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FACULDADE CATÓLICA RAINHA DO SERTÃO CURSO DE PSICOLOGIA JHONATAN BARBOSA DE FREITAS Construtos Culturais que Influenciam na Produção de Cuidados com Usuários de Drogas QUIXADÁ 2015 2 Jhonatan Barbosa de Freitas Construtos Culturais que Influenciam na Produção de Cuidados com Usuários de Drogas Artigo científico apresentado como requisito para aprovação na disciplina de TCC II do Curso de Psicologia da Faculdade Católica Rainha do Sertão. Orientador: Júlio César Ischiara QUIXADÁ 2015 1 F936c Freitas, Jhonatan Barbosa de. Construtos Culturais que Influenciam na Produção de Cuidados com Usuários de Drogas./ Jhonatan Barbosa de Freitas, 2015. 26f.; il. color. Artigo Científico (Graduação) – Faculdade Católica Rainha do Sertão, Curso de Psicologia. Quixadá, 2015. Orientador: Prof. Me. Júlio César Ischiara. 1. Drogas. 2. Cultura. 3. Psicologia. .I. Título. CDD – 150 2 3 Os meus mais profundos agradecimentos a um Homem que foi um amigo, um irmão, um conselheiro, um chefe, um modelo, um líder, mas antes de tudo foi um Pai. Márcio obrigado! 4 RESUMO Com o desenvolver das civilizações variados tipos de substancias passaram a integrar a composição dos alimentos que eram consumidos, algumas dessas substancias tinham a capacidade de alterar a consciência dos que as inseriam. Desde então muitos tipos de drogas foram e são consumidas pelas sociedades, desde cogumelos alucinógenos, a cocaína industrializada até a cerveja e cigarro. O presente trabalho e um estudo bibliográfico que tem como norteador o método exploratório. Desta forma foi realizada uma revisão bibliográfica de como o contexto de drogas chegou ao que conhecemos hoje. Estas substâncias assumem funções, efeitos e desorganização psíquica de acordo com o contexto social a qual estão inseridas, e não simplesmente devido as suas propriedades bioquímicas, desta forma, nos munimos da antropologia para compreender como as drogas chegaram às dimensões que hoje são encontradas. Lidos os textos selecionados, dentre eles estão autores como Paulo Quinderé, Pablo Rosa, Henrique Carneiro e Roberto Machado, foi possível observar que muito ainda esta por ser feito no tocante a RD, tais como a efetivação na grande maioria dos CAPS AD. O cidadão pobre que utiliza drogas é visto como marginal, enquanto o cidadão abastado é usuário, assim são vistos na sociedade, mostrando assim que a chamada guerra às drogas é muito mais de cunho moral e discriminatório do que propriamente no que diz respeito aos malefícios acarretados ao corpo pelo uso de substancias. Palavras-chave: Cultura, Redução de Danos (RD), Drogas, Usuário. 5 ABSTRACT With the development of civilizations various types of substances have joined the composition of foods that were consumed, some of these substances have the ability to change the consciousness of whom inserted. Since then many types of drugs have been and are consumed by companies from hallucinogenic mushrooms, cocaine industrialized beer and cigarettes. This study is a bibliographic study whose guiding by the exploratory method. Thus it was carried out a literature review of how the drug context came to what we know today. These substances assumes functions, effects and psychic disorganization according to the social context to which they belong, and not simply because of their biochemical properties thus grounded in anthropology to understand how the drugs reached the dimensions that are now found. Read the selected texts, among them are authors like Paul Quinderé, Pablo Rosa, Henrique Carneiro and Roberto Machado, it was observed that have much yet to be done with respect to RD such as the execution in most CAPS AD. The poor citizen who uses drugs is seen as marginal, while the wealthy citizen is user, so are seen in society, showing that the so- called war on drugs is much more of a moral nature and discriminatory than properly with regard to the harm caused the body by the use of substances. Keywords: Culture, Harm Reduction (DR), Drugs, User 6 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 7 2 REFERENCIAL TEÓRICO 7 2.1 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS SOBRE AS DROGAS 7 2.2 VISÕES SOBRE AS DROGAS 9 2.3 POLÍTICA DE REDUÇÃO DE DANOS 11 3 METODOLOGIA 13 4 RESULTADOS E DISCUSSÕES 14 4.1 PROIBIÇÃO DO USO DE DROGAS 15 4.2 CONOTAÇÕES ENTRE DEPENDÊNCIA E DEPENDENTE 17 4.3 PARADIGMAS DE TRATAMENTOS 19 5 CONCLUSÃO 21 REFERENCIAL 22 7 Construtos Culturais que Influenciam na Produção de Cuidados com Usuários de Drogas Jhonatan Barbosa de Freitas 1 Júlio César Ischiara² 1 INTRODUÇÃO Há muito tempo as drogas já fazem parte do contexto social. Cogumelos alucinógenos, plantas farmacológicas e cactos capazes de transcender as barreiras da consciência, acompanham o desenvolvimento social e político das sociedades. (Quinderé, 2013). A lista das drogas é vasta, poderíamos enumerar centenas e ainda restariam milhares de substâncias que se enquadrariam na categoria de drogas. Mas afinal, o que seriam realmente drogas? De acordo com o dicionário, “drogas são todas as substancias empregadas com ingredientes em farmácias, química etc.; entorpecentes” (GRANDE DICIONARIO, 2005). Desta forma cabe uma revisão de como o contexto da proibição de drogas chegou ao formato político e cultural que conhecemos hoje. A palavra droga deriva do termo Holandês droog, que pode ser traduzido como produto seco, substancia natural frequentemente usada na alimentação e na medicina. Estas substâncias, divergindo do que a crendice popular prega, assumem funções de alteração da consciência e efeitos na personalidade individual de acordo com o contexto social no qual os sujeitos estão inseridos e não simplesmente devido às suas propriedades bioquímicas (Quinderé apud Carneiro, 2013). Desta forma poderíamos nos aproximar de um estudo antropológico para compreender como as drogas são percebidas pela sociedade e pelas políticas públicas estatais na contemporaneidade brasileira. 2 REFERENCIAL TEORICO 2.1 FUNDAMENTOS HISTÓRICOSSOBRE AS DROGAS. A classificação do que socialmente se considera droga torna-se complexa pela recorrente modificação de formas dominantes de pensamento no desenvolvimento histórico 1 Graduando do Curso de Psicologia da Faculdade Católica Rainha do Sertão. E-mail: jhonnata_gg@hotmail.com. ² Orientador, Professor Mestre da Faculdade Católica Rainha do Sertão. E-mail: ischiarajc@hotmail.com. mailto:jhonnata_gg@hotmail.com 8 das sociedades. Quinderé (2013) cita Carneiro (2005) quando narra o quão complexo é o contexto social de “drogas” No mesmo instante os múltiplos modos pelos quais essa existência e esses usos são concebidos e vivenciados variam histórica e culturalmente “Drogas” não são somente compostos dotados de compostos farmacológicos determinados, que possam ser natural e definitivamente classificadas como boas ou más (QUINDERÉ, 2013. P.41). As sociedades dão significados às substancias alucinógenas através dos tempos de acordo com as necessidades apresentadas socialmente. Tábuas sumérias do terceiro milênio A.C, cilindros babilônicos, imagens da cultura cretense-micênica e hieróglifos egípcios já mencionavam uso de ópio (Quinderé, 2013). Escritores Antonin Artaud (1945) já mencionam a droga como algo que faz esquecer qualquer sofrimento (Artaud, 1945). Mostrando a relação atemporal de como as drogas estão inseridas no contexto social, nos atrelemos a um manifesto escrito por Artaud em 1945, onde o mesmo enaltece as qualidades do ópio: Nascemos pobres de corpo e alma, somos congenitamente inadaptados; suprimam o ópio, não suprimiram a necessidade do crime, os cânceres do corpo e da alma, a inclinação para o desespero, o cretinismo inato, a sífilis hereditária, a fragilidade dos instintos; não impediram que haja almas destinadas a seja qual for o veneno, veneno da morfina, veneno da leitura, veneno do isolamento, veneno do onanismo, veneno dos coitos repetidos, veneno da arraigada fraqueja da alma, veneno do álcool, veneno do tabaco, veneno da anti-sociabilidade (ARTAUD, 1945. P. 42, 43). Podemos descrever também o uso do álcool, que desde os romanos era apreciado como forma de autoconhecimento, levando ao relaxamento com dignidade (Carneiro, 2002). Atualmente podemos ver o álcool como forma de fortalecimento de laços sociais, presentes em culturas indígenas como ritos de passagem de crianças para suas obrigações adultas (Macrae, 2004). Já se pode vislumbrar a intrínseca relação das drogas com contexto social, “o uso da coca data de mais de quatro mil e quinhentos anos em civilizações pré-colombianas dos Andes, onde os nativos já usavam as folhas extraídas da planta erythroxylon coca para resistência em trabalhos braçais e fins ritualísticos” (Quinderé, 2013, p 45). Ela servia como vínculo de hospitalidade, de cura e devoção. Vestígios antigos demonstram o valor cultural, religioso e também alimentício da coca, mesmo que esse valor seja atribuído à categoria de planta (Quinderé, 2008). 9 É interessante observar na historia a transformação da visão do uso de uma esfera ritualística e curativa para uma esfera degradante e marginalizada. Em 1569, a folha da coca passa a ser considerada indispensável para a saúde do índio, que a mascava para obtenção de forças e dirimir a fadiga, visão favorecida, e apoiada pelo Rei Felipe II da Espanha. Entre os anos de 1859 e 1860, o químico Albert Niemann isolou, pela primeira vez, o alcalóide principal das folhas de coca, denominando-o de cocaína, sendo que, em 1898, foi descoberta a fórmula exata de sua estrutura química. Em 1902, Willstatt (1902) ganhou o prêmio Nobel por produzir cocaína sintética em laboratório (Quinderé, 2013, p.51) Deste modo já podemos observar que as normas sociais aplicadas ao fenômeno da produção e consumo das drogas em geral altera-se de sentido valorativo no decorrer do percurso histórico de desenvolvimento das sociedades. Verificaremos mais detalhadamente como este processo ocorreu durante as transformações transcorridas no século XX. 2.2 VISÕES SOBRE AS DROGAS Como os paradigmas de valorização em relação às drogas transformaram-se em outras visões problemáticas como degradantes e maléficas para o ser humano? Carneiro (2002), citando Burker (1987), afirma que a construção política dos conceitos conecta o Estado e a medicina, pois a historia da linguagem se constitui praticamente como uma historia de poder, “a denominação de drogado e a construção de um significado suposto para o conceito droga alcança na sociedade contemporânea um auge inédito. Um fantasma ronda o mundo, o fantasma da droga, alçando a condição de pior flagelo da sociedade” (Carneiro, 2002, p. 21). Corroborando com esse preceito, Xavier (2012) afirma que o medo da violência e a sensação de insegurança disseminaram-se de forma difusa em todos os estratos populacionais de grandes cidades. (Xavier, 2012). O senso comum ainda não reconhece o usuário de drogas como sujeito capaz de fazer suas próprias escolhas. Constantemente taxado como um criminoso hostil, perturbador da ordem social – por muitas vezes, como um animal que precisa ser domado – como pessoa, como sujeito de direitos e deveres (Silva, 2012), deste modo podemos observar que ainda são vigentes os conceitos que veem o sujeito usuário como um ser doente na visão médica, como um pecador na visão religiosa ou um criminoso na visão judicial, deixando de vê-lo como um ser capaz de fazer escolhas sobre sua própria vida (Brasil, 2013). 10 Neste trabalho assumimos como premissa que as pessoas possuem o direito de serem respeitadas conforme sua maneira de ser, de compreender sua vida e mundo que as cerca. Deste modo toda pessoa tem uma teoria a respeito de seu sofrimento ou desequilíbrio, sendo capaz de discernir o que é maléfico ou benéfico para sua construção social (Brasil, 2013). Xavier, ao se referir sobre o atual modelo de políticas públicas voltadas para repressão das drogas, denota a ineficiência das mesmas quando afirma que: A política de Segurança Publica Brasileira carece de sistematização entre entes federais, sendo marcada pela improvisação, débil planejamento, gastos ineficientes e programas não monitorados... Ademais, sua concepção proibicionista acerca das drogas implicou na criminalização dos consumidores de drogas, tornando-os mais vulneráveis à violência urbana e ao crime organizado (XAVIER, 2012. P. 3). Percebe-se que o estado passa a tachar o sujeito como desordeiro, doente e incapaz, colocando-o em um rol de pessoas que precisam ora ser domados, ora ser curados, influenciando em como o sujeito dá significâncias para seu uso (Souza, 2010). Portanto, é pertinente verificar a relação que o Estado possui com outros setores de poder repressivos e saberes curativos. Os médicos da antiguidade não distinguiam as doenças, uma vez que se detinham aos variados grupos de sintomas, assim, por exemplo, na antiga Grécia os médicos, que muitas vezes também eram filósofos, não buscavam apenas curar as doenças que eram-lhes apresentadas, mas também entender as supostas relações que estas tinham com os seres humanos e o universo (Rosa, 2013). Passou-se a ver a necessidade dos médicos nos contextos sociais, nas mais diversas searas das comunidades. De uma forma resumida podemos destacar as grandes inovações no que se refere à medicina, como o caso do descobrimento dos antibióticos, o que possibilitou uma luta mais eficaz contras as doenças infecciosas. Porém esse fato não trouxe apenas vantagens no que se refere ao corpo humano, o tratamento anti-infeccioso não apenas causou a cura de certas doenças como também provocou a redução da sensibilidade de certos organismos em relação aos agentes agressores. Podemos verificar isso quando Rosa afirma que: Portanto, o uso terapêutico de medicamentos pode não apenas proporcionarum efeito positivo, mas também pode produzir tanto perturbações quanto a própria destruição do ecossistema do individuo e da própria espécie humana, na medida e que a cobertura bacilar e viral, constituintes de riscos, sofre alterações decorrentes da intervenção ficando sujeitos a ataques contra 11 aqueles organismos que se encontravam protegidos anteriormente (ROSA, 2013. P. 139). O que podemos observar, então, é que a saúde, “a doença e o corpo passaram a fincar suas bases em certos processos de socialização na tentativa de equiparar determinadas desigualdades, como por exemplo, a acessibilidade do cuidado médico as classes menos abastadas” (ROSA, 2013. P 142). Nas palavras de Foucault: A meu ver, para a história do corpo no mundo ocidental moderno, deveriam ser selecionados esses anos 1940-1950 como datas de referencia que marcam o nascimento desse direito, dessa nova moral, dessa nova política, dessa nova economia do corpo. Desde então o corpo do individuo se converte em um dos objetivos principais da intervenção do Estado, um dos grandes objetos de que o próprio Estado deve encarregar-se (FOUCAULT apud ROSA, 2013. P. 142). O autor demonstra que mesmo a intervenção medica fazendo parte da longa social, esse fenômeno se faz atual, pois desde o século XVIII que a medicina toma para si assuntos que não estão diretamente relacionados com sua prática, ou seja, questões que ultrapassam a cura de doenças, como por exemplo, a qualidade da água, as condições de moradia ou o regime urbanístico (Rosa, 2013). E ainda complementa “que a dificuldade de sairmos dos tentáculos da medicalização se dá ao fato de que todos os esforços que possuíam este intuito certamente remetiam ao próprio saber medico” (Rosa, 2013. P. 145). 2.3 POLÍTICA DE REDUÇÃO DE DANOS (PRD) A PRD, atualmente executada em diversos países, iniciou-se com o relatório de Rolleston na Inglaterra em 1929, onde os médicos poderiam prescrever legalmente substâncias derivadas do ópio para dependentes de outros tipos de drogas. Nos anos subsequentes a política foi barrada, voltando a ser executada em 1990 pelo Departamento de Saúde de Merseyside, atendendo as demandas de Liverpool, onde os indivíduos diagnosticados como dependentes teriam à sua disposição desde as trocas de seringas e prescrições de heroína e cocaína, até programas de aconselhamento fundamentados na prevenção e minimização de danos provocados por certas substancias (Rosa, 2013). No que se refere à política como meio de reduzir os índices de HIV/AIDS, ela começou a ganhar notoriedade na década de 1980, onde foi sendo implantada nos países baixos, a exemplo do Reino Unido e Austrália. É interessante observar que mesmo com o êxito advindo de tais ações, somente em 1980 foi que ela foi sistematizada em forma de programa, sendo primeiramente implantada na Holanda (Rosa, 2013). 12 Outro exemplo de implementação da PRD foi a desenvolvida em Frankfurt, na Alemanha, iniciada em 1990, que se tornou grande referencia para as grandes cidades europeias. Lá o programa disponibilizava camionetes moveis para provisão de aconselhamento e trocas de seringas para usuários, programas de baixa exigência para fornecimento de metadona, quatro centros de urgência que ofereciam tratamento médico, também por meio de “cafeteiras de contato com os usuários” (Rosa, p.164), que seriam os lugares onde os usuários poderiam usar substancias sem serem importunados, dentre outras. É importante observar a eficácia de tais ações, onde podemos observar uma queda em relação às mortes por overdose, que foram de 140 em 1991 para 22 em 1994 (Rosa, 2013). Deste modo podemos observar que não se trata apenas de uma abordagem recuperativa, mas também preventiva do mal uso de substancias que possam vir a causar problemas físicos, onde podemos ver que a PRD se baseia no humanitarismo, no pragmatismo e, principalmente, em uma abordagem cunhada na saúde pública (Figueiredo, 2002). No que se refere às políticas realizadas no Brasil, Rosa, citando Siqueira dá-nos um ressumo do processo: O conceito de Redução de Danos chegou ao Brasil por volta de 1989, por intermédio da Secretaria Municipal de Saúde da Cidade de Santos e do IEPES – Instituto de Estudos e Pesquisas sobre AIDS de Santos, cujos técnicos respaldados por uma convicção de Saúde Pública e, em face do grande número de casos de AIDS que relatavam o compartilhamento de seringas para uso de drogas injetáveis, tiveram a ousadia e clareza de implantar o primeiro programa de intervenção, tornando-se umas das maiores e mais importantes referencias nessa área para toda a America Latina que mesmo com grande atraso, buscou no Brasil respaldo por suas iniciativas. (ROSA apud SIQUEIRA, 2013. P. 183). No dia 25 de Junho de 2006 foi realizado em Santo André-SP o 6° Encontro Nacional de Redutores de Danos, que tinha como objetivo implantar a RD nas diretrizes no SUS como política nacional, tendo em vista que, muitas vezes, os usuários de drogas eram tratados por métodos degradantes, como os que eram realizados em 1990, quando os sujeitos eram internados em manicômios. Embora o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) fosse referência no SUS para tratamento de usuários em termos práticos, sua atuação deixava a desejar tendo em vista que, a priori, as ações eram mais direcionadas para uma perspectiva psiquiátrica do que precisamente para a política de RD (Rosa, 2013). Assim, em 2002 iniciou-se a implementação dos CAPS AD (Centro de Atenção Psicossocial em Álcool e outras Drogas), lançado oficialmente em 2004, tendo como 13 fundamento a diretriz clínica-política da RD. Rosa citando Espíndola deixa claro a função dos novos CAPS: Nos serviços de CAPS AD a abstinência não deve ser mais a única meta possível do tratamento (...). É parte ainda das propostas dos CAPS AD, não somente reduzir os prejuízos oriundos do uso abusivo de drogas, mas também garantir a autonomia e a responsabilidade do usuário em sua relação com essas abstinências (ROSA apud ESPÍNDOLA, 2013. P. 185). De acordo com a portaria N° 336 os CAPS AD devem oferecer serviços de atenção psicossocial para atendimento de pacientes com transtornos advindos do uso abusivo de drogas. Algumas das características que são preconizadas pela referida portaria são: possuir capacidade técnica para desempenhar o papel de regulador de porta de entrada da rede assistencial local no âmbito de seu território e/ou módulo assistencial, definido na Norma Operacional de Assistência a Saúde (NOAS), de acordo com a determinação do gestor local; manter de dois a quatro leitos para desintoxicação e repouso; atendimentos em oficinas terapêuticas realizadas por profissionais de nível superior ou médio, dentre outras (Brasil, 2002). A RD torna-se notória por ver o usuário como um ser social, um cidadão portador de diretos e deveres e se caracteriza pela tolerância, pois evita julgamentos morais em relação ao uso de drogas ou mesmo sobre a prática sexual irresponsável, tendo como diretriz norteadora a minimização dos prejuízos advindos de tais praticas (Rosa, 2013). 3 METODOLOGIA Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, utilizando o método exploratório como norteador, tendo em vista que procuraremos demonstrar como os fatores sociais transcorridos no decorrer do século XX interferem na forma como os profissionais da saúde veem os usuários. A pesquisa bibliográfica caracteriza-se por buscar o embasamento teórico em materiais já publicados. Na presente pesquisa foram utilizados livros e artigos científicos, sendo estes colhidos em sites de confiabilidade, como o Scielo (Scientific Eletronic Library On-Line) e o NEIP (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos). Os dados coletados por este estudo se baseiam em pesquisas realizadas por outros autores que tratam sobre a questão das Políticas de Redução de Danos, suas origens,perspectivas conceituais, métodos e possibilidades. 14 Foram selecionados nove artigos, um livro e uma dissertação de mestrado, sendo quatro artigos colhidos no Scielo e cinco no NEIP, todos abordando os temas de drogadição, contexto social ou redução de danos. Os artigos selecionados encontrados no Scielo foram: “Percepção do Usuário Sobre a Droga na sua Vida” autores Gabatz; Johann; Terra; Padoin; Silva e Brum; “Política Sobre Drogas no Brasil: A Estratégia de Redução de Danos” autora Machado; “Programa de Redução de Danos: Perspectiva Histórica e uma Analise Compreensiva das Praticas Antes da Lei N° 11.343/06”, autores Brito e Nóbrega e “O Sujeito e as Toxicomanias de Suplência e de Suplemento para a Psicanálise”, autora Priscilla Santos de Souza. Já os artigos selecionados do NEIP foram: “Estados Alterados: Reflexões Sobre Drogas Ilícitas e Representações do estado Moderno”, autora, Souza; “Tensões entre o Biológico e o Social nas Controvérsias Médicas Sobre o uso de Drogas”, autor, Fiore; “Política das Drogas e a Lógica dos Danos”, autor, Rodrigues; “O Uso de Drogas e a Instauração do Proibicionismo no Brasil”, autor, Torcato, e “Que Guerra é Essa? A Propósito da Partilha Moral entre Drogas e Fármacos”, autor, Vargas. O livro selecionado como referencia foi “A Experiência do uso do Crack e sua Interlocução com a Clínica: Dispositivos para o Cuidado Integral do Usuário”, de Paulo Quinderé, e por fim, a tese escolhida foi a “Drogas e Biopolítica: Uma Genealogia da Redução de Danos”, de Pablo Rosa. 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO Após a leitura dos textos selecionados foram subdivididos em três categorias que serão listados na tabela a seguir, onde a discussão será realizada em ordem de categoria. Quadro 1: Categorias de análises. Categorias de análises Fontes Proibição do uso de drogas *Estados Alterados: reflexões sobre drogas ilícitas e representações no estado moderno (Ana Telles de Souza, ) *O uso de drogas e o proibicionismo no Brasil (Carlos Torcato, 2013) *Que guerra é essa? A propósito da partilha moral entre drogas e fármacos (Eduardo Vargas, 2000). *Programa de redução de danos: Perspectiva histórica e uma análise compreensiva das práticas antes e depois da Lei nº 11.343/06 (Heyde Brito, 2013) *A legislação penal e a pratica de redução de danos á saúde pelo uso de drogas no Brasil (Denise de Carvalho, 2006). * Lei nº 6.368/76 15 Conotações entre Dependência e Dependente *A Experiência do uso de crack e sua interlocução com a clínica: dispositivos para o cuidado integral do usuário (Paulo Quinderé, 2013). *Percepção do usuário sobre a droga em sua vida (Ruth Gabatz, ET AL, 2013). *O sujeito e as toxicomanias de suplência e d suplemento para a psicanálise (Priscilla de Souza, 2010) *Drogas: Proibição, Criminalização da Pobreza e Mídia (Vagner Fernandes; Aline Fuzinatto) Paradigmas de tratamento *Tensões entre o Biológico e o social nas controvérsias medicas sobre o uso de “drogas” (Mauricio Fiore, 2004). *Política de drogas e a lógica dos danos (Thiago Rodrigues, 1003). *A legislação penal e a prática de Redução de Danos à saúde pelo uso de drogas no Brasil (Denise Bomtempo Birche, (2006) *Políticas sobre drogas no Brasil: a estratégia de Redução de Danos (Letícia Vier Machado, 2013) Fonte: Autor, 2015 4.1 PROIBIÇÃO DO USO DE DROGAS Quando se fala em proibição às drogas, muitos fatores devem ser levados em consideração. Desde as formas de uso até as significâncias que os usuários dão às substancias ingeridas, fatores esses que muitas vezes são negligenciados pelos detentores do poder, que não levam em consideração o contexto histórico que as substancias participam. Deste modo o vicio ou abuso de drogas passou a ser visto como uma patologia que deve ser extirpada da sociedade e por “patologização” temos a denotação de uma doença e que, como tal, deve ser “curada” (Souza, 2011). A ONU (Organização das Nações Unidas), em 1961, diz que a dependência de substancias constitui-se como um sério mal tanto para o individuo que a usa como para a sociedade a qual ele esta inserido, devastando tanto o sujeito no contexto social como a economia da humanidade (Souza, 2011), fator que pode ser questionado quando estudos demonstram que a venda de substancias, tanto licitas quanto ilícitas, caracterizam-se como umas das coisas mais lucrativas da humanidade há muito tempo (Vargas, 2000). Cabe-nos questionar onde o uso de drogas passa a ser considerado nefasto para a sociedade. Um dos pontos que podem ser elencados como preponderantes é o que Paulo Quinderé traz em seu livro, onde discorre da proibição do uso de crack ao relatar que o mesmo surge como droga quando a população pobre tenta ter o mesmo status da população 16 abastada. Querendo consumir as mesmas substancias, nesse caso especifico a cocaína, que é comercializada a um preço exorbitante e que faz com que a procura seja grande, dando prioridade a quem possui recursos para a obtenção dele. À classe pobre sobram os restos, ou seja, as sobras da cocaína, no caso, o crack (Quinderé, 2013). Souza vem dizer, dialogando com o estudo de Quinderé, que as classes que possuem poder no estado traçam os parâmetros da ordem social vigente, marcada muitas vezes por desrespeito às classes dominadas. Deste modo, ainda referindo-nos ao conceito de patologização, temos que nos atentar para o fato de que muitas vezes a classe dominante, e aqui podemos destacar como uma categoria dominante a classe dos médicos, que vê a sociedade como um corpo e, como corpo, tudo aquilo que é desagradável passa a ser visto como doença que necessita de uma limpeza, uma higienização (Souza, 2010). Outro fator a ser ponderado em relação à proibição das drogas em contexto nacional é o relatado pelo estudo de Carneiro (1994) quando este diz que mesmo a proibição total de certas substâncias alucinógenas date do século XX, a igreja católica, principal religião nacional, na idade média já havia proibido o uso e tráfico de algumas drogas, alegando que estas proporcionavam prazeres exóticos e sensuais que iam de encontro com os preceitos da religião. Deste modo, ervas e plantas alucinógenas que fizeram e fazem parte de algumas religiões consideradas pagãs foram alvo dessa proibição e, assim sendo, a igreja católica passa a ser caracterizada como um dos órgãos precursores do atual modelo proibicionista (Mota, 2009). Constantinou (2004) defende que o estado patológico é o que desafia constantemente o estado dito normal, sendo que esse é caracterizado como o estado onde a maioria predomina, esquecendo-se as culturas dominadas. Foucault (1972) corrobora essa afirmação em seus estudos, quando relata que em toda historia da loucura social alguns eram tidos como bodes expiatórios para a normatização do restante da sociedade, dando exemplo dos sifilíticos, dos bêbados e das prostitutas, que não faziam parte do que a sociedade dominante considerava normal. A patologização de sujeitos que não compartilham de preceitos estabelecidos na sociedade já é tema de muitos estudos. Pelbart (1989) diz que existem hoje dois tipos de loucura que amordaçam a sociedade dominada: a loucura cultural, que é estabelecida quando povos são escravizados e seus ritos são tidos como demoníacos, desordeiros ou promíscuos. Conceito que é evidenciado quando nos reportamos às religiões, culturas e valores que vieram junto com os navios negreiros para o Brasil. E a loucura clinica, onde quem delimita o que é 17 sadio ou patológico são os médicos, que trabalham de mãos dadas com o estado dominante, numa tentativa, muitas vezes irracional, de acinzentar, de normatizar, de tirar a subjetividade dos sujeitos que discordam do que é predominante. Assim, não podemos deixar de perceber que a classe dominante massacra, desumaniza e, porque não, animalizaos sujeitos que são minoria. Fato nitidamente visto no que concerne às populações indígenas brasileiras, precisamente em algumas tribos nordestinas, onde o uso de substancias para rituais, que causam alucinações, são não só proibidos, como perseguidos, numa forma de normatizar algo, ou alguns, que já se fazem normais dentro de um contexto próprio (Souza, 2010). De forma clara, não só que o sujeito usuário de drogas é marginalizado, como também aqueles que estão inseridos em um contexto onde a predominância de drogas é grande, sendo assim tachados como futuros usuários simplesmente por estarem inseridos em locais deploráveis, onde muitas vezes predomina a falta de moradia digna, a falta de lazer, de estudo, ou seja, as classes periféricas (Souza, 2010). Assim, o usuário propriamente dito, e os que possuem a probabilidade de virem a usar drogas, passam a ser chave do controle biopolítico, criando uma delimitação entre os tidos como normais e aqueles que são classificados como doentes. Diferenciação essa, que, como afirma Constantinou, nunca é problematizada, nunca é vista como um paradigma de saúde pública, sempre possuindo o status de crime, doença e pecado, marginalizando o usuário (Souza, 2010). Diante de tais contribuições são compreensíveis os motivos que levam o Estado a controlar juridicamente o uso de drogas no contexto nacional. Esta proibição, por sua vez, influencia todo um conjunto de normas e valores socialmente aceitos e ditos como “normais” no sentido de compor uma ideologia cultural proibicionista. 4.2 CONOTAÇÕES ENTRE DEPENDÊNCIA E DEPENDENTE Nascemos em uma sociedade que possui características, valores, moral e ética, onde muito já está edificado antes da nossa participação no social. Sendo-nos imposto quais condutas devemos seguir, quais devemos ver como degradantes, nefastas. Frequentemente vemos na indústria midiática que o uso de substancias ilícitas é imoral, antiética, mas nos esquecemos de questionar-nos o que são ética é moral. Machado (2009) reproduzindo os conceitos de Deleuze (1942) afirma que ética diz repeito ao modo de ser das forças vitais que definem o homem por sua potência, ou seja, pelo 18 que o homem pode fazer, pela sua intensidade, já a moral julga a vida do sujeito a partir de valores transcendentes, sendo assim um sistema de juízos sobre o que se diz e o que se faz em termos de bem e de mal, sendo esses considerados como valores metafísicos (Machado, 2009). Tendo esses critérios classificativos, vemos que a ética é um conjunto de regras facultativas que avaliam o que fazemos e o que dizemos, em função do modo de existência que isso implica. Assim, quando falamos sobre a questão de drogadição, de dependência e de abuso, não devemos pôr de lado o saber de que padrões éticos e morais são construídos socialmente, que assim como conceitos filosóficos não são eternos nem históricos, mas extemporâneos e inatuais (Machado, 2009). Quando falamos dos sujeitos que fazem uso de substâncias capazes de alterar a consciência devemos ter em mente questões que vão além das que comumente vemos na mídia, questões que vão muito além do simples desejo de fuga, simples mascaramento da realidade cruel. Atualmente vivemos em uma sociedade onde o prazer vem em primeiro lugar, o capitalismo faz com que queiramos sempre mais e o desejo de consumir frivolidades nos consume diariamente. O prazer hedonista e as respostas rápidas pela obtenção do prazer são constantemente reforçados pelos grupos sociais que ditam regras para sermos aceitos dentro de um contexto social. Deste modo, o uso de substancias capazes de produzir um prazer intenso e efêmero se conecta perfeitamente com a lógica da sociedade contemporânea capitalista (Quinderé, 2013). O foco da política antidrogas se direciona para a classe dos jovens, onde adolescentes utilizam substancias com a finalidade de estarem inseridos em um contexto, com a vontade de fazerem parte de um grupo, de serem aceitos e muitas vezes esquecem-se dos malefícios que isso pode acarretar, prejuízos físicos como desnutrição e os psicológicos como a depressão, despersonalização, psicopatias graves e até suicídio (Souza, 2010). Conte (Conte, 2003 apud Souza, 2010) traz um ponto pertinente quando afirma que enquanto o sujeito estiver em equilíbrio prazeroso com a droga ele não buscará auxilio terapêutico, só vindo a fazê-lo quando perceber-se impotente frente ao uso. Macrae (Macrae, 2006, apud Quinderé 2013) vem dizer que o discurso de proibição deixa de levar em consideração os problemas relacionados ao uso de psicoativos como produção cultural, ignorando os diversos modelos e formas de consumo, os valores e os estilos de vida, as visões de mundo que apoiam a prática de entorpecimento. É posto de lado que em grande parte da 19 sociedade o uso de substancias, praticada também por jovens, era relacionada justamente ao que diz respeito à socialização, comemorações, festividades (Quinderé, 2013). Quando é dito que o uso de drogas é prejudicial, que corrompe os nossos jovens por eles estarem em construção, deixamos de enxergar que muitas vezes a sociedade corrompe esse jovem de forma bem mais bárbara quando lhe impõe um estilo de vida e ser seguido. Afirmar que as drogas são o cancro da sociedade, o câncer dos jovens. Usar em forma de bode expiatório as substancias e deixar de lado problemas como pobreza, má distribuição de renda e falta de educação passa a ser mais maléfico do que o próprio uso dos psicoativos (Hart, 2015). Misse (2010) dialoga com os pensamentos de Hart quando afirma que as propagandas alarmistas que dizem respeito à irracional guerra contra as drogas produzem um efeito perverso, por tornar as drogas ilícitas atraentes e sedutoras exatamente por serem proibidas e ainda, o pensamento de Souza direciona esse perigo justamente para a classe jovem que passa a vê-las sob a ótica simbólica de status, de coragem, de destemor e de pertença a um determinado grupo (Misse, 2010). Corroborando com essa questão social Zinberg (1984) destaca que os efeitos das substâncias não dependem simplesmente das características farmacológicas, mas também da personalidade do usuário, do meio social e físico em que este sujeito esta inserido. 4.3 PARADIGMAS DE TRATAMENTO Sendo os padrões sociais preponderantes no que concerne à problemática de política sobre drogas, é válido ver como o social vê as questões de cuidado ao usuário. A política de Redução de Danos (RD) atualmente é vista sob vários enfoques, muitos deles ainda veem como um discurso que faz apologia ao uso de substancias psicoativas sem, realmente, verem a real intenção do programa. Machado (2013) relata que os discursos sobre a RD se dividem entres esferas: a primeira que a recusa como uma estratégia eficaz, afirmando falta de cientificidade e que é fortemente baseado em valores morais. A segunda, que aceita parcialmente a pratica, afirmando ainda que a política se baseia em uma estratégia de comportamento de risco, não tendo como desejo primário a abstinência dos usuários. E por fim, a terceira esfera que aceita totalmente a prática, tendo em vista a eficácia no proposto, a exemplo, a redução da 20 transmissão de HIV/ AIDS, e observando que em longo prazo o intuito da política é realmente a abstinência dos usuários. A PRD tem como premissa o fato do uso de substancias já serem usadas pelo homem há milênios e isso não levou a implosão da sociedade, e que desta forma o mais sábio é tratar os usuários como cidadãos plenos do que julgá-los como criminosos (Rodrigues, 2003). Assim, a PRD surge como uma política que tem como intuito a redução dos malefícios decorrentes das formas erronias de uso de drogas, sem necessariamente exigir dos usuários a abstinência imediata, porém, tendo como finalidade esse fim. No campo moral é anunciado que as drogas fazem mal ao sujeitoe, consequentemente, a sociedade em que ele esta inserido, desta forma criando um estereótipo de que o usuário é perigoso, fator que dificulta a prática eficaz da RD (Carvalho, 2006). Em 1º de julho de 2005 é criada pelo Ministério da Saúde Pública a portaria nº 1.028 que institui a Política Nacional de Redução de Danos como política publica setorial no âmbito do Ministério da Saúde (Carvalho, 2006), Fato esse que foi comemorado pelos profissionais que viam na PRD a forma mais eficaz, não só de combater os malefícios do uso desregrado de drogas, mas também como meio de recolocar os sujeitos desviantes no rol de cidadãos que merecem o cuidado do estado, não mais sendo excluídos ou marginalizados por suas escolhas. A portaria n° 1.028 corrobora com o paradigma de que saúde é direito de todos os cidadãos e dever do estado (Machado, 2013). Antes da regulamentação da dita portaria, precisamente em 2004, houve diversos segmentos sociais que foram contra a ideia da PRD, onde uma das principais criticas partiu da Conferencia Nacional de Bispos no Brasil (CNBB) que se posicionou fortemente contra a política, alegando que não viam como políticas públicas destinadas para usuários iriam sanar ou tirar as pessoas do vício das drogas, afirmando que tais medidas iriam propiciar a facilitação de novas experiências por parte de pessoas que até então não eram usuários. Outro campo que se posicionou contra foram os Narcóticos Anônimos (NA), pois a política ia de encontro com suas diretrizes de atuação, alegando que para se recuperar do vicio os sujeitos deveriam abster-se de toda e qualquer substancia que causasse dependência (Carvalho, 2006). A estratégia da PRD é caracterizada por ser mais humanitária, possuindo uma medida de baixa exigência, ou seja, não impõe que os sujeitos devam ser abstêmios e sim que busquem uma melhor qualidade de vida. Czeresnia (2003) refere que outra característica favorável da RD é o fato de ser uma estratégia de baixo para cima e, deste modo, abre espaço 21 para um saber popular, amplia as possibilidades de construção de uma nova visão sobre saúde, focando nas características individuais dos sujeitos e, assim, abandonando o binômio prevenção-doença expressa pelo estado (Machado, 2013). 5 CONCLUSÃO Observando o que foi exposto no corpo teórico do presente trabalho é possível observar que os cuidados, não só ofertados por serviços, mas também os cuidados oferecidos pela sociedade em geral estão enraizada em preceitos sociais. O sujeito que usa drogas é tido como perigoso, e passa a preenche uma lacuna cultural que outrora fora ocupado pelos sifilíticos ou prostitutas, assim ele, o sujeito drogado, é visto como um mal a ser extirpado. Quando falamos de construtos que passam a influenciar na elaboração de cuidados com usuários, temos que ter em mente que o tabu que envolve as drogas não é algo novo. A sociedade sempre se utilizou substancias para alterar seu estado de consciência, as bebidas alcoólicas e o tabaco são prova disso. Não basta apenas a regulamentação de portarias, como a supracitada Redução de Danos, é necessário uma nova visão, sobre não só as drogas, mas também sobre usuários e sociedade. A PRD é vista como uma forma eficaz de trabalhar com usuários de drogas, mostrando que estes sujeitos, sendo vistos como criminosos, são capazes de ter, com o devido trabalho, um determinado domínio sobre seus corpos. Assim, desconstruindo o que a muito vem se estabelecendo no social, que o único meio de controle sobre as drogas seria a abstinência completa por parte do usuário de todo e qualquer produto que fosse capaz de alterar a consciência. Muito ainda deve ser feito para uma real efetivação dos cuidados estudados. O presente trabalho não tem como objetivo o esgotamento de discussões acerca das drogas e em suas conotações na sociedade e sim uma contribuição e esclarecimento de que conceitos construídos outrora devem ser deixados de lado, ou revistos sob a luz de novos estudos, em prol de uma melhor avaliação de como usuários e propensos usuários devem ser tratados. O tratamento deve vir de baixo para cima, como os redutores de danos são instruídos a fazer, devem objetivar um estudo não só dos malefícios que as drogas trazem, mas sim a construção de um diálogo entre uso, sociedade, usuário e cuidadores. 22 REFERÊNCIAS ARTAUD, Antonin. O Pesa-Nervos. Rio de Janeiro:Hiena Editora. 1991. Brasil. 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