodução das relações sociais reporta, em sua mediaticidade, 
tanto ao objeto de intervenção quanto às suas condições e relações de trabalho.
As condições de trabalho dos assistentes sociais são profundamente 
atingidas pelas determinações da precarização do trabalho e sua autonomia 
socioprofissional,	limitada	quanto	ao	seu	direcionamento	ético-político,	seja	
pelo crescente domínio de uma tecnologia propiciada pelas condições de 
desenvolvimento da sociabilidade burguesa e pela generalizada burocratização 
da vida social (Netto, 1996), seja pela redução e cortes orçamentários no 
atendimento às demandas apresentadas na relação com os sujeitos do exercí‑
cio	profissional.
As manifestações de precarização do trabalho, convertidas em objeto de 
intervenção	profissional	 e	 em	condições	 de	 trabalho	dos	 assistentes	 sociais,	
como trabalhadores assalariados, são expressões da condição de precariedade 
do trabalho, no tempo histórico de crise estrutural do capital.
4. A instrumentalidade do Serviço Social
O Serviço Social caracteriza‑se por ser uma área interventiva, inscrita na 
divisão social do trabalho da sociabilidade burguesa. Segundo Pontes (2002), 
seu caráter interventivo exige que, além de conhecer a realidade na sua com‑
plexidade, crie mecanismos para transformá‑la na direção de determinado 
257Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 239-264, abr./jun. 2014
projeto	 socioprofissional.	 Esse	 desafio	 requer	 uma	 instrumentalidade	 que	
contenha um suporte teórico‑metodológico à altura da complexidade da dinâ‑
mica social. Nesse aspecto, a categoria de mediação8 constitui‑se em uma re‑
quisição indispensável ao desvelamento dos fenômenos sociais e à intervenção 
profissional.
A	competência	profissional	está	diretamente	vinculada	à	reconstrução	de	
seu objeto de intervenção e ao entendimento do espaço de intervenção do as‑
sistente social como um campo de mediações que se estrutura sobre determi‑
nantes históricos constitutivos dos complexos sociais.
O	objeto	de	intervenção	profissional,	em	sua	imediaticidade,	apresentado	
unilateralmente como demanda institucional, conduz a uma mera adequação 
do	exercício	profissional	às	requisições	do	mercado	de	trabalho.	O	assistente	
social,	em	seu	exercício	socioprofissional,	transforma	as	necessidades	sociais	
em	demandas	profissionais,	 realizando	esse	movimento	de	 reconstrução	do	
objeto	de	intervenção	profissional	na	conjugação	de	categorias	ontológicas	e	
intelectivas com observações e dados empíricos. Com base no conhecimento 
da	realidade	de	sua	intervenção	profissional,	desvelam-se	as	mediações	ocultas	
na aparição cotidiana, projetando os dados empíricos no plano das determina‑
ções universais.
Desta forma, o assistente social, com seu conhecimento especializado, 
compreende os fenômenos sociais como complexos sociais, e não mais como 
fatos sociais em si mesmos. O movimento que resulta dessa processualidade 
sócio‑histórica cria determinada legalidade social. O assistente social, ao iden‑
tificar	as	mediações	presentes	entre	a	singularidade	dos	sujeitos	de	sua	ação	
profissional	e	a	universalidade	de	suas	determinações	sociais,	apreende	essa	
legalidade social. A mediação inscreve‑se como complexo categorial responsá‑
vel pelas relações moventes que se operam no interior de cada complexo rela‑
tivamente total e das articulações dinâmicas e contraditórias entre as estruturas 
sócio‑históricas (Pontes, 2002, p. 81).
8. A mediação é compreendida como uma categoria objetiva, ontológica, que está presente em qualquer 
realidade, independentemente do conhecimento do sujeito. Tem uma dimensão que pertence ao real (ontoló‑
gica)	e	outra	que	é	elaborada	pela	razão	(reflexiva).	O	campo	privilegiado	da	mediação	é	a	particularidade,	
na qual os fatos singulares se vitalizam com a legalidade da universalidade e, dialeticamente, as leis univer‑
sais saturam‑se de realidade (Pontes, 2002, p. 76‑88).
258 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 239-264, abr./jun. 2014
Os	vários	aspectos	da	realidade	apresentam-se	ao	profissional	no	plano	da	
singularidade,	como	fatos	isolados,	e	considerando	que	o	profissional	se	encon‑
tra em um contexto institucionalizado, sua aproximação aos fatos se dá media‑
tizada por determinada demanda institucional. Essas demandas aparecem ao 
Serviço	Social	 como	um	fim	em	 si	mesmo,	 despida	 de	mediações	 que	 lhe	
conferem um sentido mais totalizante; revestidas de objetivos técnico‑operati‑
vos e de metas, organizadas em programas e projetos voltadas para uma área 
de	atuação	específica.	Aparecem	em	sua	dimensão	 imediata,	 reduzindo-se	à	
manifestação fenomênica e fragmentadora do real.
Desse	modo,	os	objetivos	e	finalidades	norteadores	da	ação	profissional	
reportam‑se ao projeto ético‑político e teórico‑metodológico construído histo‑
ricamente	pela	profissão,	tensionado	pelos	determinantes	institucionais.
A	elaboração	reflexiva	das	demandas	que	se	apresentam	à	ação	profissio‑
nal do assistente social em suas mediações ontológicas constitui condição para 
a ultrapassagem dos fatos em sua imediaticidade. O objeto de intervenção 
profissional	como	demanda	exclusivamente	institucional	restringe-se	ao	ângu‑
lo da singularidade. A aproximação com as dimensões universais da realidade 
e com a sua legalidade social é necessária para apreender como se constitui o 
campo	das	mediações	da	intervenção	profissional.
A particularidade é espaço privilegiado de sínteses de determinações em 
que o sujeito, ao superar a aparência, processa o nível do concreto pensado e 
penetra em um amplo campo de mediações. Segundo Pontes (2002, p. 46), “a 
particularidade	é	o	espaço	reflexivo	ontológico	onde	a	legalidade	universal	se	
singulariza e a imediaticidade do singular se universaliza”.
A particularização de um campo de mediações possui um enorme potencial 
heurístico	para	a	prática	profissional	do	assistente	social.	Todo	um	conjunto	de	
determinações e mediações, dissolvidas e ocultas na imediaticidade, ganha 
objetividade	e	significado,	possibilitando	que	se	reconfigure	as	demandas	apre‑
sentadas	pela	instituição	à	intervenção	profissional.
Sem que haja a apreensão intelectiva e ontológica desses sistemas com‑
plexos,	a	configuração	das	demandas	sociais	para	a	 intervenção	profissional	
torna‑se efetivamente empobrecida, o que afeta a reconstrução do objeto de 
intervenção	profissional	e,	consequentemente,	o	 resultado	que	a	 intervenção	
profissional	pode	alcançar.
259Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 239-264, abr./jun. 2014
Esse movimento que o sujeito opera, articulando conhecimento intelecti‑
vo e observações empíricas, articulando as categorias histórico‑sociais mais 
amplas e saturadas de determinações históricas, permite a reconstrução do 
objeto	 de	 intervenção	 profissional.	O	 objeto	 da	 intervenção	 reconfigurado	
manifesta‑se como um complexo relativamente total, rico em determinações 
histórico‑sociais particularizadas.A compreensão e a apreensão das legítimas 
demandas sociais expressam‑se na particularização dos vários sistemas de me‑
diações presentes.
Esse conjunto de complexos que a razão apreende do real, mediante apro‑
ximações sucessivas, possibilita uma visão mais ampla e profunda da realidade 
social,	na	qual	se	inscreve	a	ação	profissional.	Esse	movimento	permite	poten‑
cializar	a	intervenção	profissional,	que,	ainda	que	não	se	esgote	na	reconstrução	
do	objeto,	 encontra	 sua	 definição	 teleológica	 fundamental	 nessa	 construção	
lógica‑ontológica e vincula‑se a uma instrumentalidade9	profissional	que	ex‑
presse uma competência teórico‑metodológica e técnico‑operativa determinada 
por uma direção social ético‑política.
A apreensão dos elementos estruturais da realidade social, articulados com 
os elementos conjunturais, conjugados pelas mediações entre as dimensões 
universais e singulares, permite ao assistente social traduzir os dilemas contem‑
porâneos	em	particularidades	profissionais.
Um contexto sócio‑histórico de refração de direitos sociais requer dos 
assistentes sociais uma competência sociopolítica capaz de acumular forças na 
construção de novas estratégias de enfrentamento das expressões da contradição 
entre o desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produ‑
ção. Requer construção de estratégias que acumulem forças na luta pelo acesso 
universal aos direitos civis, políticos e sociais bem como o aprofundamento da 
democracia como socialização da participação política e da riqueza socialmen‑
te produzida, em uma perspectiva de autonomia, emancipação e plena expansão 
dos indivíduos sociais (CFESS, 1996).
9.	Instrumentalidade	é	compreendida	como	determinada	capacidade	ou	propriedade	que	a	profissão	
adquire	no	confronto	entre	as	condições	objetivas	e	subjetivas	do	exercício	profissional,	no	intervir	das	rela‑
ções sociais, construídas e reconstruídas no processo histórico. Como uma propriedade sócio‑histórica da 
profissão,	a	instrumentalidade	constitui-se	em	possibilidade	concreta	de	reconhecimento	do	significado	social	
da	profissão	(Guerra,	1995,	p.	201-205).
260 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 239-264, abr./jun. 2014
Considerações finais
O movimento do capital mundializado em resposta à crise do padrão de 
acumulação recoloca em outros patamares as contradições e antagonismos da 
ordem	burguesa,	como	afirmam	Chesnais	(1996)	e	Harvey	(1998).
A reprodução ampliada da acumulação capitalista pela introdução de novas 
tecnologias	 aumenta	 as	 forças	 produtivas	 do	 trabalho	 social,	modificando	 a	
composição orgânica do capital. O capital variável torna‑se cada vez menor em 
relação	ao	capital	constante,	refletindo-se	na	composição	do	valor	do	capital	e	
aprofundando a tendência de queda da taxa média de lucro (Marx, 1968).
As transformações no mundo do trabalho, geradoras de uma contextuali‑
dade	em	que	se	desenvolvem	autênticas	transformações	societárias,	como	afirmam	
Hobsbawm (1995), Oliveira (1996), Antunes (1998) e Harvey (1998), decorrem 
das respostas do capitalismo monopolista ao quadro crítico de acumulação de 
capital, marcado por um desenvolvimento lento e por uma superprodução endê‑
mica em uma longa onda com tonalidade recessiva, conforme Mandel (1985) e 
Chesnais (1996).
A	constituição	de	um	novo	padrão	de	acumulação	flexível	(Harvey,	1998)	
tem	sido	caracterizada	pela	intensificação	da	precarização	do	trabalho	e	pela	
proliferação do desemprego estrutural. Essas condições históricas incidem nas 
relações	entre	o	Estado	e	a	sociedade,	redefinem	o	papel	dos	Estados	e	alteram	
os padrões de regulação social.
O	conjunto	de	modificações	na	esfera	produtiva	incide	sobre	as	formas	de	
gestão das forças de trabalho e, consequentemente, sobre as políticas sociais. 
As manifestações da precarização no objeto e nas condições de trabalho dos 
assistentes sociais são expressões da precariedade do trabalho característico do 
padrão de acumulação em tempos de crise estrutural do capital.
A	agudização	das	expressões	da	questão	social	aponta	uma	nova	configu‑
ração da reposição da factualidade alienada (Netto, 1981) com que o sistema 
produtor	de	mercadorias	mistifica	as	relações	sociais	em	todas	as	instâncias	e	
níveis sociais. As expressões das contradições e antagonismos da dinâmica do 
capital, em seu novo padrão de acumulação, exige que sejam priorizadas as 
mediações que conectam as expressões da precarização do trabalho à condição 
de trabalhador assalariado dos assistentes sociais.
261Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 239-264, abr./jun. 2014
O	exercício	profissional	 dos	 assistentes	 sociais	 está	 sendo	diretamente	
atingido pela precarização das condições e relações de trabalho. Os assistentes 
sociais	estão	exercendo	suas	atribuições	e	competências	profissionais	submeti‑
dos a contratos temporários, terceirizados, subcontratados, de modo que sua 
autonomia	e	estratégias	profissionais	têm	sido	comprometidas	pelas	condições	
objetivas de sua inserção no mercado de trabalho. Trata‑se da materialidade das 
atuais condições históricas de inserção dos assistentes sociais na condição de 
trabalhador assalariado, bem como dessa determinação histórica na agudização 
das expressões da questão social.
As demandas apresentadas ao Serviço Social, em tempo de hegemonia do 
capital	 financeiro	 e	 do	 padrão	flexível,	 são	manifestações	 fenomênicas	 das	
contradições e antagonismos da sociedade burguesa, repostas em outro patamar. 
As novas expressões da questão social interferem não só na condição de traba‑
lhador do assistente social, como redesenha seu próprio objeto de intervenção 
profissional.	No	enfrentamento	da	recomposição	do	valor,	o	novo	padrão	de	
acumulação cria novos padrões de regulação.
Trata‑se de um contexto de regressão de direitos e de desmonte do sistema 
público	de	proteção	social,	desafiando	os	assistentes	sociais	em	seus	princípios	
e diretrizes construídos na dinâmica da trajetória de ruptura com o conservado‑
rismo	na	profissão,	bem	como	de	consolidação	de	um	projeto	ético-político	
profissional	comprometido	com	a	universalidade	de	direitos	e	com	a	emanci‑
pação do sujeito social.
As	condições	sócio-históricas	atuais	exigem	uma	competência	profissional	
sociopolítica, alicerçada em um referencial teórico que permita a apreensão das 
mediações presentes entre a singularidade dos sujeitos e a universalidade de 
suas determinações, e a construção de uma instrumentalidade que potencialize 
o	 exercício	profissional	 em	direção	 aos	 princípios	 e	 diretrizes	 expressos	no	
processo	histórico	de	construção	do	projeto	ético-político	profissional	e	na	or‑
ganização da categoria e de suas entidades representativas.
A	análise	das	contradições	constituintes	do	efetivo	exercício	profissional	
agrega um complexo de determinações e mediações que possibilite a apreensão 
de	seu	significado	social	no	conjunto	das	relações	sociais	de	produção	e	repro‑
dução	 do	 capital.	 Essa	 investigação	 exige	 articular	 o	 projeto	 profissional	
construído pela categoria com as condições de sua realização mediada pelo 
trabalho assalariado.
262 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 239-264, abr./jun. 2014
O	desafio	é	a	apreensão	dos	determinantes	inerentes	ao	trabalho	alienado,	
implícito	no	trabalho	assalariado,	e	suas	implicações	no	exercício	profissional	
em sua relação com as múltiplas expressões da questão social, bem como dos 
diversos segmentos da classe trabalhadora, sujeitos e usuários das ações e ser‑
viços	no	exercício	profissional.
A	dinâmica	do	exercício	profissional,	reveladora	das	contradições	e	desa‑
fios	que	expresse	o	significado	da	prática	socioprofissional	do	Serviço	Social,	
inserida na materialidade da divisão social e técnica do trabalho sob a forma de 
assalariamento, é objeto de pesquisa ainda a ser desenvolvida.
Recebido em 9/12/2013 ■ Aprovado em 17/3/2014
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265Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
A questão dos intelectuais em Gramsci*
The intellectuals’issue in Gramsci
Maria Lúcia Duriguetto**
Resumo: O artigo trata do desenvolvimento da análise do marxis‑
ta italiano Antonio Gramsci contida nos Cadernos do cárcere acerca 
do conceito e da função dos intelectuais. Nosso objetivo é apresentar 
os principais elementos que conformam a função dos intelectuais no 
exercício e manutenção dos projetos hegemônicos de classe no capi‑
talismo, bem como os processos que tornam possíveis uma atividade 
intelectual voltada para a construção de um novo projeto de hegemo‑
nia das classes subalternas. Aqui, vêm à tona os conceitos de senso 
comum, bom‑senso, reforma intelectual e moral e, especialmente, a 
relação entre intelectuais e partido.
Palavras‑chave: Intelectual. Pensamento Gramsciano. Hegemonia.
Abstract: The article is about the development of the analysis of the concept and role of the 
intellectuals by the Italian Marxist Antonio Gramsci in Prison notebooks. Our aim is to present the 
main elements that arrange the intellectuals’ role in the exercise and maintenance of the social classes’ 
hegemony processes in the capitalism, as well as the processes that make it possible the intellectual 
activity towards the building up of a new hegemony project of the lower classes. At this point the 
concepts of common sense, judgement, intellectual and moral reform and, mainly, the relationship 
between intellectuals and parties arise.
Keywords: Intellectuals. Gramsci’s thoughts. Hegemony.
* Este texto apresenta um dos resultados da pesquisa de pós‑doutorado realizado no Departamento de 
Filosofia	da	Universidade	da	Calábria,	Itália,	sob	orientação	do	prof.	Guido	Liguori.	O	estágio	pós-doutoral	
foi realizado no período de setembro de 2012 a fevereiro de 2013, com bolsa de estágio sênior da Capes. 
Dedico o conteúdo deste texto ao prof. Carlos Nelson Coutinho.
** Professora da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora, mestrado e 
doutorado em Serviço Social pela UFRJ, Rio de Janeiro/RJ, Brasil. E‑mail: maluduriguetto@gmail.com.
266 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
Introdução
O desenvolvimento	das	reflexões	do	marxista	italiano	Antônio		Gramsci	acerca da questão dos intelectuais foi aqui realizado nos escritos contidos nos Cadernos do cárcere.	Realizamos	uma	filologia	nos	escritos carcerários publicados na edição crítica,1 o que nos possi‑
bilitou acompanhar “o ritmo do pensamento em desenvolvimento” — como 
assim se referia Gramsci2	—	para	a	apreensão	do	significado	e	da	função	dos	
intelectuais. Trata‑se, em suma, de mergulharmos nas páginas produzidas no 
cárcere sobre a questão dos intelectuais,3 cuja centralidade está nas páginas de‑
senvolvidas	no	Caderno	4	(“Apontamentos	de	filosofia	I”	—	caderno miscelâneo) 
e no Caderno 12 (“Apontamentos e notas esparsas para um grupo de ensaios 
sobre a história dos intelectuais e da cultura na Itália” — caderno especial).4 
Nessa direção, nosso objetivo é delinear a origem do desenvolvimento da ques‑
tão do intelectual: sua evolução, sua função, suas implicações e rebatimentos no 
sistema conceitual mais geral desenvolvido por Gramsci.
1. Segundo Coutinho,a edição crítica (1975), internacionalmente conhecida como edição Gerratana, 
“tornou‑se, desde a sua publicação, absolutamente imprescindível para todos os que queiram estudar com 
maior	profundidade	o	pensamento	de	Gramsci;	ela	nos	permite	ver,	por	assim	dizer,	o	‘laboratório’	no	qual	
o pensador italiano desenvolveu suas pesquisas” (Coutinho, 2001, p. 29). Na edição crítica, os cadernos são 
numerados cronologicamente de 1 a 29, seguindo a ordem dos manuscritos integrais escritos por Gramsci, o 
que nos traz o ritmo de desenvolvimento da sua investigação através da primeira redação das notas registra‑
das em cadernos miscelâneos — que são aqueles que contêm notas esparsas sobre diversos temas (volumes 
1 a 9, 14, 15 e 17) —; depois retomadas, e em alguns casos, desenvolvidas na segunda redação dos cadernos 
especiais (volumes 10 a 13, 16, 18 e 19, 20‑29). Essa edição também dividiu os parágrafos em textos A, 
presentes nos cadernos miscelâneos	e	reescritos,	com	ou	sem	modificações,	nos	cadernos especiais como 
texto C; e textos B, de redação única, presentes em grande parte nos cadernos miscelâneos. Para uma des‑
crição da disposição temática e dos critérios para a elaboração das publicações dos cadernos — especialmen‑
te na Itália e no Brasil — ver Gerratana (1969, 1975); Coutinho (2001, p. 7‑45); Liguori (1999, p. 217 ss). 
Para o debate acerca da crítica à edição Gerratana e a necessidade ou não da publicação de uma nova edição 
dos cadernos. Ver Liguori (2012, p. 336‑343).
2. Caderno 16, § 2, p. 1841.
3. Eventuais referimentos também serão explicitados aos escritos pré‑carcerários e às cartas escritas por 
Gramsci à cunhada.
4. O Caderno 12 está reproduzido integralmente na edição brasileira Cadernos do cárcere (2000, v. 2, 
p. 15‑53). Esse caderno reúne textos de segunda redação presentes no Caderno 4. Na edição brasileira, foram 
publicados os “cadernos especiais”, tal como se encontram na edição crítica. Na edição brasileira, não está 
incluída os textos A da edição Gerratana, que foram transcritos ou reescritos por Gramsci nos cadernos 
especiais.
267Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
A questão dos intelectuais ocupa uma posição estratégica nos escritos do 
comunista sardo. Ela é tratada, no desenvolvimento de suas análises, em relação 
aos processos de formação da hegemonia e ao conceito de Estado. Em Gramsci, 
os intelectuais e sua função no âmbito da vida social não são conceituados como 
sujeitos e ações distantes das determinações do mundo real, como um grupo 
“autônomo e independente”. Em contraposição às teorias que, na sua época, 
separavam a política da ciência (Weber, 1993) ou que concebiam os intelectuais 
como uma camada social independente (Mannheim, 1986), Gramsci desenvolve 
uma interpretação original da função dos intelectuais nos processos de formação 
de uma consciência crítica por parte dos subalternos e na organização de suas 
lutas e ações políticas.
Sintonizado	com	o	enunciado	na	11	—	tese	sobre	Feuerbach,	“os	filósofos	
não	fizeram,	senão,	interpretar	o	mundo	de	diversos	modos,	o	que	importa	é	
mudá‑lo” —, Gramsci explicita e aprofunda essa inseparável relação dialética 
entre intelectual e mundo circunstante, dotando os intelectuais orgânicos aos 
interesses das classes subalternas de uma função central nos processos e lutas 
de formação de uma contra‑hegemonia contrária aos interesses do capital e dos 
seus intelectuais tradicionais e orgânicos. O que interessa ao sardo marxista na 
reflexão	acerca	da	questão	dos	intelectuais	é	a	ampliação	da	formação	e	da	ação	
dos intelectuais orgânicos das classes subalternas na construção de uma socie‑
dade regulada pelos interesses e necessidades do trabalho, que Marx belissima‑
mente nomeou de emancipação humana.
1. Os intelectuais e a função de mediação entre as classes sociais 
e o Estado
Aquilo	que	Gramsci	denomina	como	[a	“questão	política	dos	intelectuais”]	
(C 11, § 12, p. 1386/v. 1, p. 104) terá uma importância estratégica fundamental 
no	conjunto	das	suas	reflexões	sobre	a	constituição	de	projetos	hegemônicos	de	
classe.5 Seu interesse de estudo dos intelectuais se desenvolve em várias direções 
5. Remeterei o leitor às páginas dos cadernos da edição crítica e suas correspondentes páginas na edição 
brasileira,	que	serão	identificadas	pelo	volume	e	página.
268 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
e articulações. Explicitaremos essas direções e articulações na ordem em que 
aparecem nos escritos gramscianos presentes na edição crítica.
No Caderno 1,6	Gramsci	inicia	o	desenvolvimento	de	uma	reflexão	sobre	
a necessidade da formação de uma consciência crítica e de uma nova concepção 
de	mundo	dos	grupos	subalternos.	É	nesse	campo	reflexivo	que	já	inicia	o	tra‑
tamento da questão dos intelectuais.7
Gramsci nos anuncia que cada região ou país (e no caso, a Itália) os grupos 
sociais são organizados a partir das tradições locais e das ideologias às quais se 
encontram envolvidos. Nesse sentido, para Gramsci, a difusão de um modo de 
pensar e de operar homogêneos — de uma consciência coletiva — na realidade 
das formações sócio‑históricas, necessitaria de condições e iniciativas múltiplas, 
sendo um equívoco pensar que cada estrato social elaboraria de igual forma, 
com os mesmos métodos, sua consciência e sua cultura. Gramsci evidencia que 
um pensar e operar homogêneo são uma especialidade própria dos intelectuais 
profissionais. Não é, assim, um dado do “senso comum”.8 Explicita que é uma 
ilusão pensar que uma ideia ou conceito amplamente difundidos sejam incor‑
porados nas diversas consciências com os mesmos efeitos organizativos. O 
trabalho educativo‑formativo, que envolve a elaboração de uma consciência 
6.	As	reflexões	contidas	no	Caderno	1	(caderno miscelâneo, redigido entre 1929 e 1930) foram retoma‑
das por Gramsci no Caderno 19 (caderno especial, redigido entre 1934 e 1935). Trabalharemos com a reda‑
ção presente no caderno especial, publicado na edição brasileira. Mas é importante registrar que existem 
diferenças	de	redação	dos	temas	tratados	nesses	cadernos.	Identificaremos	as	referências	das	reflexões	aqui	
tratadas nos dois cadernos, mas alertamos o leitor da necessidade de cotejar as redações de um e de outro 
para	uma	fiel	apreensão	do	trato	gramsciano	das	questões	tratadas	nesses	cadernos.	Exemplo	é	o	tratamento	
de	um	dos	conceitos-chave	das	reflexões	gramscianas,	como	o	de	hegemonia, tratado no Caderno 1 e expos‑
to, com um conteúdo e redações diferentes, no Caderno 19. 
7.	A	questão	dos	intelectuais	está	presente	no	conjunto	da	reflexão	de	Gramsci	pré-cárcere	e	em	todos	
os diferentes planos feitos por ele para os escritos carcerários. Nesses, o tema dos intelectuais comparece na 
carta à cunhada Tania de 19 de março de 1927. Nela, Gramsci havia feito referência a propósito de “uma 
pesquisa sobre os intelectuais italianos, as suas origens, seus agrupamentos segundo as correntes da cultura, 
os seus diversos modos de pensar etc.” (Lettere dal carcere, 1996, p. 55‑56). Também na carta de fevereiro 
de 1929, expressa a decisão de ocupar‑se de três argumentos, sendo o primeiro a história italiana no século 
XIX, com especial atenção acerca da formação e do desenvolvimento dos grupos intelectuais (Idem, p. 248). 
No Caderno 1, iniciado em 8 de fevereiro de 1929, a discussão dos intelectuais é evidenciada na terceira nota 
intitulada “Formação dos grupos intelectuais italianos: desempenho, atitudes” (C 1, p. 5). 
8. O conceito de “senso comum” será desenvolvido por Gramsci especialmente no Caderno 11. Trata‑
remos de seu conteúdo na relação com a questão dos intelectuais no próximo item.
269Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
crítica a partir das premissas concretas de determinada realidade, não pode li‑
mitar‑se a simples enunciações teóricas de princípios. O trabalho não deveser 
de “modo abstrato, e sim concreto, com base no real e na experiência efetiva” 
(C 1, § 43, p. 33/C 24, p. 2268/v. 2, p. 206).
Gramsci trata, nesse caderno, das diversas estruturas e origens das cama‑
das	dos	intelectuais.	Recupera	as	reflexões	já	feitas	no	célebre	ensaio	sobre	a	A 
questão meridional escrito antes da prisão, em 1926, em que analisa a relação 
cidade/campo e as alianças de classe na sociedade italiana das primeiras déca‑
das do século. Nesse ensaio, Gramsci concebe os intelectuais, particularmente 
da pequena e média burguesia rural, como sujeitos do Estado que exercitavam 
a função de intermediação entre os cidadãos e a administração em geral e evi‑
dencia a mudança na posição e na função dos intelectuais com o desenvolvi‑
mento do capitalismo.
Em	todos	os	países,	o	estrato	dos	intelectuais	foi	radicalmente	modificado	pelo	
desenvolvimento do capitalismo. O velho tipo de intelectual era o elemento or‑
ganizador de uma sociedade de base predominantemente camponesa e artesã; para 
organizar	o	Estado	e	o	comércio,	a	classe	dominante	treinava	um	tipo	específico	
de intelectual. A indústria introduziu um novo tipo de intelectual: o organizador 
técnico, o especialista da ciência aplicada. Nas sociedades em que as forças eco‑
nômicas se desenvolveram em sentido capitalista, até absorver a maior parte da 
atividade	nacional,	predominou	este	segundo	tipo	de	intelectual	[...].	Ao	contrário,	
nos países em que a agricultura exerce ainda um papel muito importante ou mes‑
mo predominante, continua a prevalecer o velho tipo, que fornece a maior parte 
dos funcionários estatais; mesmo na esfera local, na vila e na cidadezinha rural, 
este tipo exerce a função de intermediário entre o camponês e a administração em 
geral. (Gramsci, 2004, p. 424)
O	marxista	italiano	retoma	no	Caderno	1	essa	reflexão,	evidenciando	que	
no Mezzogiorno — região do Sul da Itália — ainda predomina o tipo do “ba‑
charel”, que põe em contato a massa dos camponeses com a dos proprietários 
e	com	o	aparelho	estatal;	já	no	Norte	dominaria	o	tipo	do	‘técnico’	de	fábrica,	
que serve de ligação entre a massa operária e os empresários: “a ligação entre 
a massa operária e o Estado era realizada pelas organizações sindicais e partidos 
270 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
políticos, isto é, por uma camada intelectual completamente nova” (C 1, § 43, 
p. 35/v. 5, p. 35).
Gramsci já explicita, aqui, a função decisiva dos intelectuais — seja dos 
técnicos, diretamente inseridos na produção, seja os que exercem atividades 
tradicionais ou funções administrativas estatais — na relação com as classes 
fundamentais e com o Estado. É com essa percepção do caráter mediador dos 
intelectuais entre as classes sociais e o Estado que explicita sua compreensão 
dos intelectuais e de suas funções na vida social.
Por	intelectuais,	deve-se	entender	[...]	todo	o	estrato	social	que	exerce	funções	
organizativas em sentido lato, seja no campo da produção, seja no da cultura e no 
político-administrativo	[...].	Para	analisar	a	função	político-social	dos	intelectuais,	
é preciso investigar e examinar sua atitude psicológica em relação às classes 
fundamentais que eles põem em contato nos diversos campos: têm uma atitude 
“paternalista” para com as classes instrumentais ou se consideram uma expressão 
orgânica destas classes? Têm uma atitude “servil” para com as classes dirigentes 
ou se consideram, eles próprios, dirigentes, parte integrante das classes dirigentes? 
(Idem, p. 37; C 19, § 26, p. 2041/v. 5, p. 93)
Essa	 definição	dos	 intelectuais	 e	 de	 suas	 funções	 é	 desenvolvida	 pela	
análise histórica concreta das correntes políticas partidárias presentes no desen‑
volvimento do Risorgimento italiano — o Partido da Ação e o Partido dos 
Moderados — e de suas relações com as classes e frações de classes.
Os Moderados eram intelectuais que tinham relações orgânicas com as 
frações das classes economicamente dominantes. Essa relação era fundada pelo 
próprio pertencimento de classe, pois eram grandes agricultores ou administra‑
dores das propriedades rurais, empresários, comerciais e industriais e, ao mes‑
mo tempo, organizavam e davam direção política aos seus interesses de classe. 
Em contraposição a essa organicidade dos Moderados,9 os intelectuais do 
Partido da Ação não se apoiavam em nenhuma classe e tinham uma atitude 
9. Devido a esta “concentração orgânica”, os intelectuais do partido dos Moderados “exerciam uma 
poderosa	atração,	de	modo	‘espontâneo’,	sobre	toda	a	massa	de	intelectuais	de	todo	nível	que	existiam	[...]	
em	estado	‘difuso’,	‘molecular’,	em	função	das	necessidades,	ainda	que	satisfeitas	de	modo	elementar,	da	
instrução e da administração” (C 1, § 44, p. 41‑2/C 19, § 24, p. 2012/v. 5, p. 64).
271Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
“paternalista” para com as massas, não as pondo em contato com o Estado, e 
seus dirigentes eram facilmente guiados pelos Moderados e pelos seus interes‑
ses (C1, § 44, p. 41‑2/C 19, § 24, p. 2012/v. 5, p. 64).
A direção política que os Moderados realizaram sobre o Partido de Ação 
se deu pelo que Gramsci denominou de “transformismo”, ou seja: “pela elabo‑
ração	de	uma	classe	dirigente	cada	vez	mais	ampla,	nos	quadros	fixados	pelos	
moderados	[...]	com	a	absorção	gradual,	mas	contínua,	e	obtida	com	métodos	de	
variada	eficácia,	dos	elementos	ativos	surgidos	dos	grupos	aliados	e	mesmo	dos	
adversários e que pareciam irreconciliavelmente inimigos”. Assim, o transfor‑
mismo “foi a expressão parlamentar desta ação hegemônica intelectual, moral e 
política”. Em outras palavras, o transformismo foi a expressão política dessa 
ação de direção. É com essa análise da política dos Moderados que Gramsci 
elucida que “pode e deve haver uma atividade hegemônica mesmo antes da ida 
ao poder e que não se deve contar apenas com a força material que o poder 
confere	para	exercer	uma	direção	eficaz”.	Para	Gramsci,	são	esses	os	processos	
que caracterizaram o Risorgimento como uma revolução passiva10 (Idem, p. 41; 
Idem, p. 2010‑1/v. 5, p. 63).
Nesse contexto, a hegemonia intelectual, moral e política foi conquistada 
por	meio	“da	iniciativa	individual,	‘molecular’,	‘privada’	(ou	seja,	não	por	um	
programa de partido elaborado e constituído segundo um plano anterior à ação 
prática	e	organizativa)	[...]”.	É	no	esteio	dessa	reflexão	sobre	a	função	intelec‑
tual	diretiva	dos	Moderados	que	o	marxista	italiano	afirma	que	uma	classe	é	
dirigente das classes aliadas e dominante das adversárias:
[...]	a	supremacia	de	um	grupo	social	se	manifesta	de	dois	modos,	como	“domínio”	
e como “direção intelectual e moral”. Um grupo social domina os grupos adver‑
sários, que visa a “liquidar” ou a submeter inclusive com a força armada, e dirige 
os	grupos	afins	e	aliados.	Um	grupo	social	pode	e,	aliás,	deve	ser	dirigente	 já	
antes de conquistar o poder governamental (esta é uma das condições principais 
10. Em termos gramscianos, uma revolução passiva expressa a presença de dois momentos: reação das 
classes dominantes à possibilidade de uma transformação efetiva de “baixo para cima”, reação que acaba por 
“restaurar” o equilíbrio precedente, ao mesmo tempo em que “renova” suas práticas sociais, antecipando‑se 
a ou incorporando e controlando “por cima” certas demandas populares com o que aumenta seu poder de 
controle e cooptação (Coutinho, 1991, p. 119‑136).
272 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
para a própria conquista do poder); depois, quando exerce o poder e mesmo se o 
mantém fortemente nas mãos torna‑se dominante mas deve continuar a ser também 
“dirigente”.11 (C 19, p. 2010‑1/v. 5, p. 62‑63)
É	com	essa	constatação	que	Gramsci	afirma	que	“não	existe	uma	classe	
independente de intelectuais, mas todo grupo social tem uma própria camada de 
intelectuais ou tende a formaruma para si”. Entretanto, os intelectuais da classe 
historicamente progressista (a classe que faz avançar a sociedade pela contínua 
inovação e ocupação de atividades econômico‑produtivas) desenvolvem um 
poder de atração que a eles subordinam os intelectuais dos outros grupos sociais, 
criando “um sistema de solidariedade entre todos os intelectuais com laços de 
ordem psicológica (vaidade etc.) e, muitas vezes, de casta (técnico‑jurídicos, 
corporativos etc.)”. Mas quando o “grupo social dominante esgota sua função, 
o	bloco	ideológico	tende	a	fragmentar-se	e,	então,	a	‘coerção’	pode	substituir	a	
‘espontaneidade’	 sob	 formas	 cada	vez	menos	disfarçadas	 e	 indiretas,	 até	 as	
medidas propriamente policiais e os golpes de Estado” (C1, p. 41‑2/C19, 
p. 2012/v. 5, p. 64).
Nos Cadernos 3 e 5 encontram‑se notas sobre o caráter cosmopolita e não 
nacional dos intelectuais italianos. Nesses cadernos é tratado o longo período 
da história da península e da pré‑história da nação italiana para apreender o 
processo	de	sua	 formação	moderna.	É	com	esse	fio	de	análise	que	Gramsci	
percorre a história italiana da última fase do Império Romano ao Risorgimento. 
[O	que	interessa	a	Gramsci	é	o	estudo	dos	intelectuais	italianos	e	do	processo	
de	construção	e	desenvolvimento	de	seus	reagrupamentos.]	Intenciona	apreen‑
der o fracasso dos intelectuais no processo de catalisação das forças progres‑
11.	No	Caderno	1	(§	44,	p.	41)	esta	passagem	é	assim	exposta:	[...]	uma	classe	é	dominante	em	dois	
modos,	isto	é,	‘dirigente’	e	‘dominante’.	É	dirigente	das	classes	aliadas,	é	dominante	das	classes	adversárias.	
Por	isso	uma	classe	já	antes	de	conquistar	o	poder	deve	ser	‘dirigente’,	quando	exerce	o	poder	transforma-se	
em	classe	dominante	mas	continua	a	ser	também	dirigente”.	Tradução	nossa.	É	no	campo	desta	reflexão,	já	
posta no Caderno 1, que a questão dos intelectuais será analisada no Caderno 12 como, também, constitutiva 
das funções de direção que compõe o fenômeno de “ampliação” do Estado no processo histórico de desen‑
volvimento dos países ocidentais. “Foi justamente a percepção dessa incorporação das funções de direção ao 
Estado que colocou o tema dos intelectuais em primeiro plano no pensamento gramsciano. A discussão dos 
intelectuais pode ser traduzida em uma análise da relação entre dirigentes e dirigidos, dominantes e domina‑
dos ou, em outras palavras, em um estudo sobre a construção da supremacia de uma classe ou fração de 
classe sobre o conjunto da sociedade” (Bianchi, 2008, p. 75).
273Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
sistas	na	Itália	na	pré-unificação,	de	modo	a	unificá-las,	dotá-las	de	consciência	
acerca de sua função nacional e colocá‑las em condições de promover e realizar, 
em tempos adequados, a revolução burguesa. O tema é, assim, da relação entre 
intelectuais e burguesia nas fases precedentes da constituição do Estado unitá‑
rio (Burgio, 2007, p. 55).
No	Caderno	4,	Gramsci	inicia	seu	programa	de	pesquisa	filosófica,	que	foi	
desenvolvido nos Cadernos 7 e 8. Tais escritos, em sua grande parte, foram 
reorganizados e desenvolvidos nos Cadernos especiais 10 e 11.12 A questão aqui 
tratada	é	a	afirmação	do	materialismo	histórico	em	oposição	à	filosofia	idealis‑
ta	de	Benedetto	Croce	e	ao	marxismo	vulgar	(como	o	contido	nas	reflexões	do	
texto Ensaio popular,	de	Bukharin)	e	o	diálogo	positivo	com	as	reflexões	de	
Antonio Labriola.13 Nesses cadernos estão teorizações fundamentais para o 
entendimento da função dos intelectuais nos processos de formação de uma 
nova consciência, de uma nova forma de pensar e agir na vida social por parte 
das classes subalternas.
2. Os intelectuais e sua função na “reforma intelectual e moral”
Gramsci explicita a necessidade da desconstrução de uma visão de que 
a	 filosofia	 é	 uma	 atividade	 intelectual	 própria	 de	 determinada	 camada	 de	
cientistas	ou	filósofos	profissionais.	Para	ele,	“todos	os	homens	são	‘filósofos’”,	
mas	define	como	limites	e	características	dessa	“filosofia”	que	nominará	como	
“espontânea”, a que está contida na linguagem (em que está presente uma 
concepção de mundo)14 no senso comum e no bom senso (neste, em menor 
12. O Caderno 4 foi redigido entre 1930 e 1932; o Caderno 7, entre 1930‑1931 e o Caderno 8, entre 
1931 e 1932. O Caderno especial 10 foi redigido entre 1932 e 1935, e o 11, entre 1932 e 1933.
13. Para um mapeamento das principais polêmicas travadas por Gramsci em relação a Croce e a Bukharin, 
consultar Bianchi (2008, p. 55‑120). 
14. A expressão “concepção de mundo” é usada por Gramsci para indicar os graus diversos de capaci‑
dade de elaboração do sujeito para interpretar a realidade (Liguori, 2009, p. 148). Segundo Gramsci, “pela 
própria concepção de mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo, precisamente o de todos os 
elementos sociais que compartilham um mesmo modo de pensar e de agir. Somos conformistas de algum 
conformismo	[...]	Quando	a	concepção	do	mundo	não	é	crítica	e	coerente,	mas	ocasional	e	desagregada,	
pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de (homens‑massa) nossa própria personalidade é 
274 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
grau)15 e na religião.16	Esse	conjunto	de	manifestações	“espontâneas”	da	filo‑
sofia	—	sistema	de	crenças,	opiniões,	modos	de	ver	e	agir	—	se	condensariam	
no “folclore”.17 Interessa a Gramsci problematizar e apontar criticamente os 
elementos	que	conformam	os	conteúdos	dessa	“filosofia	espontânea”,	objeti‑
vando a criação de processos pedagógicos que contribuam para a formação 
de	conteúdos	novos,	portanto,	de	uma	nova	filosofia.	É	com	essa	preocupação	
que indaga:
[...]	é	preferível	“pensar”	sem	disto	ter	consciência	crítica,	de	uma	maneira	de‑
sagregada e ocasional, isto é, “participar” de uma concepção de mundo “impos‑
ta” mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por um dos muitos grupos 
sociais	nos	quais	todos	estão	automaticamente	envolvidos	[...]	ou	é	preferível	
compósita,	de	uma	maneira	bizarra.	[...]	O	início	da	elaboração	crítica	é	a	consciência	daquilo	que	é	real‑
mente,	isto	é,	um	‘conhece-te	a	ti	mesmo’	como	produto	do	processo	histórico	até	hoje	desenvolvido,	que	
deixou	em	ti	uma	infinidade	de	traços	acolhidos	sem	análise	crítica.	Deve-se	fazer,	inicialmente,	essa	aná‑
lise” (C 11, § 12, p. 1376/v. 1, p. 94). Todos participam de uma concepção de mundo, como exemplo, pela 
utilização de um certo tipo de linguagem: “Se é verdade que cada linguagem contém os elementos de uma 
concepção de mundo e de uma cultura, será igualmente verdade que, a partir da linguagem de cada um, é 
possível julgar a maior ou menor complexidade da sua concepção do mundo” (Idem, p. 1377/Idem, p. 95).
15.	Filosofia	do	senso	comum	é	a	“filosofia	dos	não-filósofos”,	isto	é,	“a	concepção	do	mundo	absor‑
vida acriticamente pelos vários ambientes sociais e culturais nos quais se desenvolve a individualidade 
moral do homem médio”. O senso comum não é uma concepção única, idêntica no tempo e no espaço “mas 
é um produto e um devir histórico”. O senso comum “apresenta‑se em inumeráveis formas; seu traço fun‑
damental	 e	mais	 característico	 é	 o	 de	 ser	 uma	 concepção	 [...]	 desagregada,	 incoerente,	 inconsequente,	
conforme	a	posição	social	e	cultural	das	multidões	das	quais	ele	é	a	filosofia.	Quando	na	história	se	elabora	
um	grupo	social	homogêneo,	elabora-se	também,	contra	o	senso	comum,	uma	filosofia	homogênea,	isto	é,	
coerente e sistemática”. O uso que Gramsci faz do termo bom senso é em modo alternativo ao senso comum 
(C 11, § 13, p. 1396/v. 1, p. 114). Um estudo minucioso da tematização do senso comum e do bom senso 
está	em	[Liguori	(2007,	p.	99-128)].
16. Para Gramsci, “os elementos principais do senso comum são fornecidos pelas religiões e, conse‑
quentemente, a relação entre senso comum e religião é muito mais íntima do que a relação entre senso comum 
e	sistemasfilosóficos	dos	intelectuais”	(C	11,	§	13,	p.	1396-1397/v.	1,	p.	115).	“A	religião	é	um	elemento	do	
senso	comum	[...].	A	filosofia	é	a	crítica	e	a	superação	da	religião	e	do	senso	comum	e,	nesse	sentido,	coin‑
cide	com	o	‘bom	senso’,	que	se	contrapõe	ao	senso	comum”	(C	11,	§	12,	p.	1388	/v.	1,	p.	96).
17. A característica fundamental do folclore “é de ser uma concepção de mundo desagregada, incoeren‑
te”.	O	senso	comum	é	o	“folclore”	da	filosofia.	“O	senso	comum	cria	o	folclore,	isto	é,	uma	fase	relativa‑
mente enrijecida dos conhecimentos populares de uma certa época e lugar (C 8, § 173, p. 1045/v. 2, p. 209). 
Em	Gramsci,	os	conteúdos	de	concepção	de	mundo,	senso	comum,	filosofia,	religião,	folclore	constituem	
uma “família de conceitos” em torno do tema da “ideologia”. Para uma tematização da questão da ideologia 
em Gramsci. Ver Liguori (2007, p. 77‑98).
275Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
elaborar	a	própria	concepção	do	mundo	de	uma	maneira	consciente	e	crítica	[...]?	
(C 11, § 12, p. 1375/v. 1; p. 93‑94)
A alternativa defendida é que o indivíduo social desenvolva a elaboração 
de uma concepção de mundo de forma ativa, crítica e consciente e por meio 
dela se vincule a um grupo social que lhe permita “participar ativamente na 
produção da história do mundo, ser o guia de si mesmo e não mais aceitar do 
exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade” (Idem, 
p.	1376/Idem,	p.	94).	Identifica	a	recorrência	de	uma	contradição	entre	o	fato	
intelectual	(a	teoria)	e	a	ação.	Questiona	em	que	âmbito	podemos	identificar	a	
verdadeira concepção de mundo, se no âmbito da teoria ou a que está implíci‑
ta na atividade de cada um. E conclui: “já que a ação é sempre uma ação polí‑
tica,	não	se	pode	dizer	que	a	verdadeira	filosofia	de	cada	um	se	acha	inteira‑
mente	contida	na	sua	política?”.	O	que	Gramsci	identifica	é	a	existência	de	uma	
recorrente tensão entre a consciência e o agir, entre a teoria (ou concepção de 
mundo) e a prática (ação). A explicação desse contraste entre o pensar e a ação 
é de natureza histórico‑social e está relacionada ao fato de um grupo social, 
por razões de submissão e subordinação intelectual, incorporar como sua uma 
concepção de mundo de outro grupo social. É por isso que “não se pode sepa‑
rar	a	filosofia	da	política;	ao	contrário,	pode-se	demonstrar	que	a	escolha	e	a	
crítica de uma concepção do mundo são, também elas, fatos políticos” (Idem, 
p. 1379/Idem, p. 97).
Nessa direção, uma das funções dos intelectuais é a de atuar nos processos 
de formação de uma consciência crítica e de construção de uma concepção de 
mundo unitária e coerente dos “simples”. Ou seja, que se estabeleça uma rela‑
ção “orgânica” entre eles, condição essa necessária para a superação da natu‑
reza acrítica do senso comum e pela potencialização da capacidade intelectual 
e	da	eficácia	da	atividade	política	dos	“simples”.	É	do	contato	e	das	observações	
das visões de mundo, das experiências, das ações e comportamentos dos “sim‑
ples”, que os intelectuais devem se alimentar para suas formulações teóricas e 
ações	prático-políticas.	É	com	essa	perspectiva	que	afirma:
[...]	um	movimento	filosófico	só	merece	este	nome	na	medida	em	que	busca	de‑
senvolver uma cultura especializada para restritos grupos de intelectuais ou, ao 
contrário, merece‑o na medida em que, no trabalho de elaboração de um pensa‑
276 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
mento	superior	ao	senso	comum	e	cientificamente	coerente,	jamais	se	esquece	de	
permanecer	em	contato	com	os	“simples”	e,	[...]	encontra	neste	contato	a	fonte	dos	
problemas que devem ser estudados e resolvidos? (Idem, p. 1382/Idem, p. 100)
A formação de um “senso comum renovado”, portador de fundamentos 
filosóficos	 críticos,	 “não	pode	ocorrer	 se	 não	 se	 sente,	 permanentemente,	 a	
exigência	do	contato	cultural	com	os	‘simples’”	(Idem,	Idem).	Aos	intelectuais	
caberia a função de operar para a “organicidade de pensamento” dos grupos 
sociais subalternos, ou seja, contribuir para uma relação coerente entre teoria 
(concepção de mundo) e ação. A possibilidade da construção coerente dessa 
relação estaria em um atuar “orgânico” dos intelectuais nesses grupos, ou seja, 
de elaborarem e tornarem coerentes os princípios e os problemas que os “sim‑
ples” colocam com a sua atividade prática. É dessa relação orgânica entre os 
intelectuais e os “simples” que nasce a elaboração de uma concepção de vida 
superior ao senso comum, uma elaboração superior dos grupos subalternos da 
própria concepção do real.
Assim,	é	necessário	 ressaltar	que	ao	afirmar	que	“todos	são	filósofos”,	
Gramsci	não	intenciona	diluir	os	conteúdos	de	uma	“filosofia	espontânea”	pre‑
sentes no senso comum, na religião, no folclore — que são elementos de con‑
cepção e de visão de mundo presentes em todos os indivíduos sociais —, como 
o	próprio	conteúdo	da	filosofia	e,	portanto,	de	quem	a	porta.	A	filosofia	é	defi‑
nida como uma “ordem intelectual”, metodicamente elaborada, portanto “crí‑
tica e coerente”, ao contrário de uma “concepção ocasional e desagregada”, 
própria	do	que	compõe	a	“filosofia	espontânea”.
Uma	filosofia	da	práxis18 só pode apresentar‑se, inicialmente, em atitude polêmica 
e crítica, como superação da maneira de pensar precedente e do pensamento con‑
creto existente (ou mundo cultural existente). E, portanto, antes de tudo, como 
crítica do “senso comum” (e isto após basear‑se sobre o senso comum para de‑
monstrar	que	“todos”	são	filósofos	e	que	não	se	trata	de	introduzir	ex novo uma 
18. É na transcrição das notas dos cadernos miscelâneos para os especiais que Gramsci substituiu, na 
maioria das vezes, a expressão materialismo histórico por filosofia da práxis. Essa substituição foi tanto para 
escapar	da	censura	como	também	para	indicar	o	que,	para	o	sardo	comunista,	caracteriza	a	filosofia	de	Marx	
(cf. Frosini, 2003 e 2004).
277Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
ciência na vida individual de “todos”, mas de inovar e tornar “crítica” uma ativi‑
dade	já	existente);	e,	posteriormente,	como	crítica	da	filosofia	dos	intelectuais,	que	
deu	origem	à	história	da	filosofia	e	que,	enquanto	 individual	(e,	de	fato,	ela	se	
desenvolve essencialmente na atividade de indivíduos singulares particularmente 
dotados), pode ser considerada como “culminâncias” de progresso do senso comum, 
pelo menos do senso comum dos estratos mais cultos da sociedade e, através des‑
ses, também do senso comum popular.19 (C 11, § 12, p. 1383/v. 1, p. 101)
É	com	essa	compreensão	que,	para	Gramsci,	“a	 relação	entre	filosofia	
“superior”	[dos	intelectuais]	e	senso	comum	é	assegurada	pela	‘política’”.	Ou	
seja,	 a	 dimensão	 política	 da	filosofia	 da	 práxis,	 nesse	 contexto	 da	 reflexão	
gramsciana da relação entre os intelectuais e os “simples”, não é manter estes 
na	filosofia	primitiva	do	senso	comum.	Ao	contrário,	busca	“conduzi-los	a	uma	
concepção de vida superior”. O contato entre os intelectuais e os simples “não 
é	para	limitar	a	atividade	científica	e	para	manter	uma	unidade	no	nível	inferior	
das	massas,	mas	[...]	forjar	um	bloco	intelectual-moral	que	torne	politicamen‑
te possível um progresso intelectual de massa e não apenas de pequenos grupos 
intelectuais” (Idem, p. 1384‑1385/v. 1, p. 103).20
É	no	campo	dessa	reflexão	que	reafirma	que	o	“homem	ativo	de	massa”	
não teria uma clara consciência teórica de seu agir, podendo mesmo acontecer 
uma contradição, uma oposição entre sua consciência teórica e a sua ação. 
Seria	possível,	assim,	afirmar	que	ele	teria	duas	consciências	“uma,	implícita	
na sua ação, e que realmente o une a todos os seus colaboradores na transfor‑
mação	prática	da	realidade;	e	outra,	superficialmente	explícita	ou	verbal,	que	
19.	Bianchi	(2008,	p.	72-73)	explicita	que	essa	afirmação	“apresentava	a	filosofia	da	práxiscomo	uma	
filosofia	de	combate.	Como	tal,	ela	deveria	cruzar	armas	com	a	filosofia	de	sua	época	e	a	apropriação	desta	
pelo	senso	comum,	apresentando-se,	por	meio	da	crítica,	como	a	superação	filosófica	desta	filosofia	e	do	
senso	comum,	e	a	superação	prática	da	separação	existente	entre	o	filósofo	profissional	(o	intelectual)	e	o	
‘filósofo’	espontâneo	[...].	A	crítica	ao	senso	comum	deve	ser	também	uma	crítica	à	filosofia	dos	intelectuais	
porque	estes	assimilam	a	filosofia	da	época	como	seu	horizonte	intelectual,	como	senso	comum	[...].	Essa	
difusão	da	filosofia	sob	a	forma	de	senso	comum	conforma,	também,	aquela	concepção	de	mundo	popular	
que	deita	suas	raízes	no	‘ambiente	externo’”.
20. “O fato de que uma multidão de homens seja conduzida a pensar coerentemente e de maneira uni‑
tária	a	realidade	presente	é	um	fato	‘filosófico’	bem	mais	importante	e	‘original’	do	que	a	descoberta,	por	
parte	de	um	‘gênio’	filosófico,	de	uma	nova	verdade	que	permaneça	como	patrimônio	de	pequenos	grupos	
intelectuais” (C 11, § 12, p. 1378/v. 1, p. 96).
278 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
ele herdou do passado e acolheu sem crítica” (Idem, p. 1385/Idem, p. 103). Para 
o marxista sardo, seria essa concepção “verbal” a que ligaria o indivíduo a um 
grupo	social	determinado,	que	influiria	na	[sua	conduta	moral],	na	direção	da	
sua vontade, até o ponto “no qual a contraditoriedade da consciência não per‑
mita nenhuma ação, nenhuma escolha e produza um estado de passividade 
moral e política” (Idem, p. 1386/Idem, p. 103).
Para Gramsci, a unidade entre a teoria e a prática (entre a concepção de 
mundo e a ação no mundo) não é mecânica, mas processual. “A consciência de 
fazer parte de determinada força hegemônica (isto é, a consciência política) é 
a primeira fase de uma ulterior e progressiva autoconsciência, na qual teoria e 
prática,	finalmente,	se	unificam.”	É	essa	formação	de	uma	consciência	política	
e da unidade entre teoria e prática que fortalecem “o desenvolvimento político 
do conceito de hegemonia”, conceito que representa, para além do progresso 
político-prático,	 um	grande	progresso	filosófico,	 por	 implicar	 e	 supor	 “uma	
unidade intelectual e uma ética adequada a uma concepção do real que superou 
o senso comum e tornou‑se crítica, mesmo que dentro de limites ainda restritos” 
(Idem, p. 1385‑1386/Idem, p. 103‑104; grifos nossos). Ou seja, um dos elementos 
que possibilitaria a criação de uma ação política criadora de uma nova hegemo‑
nia	 está	 na	 construção	de	uma	 identidade	filosófica	de	um	grupo	 social	 e	 a	
constituição de seus intelectuais.
Nesses termos, a questão da relação entre teoria e prática é, para Gramsci, 
um “aspecto da questão política dos intelectuais”. A formação de uma “auto‑
consciência	crítica	significa,	histórica	e	politicamente,	criação	de	uma	elite	de	
intelectuais”, ou seja,
[...]	uma	massa	humana	não	se	“distingue”	e	não	se	torna	independente	“para	si”	
sem organizar‑se (em sentido lato); e não existe organização sem intelectuais, 
isto é, sem organizadores e dirigentes, ou seja, sem que o aspecto teórico da li‑
gação teoria‑prática se distinga concretamente em um estrato de pessoas “espe‑
cializadas”	na	elaboração	conceitual	e	filosófica.	Mas	esse	processo	de	criação	
dos intelectuais é longo, difícil, cheio de contradições, de avanços e de recuos 
[...].	(C	11,	p.	1386/v.	1,	p.	104)
O processo de criação quantitativo e qualitativo do estrato dos intelectuais 
está ligado a “um movimento análogo da massa dos simples, que se eleva em 
279Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
níveis	superiores	de	cultura	e	amplia	simultaneamente	o	seu	círculo	de	influên‑
cia, com a passagem de indivíduos, ou mesmo de grupos mais ou menos im‑
portantes, para o estrato dos intelectuais especializados”. Esse processo de 
criação dos intelectuais é marcado por avanços e recuos, que podem expressar 
a permanência ou o retorno a fases de consciência ainda econômico‑corporati‑
va.	É	por	identificar	esses	recuos	no	processo	de	formação	da	consciência	na	
relação	intelectuais-massa	que	Gramsci	explicita	a	importância	e	o	significado	
dos partidos políticos “na elaboração e difusão das concepções do mundo, na 
medida em que elaboram essencialmente a ética e a política adequadas a elas, 
isto	 é,	 em	que	 funcionam	quase	 como	 ‘experimentadores’	históricos	de	 tais	
concepções”21 (Idem, p. 1387/Idem, p. 105).
Nesse trabalho pedagógico dos intelectuais com as massas para o proces‑
so de difusão de uma nova concepção de mundo, processo (“que é, simultanea‑
mente, de substituição do velho e, muito frequentemente, de combinação entre 
o novo e o velho)”, são destacados por Gramsci alguns elementos, como a 
forma em que a nova concepção é exposta e apresentada; o reconhecimento da 
autoridade e das referências teóricas do intelectual bem como sua participação 
na organização que defende a nova concepção. Esses são alguns elementos 
importantes na relação intelectuais‑massa — tanto em indivíduos singulares 
como em grupos numerosos — para a formação de uma nova concepção de 
mundo, embora não decisivos. Ou seja, para Gramsci, a legitimidade do inte‑
lectual e a organização na qual participa são importantes, embora não decisivos 
para a incorporação de uma nova concepção de mundo por parte das massas 
populares.	Essas,	segundo	Gramsci,	são	as	“que	mais	dificilmente	mudam	de	
concepção	e	que	[...]	jamais	a	mudam	aceitando	a	nova	concepção	em	sua	forma	
21. “Os partidos selecionam individualmente a massa atuante, e esta seleção opera‑se simultaneamente 
nos campos prático e teórico, com uma relação tão mais estrita entre teoria e prática quanto mais seja a 
concepção vitalmente e radicalmente inovadora e antagônica aos antigos modos de pensar. Por isso, pode‑se 
dizer que os partidos são os elaboradores das novas intelectualidades integrais e totalitárias, isto é, o crisol da 
unificação	de	teoria	e	prática	entendida	como	processo	histórico	real;	e	compreende-se,	assim,	como	seja	
necessária	que	a	sua	formação	se	realize	através	da	adesão	individual,	e	não	ao	modo	‘laborista’,	já	que	—	se	
se	trata	de	dirigir	organicamente	‘toda	a	massa	economicamente	ativa’	—	deve-se	dirigi-la	não	segundo	velhos	
esquemas, mas inovando; e esta inovação só pode tornar‑se de massa, em seus primeiros estágios, por inter‑
médio de uma elite na qual a concepção explícita na atividade humana já se tenha tornado, em certa medida, 
consciência atual coerente e sistemática e vontade precisa e decidida (C 11, § 12, p. 1387/v. 1, p. 105). A 
questão do partido como intelectual será particularmente tratada no próximo item.
280 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
‘pura’	 [...]	mas	 [...]	como	combinação	mais	ou	menos	heteróclita	e	bizarra”.	
Gramsci	exemplifica	essa	apreensão	na	seguinte	reflexão:	“[...]	quando	determi‑
nada pessoa já se encontra em crise intelectual, oscila entre o velho e o novo, 
perdeu	a	confiança	no	velho	e	ainda	não	se	decidiu	pelo	novo	[...]”	(Idem,	p.	1390/
Idem, p. 108).
Segundo Gramsci, todo “movimento cultural que pretenda substituir o 
senso comum e as velhas concepções do mundo” — que podemos apreender 
como sendo elementos de conteúdo da ação dos intelectuais — deve desenvol‑
ver a necessidade de “não se cansar de repetir os próprios argumentos (varian‑
do	a	sua	forma):	a	repetição	é	o	meio	didático	mais	eficaz	para	agir	sobre	a	
mentalidade popular”; trabalhar “para elevar intelectualmente camadas popu‑
lares	cada	vez	mais	vastas	[...],	para	a	criação	de	elites	de	intelectuais	de	novo	
tipo, que surjam diretamente da massa e que permaneçam em contato com ela 
para	se	tornarem	seus	‘espartilhos’”.	É	essa	ação	que	“modifica	o	‘panorama	
ideológico’ de uma época”22 (Idem, p. 1392/Idem, p. 110). Gramsci explicita 
que os intelectuais necessitam se libertar daquilo que chama de “errodo inte‑
lectual” que consiste em crer “que se possa saber sem compreender e especial‑
mente sem sentir e estar apaixonado”. Trata‑se, em suas palavras, de um movi‑
mento que se expressa na
Passagem do saber ao compreender, ao sentir, e, vice‑versa, do sentir ao com‑
preender, ao saber. O elemento popular “sente”, mas nem sempre compreende 
ou sabe; o elemento intelectual “sabe”, mas nem sempre compreende e, menos 
ainda,	“sente”.	[...]	O	erro	do	intelectual	consiste	em	acreditar	que	se	possa	saber	
sem	compreender	e,	principalmente,	sem	sentir	e	estar	apaixonado.	[...]	[O	inte‑
lectual]	deve	sentir	as	paixões	elementares	do	povo,	compreendendo-as	e,	por‑
tanto,	 explicando-as	e	 justificando-as	em	determinada	situação	histórica,	bem	
como relacionando‑as dialeticamente com as leis da história, com uma concepção 
do	mundo	superior,	científica	e	coerentemente	elaborada,	com	o	“saber”;	não	se	
faz política‑história sem essa paixão, isto é, sem esta conexão sentimental entre 
intelectuais e povo‑nação. Na ausência deste nexo, as relações do intelectual com 
o povo‑nação são, ou se reduzem, a relações de natureza puramente burocrática 
22.	Para	Gramsci,	“a	adesão	ou	não	adesão	de	massas	a	uma	ideologia	é	o	modo	pelo	qual	se	verifica	a	
crítica real da racionalidade e historicidade dos modos de pensar” (C 11, p. 1393/v. 1, p. 111). 
281Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
e	formal;	os	intelectuais	se	tornam	uma	casta	ou	um	sacerdócio	[...].	(C	11,	§	67,	
p. 1505/v. 1, p. 221‑222)
Os elementos que compõem o conteúdo da questão dos intelectuais em 
Gramsci até aqui expostos adquirem, na redação dos Cadernos 4 e 12,23 um 
tratamento mais amplo e sistemático. Passaremos, agora, a explicitá‑los.
3. Intelectuais orgânicos e intelectuais tradicionais: a questão 
da hegemonia
Os Cadernos 4 e 12 são atravessados por duas interrogações conectadas: 
a primeira é se os intelectuais constituem um grupo social autônomo e indepen‑
dente ou se cada grupo social tem a sua própria categoria de intelectuais; a 
segunda	indaga	como	definir	os	limites	máximos	da	acepção	de	“intelectual”	
(C 12, § 1, p. 1513 e 1516/v. 2, p. 15 e 18).
Em relação à primeira interrogação, Gramsci desenvolve uma das mais 
importantes	reflexões	acerca	da	questão	dos	intelectuais.	Explicita	que
cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no 
mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, 
uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência 
da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e 
político.24 (Idem, p. 1513/Idem, p. 15; grifos nossos)
23. Trabalharei o conteúdo contido nesses dois cadernos de forma simultânea. Reitero que o Caderno 
4 é uma caderno miscelâneo e seu conteúdo foi, na quase sua totalidade, recuperado no Caderno 12, que é 
um caderno especial. O Caderno 4 foi redigido entre 1930 e 1932, e o 12, em 1932. As referências ao texto 
serão do Caderno 12 por estar traduzido na edição brasileira dos Cadernos do cárcere. Serão sublinhadas as 
eventuais supressões ou acréscimos de conteúdo presentes no Caderno 12 em relação ao Caderno 4.
24. No Caderno 4 (§ 49, p. 474‑475), o exercício da direção dos intelectuais é restrita ao ambiente 
econômico: “Todo grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da pro‑
dução econômica, cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que 
lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, no campo econômico” (tradução nossa). No Cader‑
no 12, essa função é ampliada para a esfera social e política.
282 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
O	que	Gramsci	afirma	é	que	 todo	grupo	social	necessita	da	criação	de	
intelectuais para a legitimação de sua posição de classe. É nesse sentido que “o 
empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista da econo‑
mia política, o organizador de uma nova cultura, de um novo direito” etc. E 
também atua diretamente no espaço econômico e estatal para referendar seu 
projeto societário:
[...]	o	empresário	representa	uma	elaboração	social	superior,	já	caracterizada	por	
uma certa capacidade dirigente e técnica (isto é, intelectual): ele deve possuir uma 
certa capacidade técnica, não somente na esfera restrita da sua atividade e de sua 
iniciativa, mas também em outras esferas, pelo menos nas mais próximas da 
produção econômica (deve ser um organizador de massa de homens, deve ser um 
organizador	da	“confiança”	dos	que	investem	em	sua	empresa,	dos	compradores	
de sua mercadoria etc.). Senão todos os empresários, pelo menos uma elite deles 
deve possuir a capacidade de organizar a sociedade em geral, em todo o seu 
complexo organismo de serviços, até o organismo estatal, tendo em vista a neces‑
sidade	de	criar	as	condições	mais	favoráveis	à	expansão	da	própria	classe	[...].	
(Idem, p. 1513/Idem, p. 15)
É	nesse	 contexto	 de	 sua	 reflexão	 que	 aparece	 a	 expressão	 intelectual 
orgânico:25	 “os	 intelectuais	 ‘orgânicos’	 que	 cada	nova	 classe	 cria	 consigo	 e	
elabora	em	seu	desenvolvimento	progressivo	são,	na	maioria	dos	casos,	‘espe‑
cializações’ de aspectos parciais da atividade primitiva do tipo social novo que 
a	nova	classe	deu	à	luz”.	É	também,	nesse	contexto,	que	define	os	“intelectuais	
tradicionais” como sendo os intelectuais vinculados aos grupos sociais domi‑
nantes	nos	contextos	socioeconômicos	específicos	do	desenvolvimento	histó‑
rico.26 Elucida Gramsci que
todo	grupo	“essencial”	[...]	emergindo	na	história	a	partir	da	estrutura	econômica	
anterior	e	como	expressão	do	desenvolvimento	desta	estrutura,	 encontrou	 [...]	
25. A expressão intelectual orgânico não aparece na redação do Caderno 4.
26. A atenção para as particularidades do desenvolvimento histórico na conformação das relações 
entre os intelectuais tradicionais e as classes dominantes já está presente no ensaio A questão meridional, 
como visto.
283Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
categorias intelectuais preexistentes, as quais apareciam, aliás, como representan‑
tes de uma continuidade histórica que não foi interrompida nem mesmo pelas 
mais	complicadas	e	radicais	modificações	das	formas	sociais	e	políticas.	A	mais	
típica destas categorias é a dos eclesiásticos, que monopolizaram durante muito 
tempo	[...]	alguns	serviços	importantes:	a	ideologia	religiosa,	isto	é,	a	filosofia	e	
a	ciência	da	época,	com	a	escola,	a	instrução,	a	moral,	a	justiça,	a	beneficência,	a	
assistência etc. A categoria dos eclesiásticos pode ser considerada como a cate‑
goria	intelectual	organicamente	ligada	à	aristocracia	fundiária	[...].	(Idem,	p.	1514/
Idem, p. 16)
Outras categorias de intelectuais tradicionais — além dos eclesiásticos 
— são formados em disputa com os interesses e os privilégios dos eclesiásticos: 
a	camada	de	administradores,	cientistas,	 teóricos,	filósofos	não	eclesiásticos	
etc. vinculados ao absolutismo. Para Gramsci, essas várias categorias de inte‑
lectuais tradicionais “se põem a si mesmos como autônomos e independentes 
do	grupo	 social	 dominante”	 dada	 a	 sua	 “qualificação”	 e	 sua	 “continuidade	
histórica”. Argumenta que essa posição assumida pelos intelectuais tradicionais 
é ancorada numa postura idealista,27	na	medida	em	que	os	“intelectuais	[tradi‑
cionais]	acreditam	ser	‘independentes’,	autônomos,	dotados	de	características	
próprias etc.” (Idem, p. 1515/Idem, p. 17).
É	com	essa	reflexão	sobre	a	relação	“orgânica”	que	tantos	os	intelectuais	
tradicionais quanto os orgânicos tem com o mundo da produção e com os in‑
teresses de classes a que estão vinculados,28	que	Gramsci	explicita	a	sua	defi‑
nição de intelectual.	Ou	seja,	o	núcleo	de	reflexão	da	primeira	interrogação	é	
27. É importante registrar uma passagem em queGramsci explicita a falsa ideia deste “distanciamento” 
dos	interesses	de	classe	assumido	pelos	intelectuais	tradicionais.	Afirma	que	as	concepções	de	mundo	—	dos	
intelectuais	e	a	religião	do	alto	clero	—	“são	desconhecidas	pelas	massas,	não	tendo	eficácia	direta	sobre	seus	
modos	de	pensar	e	de	agir”.	Mas	não	são	desprovidas	de	eficácia	histórica,	uma	vez	que	influem	sobre	as	
massas “como força política externa, como elemento de força coesiva das classes dirigentes, e, portanto, 
como elemento de subordinação a uma hegemonia exterior, que limita o pensamento original das massas 
populares	de	uma	maneira	negativa,	sem	influir	positivamente	sobre	elas,	como	fermento	vital	de	transfor‑
mação interna do que as massas pensam, embrionária e caoticamente, sobre o mundo e a vida” (C 11, § 13, 
p. 1396/v. 1, p. 114‑115).
28. Segundo Coutinho (1990, p. 37), para Gramsci, “o intelectual orgânico é elaborado pela classe no 
seu desenvolvimento, e pode tanto ser burguês quanto proletário”. Como também “pode haver o intelectual 
tradicional conservador e o intelectual tradicional revolucionário”.
284 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
aclarado com a resposta que Gramsci oferece à segunda interrogação acerca 
dos	limites	que	definem	a	noção	de	intelectual.
O	comunista	sardo	questiona	se	é	possível	definir	um	critério	para	carac‑
terizar as diversas atividades intelectuais e também para distingui‑las dos outros 
agrupamentos	sociais.	Afirma	que	a	definição	de	intelectual	não	está	inscrita	
nas características intrínsecas das atividades intelectuais, ou seja, nas suas 
qualidades	específicas	e,	assim,	nas	diferenças	e	nos	graus	diversos	de	tal	qua‑
lidade. Defende que esse critério está “no conjunto do sistema de relações no 
qual	estas	atividades	[intelectuais]	(e,	portanto,	os	grupos	que	a	personificam)	
se encontram no conjunto geral das relações sociais” (C 12, § 1, p. 1516/v. 2, 
p. 18). Com essa apreensão, Gramsci não considera os intelectuais de maneira 
abstrata ou como uma casta separada, mas os apresenta como parte integrante 
das relações sociais, como pertencentes a uma classe social e com a função de 
representar os interesses dessa classe no conjunto da vida social.
Na	reflexão	gramsciana,	a	dimensão	intelectual	está	presente	em	todas	as	
atividades	profissionais:	“[...]	em	qualquer	trabalho	físico	[...]	existe	um	mínimo	
de	qualificação	técnica,	isto	é,	um	mínimo	de	atividade	intelectual	criadora”.	
Mas o exercício da atividade intelectual tem um limite advindo da própria fun‑
ção,	do	próprio	tipo	de	trabalho	que	é	exercido.	É	nessa	direção	que	afirma	que
todos os homens são intelectuais, mas nem todos os homens têm na sociedade a 
função de intelectuais (assim, o fato de que alguém possa, em determinado mo‑
mento,	fritar	dois	ovos	ou	costurar	um	rasgão	no	paletó	não	significa	que	todos	
sejam cozinheiros ou alfaiates). Formam‑se assim, historicamente, categorias 
especializadas para o exercício da função intelectual; formam‑se em conexão com 
todos os grupos sociais, mas sobretudo em conexão com os grupos sociais mais 
importantes, e sofrem elaborações mais amplas e complexas em ligação com o 
grupo social dominante.29 (Idem, p. 1516‑1517/Idem, p. 18‑19)
Em Gramsci, a distinção entre intelectuais e não intelectuais refere‑se “à 
imediata	função	social	da	categoria	profissional	dos	intelectuais,	isto	é,	leva-se	
em	conta	a	direção	sobre	a	qual	incide	o	peso	maior	da	atividade	profissional	
29. Esta passagem não está no Caderno 4.
285Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
específica,	se	na	elaboração	intelectual	ou	se	no	esforço	muscular-nervoso”.	
Isso	 significa	que	 inexiste	 não	 intelectuais,	mas	 “existem	graus	 diversos	 de	
atividade	especificamente	intelectual”	e	define	os	elementos	essenciais	do	que	
denomina	de	“novo	tipo	de	intelectual”,	que	se	define	por	uma	“inserção	ativa	
na	 vida	 prática,	 como	 construtor,	 organizador,	 ‘persuador	 permanente’	 [...]	
‘dirigente’”	(C	12,	§	3,	p.	150-151/v.	2,	p.	52-53).
Gramsci explicita que o desenvolvimento das instituições escolares ao 
longo dos processos históricos conferiu grande importância às categorias e às 
funções intelectuais, multiplicando as especializações e aperfeiçoando‑as30. Essa 
passagem da formação dos intelectuais mediada pelas instituições escolares 
inicia	a	reflexão	de	Gramsci	de	que	“a	relação	entre	os	intelectuais	e	o	mundo	
da produção não é imediata, como ocorre no caso dos grupos sociais fundamen‑
tais,	mas	é	‘mediatizada’	[...]	pelo	conjunto	das	superestruturas,	do	qual	os	in‑
telectuais	são	precisamente	os	‘funcionários’”	(Idem,	§	1,	p.	1518/	Idem,	p.	20).
Os	elementos	definidores	da	extensão	e	das	gradações	das	funções	orga‑
nizativas e conectivas dos diversos grupos intelectuais com os grupos sociais 
fundamentais	podem	ser	definidos	“da	base	estrutural	para	o	alto”	—	ou	seja,	
da	estrutura	para	a	superestrutura.	Para	Gramsci,	a	superestrutura	é	definida	pela
“sociedade civil” (isto é, o conjunto de organismos designados vulgarmente como 
“privados”) e o da “sociedade política ou Estado”, planos que correspondem, 
respectivamente, à função de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda 
sociedade e àquela de “domínio direto” ou de comando, que se expressa no Esta‑
do e no governo “jurídico”. Estas funções são precisamente organizativas e co‑
nectivas. (Idem, p. 1518‑1519/Idem, p. 20‑21)
É na esfera da superestrutura — no campo da sociedade civil e da socie‑
dade política — que Gramsci situa a função dos intelectuais: “os intelectuais 
30. “A escola é o instrumento para elaborar os intelectuais de diversos níveis. A complexidade da 
função intelectual nos vários Estados pode ser objetivamente medida pela quantidade das escolas especia‑
lizadas	e	pela	sua	hierarquização:	quanto	mais	extensa	for	a	‘área’	escolar	e	quanto	mais	numerosos	forem	
os	‘graus’	‘verticais’	da	escola,	tão	mais	complexo	será	o	mundo	cultural,	a	civilização,	de	um	determinado	
Estado” (C 12, § 1, p. 1517/v. 2, p. 19). A relação entre a questão escolar e a formação dos intelectuais não 
é tratada no Caderno 4. Um acurado estudo acerca da escola e do princípio educativo no pensamento de 
Gramsci pode ser encontrado em Manacorda (1990).
286 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
são	os	‘prepostos’	do	grupo	dominante	para	o	exercício	das	funções	subalternas	
da hegemonia social e do governo político”, ou seja:
1) do consenso “espontâneo” dado pelas grandes massas da população à orienta‑
ção impressa pelo grupo fundamental dominante à vida social, consenso que 
nasce	“historicamente”	do	prestígio	(e,	portanto,	da	confiança)	obtida	pelo	grupo	
dominante por causa de sua posição e de sua função no mundo da produção); 2) 
do aparelho de coerção estatal que assegura “legalmente” a disciplina dos grupos 
que não “consentem”, nem ativa nem passivamente, mas que é constituído para 
toda a sociedade na previsão dos momentos de crise no comando e na direção, 
nos quais desaparece o consenso espontâneo.31 (C 12, § 1, p. 1519/v. 2, p. 21)
Está aqui uma questão fundamental: para Gramsci, trata‑se de compreen‑
der as funções organizativas e conectivas que os intelectuais desenvolvem, de 
forma peculiar e historicamente determinada, nos processos de produção da 
hegemonia32 (Liguori e Voza, 2009, p. 431). Essa passagem nos permite eluci‑
dar que essas funções organizativas e conectivas se materializam tanto na esfe‑
ra da sociedade civil quanto na esfera da sociedade política. Em outras palavras, 
as funções de direção e de dominação — das quais os intelectuais são os 
agentes — são concebidas como unidade‑diferenciação e exercidas tanto no 
31. Essa busca do consenso dos intelectuais orgânicos junto às classes subalternas também é buscada 
junto aos intelectuais tradicionais: “Uma das características mais marcantes de todo grupoque se desenvol‑
ve	no	sentido	do	domínio	é	sua	luta	pela	assimilação	e	pela	conquista	‘ideológica’	dos	intelectuais	tradicionais,	
assimilação	e	conquista	que	são	tão	mais	rápidas	e	eficazes	quanto	mais	o	grupo	em	questão	for	capaz	de	
elaborar simultaneamente seus próprios intelectuais orgânicos” (C 12, § 1, p. 1517/v. 2, p. 19).
32. No Caderno 4, esta passagem está assim expressa: “A relação entre os intelectuais e a produção não 
é imediata, como ocorre no caso dos grupos sociais fundamentais, mas é mediatizada por dois tipos de orga‑
nizações sociais: a) da sociedade civil, isto é, do conjunto das organizações privadas da sociedade, b) do 
Estado.	Os	intelectuais	têm	uma	função	na	‘hegemonia’	que	o	grupo	dominante	exerce	em	toda	a	sociedade	
e	no	‘domínio’	que	se	encarna	no	Estado	e	esta	função	é	precisamente	‘organizativa’	ou	conectiva:	os	inte‑
lectuais têm a função de organizar a hegemonia social de um grupo e o seu domínio estatal, isto é, o consen‑
so dado do prestígio da função no mundo produtivo e o aparato de coerção para aqueles grupos que não 
‘consentem’,	nem	ativa	nem	passivamente	ou	para	aqueles	momentos	de	crise	de	comando	e	de	direção	em	
que o consenso espontâneo sofre uma crise. Desta análise resulta uma extensão muito grande do conceito de 
intelectual, mas só assim me parece que seja possível alcançar uma aproximação concreta da realidade” (C 
4, § 49, p. 476). Como exposto, a redação da função dos intelectuais na relação com a questão da hegemonia 
no campo da sociedade civil e da sociedade política é pouco desenvolvida. É no caderno 12 que a questão é 
retomada de forma mais ampla.
287Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
campo da sociedade civil quanto no campo da sociedade política. O exercício 
da função de domínio e direção dos intelectuais nos aparatos do “Estado integral” 
está na direção da interpretação de Liguori (2007, p. 16) de que, em Gramsci, 
há uma distinção “não orgânica”, e sim dialética (de unidade‑distinção) entre 
sociedade política e sociedade civil.33
A ampliação das funções dos intelectuais no aparato estatal34 comportaria 
gradações qualitativas — de direção e de organização —; pois o exercício da 
função organizativa da hegemonia social e do domínio estatal também seria 
marcado	pela	divisão	do	trabalho	e	pelos	níveis	de	qualificação	dos	intelectuais:	
“no	mais	alto	grau,	devem	ser	postos	os	criadores	das	várias	ciências,	da	filo‑
sofia,	da	arte	etc.;	no	mais	baixo,	os	mais	modestos	‘administradores’	e	divul‑
gadores	da	riqueza	intelectual	já	existente,	tradicional,	acumulada	[...].	Grada‑
ção	semelhante	também	é	posta	para	os	aparatos	militares	com	seus	oficiais	
superiores e subalternos” (Idem, p. 1519‑1520/ Idem, p. 21‑22).
No	compasso	dessa	reflexão,	nosso	autor	também	diferencia	dois	tipos	de	
intelectuais, os de “tipo urbano” e os de “tipo rural”. Os intelectuais de “tipo 
urbano” são aqui referidos aos técnicos de fábrica que tiveram no crescimento 
das indústrias o seu desenvolvimento e, em geral, não possuem iniciativa autô‑
noma na elaboração de planos de produção, mas elaboram sua execução imedia‑
ta estabelecida pela indústria. Eles não exercem função política. Os intelectuais 
de “tipo rural” (padre, advogado, professor, médico etc.) “são, em grande parte, 
‘tradicionais’”,	isto	é,	ligados	ao	campo,	às	cidades	menores	e	à	pequena		burguesia.	
33.	Afirma	o	autor:	“Não	me	parece	que	desse	modo	se	perca	a	especificidade	da	teoria	gramsciana	da	
hegemonia,	baseada	no	consenso	[...],	mas	somente	que	se	desminta	uma	interpretação	da	mesma	em	que	
exista unicamente	o	consenso,	só	os	‘aparelhos	hegemônicos’.	A	complexidade	do	papel	do	Estado	(‘integral’)	
reside no fato de reunir força e consenso num nexo dialético, de unidade‑distinção, no qual, em geral, no 
‘ocidente’	o	elemento	do	consenso	é	o	que	predomina,	sem	que	evidentemente	a	‘força’	desapareça.	Tal	como	
o demonstram até mesmo os casos extremos do fascismo e do nazismo” (Liguori, 2007, p. 16‑17; grifo do 
autor).	Uma	filologia	do	conceito	de	Estado	nos	Cadernos do cárcere é exposta em Liguori (2007, p. 13‑38).
34. Segundo Gramsci, a categoria dos intelectuais foi ampliada enormemente pelo Estado no mundo 
moderno pelas necessidades políticas de direção do grupo fundamental dominante no conjunto da vida social. 
Como explicita Bianchi (2008, p. 74‑75): “O lugar ocupado pelos intelectuais na sociedade moderna era 
definido	pelo	desenvolvimento	histórico	do	Estado	e	por	sua	‘ampliação’.	A	ampliação	do	Estado	deve	ser	
entendida não como um dado, mas como um processo histórico no qual ocorre a incorporação das funções 
de direção e dos aparelhos de hegemonia próprios dessas funções”. Processo esse que é próprio “de um 
conjunto	de	países	que	a	partir	do	final	do	século	passado	protagonizam	um	complexo	processo	de	transfor‑
mações econômicas, sociais e políticas conhecido como a fase imperialista do capitalismo”.
288 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
Os intelectuais de tipo rural relacionam os camponeses à administração estatal, 
e	isso	tem	“uma	grande	função	político-social,	já	que	a	mediação	profissional	
dificilmente	se	separa	da	mediação	política”	(Idem,	p.	1520-1521/v.	2,	p.	223).
É com a distinção entre intelectual como categoria orgânica de cada grupo 
social e intelectual como categoria tradicional35 que Gramsci analisa a impor‑
tância da função do partido político em relação à questão dos intelectuais. 
Desenvolve que, para alguns grupos sociais, o “partido é o próprio modo de 
elaborar sua categoria de intelectuais orgânicos”.36 Já para todos os grupos 
sociais, o partido constitui o instrumento que, na sociedade civil, produz e 
realiza a “saldatura” entre intelectuais orgânicos e intelectuais tradicionais para 
transformá-los	em	“intelectuais	políticos	qualificados,	dirigentes,	organizadores	
de todas as atividades e funções inerentes ao desenvolvimento orgânico de uma 
sociedade integral, civil, política”. Essa função é conexa com a função mais 
geral do partido, que para Gramsci, consiste em elevar o nível econômico‑
‑corporativo ao ético‑político (Idem, p. 1522/Idem, p. 24).
Caberia ao partido operar a superação dos momentos econômico‑corpo‑
rativos dos grupos sociais (que encontram nos sindicatos as suas expressões) e 
se tornarem “agentes de atividades gerais, de caráter nacional e internacional”. 
Todos os membros de um partido político são considerados intelectuais, mas o 
significado	forte	é	para	aqueles	que	exercem	uma	função	que	é	“diretiva	e	or‑
ganizativa, isto é educativa, isto é, intelectual” (Idem, p. 1523/Idem, p. 25).
Nesse campo de discussão sobre a função dos intelectuais, especialmente 
de determinada função intelectual, a do partido, nos processos de formação de 
uma consciência ético‑política que supere a mera apreensão e ação corporativa, 
é pertinente destacarmos uma importante nota intitulada “Relações entre estrutura 
35. Gramsci descreve em alguns cadernos o desenvolvimento histórico dos intelectuais tradicionais e 
dos intelectuais orgânicos em diversos países como Itália, Inglaterra, França, Alemanha e EUA. Por exemplo, 
na Inglaterra, o desenvolvimento dos intelectuais orgânicos é diverso da França. Escreve Gramsci: “O novo 
agrupamento social nascido sobre a base do industrialismo” avançou no desenvolvimento econômico‑cor‑
porativo, mas não no campo intelectual‑político. “É muito ampla a categoria dos intelectuais orgânicos, isto 
é, dos intelectuais nascidos no terreno industrial do grupo econômico; porém, na esfera mais elevada, encon‑
tramos conservada a posição de quase monopólio da velha classe agrária, que perde supremacia econômica 
mas	conserva	por	muito	 tempo	uma	supremacia	político-intelectual,	sendo	assimilada	como	‘intelectuais	
tradicionais’ e como estrato dirigente pelo novo grupo que ocupa o poder. A velha aristocracia fundiária se 
une aos intelectuaisatravés de um tipo de sutura que, em outros países, é precisamente aquele que une os 
intelectuais tradicionais às novas classes dominantes” (C 12, § 1, p. 1526/v. 2, p. 28).
36. Passagem ausente no Caderno 4..
289Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
e superestrutura”, presente no Caderno 4, § 38, e reposta no Caderno 13, § 17, 
com o título “Análises das situações: relações de força”.37 Nela, Gramsci exami‑
na os diversos “momentos” ou “graus” em que se articulam as relações de forças 
entre	as	classes	sociais,	objetivando	 identificar	as	situações	que	“sugerem	as	
operações táticas imediatas, indicam a melhor maneira de empreender uma 
campanha de agitação política, a linguagem que será mais bem compreendida 
pelas multidões etc.” (C 13, § 17, p. 1588/v. 3, p. 19). O primeiro nível de aná‑
lise que examina as relações de força é o econômico, ou seja, é aquele ligado à 
estrutura objetiva, do grau de desenvolvimento das forças materiais de produção 
em que se tem os agrupamentos sociais e suas funções e posições na divisão 
social do trabalho.38 Trata‑se da base objetiva na qual se estabelece, com realis‑
mo, a análise da relação e a situação política das forças sociais. É nesse segundo 
nível	—	o	das	“relações	das	forças	políticas”	—,	que	se	estabelece	a	identificação	
do grau de homogeneidade, de organização e consciência ideopolítica alcançado 
pelos vários grupos sociais: o primeiro é o momento econômico‑corporativo, no 
qual	o	grupo	profissional	toma	consciência	dos	seus	interesses	e	do	dever	de	
organizá‑los, mas não desenvolveu ainda unidade com o grupo social mais am‑
plo; o segundo é o momento sindicalista, “em que se atinge a consciência da 
solidariedade de interesses entre todos os membros do grupo social, mas ainda 
no campo meramente econômico”. A questão do Estado é posta nesse momento 
“apenas no terreno da obtenção de uma igualdade político‑jurídica com os gru‑
pos dominantes, já que se reivindica o direito de participar da legislação e da 
administração	e	mesmo	de	modificá-las,	de	reformá-las,	mas	nos	quadros	fun‑
damentais existentes”.
O terceiro momento marca a
fase mais estritamente política, que assinala a passagem nítida da estrutura para 
a esfera das superestruturas complexas; é a fase em que as ideologias geradas 
37. O Caderno 13, intitulado “Notas sobre Maquiavel”, redigido entre 1932 e 1934 contém notas que 
foram reescritas, em sua maioria, do Caderno 8 — redigido entre 1931‑1932. Uma discussão da relação 
entre estrutura e superestrutura nos cadernos pode ser encontrada em Bianchi (2008, p. 121‑142; 157‑172); 
Liguori e Voza (2009, p. 830‑834); e Cospito (2004, p. 227‑246).
38. Passagem fundamental na explicitação da centralidade ontológica da estrutura em face da superes‑
trutura tal como estabelecido por Marx e Engels. Um mapeamento descritivo de um conjunto de produções 
acadêmicas de intérpretes de Gramsci — de verniz liberal e culturalista — que renegam essa determinação 
estrutural presente nos seus escritos está em Liguori (2012).
290 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
anteriormente se transformam em “partido”, entram em confrontação e lutam até 
que uma delas, ou pelo menos uma única combinação delas, tenda a prevalecer, 
a se impor, a se irradiar por toda a área social, determinando, além da unicidade 
dos	fins	econômicos	e	políticos,	 também	a	unidade	intelectual	e	moral,	pondo	
todas as questões em torno das quais ferve a luta não no plano corporativo, mas 
num plano “universal”, criando assim a hegemonia de um grupo social fundamen‑
tal sobre uma série de grupos subordinados. (Idem, p. 1583‑1584/ Idem, p. 40‑41)
É nesse terceiro momento, interno às relações das forças políticas, que se 
pode	identificar	a	formação	de	uma	consciência ético‑política de classe e em que 
está posta a questão da hegemonia.39 Ou seja, é nessa passagem para o momento 
“ético‑político” que esta a fundação de uma nova hegemonia de classe.
Como explicita Coutinho (1991, p. 105‑106), para Gramsci, a possibilida‑
de da construção de uma nova hegemonia está na capacidade de formação de 
uma vontade coletiva revolucionária dirigida pela classe operária. Nessa cons‑
trução, o gramsciano brasileiro chama a atenção para a centralidade das 
observações do marxista sardo acerca da necessidade da superação dos movi‑
mentos espontâneos pela direção política consciente, ou seja, por “uma síntese 
político‑intelectual que supere os elementos de corporativismo e transforme tais 
movimentos	em	algo	homogêneo,	universalizante,	capaz	de	ação	eficaz	e	dura‑
doura”. Para Gramsci, os “sentimentos espontâneos” das massas, prossegue 
Coutinho, devem ser “educados”, “orientados” e é da “unidade da espontanei‑
dade” com a “direção consciente” que se deve desenvolver a ação política das 
classes subalternas. Essa função de síntese e de mediação caberia aos intelectuais 
orgânicos do partido, ao “moderno príncipe”. No C 4 (§ 46, p. 473), encontramos 
a	seguinte	afirmação:	“Da	fase	corporativa	à	fase	de	hegemonia	na	sociedade	
civil	(ou	de	luta	pela	hegemonia)	[...]	correspondem	atividades	intelectuais	de‑
terminadas, que não se pode improvisar arbitrariamente”. Tradução nossa. Gra‑
msci, aqui, está conferindo uma função particular à mediação do partido como 
instrumento político da passagem do momento corporativo ao ético‑político. 
39.	A	análise	das	relações	de	forças	é	completada	por	um	terceiro	nível,	identificado	por	Gramsci	como	
relação	de	forças	militares.	A	interpretação	do	significado	desse	nível	de	análise	das	relações	de	forças	abre	
uma polêmica sobre a estratégia revolucionária defendida por Gramsci, cuja discussão central está no que 
denominou de “guerra de posição” e “guerra de movimento”. Dado os limites deste artigo, não trataremos 
dessa questão aqui. 
291Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
Também elucida Coutinho (1991, p. 106) que a “formação de uma vontade co‑
letiva	liga-se	organicamente	ao	que	Gramsci	chama	[...]	de	‘reforma	intelectual	
e moral’”. O moderno príncipe deve ser “ao mesmo tempo o organizador e ex‑
pressão ativa e operante” dessa vontade e trabalhar por uma “reforma intelectual 
e moral” (C 13, § 1, p. 1561/v. 3, p. 18), condição necessária para o processo de 
criação de uma contra‑hegemonia das classes subalternas e pela consequente 
criação da nova sociedade “regulada”, termo usado por Gramsci para se referir 
à criação do “autogoverno dos produtores associados”. A função dirigente e 
organizativa que os intelectuais exercem atuando no partido também nos possi‑
bilita	afirmar,	em	acordo	com	Coutinho	(Idem,	p.	107),	que	“o	intelectual	tem	
funções similares às de um partido político”, ou seja, há um “estreito vínculo 
entre a função intelectual e a função político‑partidária”. Intelectual e partido 
são	definidos	mais	por	esta	função — a de elevação das consciências sindical e 
corporativa à universal, de classe, ético‑política. Entretanto, cabe particularmen‑
te aos intelectuais, na atuação por meio do partido, essa função da criação de 
processos de elevação da consciência corporativa à ético‑política, à consciência 
de classe. Em outros espaços de atuação e outras formas de organização, como, 
por exemplo, o sistema educacional, meios de comunicação, movimentos sociais, 
atividades	profissionais	—	em	que	atuam	os	intelectuais	—,	essa	função	também	
pode estar presente, mas tende a se centrar no operar dos processos de passagem 
do “senso comum” ao “bom senso”, de uma consciência imediata a formas de 
pensar e agir críticas, em outras palavras. Em um campo de mediações de for‑
mação de um saber e de um operar que podem fomentar e induzir à formação de 
uma consciência de classe. Contudo, a centralidade dessa formação em Grams‑
ci está na função do intelectual que atua por meio do partido.
Uma breve síntese
Como exposto, a questão do intelectualé tratada por Gramsci no interior 
do conjunto das relações sociais da sociedade de classes. A função do intelectual 
se	define	pela	conservação	ou	a	construção	de	projetos	hegemônicos	de	classe.	
Nesse	sentido,	a	definição	e	a	função	dos	intelectuais	estão	organicamente	li‑
gados	à	configuração	do	Estado integral (composto pelas esferas da sociedade 
política e da sociedade civil) nos processos de manutenção da hegemonia dos 
292 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014
interesses de classe que portam e representam. É no exercício das funções e nas 
ações e relações que mantêm com os interesses de classe no interior do “Estado 
integral” que os intelectuais são, precisamente, os funcionários que mediatizam 
a manutenção da hegemonia de determinada classe ou fração de classe, tanto 
pela via do consenso quanto pela via da coerção. Para os intelectuais orgânicos 
vinculados a um projeto societário emancipador das classes subalternas, a 
função da construção de uma contra‑hegemonia tanto está na ação desenvol‑
vida nos processos de formação de uma consciência crítica que supere o senso 
comum (função que é própria do conjunto dos intelectuais), quanto nas ações 
que vinculam os conteúdos de um senso comum em vias de superação, de 
elementos corporativos presentes na ação e luta política, a projetos de classe. 
Referimo‑nos aqui, especialmente, à passagem do elemento econômico‑corpo‑
rativo ao ético‑político, que, em termos marxianos, seria a passagem da classe 
em si à classe para si. Gramsci atribuiu essa função ao partido político, ins‑
tância organizativa particular de atuação dos intelectuais na defesa de um 
projeto político de classe emancipador.
Recebido em 23/9/2013 ■ Aprovado em 17/3/2014
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294 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
Reestruturação produtiva, trabalho 
informal e a invisibilidade social do 
trabalho de crianças e adolescentes*
Production restructuring, informal work and the 
social invisibility of children and adolescents’ labor
Edvânia Ângela de Souza Lourenço**
Resumo: Este texto problematiza alguns elementos que podem 
auxiliar na compreensão do trabalho precoce, nos dias atuais. A partir 
da realidade local, município de Franca, SP, faz apontamentos acerca 
da reestruturação produtiva, da expansão do trabalho informal, autô‑
nomo e doméstico e a inserção de meninos e meninas precocemente 
no mercado de trabalho, mantendo a distância entre o paradigma de 
proteção integral das crianças e adolescentes e a realidade cotidiana 
em que eles estão inseridos.
Palavras‑chave: Reestruturação produtiva. Trabalho informal. Traba‑
lho infantil. Trabalho do adolescente. Setor calçadista.
* Este texto compõe‑se, parcialmente, das discussões realizadas pelo projeto de pesquisa e extensão 
universitária “PETI‑COMPETI: uma análise intersetorial do trabalho infantil em Franca, SP”, aprovado 
pela Pró‑Reitoria de Extensão para os anos de 2011 e 2012, na UNESP‑Franca, o qual analisou a existência 
do trabalho precoce no município e a efetividade do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). 
Este Projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética, conforme Memorando n. 065/201 e contou com o apoio da 
Comissão de Acompanhamento do PETI em Franca; da Secretaria de Ação Social do referido município, 
especificamente	na	pessoa	da	assistente	social	Lucinéia	Silva	Sartori	Coelho,	que,	na	época,	era	Diretora	de	
Proteção Social Básica; do Sindicato dos Sapateiros (localizado na Av. Padre Anchieta) e das bolsistas do 
Projeto, especialmente, Ana Cláudia Guiraldelli, Aline Lima da Silva, Caroline Luise Siqueira e Sheila 
Batista e Souza.
** Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Teoria Social de Marx e Serviço Social; responsável 
pela linha de pesquisa Mundo do Trabalho: Serviço Social e Saúde do Trabalhador (GEMTSSS‑Unesp), 
Franca/SP, Brasil. E‑mail: edvaniaangela@hotmail.com.
295Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
Abstract: This article questions some elements that can help to make early work understood 
nowadays. From a local reality, the city of Franca in São Paulo, it records the production restructuring, 
the expansion of the informal, autonomous and domestic work, and the early inclusion of boys and 
girls in the work market, as well as the maintenance of the distance between the paradigm of whole 
protection to children and adolescents and the daily reality in which they are inserted.
Keywords: Production restructuring. Informal work. Child labor. Working adolescents. Footwear sector.
Introdução
Quem trabalha muito não tem tempo de brincar, nem de arranjar amigos, quando 
vai dormir para descansar vai e sonho um cadinho, mas um sonho rápido. Direito 
de brincar, direito de poder sonhar, também sonhar com todos, direito de querer 
alguma coisa e direito de estudar! Esses são os direitos das crianças. (Depoimen‑
to	de	Genivaldo,	14	anos,	cortador	de	cana,	filme	da	OIT,	Brasil,	1994)
R efletir	a	respeito	do	trabalho	precoce	na	atual	fase	do	capitalismo	brasileiro implica considerar duas questões que parecem essenciais: por um lado, a (in)efetividade das políticas sociais públicas, as quais se encontram pressionadaspelos “novos” componentes ad‑
ministrativos, que reproduzem intensamente o discurso e a gestão empresarial 
privada no âmbito dos serviços públicos, reduzindo sensivelmente o acesso aos 
direitos sociais duramente conquistados pela classe trabalhadora. E, por outro 
lado, é preciso considerar a totalidade das mudanças do mundo do trabalho, 
cujas	definições,	em	âmbito	mundial,	apontam	para	“[...]	a	subproletarização	
intensificada,	presente	na	expansão	do	trabalho	parcial,	temporário,	precário,	
subcontratado, terceirizado, que marca a sociedade capitalista avançada” (An‑
tunes,	1999,	p.	41).	Trata-se	das	influências	internacionalmente	hegemônicas:	
neoliberalismo e reestruturação produtiva.1
1.	A	reestruturação	produtiva	e	a	adoção	do	regime	neoliberal	de	governo	contaram	com	sofisticadas	
formas	de	disseminação	de	sua	justificativa	ideológica,	estabelecendo	um	consenso	social	em	torno	do	tra‑
balho por conta própria e autônomo como formas positivas e de melhores condições para o trabalhador 
(Alves, 2007). O individualismo ganha centralidade, portanto, os atributos como criatividade, senso de 
empreendedorismo e gestão, participação e espírito competitivo, compõe o “novo” modelo de organização 
do	trabalho,	que	tem	se	tornado	mais	flexível,	informal,	autônomo,	entre	outros,	com	rebatimento	direto	para	
a classe que vive o trabalho (Antunes, 1999).
296 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
Portanto, o trabalho precoce deve ser visto a partir das particularidades do 
local onde ocorre, mas, de forma alguma, deve ser analisado de modo autôno‑
mo e individual. Ao contrário, esta é uma das expressões da questão social e 
faz parte do processo de constituição do sistema capitalista (Engels, 1985), que 
nas repercussões da crise cíclica vivida desde os anos de 1970, vem promoven‑
do	a	reorganização	da	produção	em	face	da	globalização,	resultando	na	flexi‑
bilização do trabalho e dos respectivos direitos. A crise do capital impõe a so‑
ciedade e aos trabalhadores a redução dos ganhos do trabalho, em termos de 
salários, políticas sociais e postos de trabalho (Mészáros, 2002). Estas mudan‑
ças subsidiadas nos incrementos de ordem tecnológica e organizacional asso‑
ciadas ao credo neoliberal conduzem ao desemprego, ao subemprego e à fragi‑
lização do poder sindical.
Deve ser dito que o trabalho infantil é um fenômeno presente não apenas 
nos países pobres, mas ocorre também naqueles considerados como “desenvol‑
vidos”. Contudo, “O maior número absoluto de crianças trabalhadoras encontra‑
-se	na	região	da	Ásia-Pacífico,	mas	a	África	Subsaariana	continua	a	ser	a	região	
com a mais elevada incidência de trabalho infantil” (OIT, 2013, on‑line). Segun‑
do o Relatório, “para o grupo etário de 5 a 17 anos, as crianças trabalhadoras 
perfazem	cerca	de	77,7	milhões	na	região	da	Ásia-Pacífico.	Para	o	mesmo	grupo	
etário, existem 59,0 milhões de crianças trabalhadoras na África Subsaariana, 
12,5 milhões na América Latina e Caraíbas e 9,2 milhões no Médio Oriente e 
Norte de África” (OIT, 2013, on‑line). O órgão internacional aponta que nos 
últimos 12 anos houve queda nas estatísticas de trabalho infantil, em decorrência 
das	legislações	internacionais	criadas	e	respectivas	fiscalizações.	No	Brasil,	al‑
gumas políticas sociais foram criadas como fruto deste movimento, por exemplo, 
o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e a criação do Fórum 
Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI).
Em recente Relatório, Sakamoto (2013, on‑line) aponta que houve uma queda 
considerável nos dados estatísticos que denunciam o trabalho precoce no Brasil.
Em 1992, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do 
Instituto	Brasileiro	de	Geografia	e	Estatística	(IBGE),	havia	no	Brasil	8,4	milhões	
de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos (19,6% do total) em atividades remu‑
neradas. Em 2011, 3,6 milhões de meninos e meninas na mesma faixa etária es‑
tavam em situação de trabalho (8,6% do total), de acordo com a PNAD. (Saka‑
moto, 2013, on‑line)
297Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
Apesar dos índices em queda do trabalho infantil no país, de 2005 para cá, 
segundo Sakamoto (2013, on‑line), houve uma desaceleração no ritmo destes 
índices, sendo que em 2010, chegou a ter um aumento de 1,5% entre os traba‑
lhadores de 10 a 15 anos de idade. Sakamoto (2013, on‑line) destaca alguns 
fatores responsáveis pela permanência desta problemática, tais como: aceitação 
e até mesmo defesa das crianças e adolescentes no mercado de trabalho; auto‑
rizações judiciais regulando o trabalho na faixa etária proibida pela lei; a insu‑
ficiência	do	PETI	e,	ainda,	a	sua	integração	ao	Bolsa	Família,	cuja	ênfase	na	
transferência de renda não tem erradicado o problema, sobretudo, na questão 
do	narcotráfico,	além	de	não	abranger	as	famílias	que	não	vivem	na	linha	da	
miséria. Tais fatores colocam em risco a perspectiva de eliminar as piores formas 
de trabalho infantil até 2016 e a totalidade até 2020, conforme as metas assu‑
midas pelo Brasil frente aos órgãos internacionais (Sakamoto, 2013, on‑line).
O Repórter Brasil destacou que além do trabalho realizado por crianças e 
adolescentes no mercado informal e no âmbito doméstico, os quais são sempre 
muito	difíceis	para	a	fiscalização	e	não	estão	contemplados	nos	dados	estatísticos	
(OIT, 2013, on‑line) ainda prevalece a existência deste problema no mercado 
formal e devidamente institucionalizado (Duran, 2013, on‑line). Isso decorre 
porque muitos juízes autorizam a contratação de meninos e meninas com idades 
inferiores ao que é permitido. Nos últimos anos, foram mais de 30 mil autoriza‑
ções judiciais que permitiram que as pessoas a partir de 10 anos de idade inicias‑
sem alguma atividade laboral, em geral, as solicitações proveem das famílias 
premidas	pelas	dificuldades	socioeconômicas	e	também	para	trabalhos	artísticos.	
Em 2005 foram 1.283 autorizações; em 2006 este total subiu para 6.118 autori‑
zações. Já em 2007, o total foi de 5.697, em 2008, o total foi de 6.727, em 2009 
de 5.927 e, em 2010, de 7.421 (MTE apud IstoÉ, 2013, on‑line).
Observa‑se que há um crescimento das autorizações judiciais para o traba‑
lho precoce. Em 2005, foram um mil duzentos e oitenta e três; em 2010, este 
total foi de sete mil quatrocentas e vinte uma autorizações (MTE apud IstoÉ, 
2013, on‑line).2 Galvani (2013, on‑line) destaca que, em 2011, houve uma que‑
da	significativa	nestes	números,	uma	vez	que	o	registro	foi	em	torno	de	três	mil	
casos, sendo que esta redução pode estar relacionada à forma de preenchimento 
2. Desde 2005, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) incluiu os dados acerca das autorizações 
judiciais na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). Estas autorizações são para realidade de trabalho 
e não para medidas de trabalho na condição de aprendiz.
298 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
dos dados na RAIS e, não necessariamente, à queda desta prática. As autorizações 
judiciais têm criado polêmica no Judiciário: “Já chegaram ao conhecimento 
público casos de autorização para o trabalho em lixões, situação que, obviamen‑
te, já à primeira vista, se revela nociva à criança e ao jovem, conta o ministro do 
Tribunal Superior do Trabalho, Lélio Bentes Corrêa” (Galvani, 2013, on‑line).
Um juiz da Comarca de São Joaquim, interior de Santa Catarina, autorizou uma 
menina de 14 anos a trabalhar na colheita de maçãs numa jornada de 8 horas 
diárias. O magistrado alegou que, além de contribuir para a renda familiar, a 
adolescente	não	pediria	esmolas,	ficaria	longe	das	ruas	e	de	ações	delituosas.	Em	
Cláudio, município mineiro de 25 mil habitantes, um juiz permitiu que um garo‑
to de 14 anos atuasse numa empresa de usinagem e tornearia porque tinha “porte 
físico	avantajado”	e	ficava	com	“vergonha”	de	ser	sustentado	pelos	pais.	“Falarem trabalho infantil é um equívoco”, defende Evandro Pelarin, juiz da Vara da 
Infância e da Juventude da Comarca de Fernandópolis, interior de São Paulo. “Em 
geral,	essas	autorizações	são	para	adolescentes	e,	além	do	critério	financeiro,	tem	
um	caráter	pedagógico.	Pais	diligentes	querem	que	seus	filhos	aprendam	uma	
profissão.	Por	que	ninguém	vai	atrás	de	crianças	contratadas	para	trabalhar	na	
tevê?” Pelarin calcula ter concedido mais de 200 autorizações. Ele garante, no 
entanto,	que	o	trabalho	dos	adolescentes	é	constantemente	fiscalizado	pelo	Con‑
selho Tutelar. (IstoÉ, 2013, on‑line)
A necessidade material e o discurso ideológico, que, ao longo dos tempos, 
vem sedimentando a naturalização do trabalho precoce caminham par e passo 
das características imanentes ao sistema capitalista que, por um lado, é alarde‑
ado pelo seu desenvolvimento, mas como já enfatizado por Marx (2006), no 
capítulo XXIII, de O capital, na mesma medida que há o crescimento econô‑
mico e o desenvolvimento das forças sociais produtivas, há, de outro lado, o 
aprofundamento da miséria em que grande parte da população é jogada. Seja 
em decorrência do desemprego, seja em decorrência dos baixos salários que 
permitem apenas a manutenção e reprodução da vida, ou, ainda, em decorrência 
da ausência de políticas sociais públicas universais e de qualidade. Assim, o 
trabalho precoce é uma expressão deste modo de produção!
Há de se reconhecer que muitas empresas temerosas com as más repercussões 
para a sua imagem não se utilizam diretamente desta forma de exploração do 
299Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
trabalho	no	interior	do	seu	sistema	produtivo.	Entretanto,	isso	não	significa	dizer	
que estas empresas, inclusive multinacionais, não se valham da exploração do 
trabalho precoce para armar a sustentabilidade do negócio e as suas condições de 
competição mercantis.
O modo de produção capitalista se assenta na superexploração do trabalho 
e	dos	recursos	naturais	para	conseguir	intensificar	o	seu	processo	de	acumulação.	
As grandes empresas estão interligadas e sustentadas às empresas terceiras, de 
menor porte e de piores condições de trabalho. Dessa maneira, as multinacionais, 
sediadas em países desenvolvidos, buscam recursos naturais e mão de obra 
disponíveis a preços irrisórios existentes em regiões longínquas. O valor da 
força de trabalho tem uma relação direta com o custo da produção.
Assim, a divisão internacional do trabalho cria uma espécie de submundo 
laboral, pois nos países de capitalismo avançado há um rigor maior quanto ao 
cumprimento de normas e regras construídas pelas lutas sociais. Contudo, o ca‑
pital na sanha de fazer mais dinheiro e se recuperar das suas crises (cíclicas), que 
são crises de superprodução, necessita de buscar novos mercados para desaguar 
seus produtos e também conseguir matéria‑prima e mão de obra disponíveis, 
uma vez que, estes países com sua produção destrutiva conseguiram esterilizar 
os seus recursos naturais. Deste processo, as jazidas de recursos naturais da 
América Latina têm servido ao desenvolvimento capitalista europeu e norte 
americano (Galeano, 2009). Acredita‑se que seria justo incluir nas estatísticas 
oficiais	destes	países	os	índices	de	trabalho	precoce	e	outras	mazelas,	vividos	pe‑
los povos latino‑americanos. Por exemplo, em 2006, a Faber‑Castell, fabricante 
alemã de material escolar e a Basf, também de origem alemã, responsável pela 
tinta Suvinil e o grupo britânico ICI Paints pela Tinta Coral foram denunciadas 
em decorrência do trabalho precoce presente no processo de trabalho de talco 
oriundo da pedra‑sabão,3 em Mata dos Palmitos, zona rural de Ouro Preto/MG.
3. O Instituto Observatório Social, CUT, em investigação constatou o uso de trabalho de infantil e de 
adolescentes no trabalho artesanal da pedra‑sabão e de crianças a partir dos cinco anos de idade trabalhando 
nas jazidas clandestinas, localizadas embaixo das casas do povoado (A idade da pedra, 2013, on‑line). “A 
pedra‑sabão é utilizada em remédios, tintas, cerâmica de naves espaciais, cosméticos, borrachas, papéis, sabão 
e lápis escolares, além de ser material para artesanato. A poeira do talco contém amianto (ou asbesto), material 
utilizado em telhas e caixas d’água, proibido em diversos países pelo prejuízo que causa à saúde. A inalação 
desse composto químico, que acontece durante o manejo das pedras, pode causar câncer de pulmão, da pleu‑
ra (membrana do pulmão) e do peritônio (membrana interna do abdômen)” (A idade da pedra, 2013, on‑line).
300 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
Dessa forma, seria um engano discutir o problema do trabalho precoce 
apenas do ponto de vista da família ou das condições de pobreza das localidades 
onde elas vivem. Isso é importante, mas é necessário fazer um movimento mais 
amplo, reconhecendo que o modo de produção capitalista como um todo se 
aproveita da condição de precariedade das famílias, e ao mesmo tempo que a 
cria a reproduz.
A investigação do fenômeno do trabalho precoce não se constitui tarefa 
fácil porque está imbricado com questões estruturais fundadas na divisão social 
do trabalho4 e materializadas nas necessidades imediatas objetivas e subjetivas. 
Portanto, não basta conhecer os dados quantitativos que expõem o problema, é 
preciso buscar os fatores que levaram à inserção de meninos e meninas ao 
mercado	de	trabalho.	Eleger	um	território,	quantificar	o	tempo,	o	local	e	o	nú‑
mero	de	trabalhadores	precoces	é	importante	porque	permite	identificar	algumas	
características das atividades desenvolvidas neste sistema produtivo e a conse‑
quente gênese de tensão que repercute na necessidade do uso da força de tra‑
balho infantojuvenil contudo, não se pode perder de vista que a singularidade 
dos problemas se retroalimentam da totalidade, a qual se singulariza nas várias 
dimensões da vida cotidiana.
Assim, o Projeto PETI‑COMPETI5	 realizou	Oficinas	 com	 as	 famílias	
beneficiárias	do	Programa	de	Erradicação	do	Trabalho	Infantil	(PETI)	e	profis‑
sionais responsáveis pelo desenvolvimento deste Programa em Franca, no pe‑
ríodo de 2011 e 2012 e, ainda, entrevista com uma assistente social do Centro 
4. A divisão social do trabalho não é uma simples hierarquia de comando dentro da fábrica ou dos es‑
paços de trabalho, mas se trata de uma das principais características do modo de produção capitalista, que 
contrapõe trabalho intelectual e manual, impõe um sistema de subordinação do trabalho ao capital e toda uma 
estrutura que se expande para as várias dimensões da vida social e por toda a sociedade, “tudo o que é sólido 
se desmancha no ar” (Marx e Engels, 2000).
5. Registra‑se que o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) deve contar com uma Comis‑
são	de	acompanhamento,	de	fiscalização	e	de	apoio.	Esta	Comissão	deve	estar	articulada	ao	Conselho	Muni‑
cipal de Assistência Social, Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente e Conselho Tutelar, além dos 
demais órgãos que atuam na área da infância, adolescência e sociedade civil. Assim, este projeto de pesquisa 
e extensão se originou das reuniões do COMPETI‑Franca, ocorridas no exercício de 2010, em cujas reuniões 
a autora deste estudo participava como conselheira representando a Universidade (Unesp). A partir destas 
reuniões, foi destacada a necessidade de se fazer um levantamento de como o PETI estava sendo efetivado em 
Franca e se havia trabalho infantil no município e em que atividade mais sobressaía. Estes foram os principais 
eixos que nortearam a construção do projeto PETI‑COMPETI, bem como as suas ações, inclusive contando, 
em alguns momentos, com o apoio e a participação de membros da comissão (COMPETI).
301Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
de Referência Especializado em Assistência Social (Creas). Também construiu 
uma amostra da visão dasfamílias acerca do trabalho infantil e do adolescente 
no bairro Jardim Aeroporto III, em Franca, onde foram entrevistadas 110 pessoas 
de diferentes residências moradoras deste bairro, com o objetivo de investigar 
as formas de trabalho infantil e o entendimento dos moradores acerca deste 
fenômeno e do PETI. Também foi feito um levantamento junto aos adolescen‑
tes de 13 a 15 anos de uma escola pública do mesmo bairro, com o objetivo de 
conhecer a sua realidade de trabalho. Para os efeitos deste texto, busca‑se de‑
senvolver a análise dos dados que se referem ao trabalho precoce na realidade 
cotidiana	verificada	no	bairro	Jardim	Aeroporto	III,	em	Franca/SP.
A	 identificação	do	 trabalho	precoce	no	 setor	 calçadista	 exige	 ir	 até	 os	
bairros,	bater	nas	portas	e	portões	e	verificar	se	naqueles	empreendimentos,	que	
se localizam nos domicílios, existe trabalho infantil e adolescente. Como se 
trata	de	espaço	privado,	de	antemão,	já	se	estabelece	uma	grande	dificuldade	
para	a	sua	identificação;	assim,	é	preciso	contar	com	a	cordialidade	e	aprovação	
do responsável pelo empreendimento para entrar, entrevistar e registrar. Todas 
as entrevistas contaram com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
1. Trabalho precoce: desvendando o problema como problema
Bicho, sonho, menino, cartilha, recreio, merenda, o gradativo abandono da esco‑
la. Poucas vezes crianças, muitas vezes adulto, ter muitas mas não ter sua própria 
idade, na escola da vida quase sempre pesado... Quem ganha com isso? Quem 
quer	saber	disso?	(Trecho	do	filme	OIT-Brasil,	1994)
Observa‑se que o trabalho precoce não é visto pela sua negatividade, ou 
melhor,	não	é	percebido	cotidianamente	como	problema.	Durante	uma	das	Ofi‑
cinas	realizadas	com	profissionais	que	desenvolvem	o	Programa	de	Erradicação	
do	Trabalho	Infantil	(PETI),	em	Franca,	para	fins	desta	pesquisa,	utilizou-se	de	
imagens de crianças trabalhando, realizadas pelo Projeto PETI‑COMPETI, no 
bairro	Jardim	Aeroporto	III	do	referido	município	e	alguns	profissionais	disseram	
que	se	sentiam	distantes	desta	realidade:	“[...]	A	gente	trabalha	com	o	PETI	e,	às	
vezes, vivencia o trabalho infantil, mas quando a gente vê estas imagens é muito 
302 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
mais	forte.	[...]	é	bem	mais	impactante...	Acho	que	a	gente	mesmo	como	profis‑
sional	não	tem	noção	de	tais	dificuldades	(Psicóloga,	CRAS	B).6
Portanto,	quando	se	fala	em	trabalho	infantil,	um	dos	primeiros	desafios	é	
identificar	o	problema	como	tal.	Fica	evidente	também	que	as	políticas	sociais	
públicas de enfrentamento a esta questão são muito recentes, apesar da antigui‑
dade da problemática do trabalho infantil e do adolescente.
O problema é complexo. A partir das mudanças do mundo do trabalho 
destitui‑se o trabalhador das garantias do trabalho formal e ainda de melhores 
salários, em cujo momento histórico se vivencia o arrefecimento do Estado na 
manutenção das políticas sociais públicas e universais; pelo lado dos trabalha‑
dores, um arrefecimento nas lutas sociais. Assim, estabelece‑se um consenso 
social que crianças e adolescentes oriundas das classes menos favorecidas devem 
ser inseridas precocemente no mercado de trabalho. A solução rasa é pensar a 
prática do trabalho como prevenção à marginalidade e à formação de caráter, 
gera	inclusive	uma	produção	de	conhecimento	de	determinados	profissionais	
que questionam o que é trabalho infantil e se, de fato, é uma forma de explora‑
ção	(Casemiro,	2006),	cuja	análise	a	partir	da	imediaticidade	acaba	justificando	
a inserção precoce da criança e do adolescente no mundo laboral. A questão, 
assim circunscrita, aponta para a precariedade material da família e, portanto, 
a	necessidade	do	trabalho	dos	filhos,	mesmo	quando	crianças.	O	ideal	passa	a	
ser	o	aprendizado	de	uma	profissão,	mesmo	que	esta	seja	precária,	insegura	e	
que represente riscos à saúde da pessoa em desenvolvimento. “Então a criança 
ajuda como pode. Em vez de receber a proteção, assume comportamento de 
adulto, dando a si própria a responsabilidade de proteger os adultos da família” 
(Silva, 2002, p. 168). Neste sentido, reforçam‑se medidas sociais de domesti‑
cação da classe trabalhadora, como já destacado por França Júnior (2012), a 
legalização do trabalho do adolescente, num contexto marcado pela precarie‑
dade	do	ensino	público,	acaba	por	determinar	um	lugar	comum	aos	filhos	da	
classe trabalhadora, em que pese o fortalecimento de tipos de trabalho que 
consolidam sua posição de classe.
6.	Neste	texto,	a	identificação	dos	entrevistados	e	das	respectivas	unidades	de	trabalho	será	feita	de	
modo	genérico	e	quando	se	tratar	de	familiares	de	crianças	e	adolescentes	atendidas	pelo	PETI,	a	identifica‑
ção se dará pelas iniciais do nome e pelo grau de parentesco.
303Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
A informalidade do trabalho ainda é o maior obstáculo para eliminar esta 
forma de violação dos direitos humanos. É um efeito dominó, as mudanças 
no mundo do trabalho repercutiram diretamente nos ganhos salariais e na 
segurança no/do trabalho, assim, com ganhos reduzidos, as famílias acabam 
tendo que buscar estratégias para aumentar a renda e, por isso, passam a con‑
tar	com	o	trabalho	dos	filhos.	Associam-se	às	necessidades	materiais	das	fa‑
mílias o afastamento do Estado e a ausência de uma Política Nacional de 
Educação para além do sistema escolar atual. Premidos pela ausência de 
atividades	 extraescolares,	 as	 famílias	 temem	perder	 os	 seus	 filhos	 para	 o	
mundo das drogas e marginalidade, assim, o trabalho é uma espécie de “por‑
to seguro” no processo do cuidado e da educação dos meninos e meninas 
pobres (Lourenço, 2014, on‑line).
Durante entrevistas a cento e dez moradores de residências distintas, do 
bairro Jardim Aeroporto III, em Franca/SP, das quais oito eram Bancas de Pes‑
pontos, destaca‑se a crença da população no trabalho como forma de educação 
e prevenção ao “mau” caminho, sendo comum os depoimentos semelhantes a 
assertiva: “Antigamente a gente começava a trabalhar com 8, 10 anos e não 
tinha tanta malandragem como tem agora” (Moradora do Jardim Aeroporto III).
Então, é essa visão, eu acho que ela é muito cultural, na nossa cidade tem uma 
visão cultural assim... como é muito próximo da zona rural, os empresários que 
foram criados na zona rural começaram a trabalhar com sete anos, com sete anos 
tirava leite..., por que que agora esses meninos não podem trabalhar? Então, 
existe um questionamento da sociedade em torno do trabalho nesse sentido, que 
o trabalho é necessário para fazer o caráter (Assistente social do CREAS).
[...]	questão	cultural,	aquelas	falas	que:	“Trabalho	não	mata	ninguém”,	“Eu	tam‑
bém trabalhei quando criança e não me aconteceu nada” (Psicóloga, CRAS B).
O	discurso	ideológico	ratificador	do	trabalho	precoce	se	vincula	às	questões	
econômicas, existindo conforme as possibilidades dadas pelo mercado de tra‑
balho, acompanhado dos fatores culturais. Dissemina‑se o discurso moralizador, 
que impõe a disciplina do trabalho como central para a constituição de uma 
pessoa de bem, necessário à ordem social. O trabalho aparece mesclado pelo 
potencial	de	mantenedor	financeiro	e	de	transformador	do	caráter	dos	filhos	do	
304 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
pobre. Tendo em vista que a classe trabalhadora não conta com recursos dispo‑
níveis	para	arcar	com	gastos	de	formação	dos	filhos,	sobretudo,	para	o	acesso	
aos cursos e a formação educacional e cultural mais ampla. Assim, como o 
Estado não mantém projetos e programas contínuos para atender crianças e 
adolescentes no período extraescolar, foi mencionado pelos entrevistados que 
colocar	os	filhos	para	trabalhar,	por	exemplo,	na	Banca	de	Pesponto	em	Calça‑
dos ou costurando sapatos em casa, era uma forma de ter os pupilos sob olhar 
dos pais e longedos perigos da rua, a qual é vista como perigosa e onde se 
aprende	o	que	não	presta.	Além	disso,	eles	acreditam	que	os	filhos,	quando	
trabalham, estão aprendendo uma função, sendo comum as explicações redu‑
zidas ao jargão: “eu comecei a trabalhar cedo e não morri”. Premidos pelas 
dificuldades	imediatas,	não	conseguem	analisar	a	perpetuação	da	sua	condição,	
pois, sem ter conseguido aprofundar os estudos também não conseguiram me‑
lhores oportunidades de emprego. O caráter disciplinador do trabalho para as 
crianças	 e	 adolescentes	 pobres	 também	é	 defendido	 por	 profissionais	 como	
juízes e promotores, entre outros, como atestam a reportagem já indicada neste 
texto (IstoÉ, 2013, on‑line).
Paulo Netto (1987) explica que o cotidiano é o lugar da reprodução social 
e está marcado pelas demandas diferentes que os indivíduos vivenciam no seu 
dia a dia; na imediaticidade, as pessoas tentam responder às demandas imedia‑
tas	e	pela	superficialidade	extensiva,	estas	demandas	são	extensivas	às	várias	
dimensões da vida.
Observa-se	que	familiares	e	profissionais	dão	um	tratamento	paliativo	para	
as situações, que exigiriam medidas que tocassem a raiz do problema, ou seja, 
a necessidade de o menino trabalhar vincula‑se aos baixos salários dos pais; à 
falta de perspectiva para uma formação de qualidade, que vai além do desejo 
individual, mas é, na realidade, a expressão da própria educação no país, na 
qual mais de 50% dos brasileiros não concluem o Ensino Médio;7 a ausência 
de políticas sociais públicas voltadas para a adolescência, que, no período con‑
7. “O Brasil tem 21 milhões de adolescentes com idade entre 12 e 17 anos. De cada 100 estudantes que 
entram no ensino fundamental, apenas 59 terminam a 8ª série e apenas 40, o ensino médio. A evasão escolar 
e a falta às aulas ocorrem por diferentes razões, incluindo violência e gravidez na adolescência... (Unicef, 2013, 
on‑line). Acredita‑se que o trabalho e o respectivo cansaço e, ainda, a autonomia precoce proporcionada pelo 
salário pode levar à desistência da escola e, portanto, o afastamento de uma formação mais especializada. 
305Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
trário ao da escola, poderiam oferecer um complemento seja esportivo, cultural, 
de lazer etc. à formação. Ausente um projeto educativo nacional que favoreça 
a formação para além do quesito mínimo ensejado pela sala de aula, o trabalho 
aparece como uma alternativa às famílias de baixa renda. Desistindo da reali‑
zação de um projeto de formação, ou melhor, não se desiste daquilo que nunca 
se concretizou, seja enquanto luta cotidiana ou como horizonte, estas famílias 
acabam não buscando outras alternativas além do trabalho precoce.
Os entrevistados, moradores do bairro Jardim Aeroporto III, em Franca, 
disseram ter iniciado a prática laboral na infância. 47% começaram a trabalhar 
ainda quando criança, com idade entre seis e 12 anos. 29% na adolescência, de 
13 a 15 anos de idade; 8% entre 16 a 18 anos de idade; 5% iniciaram no traba‑
lho aos 18 anos de idade. 11% referiram que nunca trabalharam fora de casa. 
O	fato	é	que	muitos	que	disseram	que	nunca	trabalharam	fora,	afirmaram	tam‑
bém que só ajudavam o pai ou a mãe no trabalho rural. Portanto, outra questão 
é que o trabalho travestido da “ajuda” não é, nem mesmo pelos próprios atores, 
reconhecido como trabalho.
Durante atividades do Núcleo de Ensino da Unesp, considerando 114 es‑
tudantes de uma escola pública do bairro Jardim Aeroporto III, com adolescen‑
tes em idades entre 13 e 15 anos, que estavam cursando a 8ª série do Ensino 
Fundamental,	ou	9º	 ano,	verificou-se	que	dos	114	estudantes,	35%	estavam	
trabalhando, mas muitos que não estavam empregados, no momento da pesqui‑
sa, referiram estar à procura de emprego e/ou já trabalharam. Considerando a 
idade destes adolescentes, de 13 a 15 anos, nenhum deles poderia estar traba‑
lhando, salvo na condição de aprendiz, o que não é o caso de nenhum deles 
(Lourenço, 2012).
Chama‑se a atenção para o fato de que, dos 35% que estavam trabalhando, 
destes 42% desenvolviam funções em Bancas de Pespontos. A terceirização da 
produção de calçado contribui para facilitar a entrada precoce da pessoa em 
desenvolvimento no mercado de trabalho, uma vez que, em sua maioria, estes 
empreendimentos	funcionam	clandestinamente,	sendo	mais	difícil	a	fiscalização.	
Frisa‑se que nestes estabelecimentos, em geral, não são resguardados os direi‑
tos do trabalho. Além das Bancas de Pespontos sobressaíram atividades no 
comércio, tais como: lanchonetes, pizzarias, supermercados, lojas, salão de 
cabeleireiros, entre outros.
306 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
Esta inserção precoce do adolescente no mercado de trabalho subsidia‑se 
nos determinantes socioeconômicos e nos fatores subjetivos, culturais e ideo‑
lógicos baseados, como já discutido por Padilha (2006), na ética‑moral do 
trabalho como importante instrumento educativo.
Durante as visitas a cento e dez residências, no bairro Jardim Aeroporto III, 
constatou‑se que, no caso da costura manual em calçados, toda a família (mãe e 
filhos)	participa	do	processo	de	trabalho,	inclusive	crianças.	Em	uma	das	resi‑
dências, chamou a atenção o trabalho de uma criança de oito anos de idade, o 
qual fazia furos nas peças de sapatos, para facilitar a costura manual feita pela 
mãe e pela irmã, uma adolescente de 13 anos de idade, que costuravam sapatos 
em casa. A imagem é comovente. A criança utilizava uma ferramenta pontiagu‑
da e apoiava a peça a ser furada sobre o seu pé, o que implicava em um risco 
iminente de acidente. Ela demonstrou certa agilidade ao realizar esta atividade, 
inclusive	afiando	a	ponta	do	instrumento	no	chão	para	melhorar	o	corte.
Para a família a criança “ajuda”, porque muitas peças a serem costuradas 
estão com os furos muito apertados ou “às vezes, nem vem furado” e a abertu‑
ra prévia que a criança realiza auxilia no trabalho posterior de costura das peças, 
explica a mãe. Chama‑se a atenção para o convívio diário com esta atividade 
e, portanto, a sua naturalização, o trabalho da criança aparece como parte da‑
quela dinâmica de vida e trabalho. Na vida cotidiana, as pessoas se esforçam 
para responderem, de maneira espontânea, às questões mais imediatas e de 
sobrevivência. São fatos heterógenos e variados, portanto, é mais complicada 
a suspensão desta realidade, bem como a sua superação (Heller, 1989). Conse‑
guir homogeneizar os problemas cotidianos ou as singularidades para além da 
imediaticidade é uma possibilidade para o alcance das questões humanas gené‑
ricas	 (Idem),	 por	 exemplo,	 no	 caso	 específico	 aqui	 abordado,	 transcender	 a	
necessidade	individual	que	uma	família	tem	do	trabalho	dos	filhos	e	defender	
o	 direito	 à	 infância	 livre	 de	 trabalho	para	 todas	 as	 crianças	 significa	 elevar	
questões da imediaticidade para o plano conceitual e somar forças que adensam 
as demandas por direitos humanos e sociais.
A	costura	manual	do	calçado	tem	a	sua	especificidade,	conforme	o	modelo	
a ser costurado. Assim, existem modelos que exigem uma costura trançada, de 
duas agulhas, pontos mais largos, mais apertados etc. Trata‑se de uma atividade 
que determina que o executante permaneça sentado, com o corpo encurvado, e 
embora a atividade seja repetitiva e cansativa não exige maior concentração ou 
307Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
força física; tal monotonia alimenta a crença de que este trabalho não causa 
danos à saúde das pessoas em desenvolvimento.
Destacam‑se duas características fundamentais para se compreender o 
processo de trabalho das costureiras manuais de sapato e a inserção do trabalho 
precoce nesta ocupação: 1) o desenvolvimento desta atividade tem sido reali‑
zado fundamentalmente pelas mulheres, que conta com a ajuda da família toda, 
inclusive das criançase dos adolescentes; 2) trata‑se de uma atividade monó‑
tona, repetitiva e realizada no ambiente privado. Deve ser dito que em decor‑
rência da precariedade das residências e da individualização do trabalho, ob‑
servou‑se que o trabalho das costureiras de sapatos, em geral, é realizado nos 
ambientes externos às residências, na maioria das vezes, na calçada, em frente 
a casa ondem vivem, permitindo o contato com outras trabalhadoras e um am‑
biente mais alegre, possibilitando a quebra da monotonia da atividade.
Observa‑se que ao individualizar o trabalho, direcionando‑o para o espaço 
privado, valendo‑se, sobretudo, de mulheres, o setor calçadista promoveu, em 
Franca, uma redução dos gastos com as condições diretas de trabalho (condições 
de conforto, salário e respectivos direitos), ao mesmo tempo em que provocou 
um arrefecimento na organização coletiva de trabalhadores. As residências têm 
espaços encolhidos, muitas vezes, abafados, com os móveis gastos e pouco 
confortáveis. Assim, a calçada é um local de maior ventilação, por isso, é comum 
encontrar mulheres sentadas na calçada, enquanto costuram sapatos, como 
forma de tornar este trabalho menos penoso.8
O trabalho, ao ser realizado na esfera privada, tem um rebatimento direto 
para a consciência de classe, primeiramente porque as trabalhadoras não têm 
contato direto com os demais trabalhadores do setor e tampouco com o empre‑
gador. O sapato a ser costurado é repassado a elas por terceiros, assim, o con‑
tato das costureiras é com algum conhecido, às vezes, vizinho, parente, mas não 
com o empregador; em geral, elas não sabem para qual fábrica estão costuran‑
do e não têm vínculo formal com as empresas e muito menos com os demais 
8.	Durante	as	Oficinas	realizadas	com	as	famílias	do	PETI,	um	participante	ao	se	referir	a	imagem	das	
mulheres	costurando	sapatos	na	porta	de	casa	afirmou	que:	“é	as	mulheres	fazendo	fofoca	no	meio	da	rua”	
(J.,	pai	de	um	dos	beneficiários	do	PETI),	mas	uma	costureira	de	sapatos	que	também	participava	da	Oficina	
afirmou	que	costurar	sapatos	na	calçada	na	companhia	de	outras	costureiras	é	importante	porque	“a	união	faz	
a	força,	você	vence	barreira”	(M.,	mãe	de	um	beneficiário	do	PETI)	(Guiraldelli	e	Siqueira,	2012).
308 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
trabalhadores.9	Este	modo	de	organização	do	 trabalho	 influi	 diretamente	na	
organização política destas trabalhadoras, que acabam regulando o valor do 
trabalho, por peça, de acordo com os contatos individuais entre elas e o atra‑
vessador ou algum banqueiro (dono de Bancas de Pespontos).
Acompanha	 as	 dificuldades	 trazidas	 pelo	 distanciamento	 do	 trabalho	
coletivo o fato de este tipo de atividade ser executado eminentemente por 
mulheres. Diferente da costura manual, no caso das Bancas de Pesponto, os 
homens eram os proprietários, sendo que das oito Bancas visitadas no referi‑
do bairro e onde também foram feitas entrevistas, apenas uma tinha mulher 
como proprietária. A forte presença das mulheres na costura manual dos sa‑
patos está acompanhada da imagem feminina como “rainha do lar”, tradicio‑
nalmente imposta pelas sociedades machistas. Assim, ante aos limites enfren‑
tados pelas trabalhadoras tais como o baixo valor pago por peça de sapato 
costurada e a ausência de segurança no trabalho mediada pelo não registro em 
Carteira de Trabalho e, portanto, a inacessibilidade ao sistema previdenciário 
e	aos	direitos	do	trabalho,	acaba-se	criando	uma	resignação	justificada	pelo	
fato de se trabalhar em casa, fator importante para manter as atividades do‑
mésticas necessárias à reprodução da força de trabalho, tradicionalmente 
realizadas pelas mulheres.
Portanto, em Franca (capital do sapato em couro e masculino) a reestru‑
turação	 produtiva	 provocou	 uma	 profunda	modificação	 na	 estrutura	 fabril	
deste setor, uma vez que retornou para a casa dos trabalhadores aqueles proces‑
sos produtivos que poderiam ser feitos distantes das fábricas (Navarro, 2006).
Além da costura manual de calçados realizada nas residências dos traba‑
lhadores formaram‑se também as Bancas de Pespontos em Calçados e de Cor‑
te, pequenos empreendimentos constituídos por parcos recursos advindos dos 
próprios trabalhadores, especializados em realizar determinada parte do fabrico 
9. “Aos poucos, o trabalho realizado em domicílio começou a ser repassado pela costureira para suas 
amigas, vizinhas e parentes. A relação direta entre as trabalhadoras envolvidas na execução da costura manual 
e do tressê e a empresa foi se distanciando. Ao longo do tempo, essa relação de trabalho tendeu a contar com 
um número crescente de intermediário, ao mesmo tempo em que as relações trabalhistas formais entre as 
trabalhadoras foram desaparecendo. A transferência de algumas seções do interior da fábrica para os domi‑
cílios	dos	trabalhadores	não	modificou	apenas	o	espaço	físico	de	realização	do	trabalho:	alterou-se	também	
a forma de remuneração do trabalhador” (Navarro, 2006, p. 169).
309Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
do calçado.10 Esses empreendimentos estão localizados em residências, nos 
bairros periféricos.
A produção é organizada no ambiente domiciliar, na maioria dos casos nas gara‑
gens ou nos fundos das casas, não possuindo meios de produção adequada e 
treinamento ao trabalhador, ocasionando diversos problemas como acidentes de 
trabalho.	O	ambiente	de	trabalho	é	insalubre,	a	área	de	refeição	fica	ao	lado,	se	
não no mesmo lugar da área de pesponto, costura e colagem. O local de trabalho 
e os demais locais da casa se confundem (Lara, 2007).
As Bancas de Pespontos em Calçados são heterogêneas, algumas estão 
contiguas	às	fábricas	ou	edificadas	em	“barracões	específicos”,	mas	essas	são	
as que são legalizadas, sendo que a grande maioria e constituída de modo pre‑
cário na casa dos próprios trabalhadores e não conta com registros junto a 
Prefeitura ou aos órgãos competentes. As Bancas são, essencialmente, meca‑
nismos para baratear os custos da produção de calçados. Aos custos com má‑
quinas, energia elétrica, linhas, colas, entre outros artigos necessários ao traba‑
lho somam‑se os custos com a força de trabalho. Tudo isso, é, invariavelmente, 
transferido para o dono da Banca, que, em geral, não consegue registrar os 
trabalhadores e nem mesmo manter a sua contribuição individual ao sistema 
previdenciário. Assim, as Bancas se constituem, na sua grande maioria, de 
trabalho informal.
O setor calçadista em Franca constitui‑se na sua maioria de microempresas, 
com até 19 funcionários. É importante destacar que é muito complicado saber 
o número exato de Bancas existentes em Franca, em decorrência da informali‑
10.	“No	momento	de	crise	quando	são	obrigados	a	demitir	trabalhadores,	com	sua	capacidade	financei‑
ra diminuída, as empresas não têm liquidez para saldar as indenizações trabalhistas a que tem direito os 
trabalhadores. Algumas pagam com máquinas. Utilizam tal estratégia para desativar setores inteiros da 
produção direta. Política de estoque zero. No momento da crise, livram‑se de trabalhadores e de máquinas 
de antigas gerações tecnológicas... Ocorre então que os trabalhadores demitidos, de posse das máquinas que 
‘receberam’	de	indenizações,	passam	a	produzir,	em	dependência	de	suas	residências,	as	mesmas	peças,	sob	
encomendas,	nas	quais	antes	trabalhavam	nas	fábricas.	O	‘receberam’	de	indenização	está	escrito	entre	aspas,	
porque na verdade não receberam nada. Compraram as máquinas... Antes os empresários deviam indenizações 
trabalhistas. Depois passaram a ser credores das máquinas que venderam para os trabalhadores demitidos. 
Passaram de devedores a credores” (Gigante, 2003).
310 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
dade destes empreendimentos. Os proprietários, na sua maioria, são ex‑traba‑
lhadores que contam com poucos recursos paraa instalação da empresa, que 
acaba sendo organizada nos espaços domésticos. A formalização da Banca 
junto	aos	órgãos	oficiais	significa	aumento	de	gastos	com	impostos	e	taxas	re‑
lativas	a	abertura	oficial	ou	o	seu	encerramento,	além	da	necessidade	de	seguir	
alguns	padrões	técnicos,	assim,	em	geral,	as	Bancas	não	são	oficializadas	(Lou‑
renço e Bertani, 2008, on‑line).
As Bancas de Pespontos compõem o processo de terceirização da produção 
de calçados; segundo Almeida (2008, citado por Oliveira, 2013), trata‑se de um 
processo que não tem mais volta, por isso, tem ocorrido uma busca da sua for‑
malização, transformando as unidades de “fundo de quintal” em microempresas.
Das 110 casas visitadas no bairro Jardim Aeroporto III, oito contavam com 
Bancas de Pespontos, nas quais foram evidenciadas as precárias condições de 
trabalho. Observa‑se que ao introduzir o processo produtivo no âmbito domés‑
tico	fica	muito	difícil	a	separação	entre	o	que	é	específico	deste	trabalho	ou	
daquele núcleo familiar. A residência sofre uma invasão dos artigos da fábrica, 
que se misturam aos domésticos.
Na constituição das Bancas, ex‑trabalhadores instalam os maquinários, 
algumas vezes próprios, outras vezes alugados. As máquinas utilizadas, em 
geral, são antigas ou de segunda mão, ou seja, são adquiridas de terceiros, como 
informado por diretores sindicais em outro estudo (Lourenço, 2010),11 por isso, 
apresentam condições inseguras de trabalho, porque são mais ruidosas e sem 
sistemas e proteção.
No geral, o trabalho do adolescente e da criança é interpretado pelos de‑
poentes como uma coisa boa, haja vista que, em oposição, se estabelece a rua, 
sempre vista como perigosa à pessoa em formação.
11.	“[...]	outro	problema	que	a	meu	ver	também	influencia	os	acidentes	de	trabalho	é	o	uso	de	máquinas	
velhas. Se você começar a observar vai perceber que Franca se parece com um cemitério de máquinas usadas, 
porque o que não se usa mais por aí é mandado para cá. Aqui, tem muitas lojas de máquinas usadas e algumas 
dessas máquinas não têm mais a proteção que deveria ter...” (Antônio, dirigente sindical dos Sindicatos dos 
Sapateiros.	Lourenço,	2010,	p.	446).	O	entrevistado	deu	um	exemplo:	“Em	uma	banca	específica	de	blaquea‑
ção,	só	de	você	chegar	na	porta	você	fica	louco.	O	barulho	é	ensurdecedor...,	mas	o	trabalhador	tem	aquela	
cultura que já está acostumado, mas acostumado como se, só de chegar na porta, você tem a impressão de 
passar em frente a um tiroteio” (Idem, p. 446).
311Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
Nas Bancas de Pesponto predominam além das relações sociais de trabalho 
aviltantes, a precariedade dos ambientes, que são pouco favoráveis à saúde 
(Lourenço e Bertani, 2009, on‑line). Os trabalhadores passam oito, nove horas, 
às vezes até mais que isso, em assentos que não são ergonomicamente adequados 
para a função e não contam com nenhuma regulação com a altura da mesa, onde 
se pesponta ou passa a cola (nas bancas há a função de “passador de cola”). Há 
a exposição a produtos químicos ou aos riscos de acidentes, que podem causar 
mutilações e/ou problemas decorrentes de intoxicação, em geral, manifestados 
em dor de cabeça, mal‑estar, entre outros sintomas difusos que contribuem para 
afetar a saúde e o desenvolvimento biopsíquico das pessoas, sobretudo daquelas 
que estão em desenvolvimento. Há ainda o risco de abandono da escola.
Na década de 1990, o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Calça‑
dos e do Vestuário de Franca e região, juntamente com o Departamento Inter‑
sindical de Estudos e Estatísticas (DIEESE) e a Central Única de Trabalhadores 
(CUT)12	realizaram	uma	pesquisa	em	Franca,	que	identificou	o	trabalho	infan‑
til e do adolescente na indústria calçadista francana. A partir da exposição do 
problema, que envolvia as empresas calçadistas de Franca, houve uma ampla 
repercussão negativa para este setor econômico, criando empecilhos, inclusive 
para a exportação de calçados, como evidenciado pela reportagem:
Ontem, o jornalista Gilberto Dimenstein divulgou na Folha que políticos norte‑
‑americanos pressionam o governo dos EUA a boicotar as exportações brasileiras 
[...]	Segundo	o	Sindicato	dos	Sapateiros	de	Franca	—	filiado	 à	CUT...	—,	 as	
crianças estão espalhadas pelas 1.900 bancas clandestinas de pesponto (costura) 
existentes	na	cidade.	Pelo	menos	são	clandestinas	[...].	(Folha de S.Paulo, 28 out. 
1994, apud Oliveira, 2013, p. 204)
O estudo evidenciou a relação entre a terceirização e o uso da força de 
trabalho	infantil.	“[...]	a	terceirização	causa	a	precarização	das	relações	de	traba-
lho, o agravamento da desproteção da saúde e traz à tona a questão do trabalho 
12. A pesquisa no setor calçadista foi realizada pelo Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Cal‑
çados e do Vestuário de Franca e Região, com a CUT e o DIEESE, com apoio do Unicef e OIT‑IPEC, no ano 
de 1995 que posteriormente tornou‑se um livro: Trabalho infantil em Franca: crianças que estudam e tra‑
balham (STIC, CUT, Dieese, 1995).
312 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
infantil...	[...]	Isso	gerou	a	denúncia	do	trabalho	infantil,	que	até	hoje	a	gente	
escuta que o Sindicato é que é o responsável e tal...” (Paulo Afonso Ribeiro 
dirigente sindical do STICVF. Lourenço, 2010, p. 436). Ao expor o problema, 
gerou‑se um importante debate acerca do trabalho infantil no processo produ‑
tivo de calçados e a necessidade de se construir iniciativas para a sua abolição. 
O papel do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Calçados e Vestuário 
de Franca e região, mais conhecido como Sindicato dos Sapateiros, exerceu 
um	papel	importante	neste	processo,	como	afirmado	por	um	ex-dirigente	sin‑
dical em entrevista a Oliveira (2013, p. 206): “Embora tenhamos um punhado 
de problemas, acho que uma coisa elogiável que foi conseguido por causa 
dessa luta...”.
A partir das denúncias do trabalho infantil no setor calçadista e as reper‑
cussões internacionais para este setor, foi criado o Instituto Pró‑Criança, por 
parte das empresas que oferece um selo para o empreendimento que não conta 
com	trabalho	infantil.	Um	Instituto	oriundo	das	empresas	para	fiscalizar	elas	
próprias. Pelo lado do poder público foi implantado o Programa Renda Mínima 
para atender as famílias das crianças trabalhadoras. Neste período, ainda não 
havia sido criado o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e o 
Renda Mínima era um incipiente programa de transferência de renda ( Lourenço, 
2014, on‑line).
Considerações finais
Passados quase 20 anos da pesquisa realizada pelo Sindicato dos Sapatei‑
ros (STIC, CUT, Dieese, 1995), observa‑se que o problema do trabalho preco‑
ce, em Franca, não foi resolvido na sua totalidade. Estando este fenômeno es‑
treitamente vinculado à terceirização do setor produtivo calçadista, é 
importante frisar que não se tem como resolvê‑lo mantendo a terceirização. 
Além disso, neste período, o Sindicato dos Sapateiros de Franca sofreu profun‑
do impacto, arrefecendo a sua luta política, pois em decorrência da ampla ter‑
ceirização e disseminação de pequenas fábricas e também de bancas de pespon‑
tos para as cidades próximas a Franca, este Sindicato ampliou a sua base de 
representação dos trabalhadores para região, dando a deixa para que outro 
313Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
sindicato (dos trabalhadores do calçado) fosse criado no município de Franca. 
Vários fatores estimularam e sustentaram este fato histórico do sindicalismo e 
dos trabalhadores do calçado em Franca, que, por um período, contaram com 
dois sindicatos, numa clara demonstração de perdas de forças do coletivo de 
trabalhadores. A abertura de outro sindicato “É uma forma de dar outro dire‑
cionamento à luta política sindical no município. Não é interessante, do ponto 
de vista empresarial, ter umsindicato combativo. A criação de outro é uma 
forma de combater o nosso e de tentar nos silenciar” (Paulo Afonso Ribeiro 
dirigente sindical do Sindicato dos Sapateiros. Lourenço, 2010, p. 429). Atual‑
mente,	após	definição	da	 justiça:	“O	antigo	sindicato,	 fundado	nos	anos	40,	
ficará,	segundo	a	decisão	judicial,	apenas	responsável	pelos	sapateiros	da	região	
e não mais da cidade de Franca” (Oliveira, 2013, p. 212).
Entre outras ações que vinham sendo empreendidas pelo Sindicato dos 
Sapateiros de Franca, que, agora, passou a ser apenas regional, se destaca a 
referida pesquisa que denunciou o trabalho precoce e as respectivas iniciativas 
para	a	sua	eliminação	e,	ainda,	a	afirmação	de	um	Termo	de	Ajuste	e	Conduta	
(TAC) com algumas empresas e o Ministério do Trabalho e Emprego expan‑
dindo para a região os ganhos da categoria de sapateiros do município de Fran‑
ca, sobretudo, em termos de piso salarial, pagamentos de horas extras, entre 
outros, tentou limitar o processo fraudulento da terceirização. A partir de 2010, 
já com o “novo” Sindicato representando os trabalhadores do calçado, houve 
um redirecionamento da luta sindical no referido setor. Segundo Oliveira (2013, 
p. 201) o vínculo com a Força Sindical tem caracterizado a luta política sem 
maiores questionamentos. “Para os representantes dos industriais, a diferença 
de orientação é muito grande, até mesmo antagônica, na medida que os dirigen‑
tes ligados à CUT colocavam‑se como adversários dos industriais e a orientação 
da Força Sindical central à qual está vinculado o novo sindicato, apresentaria 
uma orientação mais “resultados” (Oliveira, 2013, p. 201).
Certamente, a partir da exposição do setor calçadista em âmbito interna‑
cional	e	dos	reflexos	constitucionais	construídos	pela	sociedade,	na	defesa	dos	
direitos voltados à infância e à adolescência, o problema do trabalho infantil se 
encontra	menos	exacerbado.	Dentro	das	fábricas	não	se	verifica	a	presença	de	
crianças e, muitas vezes, os adolescentes que trabalham têm autorização judicial 
ou	estão	no	programa	“jovem	aprendiz”.	Porém,	como	se	pode	verificar	duran‑
te as atividades acadêmicas (pesquisa e extensão), considerando um único 
314 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
bairro,	Jardim	Aeroporto	III,	em	Franca,	ainda	se	verifica	o	trabalho	de	crianças,	
sobretudo, na forma de “ajuda” às mães que costuram sapatos e nas bancas, 
onde é mais comum encontrar adolescentes trabalhando. Das oito Bancas visi‑
tadas, uma tinha crianças de 10 e 11 anos de idade trabalhando e todas as demais 
contavam com o trabalho de adolescentes.
A brutalidade da qual o trabalho da criança e do adolescente está reves‑
tido não se resume apenas na negação da vivência desta fase da vida na con‑
dição de pessoa em desenvolvimento, mas às circunstâncias em que este tra‑
balho	ocorre,	marcado	pelas	exigências	de	pouca	qualificação,	como	o	trabalho	
em Bancas de Pespontos e a costura manual do calçado. Esta trajetória pode 
impactar a vida, uma vez que há uma circularidade difícil de ser rompida, o 
trabalho precoce pode levar ao abandono da escola, assim, a ausência dos 
estudos	acaba	impondo	o	trabalho	de	baixa	qualificação	como	uma	condição	
de classe a ser perpetuada.
Dessa maneira, diante do crescimento das relações informais de trabalho, 
é sempre mais difícil o reconhecimento do problema porque, em geral, está 
submerso	nas	relações	privadas	e	distantes	de	ações	fiscalizatórias,	daí	que,	em	
geral, o trabalho precoce não aparece nos dados estatísticos.13 Assim, quando 
se fala em trabalho infantil, primeiramente, a impressão que se tem é que se 
está falando de um problema que já não existe mais ou que se existe está dis‑
tante,	geograficamente,	dos	olhos.	Essa	é	a	impressão	passada	tanto	por	profis‑
sionais quanto por famílias, inclusive de meninos e meninas trabalhadores, o 
que também denota a naturalização do trabalho precoce.
Recebido em 10/1/2014 ■ Aprovado em 17/3/2014
13.	No	caso	do	trabalho	precoce	informal	realizado	em	casa	ou	na	rua	junto	com	os	pais,	a	fiscalização	
fica	de	mãos	atadas.	“Se	descobrir	que	o	pai	ou	a	mãe	é	a	pessoa	responsável	pela	exploração,	por	exemplo,	
deixa	de	haver	uma	relação	de	emprego	e	a	fiscalização	em	si	não	pode	fazer	nada.	Nesses	casos,	é	impor‑
tante o trabalho em rede, quem pode agir é o Ministério Público ou o conselho tutelar” (Soares apud Saka‑
moto, 2013, on‑line).
315Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 294-317, abr./jun. 2014
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Consultoria empresarial de Serviço Social: 
expressões da precarização e da terceirização profissional*
Social Service business consulting: expressions of professional 
precariousness and outsourcing
Fernanda Caldas de Azevedo**
Resumo: O presente artigo é resultado da minha dissertação de 
mestrado	que	teve	por	finalidade	apreender	a	consultoria	empresarial	
de Serviço Social em face da reestruturação produtiva e da expansão 
da precarização das relações de trabalho, cuja terceirização é uma de 
suas	expressões.	Assim,	utilizo	cinco	eixos	de	análise	para	identificar	
expressões de precarização a partir da terceirização ocorrida nesse 
espaço sócio‑ocupacional do Serviço Social.
Palavras‑chave: Precarização. Consultoria empresarial. Serviço Social.
Abstract: This article originated in my master degree dissertation whose aim was to explain Social 
Service business consulting in view of production restructuring and expansion of the precariousness 
in	work	relations,	being	outsourcing	one	of	its	results.	Thus,	I	use	five	axes	of	analysis	to	identify	
expressions of precariousness from the outsourcing in this Social Service practice.
Keywords: Precariousness. Business consulting. Social Service.
* Este artigo reproduz parte da dissertação de mestrado defendida em maio de 2013, intitulada “Con‑
sultoria empresarial: o Serviço Social posto à prova”, no Programa de Estudos Pós‑graduados em Serviço 
Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação da prof. dra. Rosangela Paz. Agra‑
deço as observações da profa. dra. Raquel Raichelis na banca de defesa e sua colaboração inestimável para 
a redação deste artigo.
** Assistente social graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Especialista em Gestão de 
Recursos Humanos pela Universidade Veiga de Almeida/RJ e mestre em Serviço Social pela Pontifícia 
Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é doutoranda em Serviço Social pela Pontifícia Universi‑
dade Católica de São Paulo, Brasil. Bolsista CNPq e docente na cidade de São Paulo. E‑mail: azevedo.fer‑
nanda@ymail.com.
319Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 318-338, abr./jun. 2014
Introdução
“Pensar é abrir caminho” 
(Arruda, 2011, p. 14)
O presente artigo é um desdobramento da minha dissertação de mes‑trado que teve como objeto de estudo a consultoria empresarial de Serviço Social, datada historicamente a partir do processo de reestruturação produtiva do capital, que amplia a precarização das 
relações	 de	 trabalho	 e	 redefine	os	 espaços	 sócio-ocupacionais	 do	 assistente	
social nos quais a terceirização se faz presente.
Trabalho, portanto a relação entre as categorias precarização e terceiriza‑
ção, considerando o espaço sócio‑ocupacional das consultorias empresariais.
Considero a área de atuação da consultoria empresarial não como uma 
evolução direta da prática do Serviço Social em empresas, mas como uma prá‑
tica datada historicamente a partir da reestruturação produtiva que se desencadeia 
no Brasil a partir dos anos 1990, se sustenta em experiências positivas/negativas 
nas suas relações com outros clientes‑empresas e que comercializa pacotes de 
serviços, dentre eles o Serviço Social, de maneira a suplantar as expectativas e 
as necessidades desses clientes‑empresa. Já o consultor‑assistente social é um 
profissional	externo	responsável	por	tarefas	pontuais	dos	serviços	de	consultoria.
Segundo Antunes (2010), com destrutividade que o próprio capital pro‑
tagoniza como alternativa para sair da crise estrutural que o assolou nas déca‑
das de 1970 e 1980, a precarização é a lógica da reconstrução a partir do 
desmonte de tudo que “gerou problema”, inclusive os direitos conquistados 
pelos trabalhadores.
Como uma das expressões relacionadas diretamente com o espaço das 
consultorias empresariais, a terceirização pode ser compreendida, segundo 
Antunes (2012), como uma das manifestações da informalidade entendida como 
ruptura com os laços formais de contratação e regulação da força de trabalho, 
o que explicita a precariedade do mundo do trabalho, gerando um enfraqueci‑
mento da “classe‑que‑vive‑do‑trabalho”.
A partir de Druck (2009), por meio de pesquisa de campo, utilizo como 
eixos de análise para as expressões da precarização no espaço sócio‑ocupacional 
320 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 318-338, abr./jun. 2014
de consultorias empresariais: as formas de mercantilização da força detrabalho; 
o processo de construção das identidades individual e coletiva; a organização e 
as condições de trabalho; as condições de segurança do trabalho, acrescidas das 
condições	de	participação	nos	espaços	coletivos	da	categoria	profissional.
A	finalidade	está	em	fundamentar	algumas	das	implicações	que	a	reestru‑
turação	produtiva	imprimiu	e	refletiu	no	mercado	de	trabalho	e	às	condições	de	
trabalho do assistente social consultor empresarial, a partir do olhar dos próprios 
profissionais	que	ocupam	esse	espaço.
Terceirização: uma expressão da precarização do trabalho
O sentido da categoria precarização decorre, segundo Antunes (2012), da 
lógica do desmonte de tudo que “gerou problema” até o presente momento, 
considerando também os direitos dos trabalhadores.
De acordo com Druck (2012), essa lógica destrutiva permeia os modos de 
gestão	do	trabalho,	apoiada	centralmente	em	uma	nova	configuração	do	Estado,	
que, desregulamentando uma série de relações, principalmente do trabalho, 
favorece a precarização da força de trabalho. Portanto, a luta coletiva também 
se fragiliza com a atomização e a individualização dos sujeitos.
A terceirização como um tipo de informalidade aponta a ruptura com os 
laços formais de contratação e regulação da força de trabalho, sendo passagem 
para a condição de precariedade.
Segundo Alves (2010), no Brasil, principalmente a partir dos anos 1990 a 
terceirização surge como procedimento estratégico das corporações transnacio‑
nais para recompor os circuitos de valorização, desenvolvendo novas redes de 
subcontratação incentivadas pelas recentes tecnologias de comunicação e pelo 
transporte, que permitem a otimização da produção.
Articulam‑se dimensões “modernas” e “arcaicas” não só nas relações de 
trabalho, mas também no processo de trabalho e na base tecnológica que cola‑
boram na constituição de um novo trabalhador vinculado a um “novo e precário 
mundo do trabalho” (Alves, 2010).
A terceirização assumiu no Brasil (década de 1980) uma dimensão nacional, 
tendo como objetivos norteadores, entre outros, a minimização dos custos rela‑
321Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 318-338, abr./jun. 2014
tivos	ao	trabalho	e	a	intensificação/precarização	da	produtividade	do	trabalhador.	
Formou‑se uma rede de empresas especializadas ou subcontratadas para desen‑
volver tarefas e serviços que antes eram executados no interior das empresas.
Segundo Thébaud‑Mony e Druck (2007), a caracterização da terceirização 
como fenômeno novo decorre da amplitude (disseminação para todos os tipos 
de atividades/setores), da natureza e da centralidade que assume no contexto de 
flexibilização	e	precarização	do	trabalho.	Isto	se	efetiva	no	contexto	do	capita‑
lismo	mundializado	ou	da	“acumulação	flexível”,	 em	que	a	 terceirização	se	
torna	prática-chave	para	a	flexibilização	produtiva	nas	empresas,	transforman‑
do‑se na principal via de precarização dos contratos e do emprego.
Essa nova centralidade da terceirização evoluiu de forma acelerada con‑
formando um novo quadro do trabalho e do emprego no Brasil, embasado em 
novas técnicas de gestão e organização da produção, tendendo a racionalizar a 
produção capitalista na cadeia produtiva.
Segundo Druck (1999), a terceirização é a principal política de gestão e 
organização do trabalho no interior da reestruturação produtiva, forma mais 
visível	da	flexibilização	do	trabalho,	pois	permite	concretizar	contratos	flexíveis,	
bem como transferência de custos trabalhistas e responsabilidades de gestão.
Ainda segundo Druck (2002, p. 136),
a	terceirização	é	uma	das	expressões	mais	significativas	do	processo	de	flexibili‑
zação do trabalho e de sua consequência principal: a precarização. São homens e 
mulheres “que vivem do trabalho” e que se tornam cada vez mais descartáveis, 
flexíveis	(adaptáveis)	ou	jogados	a	uma	condição	de	“subemprego”.	A	terceiriza‑
ção se generalizou, difundindo‑se para todo o tipo de atividade e levou consigo 
— como marca fundamental — a perda de direitos, a instabilidade, a insegurança 
dos trabalhadores. 
Segundo Pochmann (2012), a terceirização tem sido a expressão maior no 
modo de produção e distribuição nas economias capitalistas desde o último 
terço do século XX, porém esse não é um movimento homogêneo entre os 
países. Em função disso, a terceirização representou a contratação de trabalha‑
dores com remuneração e condições de trabalho inferiores aos postos de traba‑
lho anteriormente existentes.
322 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 318-338, abr./jun. 2014
Dentre as vantagens da terceirização para o capital (e somente para ele) 
estão a redução dos custos administrativos, maior concentração em atividades 
estratégicas e maior possibilidade de controle da gestão da produção, inclusive 
o controle da força de trabalho, reduzindo potenciais de luta entre capital e 
trabalho assalariado em virtude da menor concentração dos trabalhadores, di‑
ficultando	a	sua	organização	sindical.
Tal prática encontra respaldo em vários mecanismos limitadores da regu‑
lação	do	mercado	de	trabalho,	cuja	flexibilização	ocorre	no	sentido	de	restringir	
o papel do Estado e de fortalecer a liberdade de ação empresarial. Apesar das 
diferenças	e	especificidades,	é	uma	transformação	de	caráter	internacional,	pois	
se	inscreve	em	um	movimento	mundial	do	capital,	de	flexibilização	e	de	pre‑
carização do mundo do trabalho.
No caso do Brasil, que conta com um mercado de trabalho histórico e 
estruturalmente precário, as conjunturas políticas criadas a partir das lutas ope‑
rárias	fizeram	retroceder	algumas	condições	e	chegaram	a	conquistar	novos	
direitos.	Foi	o	que	ocorreu	com	a	retomada	do	movimento	sindical	no	final	dos	
anos	1970	e	com	a	luta	pela	democracia	no	país,	que	pôs	fim	à	ditadura	militar	
instalada em 1964 e culminou na nova Constituição federal em 1988, amplian‑
do direitos, especialmente no campo da proteção social.
No início dos anos 1990, o resultado eleitoral para a presidência do país 
expressava a vitória do projeto neoliberal, de aplicação e de consolidação das 
políticas	econômicas	neoliberais	que	implementaram	mudanças	significativas	na	
legislação trabalhista para serem sustentadas no âmbito das relações de trabalho.
Segundo Thébaud‑Mony e Druck (2007, p. 41),
a lógica que guiou as alterações foi a de garantir maior liberdade às empresas para 
admitir e demitir os trabalhadores conforme suas necessidades de produção. Ou 
seja,	tal	dinâmica	da	flexibilização	será	fundamentada	através	do	recurso	da	tercei‑
rização,	demonstrado	pelo	seu	expressivo	crescimento	e	ampliação	na	década	[...].
Para Carelli (2007), o histórico da legislação sobre a terceirização gira em 
torno dos seguintes instrumentos legais: Código Civil de 1916,1 Consolidação das 
1. Artigos 610 a 626 dispõem sobre contratos de subempreitadas.
323Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 318-338, abr./jun. 2014
Leis Trabalhistas de 1/5/1943,2 Decreto‑lei n. 200/67 que vigora até os dias de 
hoje e aponta sobre a terceirização no serviço público;3 Lei n. 6.019, de 3/1/1974,4 
Lei n. 8.987, de 13/2/1995,5 Lei n. 9.472/97,6 Enunciado n. 2567 do Tribunal 
Superior do Trabalho, passando por revisão a partir do Enunciado n. 3318 do 
Tribunal Superior do Trabalho, Lei n. 7.102,9 de 20/6/1983, e da Organização 
Internacional do Trabalho, 2006, Recomendação n. 198.10
Temos ainda a Súmula n. 256,11 do Tribunal Superior do Trabalho, Decre‑
to n. 89.056, de 1983,12 Lei n. 8.036, de 11/5/1990 (art. 15, §§ 1º e 2º),13 Lei n. 
8.863,14 de 1994, que altera a Lei n. 7.102, de 20/6/1983, Lei n. 8.949 de 1994,15 
Lei n. 5.645, de 1970,16 e Lei n. 8.666,17 de 21/6/1993.
2. Artigo 443 dispõe sobre a contratação de mão de obra por tempo determinado e artigo 445 trata de 
contratos de subempreitadas.
3. Especialmente o artigo 10 trata sobre a organização da administração federal estabelecendo diretrizespara a reforma administrativa.
4. Dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas.
5. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no artigo 
da Constituição Federal e dá outras providências. 
6. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e o funcionamento de um 
órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional n. 8, de 1995 (espe‑
cialmente o art. 94).
7. Consolida a jurisprudência sobre mão de obra temporária.
8. Dispõe sobre contrato de prestação de serviços.
9. Alterada pelas Leis n. 8.863, de 1994, e n. 9.017, de 1995, que dispõem sobre segurança para esta‑
belecimentos	financeiros;	estabelecem	normas	para	constituição	e	funcionamento	das	empresas	particulares	
que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores.
10. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/content/relativa‑%C3%A0‑rela%C3%A7%C3%A3o‑
‑de‑trabalho>. Acesso em: 25 maio 2012.
11. Dispõe sobre a contratação de trabalhadores por empresas interpostas.
12.	Dispõe	sobre	a	segurança	para	estabelecimentos	financeiros;	estabelece	normas	para	constituição	e	
funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores e dá 
outras providências e regulamenta a Lei n. 7.012, de 1983.
13.	Dispõe	sobre	o	Fundo	de	Garantia	por	Tempo	de	Serviço.	Nesses	artigos,	há	a	definição	de	empre‑
gador pessoa física ou jurídica; fornecedor ou tomador de mão de obra e trabalhadores que prestam serviço.
14. Dispõe sobre a terceirização de vigilância que foi ampliada para a vigilância patrimonial, pública 
ou privada, inclusive para pessoa física.
15. Acrescenta parágrafo ao artigo 422 da Consolidação das Leis Trabalhistas, para declarar a inexis‑
tência de vínculo empregatício entre as cooperativas e seus associados.
16.	Estabelece	diretrizes	para	a	classificação	de	cargos	do	serviço	civil	da	União	e	das	autarquias	federais.
17. Regulamenta o artigo n. 37, inciso XXI da Constituição Federal, institui normas para licitações e 
contratos da administração pública.
324 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 318-338, abr./jun. 2014
O aprofundamento dessas questões revela que o Projeto de Lei n. 4.330/200418 
propõe derrubar todas as frágeis limitações existentes à terceirização, a exemplo 
do Enunciado n. 31 do Tribunal Superior do Trabalho, que impede a terceirização 
da	atividade-fim	da	empresa,	admite	a	quarteirização	e	descarta	qualquer	vínculo	
empregatício entre os trabalhadores terceirizados e as empresas contratantes que 
regulamente a terceirização.
Atrelado a isso, o desmonte da legislação social e protetora do trabalho 
aponta para um aumento de mecanismos de extração de sobretrabalho, amplia‑
ção das formas de precarização e destruição dos direitos sociais, que foram 
arduamente conquistados pela classe trabalhadora durante as décadas de 1930 
e 1940, culminando na Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943.
Pesquisas no campo da saúde do trabalhador vêm constatando as relações 
entre precarização do trabalho e adoecimento físico e mental dos trabalhadores. 
Para	Franco,	Druck	e	Seligman-Silva	(2010),	profissionais	impedidos	de	exer‑
cer	sua	ética	profissional	adoecem	de	fato.	Trata-se	de	uma	dinâmica	institucio‑
nal que desencadeia desgaste e adoecimento.
Dentro dessa lógica e no sentido de se desobrigar dos custos e das respon‑
sabilidades de gestão do trabalho, a terceirização passa a ocupar, cada vez mais, 
um lugar central na organização do trabalho, reunindo o que há de pior em 
termos de deterioração das relações e condições de trabalho.
Essa	conjuntura	rebate	na	realidade	profissional	de	assistentes	sociais	de	
diversas áreas de atuação, como, por exemplo, as consultorias empresariais, que 
são	uma	das	expressões	dessa	forma	de	terceirização	profissional	de	assistentes	
sociais sob a forma de consultoria externa.
Raichelis	(2013,	p.	626),	em	sua	reflexão	sobre	a	minha	dissertação	de	
mestrado,	observa	que,	“sob	o	pretexto	da	‘consultoria	externa’,	o	que	ocorre	
de	fato	é	a	terceirização	camuflada	do	trabalho	social	que	deveria	ser	executado	
pelos assistentes sociais contratados diretamente pelas empresas”.
18. Atualmente o Projeto de Lei encontra‑se sujeito à apreciação do Plenário. Disponível em: 
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=267841>.	Acesso	em:	30	
mar. 2014.
325Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 318-338, abr./jun. 2014
Consultoria empresarial: conceituação e caracterização
A consultoria é entendida como um dos produtos dessa terceirização que 
não esgota o seu ajuste nessa prática, ou seja, há outras representações traba‑
lhistas	que	a	exemplificam.	A	conceituação	de	consultoria	empresarial	a	partir	
de referências do Serviço Social compreende o ato de consultar como ação de 
dar ou apresentar parecer sobre assunto de sua especialidade (Matos, 2009).
A responsabilidade de auxiliar as pessoas, típica do consultor, deve ser 
entendida	 como	um	 compromisso	 desse	 profissional	 para	 com	 a	 empresa‑
‑cliente e o seu público‑alvo.
São elementos importantes da área de consultoria empresarial: 1) a neces‑
sidade da prestação desse serviço deve representar demanda da equipe; 2) por 
se	tratar	de	um	profissional	externo	que	presta	esse	serviço	acaba	sendo	mais	
valorizado pela equipe que o recebe; 3) é uma possibilidade de articulação 
entre	teoria	e	prática;	4)	as	estratégias	profissionais	no	processo	de	consultoria	
se	organizam	para	alcançar	resultados	positivos;	5)	cabe	aos	profissionais	con‑
sultores produzir conhecimentos, a partir da sistematização e da socialização 
de	sua	prática	profissional.
Oliveira	(2004)	justifica	o	crescimento	do	segmento	de	prestação	de	ser‑
viço de consultoria a partir das seguintes tendências: forma de enfrentar a 
globalização da economia; consolidação de suas vantagens competitivas via 
mercado; consequência dos processos de terceirização; processo de melhoria 
contínua sustentada; fusões entre empresas de consultoria; internacionalização 
dos serviços de consultoria e aumento do número de professores e de universi‑
dades que realizam serviços de consultoria.
Cabe acrescentar que as estratégias adotadas pelo capital diante de suas 
crises e na sua busca incessante de lucros se voltam sistematicamente para a 
redução dos custos da força de trabalho, com corte de pessoal interno nas em‑
presas e, no atual contexto de reestruturação produtiva, pelo aprofundamento 
das práticas de terceirização e também de quarteirização.
No Serviço Social, o debate sobre o trabalho no âmbito empresarial histo‑
ricamente	foi	objeto	de	controvérsias	que,	de	certa	forma,	dificultaram	a	reflexão	
mais	ampliada	da	intervenção	profissional	nesta	área.	Mais	recentemente,	obser‑
va-se	que	esse	mercado	de	trabalho	vem	sofrendo	os	influxos	das	transformações	
326 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 318-338, abr./jun. 2014
contemporâneas	do	mundo	do	trabalho,	com	redefinições	nas	atribuições	deman‑
dadas aos assistentes sociais e até mesmo redução de postos de trabalho em alguns 
casos, que carecem de pesquisas e estudos mais aprofundados.
No que se refere às atividades de consultoria ou assessoria no Serviço 
Social, tem sido mais comum que sejam prestadas por docentes e setores das 
universidades a órgãos públicos em diferentes políticas sociais.
Para	fins	desta	análise,	considero	consultoria	empresarial	de	Serviço	Social	
uma	forma	de	 terceirização	especializada	em	assuntos	específicos	dentro	de	
uma área de conhecimento, com a venda de um serviço ou pacotes de serviços 
(dentre eles o Serviço Social) que possam ser oferecidos, em processo de tra‑
balho interativo e/ou sequencial, de acordo com a demanda da empresa‑cliente. 
O consultor externo deve realizar ações e trocas com o ambiente empresarial, 
responsabilizando‑se pelo apoioa pessoas ou setores, e por tarefas pontuais que, 
na	maioria	das	vezes,	poderiam	ser	desempenhadas	por	funcionários/profissio‑
nais contratados pela própria empresa.
Desvendando as expressões da precarização na consultoria empresarial
Identificando	a	terceirização	profissional	de	consultorias	empresariais	de	
Serviço Social em São Paulo, analiso o processo de precarização do trabalho, 
com foco nas consultorias, a partir de entrevistas realizadas com consultoras/
assistentes	sociais,	que	serão	identificadas	por	letras	do	alfabeto.	Os	trechos	das	
entrevistas apontam representações do trabalho no espaço da consultoria em‑
presarial	pela	visão	dessas	profissionais.
As análises da pesquisa empírica foram embasadas em Druck (2009), de 
quem, dos cinco tipos de precarização que apresenta, utilizo três: as formas de 
mercantilização da força de trabalho, o processo de construção das identidades 
individual e coletiva, a organização e as condições de trabalho. Acrescento a 
participação	nos	espaços	coletivos	da	categoria	profissional.
Druck (2009) aponta que no processo de reestruturação produtiva aparece 
aos nossos olhos um mercado de trabalho heterogêneo e marcado por uma vul‑
nerabilidade estrutural que pode ser visualizada a partir das formas precárias de 
inserção dos trabalhadores em relações de assalariamento e de exploração ex‑
327Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 318-338, abr./jun. 2014
plícita ou disfarçada. Segundo Seligmann‑Silva (2011), muitos chegam a con‑
fundir	o	novo	paradigma	de	flexibilização	com	a	ilusão	de	uma	liberdade	total.
A partir das entrevistas, percebemos uma aproximação da ideia de positi‑
vidade	da	flexibilidade	contratual,	pelo	uso	de	expressões	como	“características	
inovadoras da nova fase”; certa interação entre o capital e o trabalho, transmi‑
tindo a ideia de superação das contradições entre ambos, como se a humaniza‑
ção do capital fosse algo tendencial no mercado e possível de acontecer. “O 
trabalho terceirizado é expertise, ele tem vários focos de atuação, ele é forte no 
mercado, é uma tendência de mercado, inclusive te obriga a estudar mais, a 
interagir mais” (B) “Isso faz parte do mundo globalizado, quando eles contratam 
um grupo de pessoas terceirizadas, eles estão contratando uma empresa, uma 
equipe” (A).
De	acordo	com	três	das	quatro	profissionais	entrevistadas,	a	consultoria	é	
identificada	como	um	trabalho	terceirizado.	Apenas	uma	profissional	discordou	
dessa visão, considerando a mesma de forma negativa, e por isso, não aceitan‑
do caracterizar a sua atuação como terceirizada. “Vejo esse trabalho como as‑
sessoria, em focos que a empresa não consegue ter perna para atender. Eu não 
vejo como terceirização da área” (B). Esse posicionamento a diferencia das 
demais	profissionais	que	identificam	a	terceirização	positivamente	e	de	forma	
necessária para acompanhar a conjuntura atual que, ao adentrar o espaço do 
Serviço	Social,	seus	profissionais	devem	“aproveitar	e	se	preparar	para	ocupar	
esse espaço” como uma grande oportunidade.
As	entrevistadas	identificam	a	terceirização	a	partir	de	uma	visão	natura‑
lizada do processo, que demorou a ocorrer no Brasil, como necessidade de um 
trabalho especializado e por isso, com qualidade. “Vejo como positiva a tercei‑
rização	[...]	Acho	que	é	um	espaço	maior	e	que	cada	vez	mais	se	abre	no	mer‑
cado	de	trabalho	[...]	que	a	assistente	social	tem	que	começar	cada	vez	mais	a	
preencher	estes	espaços	[...]	se	abrir	para	o	novo,	porque	se	não,	não	vai	acom‑
panhar	o	mercado.	Não	vejo	precarização	[...]	acho	que	o	profissional	moderno	
e	[porque	o	Serviço	Social	também	é]	uma	profissão	liberal	tem	essa	possibili‑
dade	[...]”	(C).
Constata-se	também	a	falta	de	percepção,	por	parte	das	profissionais,	dos	
constrangimentos em seu trabalho, que, como os demais trabalhadores, sofrem 
os rebatimentos da precarização do mundo do trabalho, que terminam por fa‑
328 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 318-338, abr./jun. 2014
vorecer o empregador. A ideia é: ser moderno é ser liberal e ser liberal parece 
expressar a ideia (ilusória) de liberdade e autodeterminação plena no trabalho.
As entrevistadas apresentam a noção de qualidade diretamente relaciona‑
da à terceirização e não problematizam que a terceirização é uma das portas de 
entrada	da	precarização	profissional.	Apresentam	uma	ilusão	de	maior	autono‑
mia	profissional	na	medida	em	que	a	profissional	se	vê	alocada	em	espaço	de	
trabalho exterior à empresa, supostamente à margem dos seus interesses e de‑
terminações.	Quando	na	verdade	a	autonomia	profissional	torna-se	limitada	e	
isso pode ser percebido através do discurso de que a consultora precisa ter 
“cuidado” para não se indispor com o cliente que representa a empresa, reque‑
rendo	um	perfil	profissional	estratégico.
Os	salários	variáveis	ficam	explícitos	na	fala	de	uma	das	entrevistadas	que,	
além do contrato terceirizado, recebe eventualmente, quando está como plan‑
tonista	do	 atendimento	24	horas	por	 telefone,	 não	havendo	 identificação	de	
invasão	do	espaço	privado.	“Ele	é	um	aparelho	de	Nextel	que	fica	com	a	Assis‑
tente	Social	que	reveza	a	cada	15	dias	[...]	tocou,	atendeu,	vamos	embora...	é	
assim	direto,	ele	toca	muito.	As	profissionais	recebem	R$	180,00	pelo	plantão	
e	caso	precisem	estar	in	loco	recebem	R$	50,00	por	hora	de	trabalho”	(D).
A fala a seguir demonstra o quanto o trabalhador, que passa pelo menos 
um	terço	de	cada	dia	de	sua	vida	no	ambiente	de	trabalho,	tem	dificuldades	de	
desacelerar	o	seu	ritmo,	ressignificando	seus	espaços	e	sua	dinâmica	de	vida.	
“Eu	ficaria	dias	aqui	com	você.	É	fogo	né,	porque	quando	você	gosta,	parece	
que	fica	impregnada,	não	consegue	ficar	sem,	até	no	dia	em	que	está	de	folga	
você pensa: Ui, meu Deus! O que que está rolando lá? Eu tenho esse defeito... 
a	gente	vai	ficando	velha	e	fica	pior”	(A).
Segundo	Seligman-Silva	(2011),	o	processo	do	trabalho	se	intensifica	e	
normalmente se estende para além dos espaços de trabalho, roubando o “tem‑
po livre” dos trabalhadores. Isso constitui um mascaramento para a superex‑
ploração e invasão do espaço privado do trabalhador, como é o caso da 
prestação do atendimento 24 horas pelo plantão telefônico quinzenal. A 
análise de Antunes (1999, p. 172) chama a atenção para a interpenetração dos 
tempos de trabalho e de vida: “Pode‑se articular a ação contra o controle 
opressivo do capital no tempo de trabalho e contra o controle opressivo do 
capital no tempo de vida”.
329Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 318-338, abr./jun. 2014
Segundo Antunes (2010), é impossível compatibilizar uma vida desprovi‑
da de sentido no trabalho com uma vida cheia de sentido fora do trabalho. Esse 
aspecto aparece nas falas das entrevistadas. O trabalho ocupa uma dimensão 
central na vida dos sujeitos, fazendo com que sofram enquanto trabalham (mes‑
mo que isso seja oculto) ou sintam‑se culpados pelo ócio. Essa relação traduz 
diretamente o quanto a subjetividade foi atingida pelo mundo do trabalho.
Por outro lado, há um suporte legal ao mundo do trabalho que permite 
passar da terceirização à quarteirização. “O afrouxamento e a variabilidade ou 
flexibilidade	das	regras	é	que	permitiram	a	desregulamentação	dos	contratos	de	
trabalho” (Seligmann‑Silva, 2011, p. 472). Essa dimensão pode ser observada 
no espaço das consultorias empresariais pelos cadastros via site nacional. “Hoje 
temos	cadastradas	no	Brasil	 todo,	quase	2.500	profissionais	de	Psicologia,	e	
acho	que	assistentes	sociais	temos	3.500.	Eu	aciono	a	profissional	na	região,	
ela atende lá e ganha o horário dela. Elas são pagas por hora de serviço” (B).
Para	Antunes	(1999),	o	maior	desafio	da	classe	trabalhadora,	no	mundo	
atual e sob as condições tratadas, é soldar os laços de pertencimento de classe 
existentes entre os diversos segmentos que compreendem o mundo do trabalho, 
e	isso	ficou	explícito	na	fala	das	profissionaisentrevistadas	quando	não	perce‑
bem a relação desigual que se estabelece no mundo do trabalho quando se é 
parte da classe trabalhadora.
Alves (2010) trabalha a noção de “captura da subjetividade” do trabalha‑
dor apontando o caráter manipulatório e o respectivo poder da ideologia no 
atual estágio do capitalismo, com os seus rebatimentos sociais para a classe 
trabalhadora como um todo.
As empresas‑clientes da consultoria oferecem aos seus funcionários aten‑
dimento 24 horas por telefone (quando eles precisarem e em situações emer‑
genciais). É o discurso de que “nos preocupamos com vocês, mesmo quando 
estamos fora do horário de trabalho”. Sempre há alguém por trás desse atendi‑
mento	atrelado	às	relações	flexíveis	da	contratação	da	força	de	trabalho,	e	esse	
alguém no caso é uma assistente social.
O sistema de supervisão ou reuniões da consultoria, apontado pelas entre‑
vistadas, permite que as consultoras contestem e discutam os problemas mais 
frequentemente encontrados, propondo soluções que podem ou não ser adotadas 
pela consultoria. Porém o objetivo das empresas é o de minimizar a dimensão 
330 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 318-338, abr./jun. 2014
dos	conflitos	e	buscar	aproveitar	as	divergências	como	potencial	criativo	para	
a elevação da produtividade. É a captura da subjetividade do trabalhador na 
aparência do discurso de comprometimento total, são novas ideologias fabrica‑
das, é um processo de persuasão e sedução, de disciplina no trabalho.
Pinto (2010) aponta que a alocação dos trabalhadores entre variadas ati‑
vidades provoca‑lhes sucessivas crises de adaptação, pois exigem habilidades 
diversas	sempre	em	mutação.	Essa	dimensão	fica	clara	na	fala	das	entrevistadas.	
“Por exemplo, ele está atendendo uma empresa X que tem um tipo de produto 
e ele também é responsável por outro cliente que tem outro mix de serviços, 
então	o	consultor	precisa	‘plugar	e	desplugar’,	precisa	ter	bom	senso,	equilíbrio	
emocional,	conhecimento	técnico	muito	específico	para	todas	as	empresas	que	
atende	e	o	genérico	também	[...]	acho	que	de	todos	os	pontos,	ele	deve	ser	fle‑
xível”	(B).	“O	perfil	do	consultor	é	diferente	do	assistente	social	de	outro	espa‑
ço, porque ele tem que ter uma preparação, na empresa, é diferente. A demanda 
é imensa, tem de tudo” (C).
É	interessante	observar	os	termos	utilizados	para	caracterizar	o	perfil	de	
consultoras empresariais. São usados os termos “plugar e desplugar”, o que 
identifica	o	trabalhador	com	a	máquina.	Estabelece-se	um	tipo ideal de traba‑
lhador.	Exige-se	habilidade	profissional	para	refazer	o	seu	perfil	de	trabalhado‑
ra capaz de adentrar realidades e demandas diferentes, cartelas de serviço e 
formas de atuação múltiplas. Trata‑se da exigência de polivalência e do exer‑
cício de multiatividades, característicos das novas formas de gestão do trabalho.
A	instabilidade	profissional	pode	ser	observada,	entre	outros	aspectos,	pelo	
tipo de contratação, pelo tempo disponível para estabelecer experiências e re‑
lações	duráveis	por	parte	do	trabalhador	e	pelo	perfil	das	consultoras.	“A	dife‑
rença é que damos um foco maior no que o cliente quer. Ele fecha um pacote 
de serviço conosco. As consultoras estão preparadas para atender todas as de‑
mandas, mas ela desenvolve no cliente o que ele solicitou de serviço” (B). “Hoje 
acho	que	tenho	umas	oito	consultoras	sob	a	minha	responsabilidade	[...]	temos	
mais	ou	menos	quinze	clientes,	entre	fixos	e	eventuais	[eventuais	são	aqueles	
que	entram	em	contato	para	atendimentos	pontuais].	Os	eventuais	têm	procu‑
rado	com	mais	frequência	a	consultoria	[...]	temos	clientes	de	diversas	ativida‑
des, é logística, é agronomia, produtos de vendas, de serviço, é importante 
também	que	a	gente	analise	isso,	porque	cada	cliente	tem	um	perfil,	e	a	isso	
também	a	profissional	deve	estar	atenta”	(A).
331Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 318-338, abr./jun. 2014
As	entrevistadas,	de	maneira	geral,	 tiveram	mais	dificuldades	em	res‑
ponder questões que envolvem o conhecimento das condições de trabalho dos 
usuários,	isto	é,	os	trabalhadores	das	empresas.	Isso	ficou	evidenciado	a	par‑
tir de reações como repetir a pergunta mais baixo para si mesma várias vezes, 
dizer que precisava pensar ou ainda, perguntas do tipo Como assim? O que 
você quer saber? Em que aspecto?... “Acho que as empresas têm investido 
muito na questão da segurança, devido à legislação, brasileiro só trabalha 
sobre coação e legislação, isso reduziu o número de acidentes de trabalho e 
assédio” (B).
Sobre as atuais condições de trabalho como consultoras, as entrevistadas 
reduziram a análise ao suporte que a consultoria fornece a elas. “Eu vejo uma 
valorização muito boa enquanto consultora, você tem respeito mediante ao que 
expõe,	ao	que	é	exposto	a	você	[...]	em	outros	lugares	você	não	tem	o	reconhe‑
cimento tanto quanto você tem quando é consultora” (D).
Duas	consultoras	não	conseguem	perceber	que	o	que	foi	identificado	como	
benefícios para o trabalhador traduz mais uma forma de rebaixar o salário e 
exercer maior controle sobre o mesmo: “Acho que hoje o trabalhador é muito 
mais protegido, óbvio não tanto quanto a gente gostaria ainda, mas ele é muito 
mais protegido por legislação, não por conscientização ainda, mas por legisla‑
ção	[...]”	(B).	“[...]	se	comparada	há	alguns	anos	atrás,	porque	a	gama	de	bene‑
fícios que esses funcionários têm dentro da empresa, nem em sonho eu imagi‑
nava	que	eles	teriam,	tantos	benefícios	assim	[...]”	(A).
Quando perguntadas sobre a sua dinâmica de trabalho, em momento algum 
houve reconhecimento da precarização do trabalho. Pelo contrário, as falas des‑
tacam os aspectos positivos e “prazerosos” do trabalho de consultoria. “A dinâ‑
mica é extremamente dinâmica... eu gosto muito, porque eu gosto de novidade, 
não	gosto	de	rotina	[...]”	(A).	“É	assim	bem	corrido	essa	dinâmica	de	trabalho	
porque você tem que atender, dar um retorno, a questão de ser terceirizado tem 
uma cobrança maior, porque você não faz parte daquele grupo de trabalho...” (C).
As	entrevistadas	identificam	a	necessidade	de	dinamicidade	e	adaptabili‑
dade	aos	clientes	durante	o	fazer	profissional,	mas	não	problematizam	o	alto	
índice	de	atendimentos	diários	que	revela	processos	de	intensificação	do	traba‑
lho. Essa dinamicidade é apresentada como positiva.
Na elaboração de Druck (2009), a precarização das organizações e das 
condições	de	trabalho	se	expressa	na	intensificação	do	trabalho,	na	restrição	da	
332 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 318-338, abr./jun. 2014
autonomia, nas metas, pressões, extensão da jornada, polivalência, rotatividade 
etc. Nossa pesquisa aponta elementos que corroboram essa tese na medida em que 
esses	aspectos	ficaram	explícitos	nas	falas	das	entrevistadas	e	nas	suas	análises.
Ainda segundo a autora, a fragilização das condições de segurança (trei‑
namento, informação sobre riscos, medidas preventivas coletivas etc) e diluição 
das responsabilidades entre estáveis e instáveis, amalgamados à precarização 
das condições de organização e condições de trabalho implicam maior exposi‑
ção aos riscos e, dada a perda de estatuto dos trabalhadores, ocorre maior su‑
jeição às condições aviltantes e (in)suportáveis — a exemplo de metas e ritmos 
acelerados que levam aos “atalhos” e manobras para aumentar a produtividade 
e	fragilizam	a	segurança	e	a	saúde	no	trabalho.	Configura-se	assim	a	precariza‑
ção da saúde e da segurança no trabalho.
Pinto (2010) aponta que foi criado um sistema de “gerência pelo estresse”, 
em que cada setor é responsável pelo cumprimento de metas estabelecidas pela 
gerência, decidindo, com isso, como distribuir as atividades de trabalho inter‑
namente entre os membros.
A partir desse movimento, a prática do assédio moral19 passou a fazer 
parte do cotidiano dos trabalhadores e apareceu na fala de duas dentre as qua‑
tro entrevistadas e algumasvezes na defesa enfática da empresa‑cliente para 
que o resultado atinja os trabalhadores indiretamente. Não há problematização 
sobre os prejuízos gerados ao trabalhador que foi exposto a uma situação de 
assédio moral.
Tais práticas evidenciam‑se em relações hierárquicas autoritárias, em que 
predominam condutas negativas, relações desumanas e antiéticas de longa 
duração, de um ou mais chefes, dirigidas a um ou mais subordinados, ou entre 
colegas, de forma a desestabilizar a vítima.
19. A cartilha elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego sobre Relações de Trabalho (Brasil 
2009,	p.	15)	define	assédio	moral	como	“atos	cruéis	e	desumanos	que	caracterizam	uma	atitude	violenta	e	
sem ética nas relações de trabalho praticados por um ou mais chefes contra seus subordinados. Trata‑se da 
exposição de trabalhadoras e trabalhadores a situações vexatórias, constrangedoras e humilhantes durante o 
exercício	de	sua	função.	É	o	que	chamamos	de	violência	moral.	Esses	atos	visam	humilhar,	desqualificar	e	
desestabilizar emocionalmente a relação da vítima com a organização e o ambiente de trabalho, o que põe 
em risco a saúde, a própria vida da vítima e seu emprego. A violência moral ocasiona desordens emocionais, 
atinge a dignidade e a identidade da pessoa humana, altera valores, causa danos psíquicos (mentais), inter‑
fere negativamente na saúde, na qualidade de vida e pode até levar à morte”.
333Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 318-338, abr./jun. 2014
Seligmann‑Silva (2011) aponta o assédio moral como um elemento de 
vulnerabilização dos trabalhadores, sendo caracterizado por uma rejeição, 
que pode ser deliberada ou sistemática, tornando‑se importante fator de ori‑
gem e/ou desencadeamento de problema psíquico, a partir de uma agressão 
à dignidade, levando a quadros mais profundos de distúrbios psicológicos 
ou físicos.
Uma forma de resistência a esses aspectos seria a participação nos debates 
coletivos	da	categoria	profissional,	como	um	dos	mecanismos	de	fortalecimen‑
to do trabalhador vítima de assédio moral no trabalho, pela percepção de que 
se trata de uma prática coletiva exercida nas empresas e organizações sociais, 
mesmo que os seus efeitos sejam sentidos pessoalmente por cada trabalhador.
Quando perguntadas se participam de algum espaço de discussão da cate‑
goria	profissional,	todas	respondem	que	não.
Contudo, é interessante salientar que as temáticas do trabalho do assis‑
tente social em empresa e de consultoria empresarial não têm sido tratadas 
pelas entidades e encontros coletivos. Da mesma forma, cabe pontuar a impor‑
tância do tratamento coletivo a esses temas que reverberam no nosso fazer e 
no	espaço	de	atuação	profissional.	Alguns	pontos	descritos	pelas	entrevistadas	
poderiam ser resguardados pela introdução de novos direitos aos trabalhadores 
pela	revisão	da	legislação	ou	pelo	suporte	da	categoria	profissional	e	das	enti‑
dades representativas.
Em	relação	à	ética	profissional,	todas	as	consultoras	a	reduzem	ao	sigilo,	
quando,	na	verdade,	o	sigilo	é	um	componente	da	ética	profissional.	“A	gente	
trabalha	com	muita	lisura.	Na	maioria	dos	casos	a	empresa	não	fica	sabendo	o	
nome, é tudo tratado com muito sigilo, só levo para empresa casos que coloquem 
em	risco	a	empresa	[...]”	(B).	“No	meu	ponto	de	vista	eu	acredito	que	nós	tra‑
balhamos com a questão da ética, porque cada assunto, cada história que a 
gente	trata	e	resolve,	fica	tudo	ali	com	os	profissionais,	isso	não	sai...”	(D).
Quando	questionadas	sobre	o	choque	entre	ética	profissional	e	ética	em‑
presarial,	partem	em	defesa	da	categoria	profissional,	porém	a	atuação	profis‑
sional do consultor encontra‑se limitada pelo contrato assinado entre a consul‑
toria e a empresa‑cliente, a exemplo de qualquer relação assalariada, que neste 
caso é traduzida por um pacote de serviços. Também o atendimento ao usuário 
à distância demandaria novos estudos no sentido de aprofundar os efeitos da 
334 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 318-338, abr./jun. 2014
ausência	do	contato	face	a	face	no	exercício	profissional	do	assistente	social	
nesse campo.
A partir das entrevistas, alguns aspectos devem ser destacados: o trabalho 
é centralizado na demanda apresentada, não havendo por parte das consultorias 
uma ação proativa no sentido de induzir a viabilização de novos projetos; as 
demandas	são	identificadas	no	espaço	micro,	e	a	nossa	pesquisa	não	identificou	
a realização de diagnósticos mais amplos que contemplassem as necessidades 
sociais dos trabalhadores das empresas e que pudessem subsidiar propostas que 
atendessem demandas do trabalho, na dinâmica contraditória que caracteriza as 
relações empresariais.
Aponto também a diferenciação realizada pelas próprias entrevistadas 
entre o trabalho em consultoria e outros campos de atuação, destacando o glamour 
que o espaço empresarial parece oferecer ao assistente social quando este é in‑
titulado consultor.
As falas das entrevistadas traduzem que apenas no espaço de atendimento 
da	consultoria	empresarial	os	profissionais	de	Serviço	Social	se	relacionam	com	
o	 trabalhador	 inserido	na	produção,	não	 identificando	que	essa	condição	de	
trabalhador	permeia	qualquer	espaço	de	atuação	profissional.	O	Serviço	Social	
atua diretamente com a força de trabalho, no seu processo de produção e repro‑
dução	social.	Primeiro,	na	história	profissional,	como	forma	de	coerção	e	con‑
senso. Atualmente, na direção do comprometimento com essa força de trabalho, 
na e pela ampliação de seus direitos numa perspectiva emancipatória.
Na visão das entrevistadas, há um processo de expansão das consultorias 
empresariais no âmbito do Serviço Social. Contudo, apesar de expressarem 
verbalmente que não acreditam na substituição dos assistentes sociais internos 
às empresas por consultorias externas, quando apontam o movimento do mer‑
cado,	a	partir	de	suas	vivências,	acabam	justificando	o	contrário.	Ou	seja,	é	
possível supor que empresas que nunca tiveram assistentes sociais em seus 
quadros funcionais, ao contratarem consultorias, não farão necessariamente um 
movimento	posterior	de	contratação	direta	desses	profissionais.
Na medida em que as empresas optam pela contratação de consultorias 
externas,	e	estas	 terceirizam	de	 forma	autônoma	as	profissionais,	 temos	dois	
movimentos: o de não expansão de contratação de assistentes sociais diretamen‑
te pelas empresas e a ampliação da contratação pela via da precarização, sob as 
335Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 318-338, abr./jun. 2014
formas de terceirização e de quarteirização, tendo em vista o quadro de cadastros 
de assistentes sociais e psicólogos que a consultoria possui, conforme abordado.
Quando perguntadas sobre as melhorias para o próprio ambiente de traba‑
lho,	as	respostas	apareceram	vinculadas	à	contratação	de	mais	profissionais.	
Apesar de as entrevistadas não problematizarem, o aumento da contratação de 
profissionais	nessa	área	representa	uma	expansão	da	terceirização.	A	luta	do	
Serviço Social deveria ser, portanto, pela ampliação da contratação direta de 
assistentes	sociais	por	parte	das	empresas,	o	que	levaria	à	redefinição	das	con‑
sultorias empresariais no sentido de realizarem apenas trabalhos pontuais não 
passíveis de serem assumidos internamente, como é próprio, e não que substi‑
tuíssem	o	trabalho	dos	profissionais	das	empresas.
Avançar	com	os	espaços	de	consultoria	empresarial,	tal	como	se	configu‑
ram hoje, é avançar com o processo de terceirização e quarteirização, é uma 
capilarização	da	informalidade.	Segundo	Santos	(2010),	a	flexibilidade	não	pode	
ser a solução para aumentar os índices de ocupação, o que seria uma grande 
ilusão,	quando	se	percebe	o	significado	substantivo	de	perdas	para	o	trabalhador.
Em	suma,	a	flexibilização	das	relações	de	trabalho,	apesar	de	encarada	
como	alternativa	do	capital	para	combater	o	desemprego,	traz	outros	significa‑dos que, na verdade, representam a liberdade do capital das amarras legais e de 
proteção	do	trabalhador.	Torna-se	necessária,	portanto,	a	desmistificação	desse	
tipo de relação trabalhista, como meio de resistência a mais uma das investidas 
do capital contra o trabalho.
Considerações finais
A precarização que assola o mundo do trabalho a partir da reestruturação 
produtiva abre espaço para a informalidade do mercado de trabalho, aumentan‑
do	a	terceirização	profissional	e,	como	uma	de	suas	expressões,	a	consultoria	
empresarial	de	Serviço	Social.	Os	vieses	da	precarização	aparecem	mistificados	
aos olhos dos trabalhadores e apontam para o aumento de mecanismos de ex‑
tração do sobretrabalho.
Compreender	os	desafios	institucionais	com	os	quais	 lidamos	no	nosso	
cotidiano	de	trabalho	permite	explicitar	que	a	autonomia	relativa	do	profissional,	
336 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 318-338, abr./jun. 2014
no espaço sócio‑ocupacional da consultoria empresarial, é regulada pelos dita‑
mes de quem a contrata, da mesma forma que ocorre com as demais instituições 
nas quais os assistentes vendem a sua força de trabalho.
Por isso, compreender o trabalho como esfera de luta requer assumir ati‑
tudes defensivas, de resistência e de oposição às formas de dominação instau‑
radas. Daí a importância de uma atuação não apenas no nível imediato, mas na 
construção de mediações políticas articuladas às lutas gerais da classe trabalha‑
dora pela desprecarização do trabalho, defesa dos direitos e preservação das 
conquistas historicamente acumuladas.
Concluindo	nossas	reflexões,	seguem	alguns	apontamentos	para	o	espaço	
sócio‑ocupacional da consultoria empresarial, os quais devem ser problemati‑
zados pelo conjunto da categoria.
Uma estratégia de fortalecimento seria as consultorias não substituírem o 
trabalho dos assistentes sociais das empresas, contribuindo para a redução 
deste	mercado	de	trabalho	profissional.	Mas,	ao	contrário,	deveriam	conjugaar	
as	 atribuições	 e	 competências	 profissionais,	 reafirmando	o	Código	de	Ética	
Profissional,	Projeto	Ético-Político	do	Serviço	Social	e	a	Lei	de	Regulamenta‑
ção	da	Profissão,	que	definem	a	atividade	de	consultoria	como	uma	competên‑
cia	profissional	compartilhada	com	outras	áreas.
Uma	luta	importante	a	ser	assumida	pela	categoria	profissional	e	entidades	
representativas	seria	a	definição	de	estratégias	de	qualificação	dos	profissionais	
para atuar em empresas e lutar pela contratação direta de assistentes sociais, no 
sentido de enfrentar a ampliação das consultorias que encobrem a terceirização.
Outro aspecto seria trazer o debate das consultorias empresarias para os 
espaços	coletivos	da	categoria	profissional,	socializando	os	desafios	enfrentados	
e permitindo maior visibilidade desse espaço sócio‑ocupacional para que o 
mesmo	possa	ser	redefinido	na	perspectiva	do	projeto	ético-politico,	contando	
com a participação ativa das consultorias hoje existentes. O incentivo de pro‑
dução	teórica	relacionado	ao	fazer	profissional	nesse	espaço	é	relevante	para	
tornar visível o que se encontra oculto e analisá‑lo de maneira a problematizá‑
‑lo coletivamente.
Esse movimento permitirá aos conselhos regionais acompanhar mais de 
perto as empresas e suas estratégias que ocultam a terceirização sob o manto 
das consultorias externas no âmbito do Serviço Social.
337Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 318-338, abr./jun. 2014
Em suma, todo esse movimento nos apresenta que o capitalismo esgotou 
suas possibilidades civilizatórias, o que se explicita pela sua “produção destru‑
tiva” nas relações sociais e nas trabalhistas. Esse pode ser um movimento, uma 
ponta de esperança para a construção de um novo projeto societário, que pre‑
cisa	ser	debatido	coletivamente	na	categoria	profissional	e	junto	aos	usuários	
dos serviços.
Recebido em 15/1/2014 ■ Aprovado em 17/3/2014
Referências bibliográficas
ALVES, Giovanni. O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva 
e crise do sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2010. (Col. Mundo do trabalho.)
ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho:	ensaio	sobre	a	afirmação	e	a	negação	
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339Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 339-365, abr./jun. 2014
Benefício de Prestação Continuada 
e perícia médica previdenciária: 
limitações do processo*
Continued benefit and social security medical evaluation: 
limitations of the process
Miriam Cláudia Spada Bim** 
Neide Tiemi Murofuse***
Resumo: Com o objetivo de analisar os resultados do processo de 
avaliação	da	pessoa	com	deficiência	(PcD)	requerente	do	Benefício	de	
Prestação Continuada (BPC) — após a implantação do modelo de ava‑
liação	baseado	na	Classificação	Internacional	de	Funcionalidade,	Inca‑
pacidade e Saúde (CIF) — foi desenvolvido um estudo documental 
envolvendo a análise estatística descritiva de 1.404 requerimentos de 
BPC para PcD, no período de maiode 2006 a abril de 2012. Os resulta‑
dos evidenciaram a permanência da estrutura de exclusão, com a ava‑
liação adotada, mantendo‑se a restritividade de acesso da PcD ao BPC.
Palavras‑chave: Perícia médica Previdenciária. Avaliação social da 
deficiência.	Proteção	social.
Abstract: Aimed at analyzing the results of the process of evaluation of the disabled people who 
ask	for	the	Continued	Benefit	—	after	the	implementation	of	the	model	of	evaluation	based	on	the	
* Artigo extraído da dissertação “Benefício de Prestação Continuada: uma análise da avaliação da pessoa 
com	deficiência	antes	e	depois	de	instituído	o	modelo	baseado	na	CIF”,	apresentada	ao	Programa	de	Mestra‑
do em Biociências e Saúde, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), câmpus de Cascavel.
** Assistente Social, Analista do Seguro Social do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), mes‑
tranda do Programa de Pós‑Graduação em Biociências e Saúde da Unioeste, Toledo/PR, Brasil. E‑mail: 
mirian_bim@hotmail.com.
*** Doutora em Enfermagem Fundamental, professora aposentada da Unioeste, câmpus de Cascavel/
PR, Brasil; docente do Programa de Mestrado em Biociências e Saúde da Unioeste, câmpus de Cascavel. 
E‑mail: neidetm@terra.com.br.
340 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 339-365, abr./jun. 2014
International	Classification	of	Functioning,	Disability	and	Health	—	it	was	developed	a	documentary	
study	in	which	1,404	application	forms	for	the	Continued	Benefit	for	disabled	people	from	May,	2006	
to April, 2012 were submitted to a statistical descriptive analysis. The results showed that the exclusion 
structure has been kept with the adopted evaluation, as well as the restrictiveness to the Continued 
Benefit	for	disabled	people.
Keywords: Social Security medical evaluation. Social evaluation of disability. Social protection.
1. Introdução
O Benefício de Prestação Continuada (conhecido como BPC/Loas ou simplesmente BPC) tem um papel importante na construção da política social, atendendo, em todo o Brasil, a 3.999.462 pessoas, sendo que, desse total, mais de 2 milhões são PcDs e mais de 1,7 
milhões, de idosos acima de 65 anos (Brasil, 2012).
Pelo critério de gastos públicos, o BPC é o maior no contexto brasileiro, 
de modo que o somatório de todos os benefícios pagos no Brasil alcançou, em 
valor	corrente,	o	patamar	de	R$	27,8	bilhões,	em	2012	e,	para	este	ano,	tem	
orçamento	previsto	de	R$	30,5	bilhões,	quase	50%	acima	dos	R$	23,9	bilhões	
que	o	maior	programa	de	 transferência	de	 renda	para	 famílias	beneficiadas	
— o Programa Bolsa Família (PBF) — repassará este ano. O BPC destaca‑se 
como o programa na área social de maior desembolso do governo federal, 
representando 86,21% do Fundo Nacional da Assistência Social (FNAS), 
apesar	de	o	Bolsa	Família	configurar	como	o	maior	programa	social	em	termos	
de cobertura (13,5 milhões de famílias ou cerca de 50 milhões de pessoas) 
(Brasil, 2013).
A revisão da literatura indicou que o BPC tem‑se constituído em objeto de 
estudo,	não	apenas	para	profissionais	afetos	à	política	de	assistência	social,	mas,	
para diversas áreas do conhecimento como as das ciências econômicas, socio‑
logia e direito, suscitando discussão numa dimensão interdisciplinar. No perío‑
do	 entre	 2007	 e	 2011,	 foram	produzidas	 significativas	 contribuições	para	 o	
entendimento da temática, especialmente sobre conceitos e critérios adotados 
pelo BPC, bem como sobre a importância do benefício como mecanismo para 
proteção social, apesar de uma parcela considerável não ter seus direitos garan‑
tidos. Em todo o material revisado, ganham relevo o campo do direito social, a 
341Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 339-365, abr./jun. 2014
judicialização,	a	alteração	nos	conceitos	de	família	e	de	deficiência	e	os	critérios	
de elegibilidade, com destaque para o critério de renda.
No entanto, são raras as temáticas ligadas à avaliação social e, principal‑
mente,	à	influência	destas	no	resultado	de	concessão	do	BPC.	Da	mesma	forma,	
permanecem lacunas nos conhecimentos a respeito da necessidade de estudos 
sobre o conceito de incapacidade para o trabalho (Diniz et al., 2007); da ava‑
liação sobre as informações mais recentes sobre o tamanho e distribuição do 
programa entre os estratos sociais (Medeiros et al., 2009); lacunas referentes, 
também, à escassez de dados que não permite estimar com precisão os custos 
que o aumento na renda per capita podem gerar (Penalva et al., 2010); à ausên‑
cia de pesquisas de avaliação e monitoramento do BPC; referentes, ainda, aos 
impactos deste benefício sobre a vida das pessoas atendidas versus mercado de 
trabalho	para	pessoas	pobres	e	deficientes;	aos	estudos	sobre	os	cuidadores	das	
pessoas	com	deficiência	(Santos,	2011)	e	à	necessidade	de	estudos	acerca	do	
instrumento de avaliação para compreender em que medida as alterações con‑
ceituais promovidas pelo Decreto Federal n. 6.214/2007, que integrou a dimen‑
são	social	na	avaliação	do	BPC	da	pessoa	com	deficiência,	estaria	contribuindo	
para ampliar o acesso ao reconhecimento inicial do direito da pessoa com de‑
ficiência	(Ivo	e	Silva,	2011).
Nesta	direção,	o	presente	artigo	propõe-se	identificar	e	analisar	os	resul‑
tados	do	processo	de	avaliação	das	pessoas	com	deficiência	(PcDs)	requerente	
do	BPC,	após	a	implantação	do	modelo	de	avaliação,	baseado	na	Classificação	
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). Para tanto, revi‑
sita os marcos da constituição do processo saúde‑doença e trabalho e sinaliza 
um breve histórico sobre a perícia médica previdenciária. Na sequência, apon‑
ta	as	alterações	na	forma	de	avaliação	e	finaliza	com	a	discussão	sobre	como	
estas alterações se desenvolveram na Agencia da Previdência Social (APS) de 
Assis Chateaubriand.
2. BPC e perícia médica previdenciária: algumas considerações
O BPC é um benefício individual, não vitalício e intransferível que se 
caracteriza pela transferência monetária mensal, no valor de um salário míni‑
342 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 339-365, abr./jun. 2014
mo,	aos	beneficiários	idosos	(65	anos	ou	mais)	ou	às	PcDs	incapacitadas	para	
o trabalho e para a vida independente, cuja renda familiar mensal per capita 
seja inferior a 1/4 do salário mínimo. Não é condicionado a qualquer contra‑
partida, bem como independe de contribuições prévias para o sistema de se‑
guridade social.
Como disposto no inciso V, do artigo 203, da Constituição Federal de 1988 
(CF/88), o BPC encontra‑se regulamentado desde 1993, através do artigo 20, 
da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) — Lei n. 8.742/1993, e em 
funcionamento desde 1996. A gestão do BPC é realizada pelo Ministério do 
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), por intermédio da Secre‑
taria Nacional de Assistência Social (SNAS), que é a responsável pela imple‑
mentação,	coordenação,	regulação,	financiamento,	monitoramento	e	avaliação.	
A	operacionalização	do	BPC	fica	a	cargo	do	INSS	e	os	recursos	para	seu	custeio	
provêm do FNAS (Brasil, 2007b).
O BPC é o único direito de proteção social não contributivo que foi efeti‑
vado após a promulgação da CF/88. No entanto, dado o esfacelamento das 
proteções sociais como um todo, no contexto do neoliberalismo, sua concreti‑
zação esbarra na muralha da burocracia. O ingresso a este direito constitucional 
está relacionado aos critérios fastidiosos de seleção que corroem o progresso 
constitucional, pois limitam o direito do cidadão à renda per capita familiar e 
à prova de incapacidade para a vida independente e para o trabalho.
Uma das polêmicas no processo de implementação, até hoje, e um dos 
elementos de tensão é a adequação de um mecanismo para a comprovação da 
incapacidade.	A	comprovação	da	deficiência,	no	primeiro	ano,	era	realizada	por	
uma equipe multiprofissional, mas, com a edição da Medida Provisória 
n. 1.473/1997, em agosto de 1997, passa a ser uma atribuiçãoexclusiva da 
Perícia Médica do INSS, desconsiderando a perspectiva proporcionada pela 
avaliação multidisciplinar. Pela inadequação do modelo biomédico e para aten‑
der às reivindicações de segmentos envolvidos com a temática, após um longo 
processo, foi sancionado o Decreto Federal n. 6.214/2007, que determinou novo 
modelo de avaliação. O Decreto prevê, entre outras questões, que o acesso ao 
BPC deva ser efetuado após a aplicação de um instrumental denominado de 
Avaliação Médica e Social, que tem como base a CIF. Porém, mesmo estabe‑
lecido em lei desde 2007, somente a partir de maio de 2009 é que esta prática 
começa a ser realizada pelo INSS.
343Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 339-365, abr./jun. 2014
Para a compreensão sobre como esta prática vem sendo realizada, faz‑se 
necessário um retrocesso histórico sobre a constituição da perícia médica pre‑
videnciária. E é o que se quer destacar na sequência, apontando‑se para como 
era	realizada	a	avaliação	da	pessoa	com	deficiência	elegível	ao	benefício	e	as	
alterações que ocorreram nas legislações, tendo como resultado a introdução 
do	novo	modelo	de	avaliação	da	deficiência	para	acesso	ao	benefício.
2.1. Considerações acerca do processo de saúde-doença e trabalho
O século XIX foi marcadamente o século da transformação da natureza do 
trabalho. A chamada Revolução Industrial impulsionou o desenvolvimento em 
todas as áreas. Porém, esta civilização do trabalho trouxe como consequência o 
surgimento de novas implicações e agravos para a saúde. O homem, agora es‑
sencialmente trabalhador e urbano, passou a ser exposto a diferentes acidentes 
ligados ao trabalho e às doenças de natureza ocupacional (Oliveira, 2001).
Como apontam Mendes e Dias (1991), o conhecimento técnico sobre estes 
novos agentes agressivos, sua forma de ação, consequências e tratamentos, 
foram pouco a pouco sendo desvendados pela ciência, e um novo campo da 
medicina surgiu em função dessas relações visando o controle da força de tra‑
balho para o aumento da produtividade: a Medicina do Trabalho (MT). O 
objetivo da MT era o de trazer o funcionário rapidamente de volta ao trabalho, 
exercendo uma medicina curativa, constituindo‑se em serviço dirigido por 
pessoas	de	inteira	confiança	do	empresário	e	dispostas	a	defendê-lo,	e	em	tare‑
fa eminentemente médica, a prevenção e a responsabilidade pela ocorrência dos 
problemas de saúde resultantes dos riscos do trabalho. Neste sentido, os médi‑
cos buscavam uma adaptação dos trabalhadores às máquinas e aos meios de 
trabalho, num contexto de péssimas condições de trabalho, em que, estes últimos, 
frequentemente adoeciam e até mesmo morriam.
Após a Segunda Guerra Mundial, as indústrias cresceram e as condições 
de trabalho pioraram. Inicia‑se então um movimento de insatisfação e de ques‑
tionamentos por parte de empregadores e empregados sobre as condições am‑
bientais e o adoecimento advindo do trabalho penoso, que onerava patrões, 
344 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 339-365, abr./jun. 2014
seguradoras e deixava trabalhadores sequelados. A atuação dos serviços da 
Medicina	do	Trabalho,	centrada	na	figura	do	médico,	mostrou-se	insuficiente	
para atender os problemas como os do adoecimento do trabalhador. Desta for‑
ma, surge o modelo de intervenção sobre o ambiente, a Saúde Ocupacional 
(SO), tendo como principal estratégia a intervenção nos locais de trabalho 
através	da	atuação	multiprofissional,	com	a	finalidade	de	controlar	os	riscos	
ambientais (Mendes e Wunsch, 2011).
Entretanto, o modelo da SO não conseguiu atingir os seus objetivos, por 
manter o referencial sobre indivíduos — ao privilegiar o diagnóstico e o tra‑
tamento dos problemas de natureza orgânica e incorporar práticas e conheci‑
mentos da clínica, medicina preventiva e epidemiologia clássica, mediante a 
história natural da doença para a análise das doenças e acidentes do trabalho 
— sustentado pela tríade “agente‑hospedeiro‑ambiente”.
Derivada	da	informação	restrita	e	da	atuação	autoritária	dos	profissionais	
de saúde, no trabalho ou fora dele, a SO contribui, com isso, para a alienação e 
desinformação do trabalhador, deixando pouco espaço para sua subjetividade. 
Essa prática confere, ainda, maior capacidade de controle do capital sobre o 
trabalho, impedindo que se considere e opere sobre nexos mais complexos, pois 
toma o trabalhador como paciente passivo e hospedeiro, objeto da técnica, es‑
treitando a possibilidade de apreensão e pouco contribuindo para a compreensão 
da causalidade das doenças relacionadas ao trabalho na contemporaneidade 
(Lacaz, 2007).
A	partir	do	final	dos	anos	de	1960,	em	meio	a	um	intenso	processo	de	
mudanças sociais, surgem críticas e questionamentos ao modelo da SO. Uma 
forma distinta de analisar as questões referentes ao trabalho‑saúde/doença sur‑
ge com alguns autores da Medicina Social Latino‑americana, entre os quais, 
Laurell e Noriega (1989), que conceituam o trabalho a partir da concepção de 
processo de trabalho inscrita nas relações sociais de produção. Assim, além das 
consequências mais visíveis do trabalho sobre a saúde, quais sejam, as dos 
agentes nocivos de natureza química, física, entre outros, procuram também 
entender a nocividade do trabalho com suas implicações no nível biopsíquico.
No Brasil, a emergência da Saúde do Trabalhador (ST), enquanto marco 
teórico,	pode	ser	 identificada	na	década	de	1980,	 tendo	sido	estabelecida	na	
CF/88	 e,	 posteriormente,	 regulamentada	 e	 definida	 com	a	Lei	Orgânica	 da	
345Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 339-365, abr./jun. 2014
Saúde (LOS) — Lei n. 8.080/90. A ST diferencia‑se e opõe‑se aos modelos 
hegemônicos das práticas de intervenção e regulação das relações saúde‑traba‑
lho tradicionais. Esta abordagem busca resgatar o lado humano do trabalho e 
sua capacidade protetora de agravos à saúde dos trabalhadores. Na medida em 
que as classes trabalhadoras constituem‑se em novo sujeito político e social, 
apreendendo‑o como agente de mudanças e como ator histórico, com saberes 
e vivências sobre seu trabalho, compartilhadas coletivamente, ele pode intervir 
e transformar a realidade do trabalho, participando do controle da nocividade, 
da	definição	consensual	de	prioridades	de	intervenção	e	da	elaboração	de	estra‑
tégias transformadoras (Lacaz, 2007).
Convém ressaltar que as três formas de abordagem da relação entre tra‑
balho	 e	 processo	 saúde-doença	 coexistem	na	 atualidade,	 configurando	 um	
embate	que	reflete	de	alguma	forma	o	embate	social,	pois	suas	práticas	situam‑
-se	no	campo	do	conflito	do	capital/trabalho.	E	como	todo	embate	é	constituí‑
do de avanços e retrocessos, a história atual tem explicitado que o estabeleci‑
mento de diretrizes dessa política, por parte dos trabalhadores, já não é tão 
observada. Conforme Lacaz (2007), a realidade vivida em função da fragili‑
dade	atual	dos	movimentos	sociais,	da	nova	configuração	do	mundo	do	traba‑
lho, aliada à postura pouco engajada da academia e ao desenvolvimento de 
políticas públicas reducionistas, constrói um quadro de retrocesso no campo 
da ST que é preciso combater.
Essa ressalva é necessária, pois como se verá a seguir, no âmbito da pre‑
vidência social brasileira não se revela protagonismo de ações de prevenção de 
doenças e/ou promoção de saúde que correspondam à intervenção sobre fatores 
extrabiológicos; ou seja, não se atende à perspectiva de atuação que compreen‑
da o processo saúde‑doença a partir da discussão do campo da Saúde do Tra‑
balhador. Ao contrário, observa‑se uma hegemonia do discurso da Saúde 
Ocupacional e da Medicina do Trabalho, para as quais a lógica de atribuição de 
culpa confere ao trabalhador a responsabilidade pelo adoecimento do qual é 
vítima (Pinto Júnior et al., 2012).
Centrados	 na	figura	 do	médico,	 na	 concepção	 de	multicausalidade	 da	
doença, entendida como decorrente de um processo biológicoe da exposição a 
fatores de riscos, as avaliações médicas periciais desconsideram a natureza 
social do processo saúde e doença, como exposto a seguir.
346 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 339-365, abr./jun. 2014
2.2. Considerações sobre perícia médica previdenciária
A	perícia	médica	previdenciária	tem	por	finalidade	subsidiar	a	autoridade	
administrativa do INSS acerca de características constatáveis no requerente a 
benefícios assistenciais ou previdenciários, que lhe permita reconhecer ou não 
o direito previsto em lei.
Como bem ressalta Almeida (2011), a perícia médica previdenciária con‑
siste eminentemente em caracterizar a presença ou ausência de incapacidade 
laboral,	não	havendo	relação	médico-paciente	com	pressupostos	da	confiança	
mútua; é nela, mais provável, que as manifestações de distanciamento e auto‑
ritarismo estejam potencializadas.
Melo e Brant (2005) referem que não raro são falas dos segurados as de 
que a sala de perícia é local de tortura emocional, em que prevalece não o social 
e a dignidade da pessoa humana, mas o interesse patrimonialístico, com a rela‑
ção	médico-paciente	constituída	pelas	categorias:	submissão,	conflito	e	resis‑
tência, apresentando‑se o segurado, evidentemente, como a parte mais fraca 
desta relação. Paralelamente, desconsideram‑se elementos fundamentais na 
gênese do acidente ou adoecimento, como a pressão por produção, as horas 
extras, as ameaças de demissão, os prêmios por produtividade, a distância e as 
dificuldades	de	acesso	entre	residência	e	emprego,	baixos	salários,	busca	por	
outras fontes de renda e preocupação com situações pessoais ou familiares, 
entre outras.
Para Junior (2011), a incapacidade, em qualquer sentido, constitui julga‑
mento, haja vista não existir como conceito de per si, mas sempre relacionado 
a	alguma	habilidade;	cabe	ao	perito	verificar	se	o	conceito	se	aplica	ao	caso	
concreto que analisa, ou seja, se transcende o diagnóstico nosológico principal 
e leva em conta outras comorbidades, aspectos sociais e crenças pessoais e 
ideológicas do próprio perito médico. Desta maneira,
Ainda	que	os	médicos	 sejam	os	profissionais	 autorizados	pela	 sociedade	para	
definir	quem	está	ou	não	doente	e	definir	as	causas	do	adoecer,	não	se	pode	des‑
considerar	que	a	análise	do	diagnóstico	é	 também	 influenciada	pela	 formação	
técnica	e	pelas	convicções	pessoais	do	profissional.	(Murofuse,	2004,	p.	167)
347Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 339-365, abr./jun. 2014
E,	por	mais	que	alguns	profissionais	queiram	visualizar	o	trabalhador	como	
um todo e situá‑lo, de alguma maneira, no seu contexto socioeconômico, ter‑
minam por regressar ao reducionismo, pois este foi o modelo em que foi pau‑
tada sua formação na escola médica (Barros, 2002).
A lógica que rege o ato médico‑pericial previdenciário é o conceito de 
incapacidade laborativa que, conforme Gomes (2009), seria a impossibilidade 
temporária	ou	definitiva	do	desempenho	das	funções	específicas	de	uma	ativi‑
dade	ou	ocupação,	em	consequência	de	alterações	morfopsiquicofisiológicas	
provocadas por doença ou acidente, para a qual o examinado estava previamen‑
te habilitado e em exercício. O risco de vida para si ou para terceiros, ou o 
agravamento que a permanência em atividade possa acarretar, está implicita‑
mente incluído no conceito de incapacidade, desde que palpável e indiscutível. 
Mais	especificamente,	a	capacidade	laborativa	implica	na	relação	de	equilíbrio	
entre as exigências de uma dada ocupação e a capacidade para realizá‑las. A 
incapacidade deve ser analisada quanto ao grau (parcial ou total), à duração 
(temporária	ou	permanente)	e	à	profissão	desempenhada	(uniprofissional,	mul‑
tiprofissional	ou	omniprofissional).
Para atender às expectativas do ato médico, o perito previdenciário de‑
veria	 ser	 um	 profissional	 com	 conhecimento	 necessário	 das	 leis,	 normas,	
portarias,	profissiografia,	além	de	ter	capacidade	de	avaliar	a	associação	das	
patologias à atividade do trabalhador e a todos os fatores associados à sua 
capacidade laborativa. Deveria, outrossim, somar, à necessidade de uma sóli‑
da formação clínica, amplo domínio da legislação, disciplina legal e adminis‑
trativa, além de possuir atributos de caráter e personalidade (integridade, in‑
dependência, equilíbrio). Mas, o que se evidencia na história da previdência 
social em relação à perícia médica previdenciária, embora possa haver algumas 
exceções, é a negação da relação com o trabalho. Desconsideram inclusive o 
que relatam os trabalhadores sobre seus sintomas, valorizando extremamente 
apenas os aspectos biológicos do corpo do trabalhador, que sejam visíveis 
(sinais e não sintomas) e, de preferência, comprovados por exames (exames 
esses que, em vez de serem tratados como complementares, são tomados como 
decisivos em muitos casos), não respeitando o sujeito social/trabalhador, mas 
uniformizando os procedimentos para o atendimento ao regime capitalista de 
produção (Brasil, 2005).
348 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 339-365, abr./jun. 2014
A explicação para esta não valorização do trabalhador como sujeito ativo 
do processo saúde‑doença pode estar nas bases históricas, sob as quais foi 
construída	a	perícia	médica	previdenciária,	o	que	dificulta,	e	mesmo	impede,	
sua	efetivação,	pois	migrar	dos	paradigmas	que	norteavam	a	definição	centrada	
na doença e suas consequências, para uma práxis que privilegie a saúde, impor‑
ta em longo percurso, ou quase uma conversão, visto ainda não ter sido total‑
mente incorporado à prática cotidiana.
2.3. Avaliação da PcD para acesso ao BPC: da concepção biomédica para os determinantes 
sociais do processo saúde-doença
Por ser o BPC operacionalizado pelo INSS, por muito tempo o mesmo foi 
percebido como benefício previdenciário, e não assistencial, distanciando‑se de 
seus objetivos tais como a efetivação de um direito de proteção social para 
pessoas que, por incapacidades de algum tipo, experimentavam situações de 
vulnerabilidade econômica e social.
Sua concessão, realizada exclusivamente pela perícia médica do INSS, 
enfrentava	as	dificuldades	já	elencadas,	por	estar	inserida	numa	lógica	previ‑
denciária	que	avaliava	a	deficiência	numa	perspectiva	individual,	utilizando-se	
de critérios biologicistas. O biologicismo, ao pressupor o reconhecimento da 
natureza	biológica	das	doenças,	se	justifica	pela	compreensão	de	que	a	doença	
é causada por agentes biológicos (aí incluídos os químicos e físicos), em corpos 
biológicos e com repercussão biológica. Por conseguinte, focaliza a avaliação 
e o tratamento nos sinais e nos sintomas, valorizando sobremaneira a entidade 
estrutural patológica. Deste modo, associa‑se à unicausalidade, conferindo uma 
dimensão estritamente biológica ao ser humano, descontextualizando‑o de sua 
posição	biográfica,	familiar	e	social.
Dentre	os	argumentos	para	tentar	justificar	o	predomínio	do	modelo	mé‑
dico nas avaliações dos requerentes ao BPC, o mais comum é o de que os 
médicos peritos são os mais preparados para avaliar o aspecto laborativo da 
pessoa,	para	fins	de	concessão	de	benefícios	trabalhistas.	Com	isto,	a	elegibili‑
dade da PcD para o BPC acabou se sujeitando a essa prática recorrente de uma 
349Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 339-365, abr./jun. 2014
avaliação mais restritiva e desconsiderando outros aspectos relevantes para a 
avaliação	da	deficiência	(Sposati,	2004).
Esse	modelo	médico	de	avaliação	que	considera	a	deficiência	como	atri‑
buto da pessoa — sem considerar outras dimensões presentes no estado de 
saúde	e	a	partir	da	visão	individual	e	subjetiva	do	avaliador	e	o	insuficiente	grau	
de	uniformização	—	fez	com	que	se	intensificasse	a	insatisfação	da	sociedade	
quanto à forma como a avaliação do BPC era realizada (Brasil, 2007b).
Assim, de forma a minimizar os problemas advindos da avaliação da pe‑
rícia médica, o GovernoFederal instituiu, em 2005, um Grupo de Trabalho 
Interministerial (GTI), formado por técnicos do MDS e do Ministério da Pre‑
vidência Social (MPS), visando à proposição de novos parâmetros de avaliação 
das PcDs solicitantes ao BPC, capazes de diminuir o nível de subjetividade do 
procedimento e que considerasse a incapacidade não apenas como um atributo 
da pessoa, mas como consequência de um conjunto complexo de situações de 
natureza biológica, individual, econômica e social. Esse grupo propôs, então, 
uma avaliação baseada na CIF (Brasil, 2007b).
A CIF, publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2001, 
é	considerada	um	marco	no	debate	sobre	deficiência	e	foi	adotada	por	diversos	
organismos nacionais e internacionais, sendo aceita por 191 países como a nova 
norma	internacional	para	descrever	e	avaliar	a	saúde	e	a	deficiência.	A	CIF	é	
propícia para aplicação em vários aspectos da saúde e o documento que a ins‑
titui,	caracteriza-se	como	uma	revisão	da	International	Classification	of	Impair‑
ments, Disabilities, and Handicaps (ICIDH), primeira tentativa da OMS de 
organizar	uma	linguagem	universal	sobre	lesões	e	deficiências,	publicada	em	
1980; a ICDH2 foi publicada em 1998.
A	CIF	apresenta	um	conceito	de	deficiência	como	interrelacional	e	des‑
creve o corpo em uma abordagem biopsicossocial. Esse modelo foi adotado no 
Brasil, em 2007, por meio da legislação que dá suporte ao BPC. A CIF não é 
um instrumento de avaliação, mas, sim, um quadro de referência para a formu‑
lação, reformulação e construção de instrumentos de avaliação. Como sistema 
de	classificação	e	de	codificação,	a	CIF	é	um	meio	para	documentar	e	organizar	
a informação que se torna relevante para descrever a natureza e a severidade 
das limitações funcionais da pessoa, as suas experiências de vida bem como as 
características do meio circundante (Brasil, 2007b).
350 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 339-365, abr./jun. 2014
A CIF e o Código Internacional de Doenças Décima Revisão (CID‑10) são 
complementares entre si, pois a CID‑10 fornece um “diagnóstico” de doenças, 
distúrbios ou outras condições de saúde, e essas informações são complemen‑
tadas pelos dados adicionais fornecidos pela CIF sobre funcionalidade. Ao 
ampliar	o	entendimento	sobre	a	deficiência,	abordando-a	como	limitação	que	
interfere na autonomia do indivíduo nos múltiplos espaços sociais, a adoção do 
modelo de avaliação baseado na CIF poderia reforçar a proteção social das 
pessoas	com	deficiência.
Este modelo foi, então, regulamentado através do Decreto n. 6.214, de 26 
de setembro de 2007, instituindo‑se os instrumentos baseados na CIF para ava‑
liação	da	deficiência	e	do	grau	de	incapacidade	da	PcD	requerente	ao	BPC,	e	
iniciou‑se a sua implementação, pelo INSS, em junho de 2009, ou seja, dois anos 
após a sua instituição legal. O modelo proposto pela CIF baseia‑se na junção dos 
modelos médico e social, e em uma abordagem biopsicossocial usada para se 
obter uma integração das várias dimensões da saúde (biológica, individual e 
social). A funcionalidade e a incapacidade humanas são concebidas como uma 
interação dinâmica entre as condições de saúde (doença, trauma, lesões, distúr‑
bios) e os fatores contextuais (incluindo fatores pessoais e ambientais).
Atualmente, para requerer o BPC, a PcD procura uma das Agências do 
INSS, preenche os formulários de solicitação do benefício e de declaração de 
renda dos membros da família, acompanhados de documentos comprobatórios 
de renda e residência. Após a habilitação inicial, é realizada a avaliação social 
por	assistente	social	e,	em	seguida,	a	avaliação	médica	para	definição	da	defi‑
ciência e do grau de incapacidade.
A avaliação social objetiva apreciar os fatores ambientais e o impacto no 
desempenho da atividade e na participação social da pessoa avaliada e, por 
isso, incumbe‑se das relações de convívio familiar, comunitário e social, em 
que se avaliam a acessibilidade às políticas públicas, a vulnerabilidade e o 
risco pessoal e social a que a PcD está submetida, e as características do am‑
biente físico — território onde vive e as condições de vida presente — tais como 
acessibilidade, salubridade ou insalubridade. Já a avaliação médico‑pericial 
analisa	a	deficiência	em	relação	à	função do corpo e seu impacto no desempenho 
da atividade e na participação do requerente, divididas em oito, nove e cinco 
domínios, respectivamente. A função do corpo inclui a avaliação das funções: 
351Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 339-365, abr./jun. 2014
mentais; sensoriais; da voz e da fala; dos sistemas cardiovascular, hematológi‑
co, imunológico e respiratório; dos sistemas digestivo, metabólico e endócrino; 
geniturinárias; neuromusculoesqueléticas e relacionadas ao movimento; e da 
pele. Quanto à atividade e participação, avaliam‑se, também, os seguintes 
domínios: aprendizagem e aplicação do conhecimento; tarefas e demandas 
gerais; comunicação; mobilidade e cuidado pessoal (Brasil, 2007b).
As	avaliações	contêm	“qualificadores”,	que	são	códigos	especificadores	
da extensão ou da magnitude do comprometimento da funcionalidade, da ex‑
tensão	ou	magnitude	da	dificuldade	no	desempenho	de	uma	atividade	e	tarefa,	
e	da	extensão	na	qual	um	fator	ambiental	é	uma	barreira.	O	qualificador	para	
deficiência,	dificuldade	ou	barreira	variará	de	nenhuma	 limitação	à	extrema	
limitação, sendo estes determinados em escala ordinal de 0 a 4 pontos (nenhu‑
ma	=	0,	leve	=	1,	moderada	=	2,	grave	=	3	ou	completa	=	4)	(Brasil,	2007b).
Ao	final,	para	se	avaliar	se	o	requerente	apresenta	evidências	de	incapaci‑
dade para a vida independente e para o trabalho, consideram‑se as informações 
da avaliação social e médico‑pericial e os intervalos quantitativos, em percen‑
tuais,	que	denotarão	a	extensão	da	deficiência	das	funções	do	corpo,	da	dificul‑
dade das atividades e participação, e das barreiras dos fatores ambientais 
(Brasil, 2007b).
Levando‑se em conta essa dinâmica e a interdependência dos saberes na 
instituição do processo de avaliação social e médico‑pericial baseado na CIF, 
foram	previstos	momentos	de	interação/diálogo	entre	os	profissionais,	médico	
e	assistente	social,	para	decisões	consensuais	sobre	a	pontuação	dos	qualifica‑
dores.	No	entanto,	na	prática,	estes	momentos	não	ocorrem,	pois	ao	final	da	
avaliação médico‑pericial, o próprio sistema operacional conclui o laudo através 
de uma tabela de combinações que prevê os possíveis resultados da avaliação 
dos três componentes e informa sobre o deferimento ou indeferimento.
3. A avaliação do processo, na APS de Assis Chateaubriand
O suporte ao estudo foi dado pela pesquisa documental, tendo, como local 
da coleta de dados, a Agência da Previdência Social (APS), de Assis Chateau‑
briand, Paraná. Foram analisados 1.404 BPCs para PcDs, requeridos no período 
352 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 339-365, abr./jun. 2014
de maio de 2006 a abril de 2012, na faixa etária de 20 a 65 anos de idade, na 
data de entrada do requerimento. A coleta de dados foi realizada por meio de 
consultas on‑line provenientes de quatro sistemas1 do INSS, complementadas 
por meio de consulta manual dos processos arquivados na APS. O instrumento 
de coleta utilizado foi validado através de um pré‑teste aplicado ao grupo de 
requerentes, menores de 20 anos de idade.
As informações coletadas foram organizadas em planilhas eletrônicas, 
utilizando‑se o programa Excel 97‑2003. Foi realizada análise estatística des‑
critiva simples, apresentando‑se os resultados por meio de distribuição de 
frequência (absoluta e percentual). Para fazer a comparação entre ANTES e 
DEPOIS, foi utilizado o Teste Quiquadrado (c2) de associação e, para levantar 
crescimento ou decréscimo, utilizou‑se a Fórmula da Taxa de Crescimento: 
(t1/t0) –1 × 100. Neste estudo, que teve a ética como referencial, procedeu‑se 
à coleta somente após a aprovaçãodo projeto de pesquisa (Parecer n. 041/2012) 
pelo Comitê de Ética em Pesquisa, da Universidade Estadual do Oeste do 
Paraná (Unioeste).
Do total de 1.404 requerimentos de BPC para PcD, 643 foram referentes 
ao período de maio de 2006 a abril de 2009, anterior à implantação do modelo 
de avaliação baseado na CIF, e outros 761 requerimentos correspondentes ao 
período de maio de 2009 a abril de 2012, após a implantação do modelo de 
avaliação vigente (Decreto Federal n. 6.214/2007). Destes últimos, obteve‑se 
maioria de indeferidos (815 benefícios), correspondentes a 58,05% do total; a 
minoria, (589) de deferidos, representou 41,95% dos requerimentos entre 
2009/2012 (ou segundo período).
Ao utilizar‑se o Teste Quiquadrado, o resultado do p‑valor foi de 0,4237, 
indicando que as concessões e os indeferimentos, nos dois períodos pesquisados 
equivaleram-se,	conforme	apresentado	no	Gráfico	1.
Observa‑se na Tabela 1, que houve um acréscimo de 18,35% no número 
de requerimentos depois de instituído o Decreto n. 6.214/2007. O número de 
benefícios deferidos (43,85%), no primeiro período, foi maior em relação ao 
1. São eles: Sistema Único de Informações de Benefícios (SUIBE), Sistema de Administração de Be‑
nefícios por Incapacidade (SABI), Sistema de Avaliação do Benefício de Prestação Continuada para pessoa 
com	deficiência	(SIAVBPC)	e	Cadastro	Nacional	de	Informações	Sociais	—	Pessoa	Física	(CNISPF).
353Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 339-365, abr./jun. 2014
Gráfico 1. Evolução do BPC para PcD requeridos na APS de Assis Chateaubriand, no período 
de maio de 2006 a abril de 2012
80%
60%
40% Deferido
Indeferido
Antes Depois
20%
0%
Fonte: Suibe INSS.
segundo período (40,34%) e, inversamente, os indeferidos menores no primei‑
ro período (56,14%) em relação ao segundo período (59,65%), apontando para 
um decréscimo de 8% nos deferimentos e um acréscimo de 6,25% nos indefe‑
rimentos nos períodos analisados.
Tabela 1. Distribuição dos requerimentos deferidos e indeferidos de BPC para PcD, segundo 
o período — Assis Chateaubriand, PR 
Situação
Antes* Depois** Total
N % N % N %
Deferido 282 20,08 307 21,87 589 41,95
Indeferido 361 25,71 454 32,34 815 58,05
Total 643 45,79 761 54,21 1.404 100,00
Fonte: Suibe INSS. Elaboração própria.
N: número. %: percentagem.
* Antes: maio de 2006 a abril de 2009.
** Depois: maio de 2009 a abril de 2012.
354 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 339-365, abr./jun. 2014
Os resultados obtidos não estão em consonância com os resultados obtidos 
em nível nacional, pois de acordo com a Nota Técnica DBA/SNAS/MDS n. 69, 
de	2010,	a	análise	dos	despachos	dos	requerimentos	de	BPC	à	pessoa	com	defi‑
ciência, concentrada nos períodos anterior e posterior à implantação do novo 
modelo,	indicou	que	houve	aumento	significativo	no	número	de	concessões	do	
benefício, atingindo 26,5%, acompanhado de um decréscimo de 11,91% nos 
indeferimentos. A nota aponta, ainda, a tendência de crescimento da concessão 
do benefício observada em quase todos os Estados do Brasil, exceto nos do 
Amapá e de Tocantins, com diminuição nos índices de deferimento (Brasil, 2010).
Destoando das indicações de crescimento nas concessões de benefícios, 
os resultados encontrados no presente estudo (Tabela 1) apontam para a restri‑
ção e, portanto, para a não ampliação do acesso ao reconhecimento desse direi‑
to, com o uso do modelo de avaliação baseado na CIF. Santos (2010) refere que 
a adoção da CIF pode ser considerada um avanço na orientação da avaliação 
das	condições	que	transformam	as	pessoas	deficientes	em	elegíveis	ao	BPC,	
pela agregação das ideias do modelo social, porém, ela não altera os parâmetros 
da incapacidade para o trabalho e para a vida independente assinalado na Loas. 
De acordo com o Decreto n. 6.214/2007, artigo 4º, designa‑se pessoa com de‑
ficiência,	aquela	“cuja	deficiência	a	incapacita	para	a	vida	independente	e	para	
o trabalho” (Brasil, 2007a) e, por incapacidade entende‑se “um fenômeno 
multidimensional que abrange limitação de desempenho de atividade e restrição 
da participação, com redução efetiva e acentuada da capacidade de inclusão 
social,	em	correspondência	à	interação	entre	pessoa	com	deficiência	e	seu	am‑
biente físico e social” (Brasil, 2007a).
A CIF apresenta uma concepção ampliada do processo saúde‑doença, o 
que permitiria, se aliada a outras metodologias, um desenho aproximado da 
concepção da determinação social do processo saúde‑doença.2 No entanto, pela 
análise do modelo de avaliação proposto pelo INSS, e baseado na CIF, observam‑
‑se ausências que indicam o predomínio da visão hegemônica, segundo a qual 
2.	Determinação	social	significa	ampliação	do	quadro	interpretativo	do	processo	saúde-doença,	ultra‑
passando	articulações	simplificadas	e	reducionistas	entre	causa	e	efeito,	sustentadas	por	uma	visão	mono‑
causal	(doença	e	um	agente	específico)	ou	multicausal	(entre	doença	e	um	grupo	de	fatores	de	risco)	presen‑
tes no ambiente de trabalho, incluindo aí a dimensão de “classe” e a categoria “trabalho” entre os 
determinantes sociais. 
355Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 339-365, abr./jun. 2014
o entendimento ainda recai sobre os determinantes do processo saúde‑doença e 
não apresenta as iniquidades em saúde como produto das desigualdades sociais 
e	nem	reafirma	o	papel	do	Estado	para	superá-las.
A inclusão de dimensões não centradas exclusivamente em problemas 
biomédicos aparentemente tornou mais complexa a avaliação das PcDs re‑
querentes do BPC. Este instrumental ajudou a dar maior relação de objetivi‑
dade diante de um direito reclamável judicialmente, visto que o BPC consti‑
tui‑se numa medida de proteção social, não contributiva, dentro do Sistema 
Único	 de	Assistência	 Social	 e	 que	 tem	 no	 beneficiário	 um	 público-alvo	
prioritário para acesso a todas as demais políticas de educação, saúde, habi‑
tação, entre outras.
Ao analisar o total dos requerimentos indeferidos nos períodos estudados, 
observa‑se por meio da Tabela 2, que a renda, como categoria isolada e na 
comparação entre os períodos, constituiu‑se no principal motivo dos indeferi‑
mentos (31,17%). Mas, ao considerar o conjunto de indeferimentos pela não 
constatação da incapacidade,3 o percentual de indeferidos salta para 61,96% dos 
requerimentos nos períodos estudados. A gravidade da situação pode ser esti‑
mada	quando	se	considera	que	as	pessoas	eram	deficientes	e	pobres,	enquadran‑
do‑se, assim, dentro dos princípios da preservação da vida e da dignidade da 
pessoa humana que nortearam a proposta da proteção social não contributiva, 
prevista na CF/88, como nos ensina Sposati (2009).
Cabe ressaltar que, em relação aos requerimentos protocolados no período 
anterior à instituição da avaliação baseada na CIF, houve um percentual de 
26,26% de indeferimentos pelo motivo de parecer contrário da perícia médica. 
E, após a inclusão da avaliação social, o índice de indeferidos por não haver 
incapacidade saltou para 35,70%, evidenciando uma tendência à não observação 
dos fatores contextuais na avaliação da PcD, conforme preconizado na CIF e, 
reduzindo, com isso, a avaliação a uma análise individualizada, sem a com‑
preensão do requerente no contexto social.
3.	Para	propósitos	estatísticos,	as	categorias:	parecer	contrário	da	perícia	médica,	deficiência	temporá‑
ria e não há incapacidade para vida independente e para o trabalho, foram consideradas segmentos da mesma 
espécie, pois, nestas, o indeferimento deu‑se a partir da constatação da não incapacidade para a vida inde‑
pendente e para o trabalho, as quais são observadas através da avaliação médico‑pericial e, após a implanta‑
ção do Decreto n. 6.214/2007, também através da avaliação social.
356 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 339-365, abr./jun. 2014
Tabela 2. Distribuição dos requerimentos indeferidos de BPC para PcD, segundoo motivo e 
período — Assis Chateaubriand, PR
Motivo
Antes* Depois** Total
N % N % N %
Deficiência	temporária — — 100 12,27 10 12,27
Não comparecimento para 
realização de exame 
médico‑pericial
11 1,35 28 3,44 39 4,79
Não comparecimento para 
avaliação social — — 1 0,12 1 0,12
Não cumprimento de 
exigência 8 0,98 3 0,37 11 1,35
Não há incapacidade para 
vida independente e para o 
trabalho
— — 191 23,43 191 23,43
Parecer contrário da 
perícia médica 214 26,26 — — 214 26,26
Renda per capita familiar 
>	=	1/4	sal.	mín.	DER
126 15,46 128 15,71 254 31,17
Sem informação 2 0,24 3 0,37 5 0,61
Total 361 44,29 454 55,71 815 100,00
Fonte: Suibe, Sabi INSS. Elaboração própria.
N: número. %: percentagem.
>	=	1/4:	renda	per capita maior ou igual a um quarto de salário mínimo na data de entrada do 
requerimento.
* Antes: maio de 2006 a abril de 2009.
** Depois: maio de 2009 a abril de 2012.
O uso do instrumental de avaliação, portanto, não tem contribuído para o 
alcance	da	plena	finalidade	almejada	pela	CF/88;	ao	contrário,	tal	regulamen‑
tação favoreceu ainda mais a forma seletiva, restritiva e arbitrária de averigua‑
ção,	excluindo	muitos	deficientes	e	pobres	do	acesso	ao	benefício.	Conclui-se	
357Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 339-365, abr./jun. 2014
assim que o modelo de avaliação vigente não pode ser considerado um canal 
para ampliar direitos, pois os itens que compõem o instrumental de avaliação 
social e médico‑pericial estão postos de forma fechada e predeterminada, com 
avaliadores seguindo um roteiro bastante rígido e extremamente burocrático, 
que tenta, por meio da suposta objetividade e neutralidade possível, construir 
elementos para negar a exigência de um direito também pela via judicial.
3.1. Impedimentos de longo prazo
O Brasil segue a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com 
Deficiência4	nas	normatizações	sobre	a	deficiência.	No	entanto,	a	Lei	n.	12.435/2011,	
ao alterar o artigo 20, § 2º, da Lei n. 8.742/1993, em seu inciso II, e estabelecer 
como impedimentos de longo prazo “aqueles que incapacitam a pessoa com de‑
ficiência	para	a	vida	independente	e	para	o	trabalho	pelo	prazo	mínimo	de	2	(dois)	
anos”,	restringiu	o	conceito	constitucional	de	deficiência	ao	dispor	sobre	prazo	
não	previsto	na	Convenção	ratificada	pelo	Brasil.
O	artigo	de	proteção	social	da	Convenção	não	especifica	que	impedimentos	de	
longo prazo serão elegíveis à proteção social. O texto da Convenção — ou melhor, 
o	conceito	de	deficiência	da	Constituição	Federal	—	não	reduz	direitos	funda‑
mentais à duração de impedimentos corporais; ao contrário, mantém a proteção 
social no campo das necessidades a serem protegidas para a garantia do padrão 
adequado de vida. (Silva e Diniz, 2012, p. 265)
A	Convenção	Internacional	entende	a	pessoa	deficiente	como	sendo	“aquela	
que possui impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual 
ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua 
4.	A	Convenção	Internacional	sobre	os	Direitos	das	Pessoas	com	Deficiência,	assinada	em	Nova	York,	em	
30/3/2007, integrou‑se à Constituição da República, aprovada pelo Congresso Nacional, pelo Decreto Legisla‑
tivo n. 186, de 9/7/2008, e sancionada pelo Presidente da República, por intermédio do Decreto n. 6.949, de 
25/8/2009. Isso foi possível com base nos termos do artigo 5º, § 3º, da CF/88, que determinam que os tratados 
e	as	convenções	internacionais	sobre	direitos	humanos,	que	forem	ratificados	pelo	Brasil,	observando	os	crité‑
rios formais de aprovação das emendas constitucionais, serão equivalentes a estas.
358 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 339-365, abr./jun. 2014
participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as 
demais pessoas” (Brasil, 2009). Portanto, a referência ao termo longo prazo 
não	define	o	tempo	para	se	constituírem	os	impedimentos.	Parafraseando	Silva	
e	Diniz	(2012),	a	ideia	era	garantir	a	proteção	aos	deficientes,	em	oposição	a	
situações	muito	transitórias	e	específicas	que	não	demandassem	a	construção	
de uma política ampla e de uma legislação própria. Os princípios protetivos da 
deficiência,	instituídos	pela	Convenção	e,	em	especial,	o	da	proteção	à	igualdade,	
são	suficientes	para	entender	o	sentido	de	quais	impedimentos	importam	para	
a	assistência.	Quando	a	Convenção	fixa	que	o	deficiente	é	aquele	que	possui	
impedimentos de longo prazo, o objetivo é o de delimitar as fronteiras entre os 
diferentes estados corporais e, assim, contribuir para o reconhecimento.
No	entanto,	tal	perspectiva	não	foi	adotada	pelo	INSS	quando	da	modifi‑
cação feita na forma de avaliação médico‑pericial e social. Por meio de um Ato 
Institucional, editado em 24 de maio de 2011, através da Portaria conjunta MDS/
INSS n. 01 e regulamentado internamente pelo Memorando Circular Conjunto 
Dirsat/Dirben/Dirat/INSS	n.	03,	a	normativa	definiu,	então,	que,	para	fins	de	
concessão	do	BPC,	se	consideraria	pessoa	com	deficiência	aquela	com	impe‑
dimentos que, associados às diversas barreiras, incapacitam o indivíduo para a 
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de dois anos.
No intuito de avaliar esta condição de impedimento de longo prazo foram 
introduzidos novos indicadores no instrumental de avaliação da pessoa com 
deficiência	para	acesso	ao	BPC.	Entre	eles,	a	indicação,	pelo	perito	médico,	de	
uma das três alternativas: (1) sim; (2) não é possível prever nesse momento, 
mas há chances de impedimentos se estenderem por longo prazo; e (3) não. O 
contexto social do requerente terá impacto, com reconhecimento ou não do 
direito ao benefício, caso a escolha do perito seja pelos indicadores 1 ou 2, 
mantendo‑se a concessão ou indeferimento dependentes da combinação dos 
qualificadores	dos	três	componentes	da	avaliação	(fatores	ambientais,	atividades	
e participação, e funções do corpo). No entanto, caso opte pela alternativa 3, o 
benefício será indeferido, independentemente do grau de incapacidade existen‑
te no momento da avaliação, desconsiderando‑se, inclusive, a avaliação social 
e médico‑pericial realizadas.
Diante	dos	inúmeros	questionamentos	de	profissionais	que	realizavam	a	
avaliação social, a respeito da hipótese de haver prevalência da avaliação mé‑
dica sobre a decisão para o deferimento ou indeferimento dos requerimentos, a 
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Coordenadoria Geral de Revisão e Controle dos Benefícios do MDS emitiu uma 
Nota Técnica (Brasil, 2011) com o intuido de visualizar os efeitos iniciais do 
aprimoramento do instrumental de avaliação, após a implantação da Portaria 
Conjunta MDS/INSS n. 01. Dos resultados alcançados, constatou‑se que 8,51% 
dos requerimentos com impedimentos temporários foram indeferidos, quando 
os	resultados	das	combinações	dos	qualificadores	dos	domínios	do	atual	instru‑
mento	de	avaliação	da	pessoa	com	deficiência	indicavam	que	estes	deveriam	
ter sido deferidos.
De acordo com a regulamentação do atual instrumental de avaliação, en‑
tretanto, seria o conteúdo das informações constantes tanto na avaliação médi‑
ca quanto na avaliação social, ou seja, uma análise conjunta, o que deveria 
definir	a	decisão	pelo	deferimento	ou	indeferimento	do	benefício.	E	isto	não	
foi, também, o que indicaram os resultados obtidos no presente estudo em re‑
lação aos 204 requerimentos analisados, correspondentes ao período posterior 
à implantação da Portaria Conjunta MDS/INSS n. 01, de 24 de maio de 2011, 
quais sejam: 49,02% dos benefícios requeridos indeferidos por se constatar 
deficiência	 temporária,	 que,	 somados	 ao	número	de	 indeferimentos	por	não	
haver incapacidade para a vida independente e para o trabalho (6,86%), resultam 
em um total de indeferimentos por não constatação de incapacidade, no mon‑
tante de 55,88% (Tabela 3).
Estes	resultados	confirmamo	que	já	foi	indicado	por	Silva	e	Diniz	(2012,	
p.	266)	quando	afirmam	que
são os peritos médicos do INSS quem estabelecem quais impedimentos são esta‑
dos	de	necessidade	para	a	proteção	social.	A	definição	de	um	corpo	com	impedi‑
mentos	como	o	de	uma	pessoa	com	deficiência	não	é	um	exercício	neutro	de	
classificação	dos	corpos,	mas	um	julgamento	moral	que	combina	ideais	de	nor‑
malidade e produtividade. A perícia é um exercício de soberania médica no 
campo dos direitos sociais.
Na	avaliação,	a	decisão	final	de	concessão	do	BPC	para	PcD	compete	ao	
perito médico, que tem a responsabilidade legal de deferir ou indeferir o bene‑
fício, baseado em uma espécie de “prazo” de validade de uma incapacidade, o 
que, por sua vez, aponta para a existência do predomínio da avaliação médica 
do perito. Nega‑se, assim, o fato de que uma pessoa mesmo com leve ou mode‑
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Tabela 3. Distribuição dos requerimentos de BPC para PcD, deferidos e indeferidos, 
segundo o critério de impedimento de longo prazo — Assis Chateaubriand, PR
Situação/Motivo
Impedimento de longo prazo
Sim Não NPP Total
N % N % N % N %
Benefícios deferidos 47 — — — 25 12,26 35,30
Indeferido	por	deficiência	
temporária — 23,04 100 49,02 — — 100 49,02
Indeferido por não haver 
incapacidade p/ vida 
independente e p/ trabalho
2 0,98 — — 12 5,88 14 6,86
Indeferido por renda per 
capita	familiar	>	=	1/4	
salário mínimo DER
10 4,90 — — 8 3,92 18 8,82
Total 60 29,41 96 47,06 48 23,52 204 100,00
Fonte: SIAVBPC INSS. Elaboração própria. 
NPP: Não é possível prever nesse momento, mas há chances de impedimentos se estenderem por longo prazo.
N:	número.	%:	percentagem.	>	=	1/4:	renda	per capita maior ou igual a um quarto de salário mínimo na data 
de entrada do requerimento.
rada habilidades, possa enfrentar graves restrições em consequência de variáveis 
difíceis de serem mensuradas, tais como discriminação, preconceito ou barreiras 
sociais de outra ordem, além da condição de pobreza em que se encontre.
A	Lei	 n.	 12.435/2011,	 ao	 definir	 a	 incapacidade	de	 longo	prazo	 como	
sendo aquela que causa impedimento por no mínimo dois anos, limita ainda 
mais o acesso e o reconhecimento de um direito e exclui, automaticamente, 
várias	condições	que	poderiam	ser	entendidas	como	deficiências	para	o	BPC,	
de maneira que, em detrimento das variáveis sociológicas, volta‑se à sobreva‑
lorização	do	discurso	médico	da	deficiência.
Não	se	confirma,	portanto,	como	expresso	na	CIF,	que	a	previsão	de	um	
conjunto de informações sobre o diagnóstico e a funcionalidade forneceria uma 
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imagem	mais	ampla	e	mais	significativa	da	saúde	das	pessoas.	Ao	contrário,	
comprovam‑se as limitações existentes no instrumento de avaliação para discutir 
as formas de atuação das políticas públicas que garantam a proteção social dos 
requerentes,	cuja	deficiência	não	foi	considerada	de	longo	prazo.	Cabe,	então,	
questionar o papel do Estado no atendimento às necessidades básicas daqueles 
que	não	se	enquadraram	no	perfil	para	a	concessão	do	BPC.	O	que	fazer	com	as	
pessoas cuja incapacidade pode perdurar um mês, dois meses ou 729 dias? É 
possível estipular um prazo razoável para recuperação de uma incapacidade? Há 
possibilidade	de	se	prever	uma	data	em	que	haverá	recuperação?	Como	ficam	a	
individualidade, o contexto familiar, os fatores sociais, econômicos ou de ordem 
emocional e afetivos?
A dignidade da pessoa humana não pode ser mensurada com critérios 
matemáticos	e	objetivos,	e	ao	agregar-se,	ao	termo	da	lei,	a	expressão	[impedi‑
mento	de	longo	prazo],	transita-se,	claramente,	para	o	cenário	de	extrema	res‑
trição do benefício, na medida em que esta traz um critério objetivo e de ordem 
temporal para a análise desta incapacidade. Desta forma, não basta, agora, ser 
incapaz para a vida independente e para o trabalho, mas, segundo a lei, deve 
esta incapacidade perdurar por dois anos ou mais, o que deixa perceptível o 
caráter	excludente	das	pessoas	com	deficiência,	contrariando	a	finalidade	do	
benefício e afastando ainda mais o cidadão do direito social.
Considerações finais
O estudo desenvolvido indica que a utilização de parâmetros baseados na 
CIF, para a avaliação da PcD, manteve a estrutura de exclusão intacta pela não 
observância efetiva da questão contextual dos requerentes e pelo corpo com 
impedimento	continuar	a	ser	classificado	por	narrativa	biomédica.	A	CIF	e,	por	
conseguinte,	os	documentos	a	ela	referenciados,	são	um	reflexo	da visão hege‑
mônica, segundo a qual, o entendimento comum ainda recai sobre os determi‑
nantes do processo saúde‑doença, não apresentando as iniquidades em saúde 
como produto das desigualdades sociais e não reafirmando o papel do Estado 
para superá‑las.
A incorporação dos fatores contextuais (aspectos ambientais e sociais), na 
forma	de	avaliação	atual,	não	 tem	sido	 relevante	na	alteração	definitiva	dos	
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limites excludentes sob os quais está regulamentado o BPC, pois este não re‑
mete o requerente à contextualização das mudanças recentes no mundo do 
trabalho,	a	financeirização	do	capital	e	a	mercantilização	das	políticas	públicas,	
que ocasionam desemprego, precarização do trabalho, redução da proteção 
social e desesperança por uma vida digna.
Nesse sentido, concorda‑se com Silva (2013), quando esta aponta que o 
atual modelo da política de Assistência Social brasileira consiste em arranjos que 
a própria ordem do capital constitui para mascarar a real dimensão da expressão 
[ofensiva	do	capital	aos	mais	elementares	direitos	do	trabalho],	o	que	dá	supor‑
te à superexploração do trabalho e equaliza a pobreza entre os próprios trabalha‑
dores,	para	resguardar	a	riqueza	produzida	no	país	do	conflito	sobre	a	sua	repar‑
tição, e para transferi‑la para a expansão do capital em escala internacional.
Isto nos leva a crer que a introdução da avaliação social baseada na CIF, 
como preconiza o Decreto n. 6.214/2007, é expressão da necessidade da política 
social de reorganizar‑se para cumprir seu papel político/ideológico de reprodu‑
tora da concepção de mundo neoliberal e da reprodução das relações de produção 
capitalista,	que	reafirmam	o	país	na	lógica	do	capital	globalizado	e	do	projeto	
neoliberal, e não como forma de ampliação de acesso aos direitos constitucionais.
Seria necessário que gestores, técnicos e trabalhadores se comprometessem 
para adequar, não só o marco legal, mas, também, o regime pericial médico e 
social	de	avaliação	da	deficiência,	no	sentido	de	se	efetivarem	os	princípios	da	
Convenção	sobre	os	direitos	das	pessoas	com	deficiência,	a	partir	da	necessi‑
dade de se avaliar a restrição de participação do corpo com impedimentos na 
vida social.
Uma das possibilidades poderia ser a avaliação social, realizada por assis‑
tentes sociais, ter o mesmo espaço de legitimidade que o da perícia biomédica.
Para a consolidação da política social não contributiva, no âmbito da pre‑
vidência social brasileira, e para aproximar os requerentes do BPC da cidadania 
de direito, o deferimento ou o indeferimento do benefício deveria resultar de 
uma	análise	conjunta,	da	qual	prevalecesse	a	decisão	final	sobre	o	BPC	para	PcD.
Recebido em 31/10/2013 ■ Aprovado em 17/3/2014
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Referências bibliográficas
ALMEIDA, E. H. R. Aspectos bioéticos da perícia médica previdenciária. Revista 
Bioética (Impr.), Brasília, v. 19, n. 1, p. 277‑98, 2011.
BARROS. J. A. C. Pensando o processo saúde doença: a que responde o modelo bio‑
médico? Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 11, n. 1, jan./jul. 2002.
BRASIL. Decreto n. 6.214, de 26 de setembro de 2007. Regulamenta o Benefício de 
Prestação	Continuada

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