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UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 1 FILOSOFIA , 2º SEMESTRE Estética UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 2 FILOSOFIA Créditos e Copyright Este curso foi concebido e produzido pela Unimes Virtual. Eventuais marcas aqui publicadas são pertencentes aos seus respectivos proprietários. A Unimes Virtual terá o direito de utilizar qualquer material publicado neste curso oriunda da participação dos alunos, colaboradores, tutores e convidados, em qualquer forma de expressão, em qualquer meio, seja ou não para fins didáticos. Copyright (c) Unimes Virtual É proibida a reprodução total ou parcial deste curso, em qualquer mídia ou formato. SILVA, Paulo Marcos. Estética. Revisado por Vanice Ribeiro em 2015.1: Núcleo de Educação a Distância da UNIMES, 2008. 166p. (Material didático. Curso de Filosofia). Modo de acesso: www.unimes.br 1. Ensino a distância. 2. Filosofia. 3 Estética CDD 100 UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 3 FILOSOFIA Sumário Aula 01_Homero. A estética da bela morte versus glória dos heróis. .................................................. 5 Aula 02_Hesíodo. A estética arcaica versus a divina Memória. ..........................................................10 Aula 03_Pensamento ocidental e a concepção de Estética. ...............................................................15 Aula 04_Pré-socráticos. Ordem racional é ordem estética? Há estética nos pré-socráticos? ..............17 Aula 05_Aristófanes. A estética e a moral: entre Homero e Eurípides................................................22 Aula 06_Grécia – períodos arcaico (séculos XII – VI) e clássico (séculos e V – IV). ..............................25 Aula 07_Grécia – período helenístico (séculos III – I a.C.)...................................................................28 Aula 08_Itália – período renascentista (século XV). ...........................................................................34 RESUMO ...........................................................................................................................................39 Aula 09_Platão e a técnica do trompe-l’oeil(mimese fantástica)........................................................42 Aula 10_Platão contra a arte: mundo sensível e inteligível. ...............................................................49 Aula 11_Aristóteles: princípio da teoria estética? ..............................................................................54 Aula 12_Plotino: princípio da estética da luz. ....................................................................................58 Aula 13_Patrística e a luz. .................................................................................................................62 Aula 14_Luz de todos os seres: o Panteão Romano Pagão. ................................................................66 Aula 15_Padres latinos: congruentia e luz em Santo Agostinho. ........................................................68 Aula 16_Arte cristã enquanto representante dos movimentos místicos da igreja. .............................72 RESUMO ...........................................................................................................................................75 Aula 17_Ciência do sensível: de Descartes a Baumgarten. .................................................................82 Aula 18_Hume e a instituição das artes .............................................................................................86 Aula 19_O sublime e o belo. Edmund Burke versus Kant....................................................................89 Aula 20_Notas sobre o projeto crítico de Kant...................................................................................92 Aula 21_O juízo estético reflexivo de Kant.........................................................................................96 Aula 22_Alguns pressupostos teóricos da filosofia Schopenhaueriana. ............................................102 Aula 23_O princípio de razão suficiente e o viés para sua superação: a experiência estética. ..........104 Aulas 24_Schopenhauer e o ideal estético. .....................................................................................109 Resumo_Unidade III ........................................................................................................................115 Aula 25_Nietzsche e (versus) as receitas Ideais. Ideal ético-estético dos outros? .............................117 Aula 26_Clément Rosset e o princípio de crueldade. Estética da verdade e do Real. ........................122 Aula 27_O corpo e seu estado. ........................................................................................................127 Aula 28_Hipócrates e os estados do corpo ......................................................................................130 Aula 29_Benjamim e a obra de arte. ...............................................................................................136 UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 4 FILOSOFIA Aula 30_Estética e cinema. .............................................................................................................138 Aula 31_Novos Museus. A relação do espectador e obra: tão longe e tão perto. .............................142 Aula 32_Novos Museus. Showroom, shopping center ou novo museu? ..........................................145 RESUMO_Unidade IV ......................................................................................................................148 UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 5 FILOSOFIA Aula 01_Homero. A estética da bela morte versus glória dos heróis. O drama do herói Peleio Aquiles (Peleiadew Acilhos), presente na Ilíada, amarra uma visão de beleza trágica que não existe em qualquer um dos demais guerreiros encontrados na peleja grego-troiana. Ora, Aquiles, filho de Tétis[1] (uma imortal) e de Peleu (um mortal), comporta uma condição de ser semideus, ou seja, por ser mortal-imortal, ele vive uma existência bidimensional conflitiva. Se, do ponto de vista estritamente humano, ele é superior em força aos demais guerreiros, o que lhe garante a distinção de chefe dos mirmidões[2], descrito como um modelo de herói entre os gregos; do ponto de vista divino, ele não passa de um ser vulnerável, perecível como os demais mortais. Ser mortal é um atributo tão negativo entre os deuses, que lhes causa aversão, vide a comparação entre mortalidade e desgraça presente na fala que o deus Apolo dirige ao deus Posêidon: “Ó Treme-terras, não dirás de mim que, doente/ da cabeça, contigo lutarei por vis/ mortais (...).” (Ilíada, XXI, 462- 466). O drama de Aquiles já se mostra no primeiro capítulo da Ilíada. Ele é consciente de seu predicado mortal, fato lamentado por sua mãe Tétis diante de Zeus Pai, quando ela solicita ao reio do Olimpo intervenção divina ao filho, que está em briga com o rei Agamenon: Zeus Pai, se alguma vez a ti, entre imortais,/ com palavras e obras te ajudei, atende o que te peço. Aquiles, o-que-a-Moira espreita,/ meu filho, honra-o. Fez-lhe duro insulto o rei, Agamêmnon: tomou-lhe o prêmio e goza o roubo./ Vinga-o, senhor do Olimpo (...) (Ilíada, I, 503-8). Tétis é da filha de Nereu, deus marinho e foi criada por Hera. Zeus pretendia seduzi-la, mas desistiu, pois teve por oráculo que o filho de Tétis seria mais poderoso que o progenitor (Zeus lembrou-se de ele mesmo ter destronado seu pai, Cronos). Por isso, Zeus escolhe um mortal, para desposá-la: Peleu. Tétis queria que seu filho fosse imortal, tantoque atirou os seis primeiros ao fogo na esperança de concretizar o desejo, mas todos morreram. Apenas o sétimo, Aquiles, teve melhor sorte, pois Peleu se zangou e retirou o menino a tempo das chamas; além disso enviou Tétis de volta para o palácio submarino. Porém, ela antes de partir mergulhou o filho no rio Estige para torná-lo invulnerável. No entanto, o calcanhar ficou sem o banho. http://campus20191.unimesvirtual.com.br/#_ftn1 http://campus20191.unimesvirtual.com.br/#_ftn2 UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 6 FILOSOFIA Aquiles, a despeito de sua queixa junto a sua mãe Tétis para que lhe seja conferida às honras devidas, pois ele foi ultrajado pelo rei Agamêmnon na disputa por Briseida (espólio oriundo da primeira investida contra Troia), não deve ser tomado como um mero romântico que clama por intervenção divina quando em dificuldades. Mesmo porque o herói tem diante de si como parâmetros referentes ao devir ou à vida breve, que é própria do guerreiro, ou à vida longa, perene e tranquila, mas distante e oposta da glória infindável da atividade heroica. Tanto para Aquiles, quanto ao séquito militar que recusa a vergonhosa covardia e luta devotadamente no combate, concretiza-se a vida breve, que é excelente e comporta o tema bela morte. Pode-se dizer que a bela morte comporta a ideia de um prêmio, que não é espacial (não é definido algo material), mas, sim, ideal. A presença e a sorte, do soldado premiado, transcendem qualquer estimativa temporal (não tem presente, passado o futuro: sempre é). A bela morte tem lugar na Memória, por meio do canto irrepreendível dos aedos; esta faz às vezes de uma morada de mortos, onde os combatentes de excelência greco-troianos estarão sempre presentes. A bela morte é a acolhida segura de Aquiles, pois ela é o único estratagema que lhe conferirá a glória dos heróis (klea andrwn): a imortalidade. Qualquer outra recompensa seria fugida (temporal). No entanto, a fronteira entre a imortalidade e a mortalidade, na Ilíada, envolve a questão ou da escolha ou da pré-destinação do soldado, e quando este problema envolve a figura de Aquiles, a solução não é amigável. Há autores que defendem para Aquiles uma livre escolha, outros defendem que o herói já se encontra predestinado desde o nascimento à bela morte. Trajano Vieira (2003) defende que é justamente a escolha livre de Aquiles pela vida breve, mas gloriosa, em oposição à vida longeva, que o converte, assim como a obra toda, em um personagem de tema épico. Jean-Pierre Vernant (1986) possui outra perspectiva em relação aos desígnios do herói, para ele Aquiles não tem livre escolha, ele está predestinado à vida breve por natureza, à bela morte, tanto que o herói a admite a sua mãe já no início da Ilíada: “(...) Mãe, que me dotaste/ de uma vida tão curta (Ilíada, I, 352-3)” e a própria mãe admite: “(...) Te criei nutrido de infortúnio:/ Sem lágrimas, sem dor, assim eu o quisera/ sentado junto às naves, pois te espreita a Moira, tens vida breve.” (Ilíada, I, 414-16). Esta leitura de Vernant pode ser corroborada pelo código de honra seguido por Aquiles, seu código permanece UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 7 FILOSOFIA fundado na irredutibilidade de sua posição, mesmo que ele seja afrontado por alguma força ou lhe seja concedido um pedido de desculpas. Tal postura, por assim dizer, faz de Aquiles um herói “marginal encerrado na solidão altiva de sua cólera”.[3] A compreensão do tema bela morte só ocorre se reportado ao único motivo que denota o herói grego: a honra pela glória imperecível conjugada à morte jovem, a qual, não obstante, ultrapassa além da velhice o fato temporal regido pelo esquecimento. Aquiles, antes de tudo, sabe-se como mortal (conf. Ilíada, I, 353). Contudo, ele persegue, como guerreiro grego, de forma excelente, a virtude inquebrantável do ideal de “glória dos heróis (klea andrwn)”. Apenas com o ajuste deste índice, o encontro junto à morte pode ser entendido como belo. O enfrentamento, assim como a fortuna da vida própria à glória dos heróis, apresenta uma concepção estética de mundo aliada a ideia de transtemporalidade. E o próprio Aquiles, quando se encontrava afastado das batalhas em vista de sua diferença com Agamêmnon, entoou um hino homenageando o tema, no canto IX da Ilíada. Esta variante de Aquiles, como aedo dançante e tocador de lira, tem por função apresentar ao espectador-leitor dois elementos. Conforme Jean-Pierre Vernant: em “A bela morte e o cadáver ultrajado”, tradução de Elisa A. Kossovich e João A. Hansen. Pág. 33. No total há nove Musas. Todas são oriundas da união de nove noites entre Zeus com Mnemosine (Memória). Dado que as Musas são filhas da Memória e do deus do poder criador, a elas é atribuído o dom das artes. Cada uma representa uma especialidade: Calíope (Eloquência), Clio (História), Érato (poesia), Euterpe (Música), Melpômene (Tragédia), Polímnia (Mimica), Terpsícope (Dança), Tália (Comédia), Urânia (Astronomia: os gregos a consideram uma arte, pois está vinculada à harmonia). No entanto, deve-se lembrar que é em Hesíodo que elas receberão destaque. (i) a glória já vivida pelo próprio Aquiles quando lutava e (ii) o aspecto referente à memória, atributo das Musas,[4] que se manifesta nos aedos quando estes se dispõem a cantar os belos feitos que nunca morrem. Por conseguinte, podemos entender que Homero, ao pôr Aquiles como entoador de suas próprias glórias, dá mostras da presença de dois elementos estéticos básicos para os gregos de sua época. De um lado, há glória do guerreiro que busca renome indestrutível quando em http://campus20191.unimesvirtual.com.br/#_ftn3 http://campus20191.unimesvirtual.com.br/#_ftn4 UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 8 FILOSOFIA batalha, pois apesar do corpo perecível e da existência finita, as ações heróicas são eternas; de outro, encontra-se a forma poética de narrar os feitos heroicos que também prima por ultrapassar “o registro factual e o tempo histórico, pois os prodígios heroicos são uma necessidade poética”.[5] O canto aquileio de glória dos heróis apresenta equivalente na Odisseia. Nesta obra, o aedo Demódoco entoa um hino, presente no livro VIII, que se refere a uma rixa entre Aquiles e Ulisses que foi maquinada por causa de um presságio que Agamêmnon ouvira do oráculo de Apolo. A revelação dizia que os gregos venceriam a guerra contra Troia apenas se insuflasse alguma querela entre os maiores lutadores gregos: “E o rei dos reis folgava, porque entrando,/ No estrear Jove a lide Grega e Teucra,/ Do Pítio Apolo no marmóreo templo,/ O oráculo a vitória prometeu-lhe,/ Des que os melhores Dânaos contendessem.” (Odisseia, VIII, 59-63). É importante destacar que Ulisses encontra-se presente no momento de entoação deste hino. Mas, o exemplo de maior pujança é dado quando Homero nivela sua poesia junto aos feitos perduráveis dos heróis: “Nós, de iguarias cheios e de acorde,/ Glória e adorno da mesa, ao foro andemos:/ Narre o estrangeiro aos seus quanto hábeis somos/ Em luta e pugilato, em salto e curso.” (Odisseia, VIII, 75-8) Nesta passagem, o poeta nos oferta sua criação como se fosse a própria glória dos heróis (klea andrwn) manifestando-se em mo(vi)mentos e formas diversas através do canto versus memória do aedo. Portanto, podemos conjecturar que Homero consumou em sua obra épica a união de duas perspectivas estéticas em único mo(vi)mento. Ele vinculou a estética da bela morte dos heróis com a estética poética rapsódica que se faz atual por causa das Musas que conhecem passado, presente e futuro. Mote este que será revitalizado por Hesíodo em sua Teogonia, quando ele rogar às Musas para que seu canto se apresente verdadeiro: “Pelas Musas heliconíades comecemos a cantar.” (Teogonia, 1). Tantoa morte guerreira quanto o canto do aedo apresentam o duplo registro presente nas palavras seguintes de Aquiles (ou será de Homero): (...) um destino dúplice fadou-me/ à morte como termo. Fico e luto em Troia:/ não haverá retorno para mim, só glória/ eterna; volto ao lar, à cara terra pátria:/ perco essa glória excelsa, ganho longa vida;/ tão cedo não me assalta a morte com seu termo.” (Ilíada, IX, 411-16). http://campus20191.unimesvirtual.com.br/#_ftn5 UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 9 FILOSOFIA Mas, nós, contemporâneos da literatura pelas massas, já sabemos qual foi a opção dos talentos gregos. Apesar disso, qual é (temos) nosso destino? UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 10 FILOSOFIA Aula 02_Hesíodo. A estética arcaica versus a divina Memória. Hesíodo, de acordo com Heródoto, foi contemporâneo de Homero. Homero, para nós do século XXI, comporta-se como o eco mais longínquo de nossa civilização ocidental. Contudo, o temos como autor da Ilíada e da Odisseia e assim deve permanecer. Hesíodo, autor da Teogonia e de O trabalho e os dias, tem de ser entendido como o escritor que se encontra no limite do mundo arcaico homérico e o mundo dele. A poesia de Hesíodo tem traços estilísticos arcaicos, o que faz dela uma obra arcaica. Contudo, a obra hesiódica, além de apresentar uma narrativa em primeira pessoa, oferece os primeiros elementos que levam à criação de um vocabulário conceitual, pois nela o autor se esforça para demonstrar o deus Zeus como o único soberano divino que a tudo domina. Esta pretensão de unidade, associada ao esforço de coordenação manuscrita da imagem do mito, acaba extinguindo o efeito musical e imagético dos hinos, pois o condena à prisão do alfabeto grafado: o mito deixa de ser espontâneo (cantado) para ser exposto graficamente via alfabeto. Todo este fenômeno linguístico [de unificação], que apenas soa em Hesíodo, já se constitui como um ensaio de como será a Pólis quando a palavra escrita vier a dominar os hábitos humanos. Como se apontou, entre Homero e Hesíodo existe uma diferença no modo de narrar o mito. Não obstante, há uma mudança na forma de tratamento (exposição) do próprio mito e esta se deve a um reordenamento social ocorrido na Grécia arcaica (séculos XII a VI a.C.). Tal reordenamento social, de acordo com o historiador Jean-Pierre Vernant, ocorreu porque a realeza minoica desmoronou. A queda desta sociedade levou consigo a forma de tratamento dos mitos, a qual consistia em integrar a proeza heroica, de modo ritualístico, à figura do soberano de Micenas. E a poesia de Hesíodo releva que a forma de lidar com os deuses é outra. No caso, os poderes divinos de cada um dos deuses olímpicos na Teogonia vinculam-se somente à força da natureza que os definem. Como é retratado na descrição das seguintes divindades: “Terra de amplo seio”; “Tártaro nevoento”; “Noite negra”; “Céu constelado”; “Ciclopes de soberbo coração” etc (Conf. Teogonia, 125-155). Este fator linguístico pode justificar a existência do panteão de deuses no universo grego. Muito diferente da nossa concepção atual de que o homem é agente UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 11 FILOSOFIA e causa de suas ações e objetivos, na Grécia arcaica entendia-se que os deuses eram os que estabeleciam e decidiam a sorte e as ações dos seres finitos. Por exemplo, Ájax, o segundo maior herói da Ilíada depois de Aquiles, de acordo com Sófocles, sente-se ultrajado com a decisão dos chefes gregos de que as armas de Aquiles, agora morto, deveriam ficar com Ulisses. É a partir desta situação que a peça composta por Sófocles sobre o Ájax ganha forma. Sófocles retrata um Ájax irado que se põe a /se vingar dos seus comandantes gregos. Contudo, entre a escolha de Ájax e a execução de seu plano, a deusa Atena, que já fora desprezada pelo herói de modo violento (hybris), intervém, priva Ájax da razão e, deixando-o completamente cego e enfurecido diante de sua própria ira, leva-o a matar e esquartejar alguns animais do rebanho como se fossem os chefes gregos. Percebe-se por esse exemplo que nem os heróis dominavam suas próprias forças e faculdades, e o que ocorreu a Ájax poderia sobrevir sobre outro personagem qualquer, pois o engano, a loucura, a cegueira etc. eram entendidas como forças próprias dos deuses, cuja partilha ocorria do modo que os deuses desejassem. Por exemplo, Éros (amor), Éris (rivalidade), Aidós (pudor), Apáte (engano), Áte (loucura), Lyssa (furor) são as forças efetivas em atividade, divinas ou cósmicas, no mundo grego arcaico. Mas com o surgimento da Pólis, tais forças são transformadas (transferidas) em forças próprias do homem. Então, não é mais um(a) deus(a) que maquina e pensa, mas o próprio homem. O ponto que mais denota a diferença (visão) estética, entre o mundo arcaico e o clássico (Grécia), é o uso e a importância das Musas. Notem a seguir a abertura das três mais antigas obras arcaicas de que se tem notícia no Ocidente: I) A Ilíada inicia-se com a seguinte evocação: “A ira, Deusa(Qea), celebra do Peleio Aquiles,/ o irado desvario, eu aos Aqueus tantas penas/ trouxe, e incontáveis almas arrojou no Hades (Ilíada, I, 1-3)”; II) A Odisseia começa assim: “Canta, ó Musa, o varão que astucioso,/ Rasa Ílion santa, errou de clima em clima,/ Viu de muitas nações costumes vários (Odisseia, I, 1-3)”; III) Hesíodo canta: “Pelas Musas heliconíades comecemos a cantar (Teogonia, 1)”. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 12 FILOSOFIA As divindades femininas representam, ao lado de suas genealogias, diversas forças da natureza que Zeus precisa controlar, e este é o único fator que leva Zeus a casar-se com tantas delas. Este fator se torna mais preciso quando se entende que as Musas simbolizam (as nove filhas de Zeus com Mnemosyse (Memória)) em conjunto com as Moiras (há duas linhagens) o poder de revelar a verdade (Musas) ou destino (Moiras), assim como ocultar a ambos. Aqui é preciso descrever as uniões do deus Zeus para que se entenda a ordem estética da cosmologia hesiódica. O mundo grego arcaico era concebido à semelhança de uma moeda brasileira de um real (redonda e achatada): a borda dourada representava o oceano; o centro, a terra onde habitava os homens. Hecateu de Mileto, geógrafo, algum tempo depois, desenhou o mapa do mundo e ele era realmente aparentado a uma moedinha de um real. Neste mundo, os limites periféricos (a região amarela da moeda) eram dominados por Okeanos. O miolo do mundo (Europa e Ásia divididas meio a meio), excetuando-se os mares e rios, que é representado pela parte cromada da moeda, é propriedade da deusa Terra (Gaia). Há ainda o deus Urano (Céu), que a tudo abarca. Excluindo-se os detalhes, vamos ao tema. As esposas de Zeus representam muito bem a concepção grega em torno da estética feminina e seus poderes. Os dois primeiros casamentos de Zeus são estratégicos do ponto de vista do controle das adversidades. A sua primeira esposa, Métis, filha de Okeanos (o que circunda a Terra), representa o poder de conhecer e UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 13 FILOSOFIA perceber tudo o que vem a ocorrer. Ora, Métis é filha do deus que circunda todo o firmamento. Este circundar, ao denotar a localização periférica de Okeanos, que é equidistante e comum ao centro, deve ser imaginado como uma espécie de poder que se faz presente, sempre, ao longo do círculo terrestre. Além do mais a região oceânica caracteriza-se por sua natureza instável e imprevisível, o que se configura como força que deve ser controlada. Sendo assim, a união com Métis é estratégica, com ela Zeus torna-se consciente do que poderia ter a marca de imprevisível.Com este consórcio, o seguinte regime entra em cena: não há algo que possa ser tramado sem que Zeus não tenha ciência. A segunda deusa com que Zeus se associa é Témis, filha do Céu e da Terra. Témis representa a harmonia celeste e as leis não escritas. Esta união é útil, porque Zeus vincula-se às leis mais primitivas do universo (movimento e estabilidade celestes) e concede ao seu reinado o ritmo (estabilidade) e a ordem (movimento) que sempre imperaram no cosmo. É com esta aliança que se originam as Horas e as Moiras. As primeiras são designadas Justiça, Equidade e Paz e seus nomes estão ligados à ordem política social e natural; já as Moiras simbolizam a fatalidade (destino) presente no mundo, que se manifesta para cada um como bem e mal. A terceira esposa de Zeus, Eurínome, irmã de Métis, representa a beleza aquática e afrodisíaca que pode se ligar ao amor ou a guerra. A quarta desposada é Deméter, outra divindade terrestre e irmã de Témis, porém o poder de Deméter vincula-se à fertilidade e à produtividade da Terra. A quinta esposa é Mnemosyne (Memória), e com ela Zeus associa seu poder à tradição divina que tem ciência do passado, presente e futuro. Com este matrimônio, Zeus garante que sua autoridade e seus feitos serão registrados e lembrados para sempre entre os deuses e os homens. Essa junção de poder e comunicação é o que garante a Zeus o Não esquecimento e o Ser presente de seu reino por todo devir, pois desse consórcio matrimonial nascem nove Musas: Calíope (Eloquência), Clio (História), Érato (Poesia), Euterpe (Música), Melpômene (Tragédia), Polímnia (Mímica), Terpsícope (Dança), Tália (Comédia), Urânia (Astronomia). É para estas musas que Hesíodo solicita auxílio quando inicia a Teogonia. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 14 FILOSOFIA Todos estes relatos sobre as facetas mitológicas, entretanto, referem-se exclusivamente à poesia de Hesíodo; outras versões sobre as mesmas façanhas olímpicas gregas, até as mais antigas, com certeza, vão apresentar variantes. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 15 FILOSOFIA Aula 03_Pensamento ocidental e a concepção de Estética. Definição de Estética. Em primeiro lugar deve-se entender que a palavra portuguesa estética é quase a transliteração em caracteres latinos do vocábulo grego de onde ela deriva: aísthesis(aisthsiV). Assim também ocorre em outras línguas modernas. Essa palavra significa, antes que lhe atribuamos qualquer conceituação teórica, sensação/ sentimento, e cobre a nossa interação diante de um objeto seja este qual for. A concepção de estética começa a ganhar contornos quando a associamos ao gosto, ao prazer ou ao desprazer que é causado por algo em nossa sensibilidade. Aqui já podemos notar que a palavra liga-se por vezes a uma sensação que podemos denominar agradável, por outras, a uma sensação desagradável. Sendo assim, quando temos uma sensação, tenha ela a tonalidade que for, a avaliamos junto a um juízo verbal ou mental que expressa a qualidade ou mesmo a quantidade de nossa sensação. Portanto, podemos dizer que em cada experiência que nos traz prazer ou dor emitimos um juízo em função do sentimento que denota nossa sensação. Este juízo que se relaciona com o prazer ou desprazer em uma sensação é o juízo de gosto. Mas, é aqui que entra o problema da estética. É o juízo de gosto algo simplesmente arbitrário (subjetivo) ou há algum elemento racional que o condicione? A resposta a essa questão é o próprio problema da estética, que surge quando se pretende saltar da concepção de uma mera sensação, causada por um determinado objeto, para o problema da emissão do juízo [de gosto] em torno da sensação. A estética, enquanto disciplina autônoma (sem interferências de outras matérias científicas e concepções doutrinárias), só surge no século XVIII com o alemão Alexander von Baumgarten que a concebe de diversas maneiras, dentre elas, como lógica das faculdades inferiores do conhecimento, filosofia das Graças e Musas, arte do pensar, arte do análogo da razão, ciência do belo etc. Há um longo percurso até Baumgarten, por isso, vamos por partes. Concentraremo-nos para apresentar um resumo sobre a história em torno do conceito de estética. Porém, em virtude do espaço e, por se tratar de um curso UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 16 FILOSOFIA introdutório, salientamos que não temos a pretensão de apresentar todos os reveses que envolvem a disciplina; por outro lado, destacamos que o que será oferecido é fruto de escolhas arbitrárias, cujos temas são mais próximos de nossos interesses de estudo. Também convém ressaltar que grande parte do patrimônio (obras, textos, pinturas, arquiteturas etc) vinculado à história do pensamento estéticoencontra-se fora deste material. Para ser específico, convidamos a todos para deleitaram-se com as obras que se encontram em filmes, peças de teatro, museus, galerias, bibliotecas, e instituições (muitas delas fora do nosso país). A despeito disso, elencaremos na sequência as principais divisões históricas ligadas à concepção estética e à arte como um todo. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 17 FILOSOFIA Aula 04_Pré-socráticos. Ordem racional é ordem estética? Há estética nos pré- socráticos? Os pré-socráticos inventaram a própria ideia de ciência e filosofia, pois passaram a olhar para o mundo de modo científico e racional. Viam o mundo como algo ordenado e inteligível, cujos eventos obedeciam a um desenvolvimento explicável, uma vez que suas diferentes partes poderiam ser organizadas em algum sistema inteligível. O mundo não era uma reunião aleatória de partes, tampouco sua história uma série arbitrária de eventos. Menos ainda era uma série de eventos determinados pela vontade – ou capricho – dos deuses. Os pré-socráticos, dadas estas indicações, passaram a facultar a participação dos deuses em seu mundo novo, e alguns deles buscaram uma teologia mais aprimorada, racionalizada, para colocar no lugar das divindades antropomórficas do panteão olímpico. No mais, como não podia deixar de ocorrer, retiraram dos deuses alguns dos atributos tradicionais. O trovão foi explicado cientificamente, em termos naturalistas e deixou de ser o ruído produzido por um Zeus ameaçador. Íris era a deusa do arco-íris, mas Xenófanes insistia em que ela, ou o arco-íris, nada mais era na realidade do que uma nuvem multicolorida. Mais importante, os deuses pré- socráticos – a exemplo dos deuses de Aristóteles e mesmo daquele de Platão – não interferem com o mundo natural. A estética teológica perde seu estatuto e em seu lugar surge uma estética cosmológica, que pretende explicitar os fenômenos do mundo por eles mesmos. O mundo obedece a uma ordem sem ser governado pelo divino. Sua ordem é intrínseca: os princípios internos da natureza são suficientes para explicar-lhe sua estrutura. Os acontecimentos inerentes à história do mundo não são meros acasos para serem somente registrados e admirados esteticamente de forma desinteressada. São eventos estruturados que se encaixam e se interligam mutuamente. E os padrões de suas interligações fornecem o relato verdadeiramente explicativo do mundo. Aristóteles apresenta na Metafísica um breve relato da história primitiva da filosofia grega. O tema é discutido exclusivamente em termos de explicações ou causas. O próprio filósofo sustentava existirem quatro modalidades diferentes de explicação (ou quatro causas) e considerava que estas haviam sido paulatinamente descobertas, uma a uma, por seus predecessores. A história da filosofia era, assim, a UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 18 FILOSOFIAhistória da apreensão conceitual dos eventos da própria natureza. O registro aristotélico dessa história tem sido criticado como tendencioso e parcial. Em essência, porém, Aristóteles está correto; seja como for, é no desenvolvimento da noção de explicação que podemos perceber um dos traços fundamentais da filosofia pré- socrática e de uma nova visão estética sobre o mundo. As explicações pré-socráticas são marcadas por uma série de características. Sãointernas: explicam o universo a partir de dentro, em termos das próprias características que o constituem, sem apelar para intervenções arbitrárias oriundas de fora. São sistemáticas: explicam a soma total dos eventos naturais empregando os mesmos termos e os mesmos métodos. Assim, os princípios gerais em cujos termos buscam elucidar as origens do mundo são também aplicados às explicações dadas a terremotos, tempestades de granizo, eclipses, enfermidades ou nascimentos monstruosos. Finalmente, as explicações pré-socráticas são econômicas: empregam poucos termos, exigem poucas operações e assumem poucas incógnitas. Anaxímenes, por exemplo, imaginou explicar tudo em termos de um único elemento material (o ar) e um par de operações coordenadas (rarefação e condensação). O mundo natural exibe uma multiplicidade de fenômenos e eventos, que devem ser reduzidos à ordem conceitual. A ciência possui, atualmente, nomenclatura própria e seu próprio corpo de conceitos específicos – massa, força, átomo, elemento, tecido, nervo, eclíptica etc. A terminologia e equipagem conceitual não caíram dos céus: precisaram ser inventadas. Os pré-socráticos estão entre os primeiros inventores. Sem dúvida, a própria tentativa de oferecer explicações científicas pressupõe determinados conceitos; e a continuidade da tentativa determinará o nascimento de outros conceitos. O processo não terá – ou nem sempre terá – um caráter autoconsciente. Nem sempre os cientistas dirão a si mesmos: “Eis aí um fenômeno curioso, precisamos elaborar novos conceitos para compreendê-lo e divisar novos termos para expressá-lo”. Contudo, a formação de conceitos, e o consequente desenvolvimento de um vocabulário técnico, é um constante exercício científico. Vamos a alguns exemplos. O conceito de universo (mundo) é designado pelo termo grego kosmo, palavra que dá origem a termos correlatos como cosmo e cosmologia. E os pré-socráticos delimitaram as primeiras definições do conceito. O substantivo kosmo deriva de um UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 19 FILOSOFIA verbo cujo significado é ordenar, arranjar, comandar – é utilizado por Homero em referência aos generais gregos que comandam suas tropas rumo à batalha. O kosmo, portanto, é um arranjo ordenado. Mas, mais que isso, é um arranjo dotado de beleza, pois o termo, no grego prosaico, significava não apenas ordenação, como também adorno (daí o temo moderno cosmético), algo que embeleza e é agradável de ser contemplado. O cosmos é o universo, a totalidade das coisas. Mas é também o universo ordenado e o universo elegante. O conceito de cosmos apresenta, portanto, um aspecto estético: harmonia, movimento, perfeição. O segundo termo physis, ou natureza, deriva de um verbo cujo significado é crescer. A importância do conceito de natureza reside parcialmente no fato de introduzir uma clara distinção entre o mundo natural e o artificial, entre as coisas que se desenvolvem e aquelas que foram fabricadas. Mesas, carroças e arados (e possivelmente as sociedades, as leis e a justiça) são artefatos, pois concebidos e fabricados por projetistas, logo, não são naturais. Árvores, plantas e serpentes etc., por outro lado, não são fabricadas, portanto, não são artefatos, mas, sim, objetos naturais, uma vez que crescem. Todavia, a distinção entre o natural e o artificial (em grego physis e techné) não esgota o significado do conceito de natureza. Em um determinado sentido, o vocábulo natureza designa uma soma de objetos e eventos naturais; nesse sentido, discorrer sobre a natureza significa abordar o mundo natural em sua totalidade. Então, physis e kosmo passam a significar a mesma coisa. Em outro sentido, porém, e mais importante, o termo se presta para denotar algo próprio, a existência de cada objeto natural. Quando os pré-socráticos investigavam a natureza, estavam investigando a natureza das coisas. Qualquer objeto natural – tudo que não é fabricado – possui uma natureza própria. A natureza do objeto é uma feição intrínseca dele, e uma característica sua essencial – não um fato acidental ou casual. Ademais, é uma característica explanatória: a natureza de um objeto explicaria por que ele se comporta de determinada maneira e o porquê das diversas propriedades causais que apresenta. Todos os cientistas estão interessados, por assim dizer, na natureza das coisas. Um químico investigando alguma substância – o ouro, por exemplo – preocupa-se em identificar as propriedades intrínsecas ou básicas do ouro, em cujos UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 20 FILOSOFIA termos suas demais propriedades possam ser explicadas. Talvez as propriedades básicas do ouro sejam aquelas associadas ao seu peso atômico. Tais propriedades explicariam, então, porque o ouro é maleável e dúctil, porque é macio e amarelo, porque se dissolve em ácido sulfúrico etc. O químico está buscando as propriedades fundamentais do ouro, sua essência – sua natureza. A natureza é um princípio e origem de seu próprio desenvolvimento. A noção de princípio e origem coloca-nos diante de um terceiro termo pré-socrático: arché. A palavra foi empregada primeiramente por Anaximandro. É um termo de difícil tradução. Seu verbo cognato tanto pode significar começar, iniciar, como reger,dirigir. Um princípio é, portanto, um início ou origem, e também uma regra ou princípio diretor. A investigação acerca dos princípios encontrava-se, desta forma, intimamente associada à cosmologia, bem como à física abstrata ou química. Os princípios do universo incluiriam sua matéria ou matérias básicas. Evidentemente, porém, tudo deve derivar da matéria ou das matérias básicas do universo. Por conseguinte, investigar os princípios do cosmo significa investigar os componentes fundamentais de todos os objetos naturais. O quarto exemplo é o conceito de lógos. O termo é de tradução mais difícil e é cognato do verbo legein, que normalmente significa enunciar ou afirmar. Assim, umlógos é, por vezes, ou algum enunciado ou afirmação. O termo, contudo, possui um significado mais rico. Apresentar um lógos ou um relato de algo é explicá-lo, i.e., dizer por que algo é de determinada forma. Lógos é a razão de algo ser. Quando Platão afirma que um homem inteligente é capaz de apresentar um logos das coisas, quer dizer não que um homem é capaz de descrever coisas, mas sim que é capaz de explicar ou apresentar a razão das coisas. Por consequência, por uma transferência inteligível, lógos passa a ser empregado para designar a faculdade através da qual apresentamos razões, i.e., a razão humana. Qual será, então, o fundamento da afirmativa de que os pré-socráticos foram defensores da razão e da racionalidade? O fundamento é o seguinte: eles apresentavam razões para suas opiniões e argumentavam em favor de suas doutrinas. Isso talvez possa parecer um feito irrelevante. Mas, ao contrário, é uma realização extremamente relevante e digna. Os que duvidam do fato deveriam refletir UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 21 FILOSOFIA sobre a máxima de George Berkeley (filósofo do século XVIII): “Todo homem tem opiniões, mas poucos são os que pensam”. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 22 FILOSOFIA Aula 05_Aristófanes. A estética e a moral: entreHomero e Eurípides. Em Homero, o homem não é consciente de suas escolhas e pensamentos, por isso, sua ação transcorre e acontece espontaneamente sem que ele se atenha a qualquer dúvida moral. O que calha com o homem homérico e lhe ocorre como pensamento tem uma causa externa. Por conseguinte, no mundo homérico, o homem aparece sem queixas ou hesitações, uma vez que não há o peso da responsabilidade pelo que envolve noções de justo ou injusto. O Aquiles e os demais heróis do mundo de Homero não têm consciência psicológica de suas escolhas, por isso, também não sofrem as mazelas da ingenuidade. Eles são inspirados pelos deuses. Notem o trecho em que Atena surge a Aquiles irado: “Ou arranca do flanco a espada pontiaguda/ e afastando os demais abate o Atreide no ato,/ ou reprime o furor (...). Então, do céu, Atena desce (...)” e diz “Descendo do alto céu, para acalmar-te a ira/ (se acaso me obedecerdes), vim (...). Vamos, para essa briga. Deixa a espada.” (Ilíada, I, 190-210) Em Eurípides, surge a concepção de consciência humana e ela se manifesta em forma de moral, pois há uma decisão que atribui valor tanto ao que foi negado quanto ao que foi escolhido. Além de que o caso que se liga à escolha de Medeia envolve um conflito totalmente humano, não há deuses, semideuses e heróis no pleito em jogo. Há somente mortais e seus conflitos passionais. A Medeia de Eurípides, portanto, inaugura um novo estilo de tragédia, cujo escopo envolve duas temáticas principais, uma representada pelos conflitos estritamente humanos e a outra pela noção de consciência psicológica e individual. Sendo assim, a Medeia, além de ser uma figura passional, tem sentimento de justiça. Notem o sinal de consciência em Medeia: “Sim, lamento/ o crime que vou praticar, porém maior/ do que minha vontade é o poder do ódio,/ causa de enormes males para nós, mortais.” (Medeia, 1226-29) Aristófanes, escritor de tragédias, inserido entre os séculos V-IV a.C. e contemporâneo de Ésquilo, Eurípides e Sócrates, testemunha a mudança de paradigma que está em curso nas letras de seu tempo, tanto é assim, que ele se manifesta, enquanto literato, sobre a questão. Para ele, tanto a visão estética quanto a moral do homem grego encontra-se em um estado de completo desastre, pois está sendo corroída por usurpadores dos bons costumes. Dentre os usurpadores, Aristófanes destaca Eurípides, os Sofistas e Sócrates. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 23 FILOSOFIA Aristófanes está assim, porque é um adepto da tradição moral cindida entre deuses e homens, na qual cada um desempenha seu papel sem qualquer atribulação. Ele não quer que os costumes gregos, que estão sancionados na religiosidade cívica e familiar, deem lugar a um homem consciente moralmente de suas escolhas. A moral de Aristófanes condecora o modelo de mundo proposto por Homero e o drama de Medeia, para ele, acaba por profanar os valores aceites e a fé tradicional, cujos temas fornecem arquétipos para o cidadão grego. A questão de preferência pela moral vincada nos deuses e na tradição, como é o caso a de Aristófanes, ou pela moral assente na consciência individual, como Medeia a apresenta, é um problema que pode muito bem ser visto como um fator estético sobre a ordem do mundo. De um lado, podemos nos perguntar por quem dá o bem e o mal, de outro, podemos questionar sobre quem faz o bem e o mal. Ambas as prerrogativas envolvem inclinações (desejos e escolhas) e percepções (sensações) individuais sobre o modo como alguém quer que o mundo se apresente (funcione). Melhor dizendo, envolve a percepção do que agrada ou é visto como desgraça. Nietzsche, em relação à estética, vai recusar o projeto de homem que está por trás da Medeia de Eurípides. Para o filósofo, esta espécie de literatura representa o declínio do homem grego e a decadência da poesia e da arte. No entanto, enquanto Aristófanes concebe Eurípides e Sócrates como imoralistas que corrompem a virtude grega, Nietzsche os vê como moralistas que submetem tudo ao espírito teórico e nada deixam de destruir. A alusão de Aristófanes, presente nas Rãs, de que a tragédia morre com Eurípides pode ser vinculada à percepção nietzschiana, mas devem-se guardar as devidas distinções teóricas, pois enquanto Aristófanes acusa Eurípides de imoral, Nietzsche o vê como um moralista decadente, um espírito fraco. Aristófanes diz, quando do aparecimento da racionalidade: “É melhor não estar de cócoras junto de Sócrates e tagarelar, rejeitando a arte e abandonado as alturas da poesia trágica”. Nietzsche, por outro lado, asseverava que a grandeza da tragédia primitiva se encontrava junto ao espírito da música e aos poderes míticos que ele denominava, respectivamente, de dionisíaco e apolíneo. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 24 FILOSOFIA UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 25 FILOSOFIA Aula 06_Grécia – períodos arcaico (séculos XII – VI) e clássico (séculos e V – IV). Período arcaico A época arcaica cobre o período entre os séculos XII – VI antes da era cristã. É neste intervalo de tempo que se elaboram histórias (epopeias) ligadas à tradição oral que, no século VI, Homero compilará sob os nomes de Ilíada e Odisseia. A seguir surgem as obras de Hesíodo. Depois do período arcaico inicia-se o clássico (entre os séculos V – IV a.C.), época em que a escrita em prosa atinge seu desenvolvimento máximo com os filósofos Platão e Aristóteles no século IV. Mas antes do século IV, a escrita já fora bem exercida pelos poetas trágicos, dentre eles se destacam Sófocles, Ésquilo, Eurípides, Aristófanes etc. Aristófanes afirma que a tragédia em sua boa forma morre com Sócrates, que representa o nascimento da racionalidade filosófica. Então, para o trágico Aristófanes, o surgimento do pensar racional, incutido com o ímpeto especulativo (teórico), provoca a derrocada de um mundo autêntico e dá lugar a um cosmo corrompido pela filosofia. Se há uma [visão] estética antes da filosofia teórica, que toma forma em Platão, essa visão estética, genericamente, manifestou-se de duas formas, ao menos, na poesia arcaica e na tragédia. Aos aedos, Homero e Hesíodo pertencem à poesia arcaica; aos poetas trágicos, eles pertencem ao mundo representado pelo teatro grego. E ambos os grupos dão-nos mostra de suas concepções estéticas da natureza e do homem, em particular. A concepção estética do mundo grego arcaico está ligada ao canto e ao feminino. Se o canto naquela tradição oral é a única forma autêntica de transmissão de conhecimento entre as gerações, por sua vez, as divindades fêmeas são as únicas figuras do universo que podem fazer o aedo recitar o canto verdadeiro. Assim, as Musas surgem para Hesíodo na Teogonia: “Pastores agrestes, vis infâmias e ventres só,/ sabemos muitas mentiras dizer símeis aos fatos/ e sabemos, se queremos, dar a ouvir revelações (trecho: 26-8)” e no trecho 36-9, Hesíodo congratula-se com elas: “Eia! Pelas Musas comecemos, elas a Zeus pai/ hineando alegram o grande espírito no Olimpo/ dizendo o presente o futuro e o passado/ vozes aliando.” Período clássico grego. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 26 FILOSOFIA O período clássico grego tem seu auge no século V, que é conhecido pelo regime de Péricles. É neste mesmo transcurso de tempo em que viveram Platão e Aristóteles – dois dos maiores filósofos da história do pensamento ocidental. Estes pensadores se inserem na discussão em torno da arte e do belo. Mas, cada um deles entende a questão da composição artística e por extensão da imitação (mímesis) de modo distinto. Contudo, ofereceremos abaixo uma síntese de algumas das manifestações artísticas do período em questão,pois as teorias desses autores serão exploradas em outras aulas. Sobre a representação trágica. A questão do feminino, que antes foi abordada segundo a concepção de Hesíodo, agora, será abordada pela ótica de Eurípides, contemporâneo de Sófocles, natural de Salamina (ilha próxima de Atenas). Eurípides nasceu possivelmente em 485 a.C., morreu por volta de 406 a.C. e compôs, de acordo com as fontes, perto de 92 peças, mas nos restam somente 19. A peça que analisaremos é Medeia, texto que para muitos comporta um tema recusável e expugnável, mas o aspecto moral a princípio não nos interessa. O tópico da peça, que causa comoção, é Medeia assassinar os próprios filhos para vingar-se do marido Jasão. Ela decide dar cabo das crianças, porque ela se sentiu ultrajada pelo esposo, que a trocou por outra mulher depois de tudo que ela fez por ele. Medeia mata os filhos? Sim. Ela é culpada? Provavelmente, sim. Jasão a ultrajou? Sim. Medeia sabia o que estava fazendo ao maquinar matar os filhos, o rei Creonte e a filha dele (nova esposa de Jasão)? Sim. É com esta última questão que desenvolveremos nosso assunto. Eurípides, ao escolher Medeia como assassina dos filhos, escolhe também condecorá-la com as prerrogativas da dissimulação e da decisão– atributos que pertencem somente aos deuses, na literatura da época. Até a peça Medeia de Eurípides não havia personagem grega humana que houvesse executado tal ação sem o consentimento dos deuses, ou mesmo sem auxílio divino. Medeia, a pobre louca (trecho: 1085 e ss.: infanticida infame), como Jasão a qualifica, é dona de si e de sua decisão. É uma mulher geniosa que controla seu daimon (espírito, gênio, demônio), ela sabe o que faz: “Que ninguém me julgue/ covarde, débil, indecisa, mas perceba que pode haver diversidade no caráter: terrível para os inimigos, e benévola para os amigos. Isso dá mais glória a vida (trecho: 923-27).” UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 27 FILOSOFIA Outras notas sobre Medeia: ela foi traída e trocada por outra? Sim. Seu esposo Jasão obteve o sucesso nas provas sobre-humanas por causa dela? Sim. Ela foi expulsa da cidade por causa da nova união do esposo com a princesa e por ser temida por Creonte? Sim. Eis alguns trechos da peça Medeia que nos ajudam a diferenciá-la da concepção arcaica de como eram as ações humanas: “Das criaturas todas que têm vida e pensam,/ somos nós mulheres, as mais sofredoras./ De início, temos de comprar por alto preço/ o esposo e dar, assim, um dono a nosso corpo/ – mal ainda mais doloroso que o primeiro./ Mas o maior dilema é se ele será mau/ ou bom, pois é vergonha para nós, mulheres,/ deixar o esposo (e não podemos rejeitá-lo) (258-265)”.// “Vezes em número a mulher é temerosa,/ covarde para luta e fraca para as armas;/ se, todavia, vê lesados os direitos/ do leito conjugal, ela se torna, então,/ de todas as criaturas a mais sanguinária (298-302)”.// “Que ninguém me julgue/ covarde, débil, indecisa, mas perceba que pode haver diversidade no caráter: terrível para os inimigos, e benévola para os amigos. Isso dá mais glória à vida (923-27).”// “Não volto atrás de minhas decisões, amigas;/ sem perder tempo matarei minhas crianças (1411-12).”// “Já se consumam as intenções divinas e as maquinações de minha mente e seus terríveis pensamentos (1148-1150).”// “Vai, minha mão detestável!/ Empunha a espada! Empunha- a! Vai pela porta que te encaminha a uma existência deplorável,/ e não fraquejes! (1420-23).” O texto de Eurípides nos faz ver que o mundo arcaico cantado por Homero e Hesíodo, em que os deuses interferem nas atividades humanas, está sendo deixado para trás e uma nova forma de avaliar as ações humanas está em elaboração. Um mundo balizado por ações boas (belas) ou más (feias) é foco do século V a.C., que conjuga noções éticase estéticas em um único domínio: a práxis humana. A cosmologia está cedendo o lugar para a filosofia. Sobre pintura. Em 399 a.C., Xenofonte – historiador e filósofo contemporâneo de Sócrates – acompanhou Ciro à Ásia em busca de Artaxerxes II. Mas a sua participação nesta campanha militar, liderada por Esparta, custou-lhe o banimento de Atenas. É nesta época que Xenofonte escreve as Memoráveis, obra que afirma que os estados de espírito (aquilo que não se vê) podem ser retratados em pinturas. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 28 FILOSOFIA É Sócrates, no diálogo de Xenofonte, que conduz o artista Parrásio a vislumbrar a possibilidade de se pintar as expressões da alma que “não tem proporção, nem cor, nem nada”. Há um elemento neste diálogo que pode suscitar incomodo e que só salta aos olhos do leitor atento: é o filósofo, uma pessoa que estuda como a natureza humana opera, que tem condições de ensinar ao artista como se manifestam as paixões da alma no humano. Dessa forma, o pintor terá condições de retratar além do que ele vê, ou seja, ele se torna apto a pintar o que é da ordem do humor e dos sentimentos. Mas não será mais ou menos assim ao longo da história da arte, um filósofo teoriza a respeito das proporções[1] e o artífice, executor zeloso, estuda o assunto para depois proceder à obra de arte. Ou será que a arte não depende de especulação e tudo é arte? No diálogo de Xenofonte, Sócrates, o filósofo, pergunta a Parrásio, o artista, se não é imitável a face do homem que olha de forma amistosa ou hostil, questão a qual o artista diz, sim, depois de ter hesitado. Eis o trecho do diálogo: S. – “E então, imitais o caráter da alma, o mais persuasivo, doce, amável, querido e desejável? Ou isso não é imitável?”/ P. – “Ó Sócrates”, perguntava ele, “como seria imitável o que não tem proporção, nem cor, nem nada do que a pouco mencionaste – o que em suma não é visível?”/ S. – “Mas o homem não olha para os outros de forma amistosa ou hostil?”/ P. – “Parece-me que sim”, disse./ S. – “E isso não se pode imitar nos olhos?”/ P. – “Certamente”, respondeu./ S. “Parecem-te semelhantes as faces dos que se importam e as dos que não se importam com as alegrias e tristezas dos amigos?”/ P. – “Por Zeus, é claro que não”, disse, “com alegrias ficam radiantes, com tristezas, sombrias.”/ S. – “Portanto, não é também possível reproduzir semelhantes coisas?”/ P. – “Certamente”, disse ele. [1] Consultar, por exemplo, as obras dos seguintes teóricos: Vitrúvio, Leon Battista Alberti, Leonardo da Vinci, Jean-Baptiste Du Bos, Jean Auguste Dominique Ingres etc. Aula 07_Grécia – período helenístico (séculos III – I a.C.) Sobre escultura. A arte grega sofre grandes alterações no período helenístico. Se no século V a.C., auge da cultura clássica grega, o artista, em seu ofício, preocupava-se em impor https://campus20192.unimesvirtual.com.br/mod/page/view.php?id=63036&inpopup=1#_ftn1 http://campus20191.unimesvirtual.com.br/#_ftnref1 UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 29 FILOSOFIA ao espectador conceitos claros de harmonia e refinamento, após o império de Alexandre Magno, o gênio artístico pretende demonstrar efeitos dramáticos em suas representações. Na estética helenística, o artista pela primeira vez busca incorporar e, ao mesmo tempo, transmitir em conjunto as sensações de movimento dos corpos e suas paixões. Agora se pode notar tanto o desespero quanto as dores nas figuras compostas. A imagem deixa de ser estática, embora nunca fosse rígida; há a ideia de esforço e tensão musculares nas obras helênicas. Não obstante, deve-se observar que em ambas as formas de representação artísticas gregas dos períodos clássico e helênico, o ideal de perfeição está presente. Se nos séculos V e IV a.C. a perfeição era ideiada com base na harmonia e leveza de espírito, a perfeição estética helênica, dos séculos III a I a.C, quer transmitir o máximo possível das virtudese ânimos (esforços da alma) das ações retratadas. O renascimento italiano saberá muito bem se utilizar destas duas escolas artísticas da Grécia antiga, e o século XVII também, tanto que Bellori (teórico do século XVII), ao se confrontar com os maneiristas e naturalistas, assevera que se deve estudar e consultar os antigos. Segundo Gombrich (1988), a arte helenística, ao deixar de se ater tão estreitamente aos aspectos religiosos, passa a executar temas em que se mostra pela primeira vez como arte enquanto arte. O artista ousa ultrapassar os estritos limites estéticos impostos pelo ideal clássico de perfeição do século V, ligados à representação harmônica e equilibrada, para mostrar com seu empenho figuras forjadas com a expressividade autentica dos homens. As paixões começam a se impor na representação artística. A seguir, apresentamos três imagens de esculturas que mostram a diferença entre os séculos ligados à era clássica e ao período heleno. Outro fator não menos relevante relaciona-se com as conquistas de Alexandre. Após e durante o império alexandrino, a arte grega, que antes se limitava aos aspectos sociais e políticos das cidades Estados gregas, teve que se reconfigurar diante das obras encontradas nas novas capitais tomadas por Alexandre. O artífice grego foi desafiado em seu gênio criador e, como se pode vislumbrar por meio das artes do período helenístico, mostrou-se habilidoso. A seguir, vamos comparar duas concepções estéticas ligadas ao mundo grego clássico e ao helênico. A primeira figura é de Praxíteles, artista do século V, clássico, UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 30 FILOSOFIA conhecido por sua excelência em esculpir formas próximas das ideais. Na obra de Praxíteles é possível captar personagens que se portam de modo solto e descontraído, pois não há demarcações austeras entre as diversas ligações dos membros do corpo, assim como não se encontram distorções ou exageros em qualquer das partes do corpo. Não obstante, as articulações mais importantes do corpo sejam destacadas. Outro elemento dessas obras salta aos olhos quando se observa as cabeças dessas estátuas, elas não são inexpressivas, embora não apresentem fortes emoções. Há uma harmonia das proporções todas, como Vitrúvio exaltará no século I. Notem a imagem de uma obra atribuída a Praxíteles: Praxíteles: Hermes com o jovem Dionísio, cerca de 350 a.C. Olímpia, Museu. Em fins do século IV, entretanto, as concepções exaltadas e formalizadas por meio da obra de Praxíteles foram sendo substituídas por outras, que aos poucos buscavam apresentar a fisionomia geral do indivíduo, que estava sendo retratado. É o início do Helenismo. No altar proveniente de Pérgamo, por volta de 170 a.C., podemos analisar, por exemplo, que o artista minuciosamente preocupou-se em dar forma aos movimentos UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 31 FILOSOFIA dos personagens, tanto quanto dar a impressão do horror sentido pelos Gigantes frente à ira dos deuses. A violência, a dor, o desespero acompanhados de atitudes desajeitadas aparecem na obra. Além do mais, as vestes apresentam o efeito do vento. Dois detalhes do Altar de Pérgamo, erigido por volta de 170 a.C. A representação de Laocoonte (sacerdote troiano) e seus filhos, aproximadamente 25 a.C., mostram-nos o vigor das forças físicas sendo levadas ao extremo nos traços da musculatura. Também percebemos a sensação de dor e sofrimento que é causada pela expressividade exacerbada das faces. Há um caso de horror em ação que é sofrido pelas personagens. No mais, a escultura retrata uma cena, também presente na Eneída de Virgílio, na qual o sacerdote Laocoonte e seus dois filhos são alvo dos deuses irados, os quais veem seus planos de pilhagem de Troia fracassar por causa da advertência de Laocoonte aos troianos para não aceitar o cavalo de madeira grego, pois ele vislumbrava alguma maquinação militar.. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 32 FILOSOFIA Laocoonte e seus filhos.Grupo de mármore proveniente da oficina de Hagesandro, Atenodoro e Polidoro de Rodes. Cerca de 25 a.C. Vaticano, Museu. É nesta época em que as pessoas começam a colecionar obras de arte e muitas vezes solicitam cópias, quando as originais não podem ser adquiridas. É graças a esses colecionadores que temos algumas réplicas das obras antigas. Pois, com o advento do ideal cristão, alguns séculos mais tarde, muitas obras são destruídas pelo movimento conhecido por iconoclastia. Desta época helênica temos o tratado de Vitrúvio (século I a.C.), que fora descoberto apenas no século XV de nossa era. A seguir eis alguns detalhes. Marco Vitrúvio Pollio (século I a.C.) escreveu um tratado de arquitetura, Da Arquitetura, que é a única obra do estilo que resistiu ao tempo, apesar de ter sido esquecida na Idade Média. No século XV, os italianos e franceses tomam contato com a obra de Vitrúvio e a exaltam. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 33 FILOSOFIA O que o arquiteto propõe em seu texto, que causa tanta balbúrdia, diz respeito à ideia de bene figuratus (boa conformação). Este princípio menciona que há uma relação entre as proporções idealizadas na boa arquitetura e as proporções próprias do homem. Esta associação entre as proporções difundiu-se no ocidente desde o século XV (Leonardo da Vinci utilizar-se-á muito da obra de Vitrúvio), quando o texto ressurgiu, perdurou até o final do século XIX e influenciou o modo de representar a figura humana. “(...) Pois não pode templo algum, sem simetria e proporção, ter uma disposição harmoniosa se não apresentar a exata proporção dos membros de uma pessoa bem modelada.” e “De fato, se se colocar uma pessoa deitada de costas com as mãos e os pés estendidos e se estabelecer o centro de um círculo em seu umbigo, traçando-se a circunferência, ela tocará a linha dos dedos de ambas as mãos e dos pés. Assim como se traça a figura de um círculo no corpo, encontrar-se-á nele a forma de um quadrado (...).” (Da Arquitetura, III, 1). UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 34 FILOSOFIA Aula 08_Itália – período renascentista (século XV). A primeira divisão das Artes Liberais comportava nove artes e foi feita por Varrão no século I d.C., que considerou como ars libris: gramática, retórica, lógica, aritmética, geometria, astronomia, música, arquitetura e medicina. Esta divisão, excetuando-se a retórica, que era ligada à ação, comporta a concepção aristotélica de que só é arte (leia-se técnica) o objeto de produção. A produção para Aristóteles envolve certo hábito (execução/ ethos) associado à razão. Ele propôs a seguinte divisão do saber: o científico, que envolve necessidade (que não pode ser de outra maneira) e; o ligado ao possível, que envolve ou a ação ou a produção. As artes (técnicas) encontram acondicionadas no saber possível da produção. No século V da Idade Média, as Artes Liberais foram redivididas por Marciano Capela em sete, organizadas em dois subconjuntos o Trivium, que comporta gramática, retórica lógica, e o Quadrivium, que abarca aritmética, geometria, astronomia, música. A pintura não se encontra em nenhuma das duas propostas, pois era uma arte (técnica) servil ao invés de livre. As Artes Liberais (livres) eram próprias dos homens livres que despendiam de tempo para apreciá-las e estudá-las. A pintura por ser um trabalho manual foi considerada uma ars servilis – assim a denominou Tomás de Aquino. A poesia, ao contrário, por envolver as letras e a gramática era uma ars libris de homens educados. O século XV, imbuído de retratar perfeitamente o homem, descobre o corpo. Primeiro será Alberti que explorará os movimentos e estabilidadesdos corpos em ação, a seguir surge Da Vinci que se propõe a apresentar as minúcias anatômicas do corpo. Mas ambos preocupam-se com a silhueta da fisionomia das paixões. Esta época busca revigorar a concepção de arte clássica grega, que primava pela perfeição. Mas, neste ponto, os artistas se beneficiam do conhecimento matemático ligado às proporções e das investigações anatômicas. Leon Battista Alberti foi arquiteto e escreveu um tratado sobre a representação artística da figura humana no século XV que se tornou obra de referência. Alberti buscava explicitar como se porta o corpo humano, com suas musculaturas e ossos, quando parado ou em movimento. Para ele, era importante o artista saber apresentar os esforços do corpo com maestria. Pois o corpo, estático ou em ação, requisita uma UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 35 FILOSOFIA determinada musculatura para expor seu esforço. Fora estas exigências, Alberti adverte que se deve saber retratar os aspectos fisiognômicos, pois para cada sintoma presente na alma corresponde a uma expressão de dor ou alegria. Faz a natureza com que choremos com os que choram, riamos com os que riem e soframos com os que sofrem. Mas os movimentos da alma são conhecidos pelos movimentos do corpo. Vemos como as pessoas tristes, a quem a preocupação aflige e o pensamento assedia, mantendo-se lentos e preguiçosos, com seus membros pálidos e mal seguros. Os melancólicos têm testa franzida, a cabeça lânguida; todos os membros descaem como se estivessem cansados e descuidados. Nos irados, porém, a ira, incitando a alma, intumesce de cólera os olhos e a face e os incendeia de cor; todos os membros, quanto maior é a fúria, mais se atiram em ousadia. Nos homens alegres e felizes os movimentos são livres e com certas inflexões agradáveis. (Da pintura). Toda essa leitura de Alberti sobre como interpretar os aspectos dos corpos humanos será utilizada e nutrirá o desejo artístico até o século XIX, que busca em suas retratações expor tanto a coerência interna em conexão com a externa quanto as expressões dos afetos. Alberti pode ser considerado como o herdeiro teórico dos gregos, pois ele pretende identificar o belo e o perfeito em sua representação estética. Leonardo da Vinci – sobre Anatomia e Arte Leonardo da Vinci foi um grande anatomista, a despeito de ser um grande pintor. Seus desenhos sobre os detalhes da máquina humana são fundamentados em dissecações explanatórias que ele procedeu em diversos cadáveres. Para Da Vinci, o artista tem de conhecer cientificamente e não apenas visualmente o corpo humano, tanto que ele recomenda que se utilize do conhecimento sobre o corpo advindo das técnicas do esfolado (isolar as partes do corpo). Essa técnica foi utilizada na exploração de cadáveres e, com ela, Da Vinci pretendia localizar e detalhar as menores estruturas que compõem o corpo como, por exemplo, as artérias, tendões, ligamentos etc. Todas essas intervenções estavam ligadas à ideia de perfeição UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 36 FILOSOFIA clássica, pois para se retratar com precisão o corpo era “(...) necessário que o pintor conhecesse a anatomia dos nervos, ossos, músculos e tendões, a fim de saber, em cada esforço ou movimento, quais tendões ou músculos foram a sua causa (...).” Eis um esboço de Da Vinci de algumas partes do corpo humano: Estudos anatômicos, Leonardo da Vinci, 1510. Castelo de Windsor, Biblioteca Real. Da Vinci justifica o uso de cadáveres em suas investigações: (...) eu para obter verdadeiro e pleno conhecimento, desfiz mais de dez corpos humanos, destruindo todos os outros membros, removendo as mínimas partículas de carne que em torno a essas veias se encontravam, sem sangrá-las, (...) e como um só corpo não durava muito tempo, era preciso gradativamente proceder em muitos corpos (...). Outro fator que Da Vinci exalta é a ideia de proporção e, para bem representá- la, estudou a obra de Vitrúvio. No século I, Vitrúvio elaborou um padrão de medida para delimitar as construções arquitetônicas, que é conhecido por bene figuratus (boa UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 37 FILOSOFIA conformação), que está associado às proporções da figura humana. Para Vitrúvio nenhuma obra de arquitetura “pode ter uma disposição harmoniosa se não apresentar a exata proporção dos membros de uma pessoa bem modelada”. As regularidades matemáticas, inerentes à geometria, passam a ser muito valorizadas como padrão de medida sine qua non na busca e concepção da perfeição e harmonia. Mas deve-se notar que a padronização de Vitrúvio era baseada em um sistema de medidas matemáticas vinculadas aos múltiplos e submúltiplos (um oitavo), enquanto no renascimento surgem outras escalas – Alberti cria a exemplada, e Da Vinci formula uma outra, denominada dedo. Ambas as escalas têm como parâmetro de unidade cerca de dois centímetros. Veja a seguir o diagrama de Vitrúvio executado por Da Vinci sobre as proporções humanas e trechos do livro de Vitrúvio e de Da Vinci, respectivamente. Comparem como eles propõem as unidades de proporção: UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 38 FILOSOFIA Estes elementos de medidas presentes nos dois autores sobre como retratar a figura humana serão questionados a partir do século XVII por dois movimentos, o maneirismo e o naturalismo. Mas o ideal clássico, associado à força da academia, então vigente, resistirá até o século XIX, embora depois tenha que compartilhar o espaço artístico com as perspectivas maneiristas e naturalistas. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 39 FILOSOFIA RESUMO Nesta primeira unidade buscamos elencar o tema da Estética desde Homero até o renascimento. Em muitas passagens, não obstante, a percepção do tema em relação à Estética tem de ser desprendida do contexto, pois não elaboramos um texto em que se pontua a cada instante isto é estética, aquilo é estética, embora apresentasse, ao longo das lições, paradigmas em relação ao tema. Em Homero (aula 01), quando tratamos da concepção de bela morte em conjunto com o ideal de glória dos heróis, apenas fornecemos sinais de que o mundo homérico comporta uma estética ligada à morte guerreira distinta da nossa e de qualquer outra época. A aula dedicada ao Hesíodo (02) envolve tanto a Estética de um mundo que é governado pelos deuses olímpios quanto a Estética de poder que se consuma com os matrimônios de Zeus. Hesíodo quer apresentar que é apenas por meio dos consórcios com as várias divindades femininas que Zeus pai pode controlar o seu governo. A terceira aula apresenta as linhas gerais do que se entende por Estética quando se fala deste domínio de conhecimento, que hoje é considerado como uma disciplina independente das demais. Em outra perspectiva, se antes a concepção de Estéticase limitava à sensação do agradável e do ruim, hoje ela se apresenta como uma faculdade capaz de aferir juízos objetivos sobre as manifestações artísticas, pois ela está desprendida de fatores históricos e eventos particulares. A quarta aula comporta o viés pré-socrático de visão de mundo, e talvez constitua a aula mais difícil, devido ao nível de abstração, no que diz respeito a compreender as distinções conceituais como parâmetros estéticos. Mas deve-se entender que a partir do momento em que se dá partida para a investigação conceitual (filosófica), a visão do homem se transforma diante dos fatos do mundo. Tanto sua moral quanto suas expectativas sofrem diante do novo fato vislumbre do cosmo. Com os pré-socráticos o homem passa a considerar o universo como algo dotado de harmonia. Vide a deusa Astronomia que é senhora da harmonia e elegância.A aula 05 dedicada ao poeta Aristófanes tem por premissa demonstrar que o poeta não aceita as alterações que o mundo grego tem apresentado. Aristófanes UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 40 FILOSOFIA comporta-se como um fiel guardador do antigo regime moral e estético da Grécia, ele quer que os deuses e os homens continuem a serem louvados como no mundo homérico. Ele não quer a corrupção da escolha humana, pois para Aristófanes a escolha é divina; mas o próprio poeta luta contra o imoral, apesar de sua causa perdida, uma vez que pelas mãos de autores trágicos, como Eurípides, a descrição poética das ações humanas conscientes toma o lugar do regime de um homem que agia com se fosse excitado de fora. Eurípides inaugura a consciência de justiça entre os homens no mundo clássico, embora seja considerado um imoral por Aristófanes e um decadente por Nietzsche. A aula 06 apresenta um eixo temático que visa apresentar, por um lado, o viés estético presente em Homero e Hesíodo diante da nova estética-moral de Eurípides e sua Medéia e, de outro, um índice sobre a retratação em pintura das paixões da alma. Tema este que cobria toda história da arte e filosofia. Convém destacar que uma das linhas diretoras desta aula é o uso da figura feminina pelos três poetas. Em Homero e Hesíodo o feminino aparece relacionado com o poder e a beleza; já em Eurípides, a despeito da escolha de Medéia, a figura da mulher é mostrada como sendo ultrajada e deportada da cidade: ela não era cidadã, portanto desprovida de direitos jurídicos para sua defesa. Esta Imagem de (in) justiça tem de ficar clara na leitura da peça, pois como é possível para uma mulher (homem, criança) ser justa se não é cidadã, logo, está desprovida de direitos e, ainda por cima, foi extraditada pelo rei da cidade que é pai da noiva de seu marido. Como? Na sétima aula apresentamos a transição de estilos artísticos inerentes aos séculos V e I a.C. Ao longo destes quase quatro séculos é possível ver como a manifestação artística se modificou. Se nos séculos V e IV, conhecidos por era clássica, a arte grega apresentou uma harmonia suave e solta, nos séculos helenos, que vão do século III a.C. ao I a.C., a arte grega apresenta figuras com mais vigor físico junto às quais é possível vislumbrar sentimentos diversos. O artista helênico associa à ideia de perfeição algumas características próprias dos esforços humanos. A aula que fecha a unidade trata do renascimento italiano no século XV d.C. e busca demonstrar como os artistas quinhentistas interpretavam o mundo grego. Para tal intento, escolhemos dois representantes do período: Alberti e Da Vinci, ambos teóricos, retratistas máximos de suas épocas. Se Alberti, enquanto teórico, caminhou UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 41 FILOSOFIA no sentido de tentar esclarecer como se devem pintar os movimentos e esforços corporais; por outro lado, Da Vinci, teorizou junto a vários estudos anatômicos, associados à técnica de esfolamento, como melhor se poderia expor as vicissitudes das posturas humanas em sua harmonia. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 42 FILOSOFIA Aula 09_Platão e a técnica do trompe-l’oeil(mimese fantástica). Renega Platão a arte em sua obra? A resposta a esta questão merece uma longa digressão. Mas, por hora, pode-se dizer com algumas reticências que sim. Como se constitui arte para Platão? O que é arte no geral? O que apresenta o adjetivo belo e por quê? Qual a função da arte? Por que arte? Há arte no século V a.C. como hoje? Estas são algumas das questões que se podem elencar quando se trata de questionar a doutrina platônica no que diz respeito ao conceito dearte. A teoria da arte propriamente dita à época de Platão, como posteriormente, durante séculos, não terá sua definição bem delimitada. O conceito de arte foi associado, como não podia deixar de ser dada às circunstâncias históricas, à produção manual, que possuía um valor secundário – subalterno – frente à atividade puramente intelectual. A arte não era vista como ócio intelectual, exercício de homens livres. Outro elemento que acabava por complicar o estatuto da arte foi o fato de não haver uma distinção clara do que lhe era próprio. Não estava bem delimitado o que competia à habilidade artística e o que era de domínio estritamente técnico. Se não havia um corpo teórico que discutisse o regulamento da produção artística, então, Platão tratou de ponderar sobre o problema, tanto que elaborou uma doutrina sobre a arte que o levou a denominá-la como mimese. Mimese é imitação – o espelho que reflete apenas o fantasma/ aparência do real. Porém, o conceito demimese não é unívoco, a técnica – arte – do artesão é distinta da do artista pictórico. O domínio técnico de produção de uma cadeira, por exemplo, é diferente do produzir um quadro que retrate uma cadeira. Construir o objeto cadeira faz parte da mimese elástica e a elaboração da pintura da mesma cadeira configura-se como a mimese fantástica. É com base nesta distinção que Platão condena a arte pictórica, que é uma parte da mimese fantástica. Poesia, pintura e sofística confluem, em Platão, todas como imitações fantásticas, ou para falar de outro modo, como artes de iludir, ludibriar o espectador. A poesia é arte do fantástico, porque o rapsodo embala hinos por instinto irracional e, ao fazer isso, não sabe exatamente o que canta e gesticula. Do mesmo modo, o ouvinte-espectador se vê envolvido pela música do festival e participa em êxtase coletivo dos ritos dançantes hineados por Dionísio. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 43 FILOSOFIA Mesmo assim, diga-se que, se a poesia imitativa voltada para o prazer tiver argumentos para provar que deva estar presente numa cidade bem governada, a receberemos com gosto, pois temos consciência do encantamento que sobre nós exerce; mas seria impiedade trair o que julgamos ser verdadeiro. Ou não te sentes também seduzido pela poesia? (República, 607c). A pintura usa de sortilégios que nos enganam sobre a realidade, pois nos confundem sobre o verdadeiro escopo da perspectiva, ao compor uma figura tridimensional em um plano bidimensional com uso de cores. A mistura-representação das cores feita pelo artista-pintor em grego vem de phármakon (farmakon) – conceito através do qual se entende entorpecimento da alma via estratagemas que provocam estados psicológicos diletantes. A sofística é o mecanismo de enganar o interlocutor por meio de falsos raciocínios, de tornar verdadeiro o falso por meio de palavras. Portanto, estas três espécies de interagir configuram-se como mimese fantástica e nos enganam como se estivéssemos diante de um composto artístico feito aos modos dotrompe-l’oeil. A técnica do trompe-l’oeil se utiliza de perspectivas matemáticas para transmitir a sensação, junto ao espectador, de que a imagem pintada, em plano bidimensional, é verdadeira e corresponde a um objeto tridimensional. As primeiras execuções pictóricas em perspectiva foram tematizadas, ao que tudo indica (Gombrich, 1988), por Brunelleschi no século XIV. A ilusão do trompe-l’oeil, que se executa com a noção de perspectiva, nos causa a impressão de tridimensionalidade no interior/ contexto da pintura, o que acaba nos transmitindo a [falsa] ideia de que o tema da pintura aumenta ou diminui de tamanho, como se fosse um objeto real, conforme nos aproximamos ou afastamos do quadro. É essa artimanha que Platão renega. A técnica artística à época do século V a.C. estava em mudança e Platão, ao que tudo indica, não se sentiu “seduzido” pelos novos parâmetros de produção artística. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação
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