Prévia do material em texto
ESTUDO DA TEMÁTICA DO TEXTO ANGÚSTIA DA ADOLESCÊNCIA Em entrevista ao jornal do Brasil (JB, 04/09/02), a Psicanalista Marta Rezende Cardoso, Professora de Pós-Graduação em Teoria Psicanalista da IFRJ, declarou que mais do que em outras épocas, os jovens hoje estão propensos a sofrer de angústia, melancolia, tédio, sensação de vazio e compulsões, como abuso de drogas e o consumo desenfreado. E, além disso, essas patologias psíquicas estão mais difíceis de serem tratadas. A causa desse fenômeno seria a tríade de pilares em que a sociedade atual se apóia: violência, culto ao corpo e consumo. Acrescenta que a adolescência pode ser entendida como uma travessia, o que por si só já implica numa dimensão traumática (e, em psicanálise, há uma aproximação entre os termos ‘violência’ e ‘trauma’). A dificuldade em lidar com o outro assume uma intensidade maior nesse período. E, se há circunstâncias como uma certa desorientação nas relações sociais e familiares, ou um acirramento da violência, esses jovens vão encontrar uma dificuldade maior para atravessar a adolescência. As conseqüências dessas circunstâncias são que está ocorrendo um número maior de casos em que esse fenômeno se manifesta no comportamento aditivo, como o uso da droga, por exemplo. O comportamento aditivo se caracteriza por algo que tem que ser somado, nunca há uma satisfação, sempre há uma procura compulsiva de uma coisa a mais. É o caso da droga, das patologias alimentares – como a bulimia – ou do consumo compulsivo. As pessoas não conseguem colocar um limite. O princípio da realidade fica bloqueado, o que impera é um prazer desenfreado que tem que ser suprido. Nesse aspecto, é importante analisar o histórico familiar. Há uma mudança nos referenciais e papéis na família, especificamente em como se exerce hoje a função paterna. Há uma liberalização e isso repercute na perspectiva do limite (em psicanálise, a noção de limite é muito útil). Essa questão toca muito na relação com ou outro, em como o adolescente vai se ver como autônomo, capaz de escolhas, ao mesmo tempo tendo que levar em conta o limite do outro. A colocação desses limites depende muito das relações familiares. E isso não quer dizer só restrição, mas que os pais mostrem à criança o prazer de uma outra descoberta que não aquela resposta imediata, e sim, fundada em ideais que vão se constituindo. O problema é que esses ideais estão em falência. Essa família se encontra impossibilitada de ajudar na construção desses ideais, porque está inserida numa sociedade em que eles estão muito dissolvidos, voltada para o prazer absoluto. É a sociedade do espetáculo, onde vale aquilo que aparece mais, que é mais exuberante, mais imediato. Então, os valores para os adolescentes advindos dessa sociedade são ter o corpo sarado, malhado, é ter uma vitória absoluta. No caso das meninas, o ideal de um corpo perfeito, de ser modelo, de brilhar de uma maneira muito absoluta, sem relativização. O nosso funcionamento psíquico vai se elaborando, se sofisticando, e há os mecanismos mais arcaicos. Acho que esses mecanismos passam a dominar quando o amadurecimento é prejudicado, o que é fonte de sofrimento. Esse comportamento do jovem é uma resposta a um sofrimento, uma desorientação, é um tipo de resposta mais imediata, que não leva em conta a alteridade. Esse jovem não consegue interagir respeitando o limite do outro e também lidar com o “outro” interno. Isso é fonte de angústia, e as formas de resposta são precárias. Nós falamos em psicanálise “passagem ao ato”. Em vez de se conseguir uma resposta a uma situação de angústia que seja elaborada, mentalizada, passa-se ao ato, por exemplo, com atitudes agressivas. Um exemplo é tentar exercer domínio sobre o outro, que é a relação de poder. Em relação a como a violência urbana age sobre os jovens, a psicanalista afirma. Potencializa o estado de desorientação, porque, assim, a sociedade, além de destituída de valores, está produzindo angústia, por causa do medo que agride o sujeito. A angústia que o jovem sente diante da vida é também uma experiência de violência, e isso se potencializa quando ele olha para fora e encontra uma coletividade submergida numa vivência violenta em vários planos: social, econômico, não respeito ao limite do outro, uma sociedade onde a cordialidade perde importância, onde a cidadania está cada vez mais ausente. Temos que contar com esses recursos externos, sociais, culturais, de forma que se possa interiorizar valores para neutralizar a violência que já faz parte do humano. As principais patologias psíquicas a que os jovens estão sujeitos atualmente são: depressão, crise de angústia, comportamento melancólico, tédio, vazio, sensação de mal-estar. E, no extremo oposto, tudo que é da ordem da exaltação, que faz um contraponto: compulsões, drogas, distúrbios alimentares, consumo desenfreado. Um lado é o reverso do outro, mas os dois podem se alternar. O vazio pode levar ao uso de droga, como uma forma de virar o jogo. A droga pode ser uma tentativa de escapar da prisão que a tendência melancólica pode produzir, como a reclusão. Conclui a entrevista afirmando que o nível de sofrimento e angústia que aparece na clínica poderia apontar para um pessimismo. Mas não pensa assim. A potência do jovem de querer lutar e revolucionar ainda estão presentes, porque o jovem é obrigado a fazer isso até para dar conta de sua própria mudança na adolescência. Talvez, por isso mesmo, com essa falta de ideais, se veja impelido a mudar alguma coisa e resistir àquilo que está estabelecido. Paradoxalmente, tem aí uma saída: a própria angústia que leva para a violência e a destruição também leva para a criação.