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DESIGUALDADE E DISCRIMINAÇÃO: UM OLHAR SOBRE O MERCADO DE
TRABALHO BRASILEIRO SOB A ÓTICA DA INTERSECCIONALIDADE Inequality
and discrimination: a look at the Brazilian labor ....
Article · April 2019
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Sayonara Grillo Coutinho Silva
Federal University of Rio de Janeiro
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DESIGUALDADE E DISCRIMINAÇÃO: UM OLHAR SOBRE O MERCADO DE
TRABALHO BRASILEIRO SOB A ÓTICA DA INTERSECCIONALIDADE
Inequality and discrimination: a look at the Brazilian labor market from the point of view
of intersectionality
Revista de Direito do Trabalho | vol. 199/2019 | p. 133 - 161 | Mar / 2019
DTR\2019\23946
Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva
Doutora em Ciências Jurídicas. Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela
PUC-Rio. Professora associada da Faculdade Nacional de Direito e do programa de
pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
Coordenadora do grupo Configurações Institucionais e Relações de Trabalho –
CIRT-UFRJ. Desembargadora do Trabalho (TRT-1ª Região). sayonara@direito.ufrj.br
Bárbara Ferrito
Mestranda em Teorias Jurídicas Contemporâneas pelo programa de pós-graduação em
Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGD/UFRJ. Integrante do Grupo de
Pesquisa Configurações Institucionais e Relações de Trabalho – CIRT/UFRJ. Juíza do
Trabalho (TRT-1ª Região). ferrito.ufrj@gmail.com
Luana Angelo Leal
Graduanda em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ). Bolsista PIBIC-UFRJ-CNPq, integrante do Grupo de Pesquisa
Configurações Institucionais e Relações de Trabalho – CIRT/UFRJ.
luana.angelo.11@gmail.com
Área do Direito: Trabalho
Resumo: Para tratar de conformação do mercado de trabalho sob as perspectivas dos
marcadores de raça, classe e gênero utiliza-se como chaves de leitura os conceitos de
interseccionalidade e divisão sexual do trabalho. Pelo primeiro, promove-se o estudo
integrado dos diversos marcadores de vulnerabilidade, diante da constatação de que há
trabalhadoras sob a influência de múltiplas discriminações. Pelo segundo, considera-se,
como Kergoat, que o mercado de trabalho parte de uma separação artificial, quanto à
hierarquia e valoração, dos trabalhos realizados por homens e mulheres, gerando uma
repartição de tarefas conforme o sexo. As mulheres negras colocam-se, então, como
verdadeiro paradigma à teoria da divisão sexual do trabalho, já que o legado da
escravidão não lhes poupou das tarefas manuais e braçais. O artigo reflete sobre como o
direito atua e serve como instrumento de combate à discriminação, adotando Wandelli e
Moreira como marco conceitual. Com esse exercício, que se vale de fontes primárias e
secundárias sobre o mercado de trabalho brasileiro, bem como de revisão bibliográfica,
busca-se entender quais são os instrumentos do Direito no combate à discriminação da
mulher no mercado de trabalho, considerando o corte de raça, classe e gênero.
Palavras-chave: Interseccionalidade – Divisão sexual do trabalho – Discriminação
Abstract: In order to study the conformation of the labor market under the perspectives
of the markers of race, class and gender, the concepts of intersectionality and sexual
division of labor are used as reading keys. The first one promotes the integrated study of
the various vulnerability markers, in view of the fact that there are workers under the
influence of multiple discriminations. By the sexual division of labor, the concept of
Kergoat, according to which the labor market is based on an artificial separation,
regarding the hierarchy and valuation, of the work done by men and women, generating
a distribution of tasks according to the sex. However, is important to consider that black
women are a true paradigm for the sexual division of labor theory, since the legacy of
slavery did not spare them manual and forceful tasks. The article reflects on how law
acts and serves as an instrument to combat discrimination, adopting as a conceptual
trace the notion of discrimination brought by Wandelli and Moreira. With this exercise,
Desigualdade e discriminação: um olhar sobre o mercado
de trabalho brasileiro sob a ótica da interseccionalidade
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which uses analysis of the data provided by the mentioned research, as well as a
bibliographical examination, it is possible to understand what are the law's instruments
in the fight against women's discrimination in the labor market, considering the trace of
race, class and gender
Keywords: Intersectionality – Sexual division of labor – Discrimination
Sumário:
1.Introdução - 2.Feminismo e interseccionalidade - 3.Divisão sexual do trabalho - 4.A
segregação das mulheres negras no mercado de trabalho - 5.Desigualdades,
discriminação e direito - 6.Conclusão - 7.Referências
1.Introdução
A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece diretrizes vinculantes de seu
programa dirigente e normativo. Como ordem política, o Estado Democrático destina-se
a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, o bem-estar, a
igualdade, o desenvolvimento e a justiça, como valores supremos, afirma o preâmbulo
constitucional, de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. A democracia,
portanto, relaciona-se diretamente com os valores da fraternidade e da recusa aos
estigmas que fundam preconceitos e transbordam em discriminação e exclusão.
Às vésperas da comemoração dos 30 anos da Constituição, o momento convida ao
balanço da igualdade proposta e exige reflexão. Distantes a fraternidade, a justiça, o
desenvolvimento e a liberdade, afasta-se a sociedade da democracia. Os efeitos dessa
desigualdade não são, porém, suportados igualmente por todos os brasileiros. Os
estigmas e preconceitos, as diferenciações e as intolerâncias afetam de modo
desproporcional os integrantes das classes populares, as pessoas em situação de
vulnerabilidade e, quando marcadas pelo gênero oupela cor ou raça, essa disparidade
aumenta sobremaneira.
As desigualdades que permanecem conformando o mercado de trabalho brasileiro, não
obstante o conjunto de medidas legislativas antidiscriminatórias, constitui-se na temática
deste artigo, que se propõe a examinar aspectos de nossa sociedade do trabalho, sob as
perspectivas dos marcadores de raça, classe e gênero. Para cumprir esse propósito,
inicialmente examina-se as perspectivas teóricas do feminismo e interseccionalidade,
estabelecendo um marco conceitual, bem como a noção de divisão sexual do trabalho.
Fixadas as premissas analíticas, na seção 4, denominada “segregação das mulheres
negras no mercado de trabalho”, analisam-se dados empíricos que permitem descrever a
conformação do mercado de trabalho da mulher negra no Brasil e sua vulnerabilidade
estrutural. A seguir, expõe-se as normas jurídicas que pretendem combater as
desigualdades e as discriminações existentes (seção 5).
A partir de uma perspectiva interdisciplinar, promove-se revisão bibliográfica e pesquisa
exploratória, com a utilização de fontes secundárias para descrever a estrutura do
mercado de trabalho brasileiro e com levantamento legislativo. Utilizam-se as fontes
fornecidas pelo Relatório das Desigualdades de Raça, Gênero e Classe, realizada pelo
Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ações Afirmativas da UERJ, que consiste em uma
sistematização dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE) entre
os anos de 2011 a 2015 (LEÃO; CANDIDO; CAMPOS; FERES JÚNIOR, 2017), bem como
dados empíricos sobre emprego doméstico no Brasil, sistematizados em pesquisa
realizada no âmbito dos Programas de Pós-graduação em Economia e em Políticas
Públicas da UFRGS (VIECELI; WUNSCH; STEFFEN, 2017) e sobre mercado de trabalho da
mulher pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2018)
Com esse exercício, é possível superar uma visão estática do combate à discriminação,
para perceber a fluidez desse conceito, bem como as distintas situações que um
mercado de trabalho marcado por seu signo gera. Assim, a análise teórica das ideias
interseccionais permite um exame preciso dos dados obtidos nas pesquisas, desaguando
Desigualdade e discriminação: um olhar sobre o mercado
de trabalho brasileiro sob a ótica da interseccionalidade
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em uma observação apurada dessa conformação desigual do mercado.
2.Feminismo e interseccionalidade
Gênero, sexo, feminismo, patriarcado e dominação masculina. Todas palavras de um
dicionário tão antigo, mas que tem ganhado as manchetes na atualidade. As opressões
de gênero têm sido, a cada dia, noticiadas, rechaçadas e, quer-se crer, superadas. Esse
processo não é de hoje, em que pese o chamado “movimento feminista”, como se
apresenta hodiernamente, tenha ganhado forma na segunda metade do século XX. Para
manter essa roda da evolução em movimento, é preciso tentar compreender em que
medida o gênero influencia as relações sociais, entre as quais a relação de trabalho.
Nesse sentido, o feminismo deve ser entendido de forma ampla, como movimento
coletivo que, partindo do reconhecimento de opressões estruturais contra as mulheres,
percebe que esse desenho de relação não decorre da natureza
(FOUGEYROLLAS-SCHWEBEL, 2009, p. 144), mas das forjas sociais. Esse movimento,
mais do que somente militância, necessita também de uma base teórica e crítica, que se
proponha a revisitar todas as relações sociais, a fim de identificar os traços patriarcais
existentes.
A seara laboral não poderia permanecer imune a esse reexame. Assim, percebe-se que o
movimento feminista e as teorias feministas têm muito a contribuir com o mapeamento
de condições e soluções para as opressões vividas pelas mulheres nas relações de
trabalho. Para que esse diálogo, direito do trabalho e feminismo, seja possível,
indispensável perceber um pouco do caminho da luta das mulheres, por meio das
chamadas diversas ondas feministas1.
Inaugurando as ondas, tem-se o chamado feminismo liberal, do século XIX, que tomou
conta dos Estados Unidos e da Europa, centrando-se basicamente na luta pela extensão
do direito ao voto às mulheres. Encabeçado pela classe média burguesa desses centros,
o movimento é considerado extremamente conservador, na medida em que não rompe
com a subordinação, mas apenas com algumas condições geradas pela opressão
estrutural que, muitas vezes, sequer era reconhecida. Com o início da I Guerra Mundial,
o movimento perdeu sua força, mas obteve importantes vitórias após o fim do conflito,
com o reconhecimento do direito ao voto em diversos países do Norte. Com a satisfação
do principal item da pauta feminista, a mobilização se arrefeceu até a publicação do livro
O segundo sexo, por Simone de Beauvoir, que inovou ao trazer uma abordagem
interdisciplinar da subordinação das mulheres.
A segunda onda feminista eclode nos Estados Unidos da década de 1970, em meio aos
movimentos sociais dos negros e a liberação sexual. Nessa fase, são estudadas três
vertentes teóricas feministas: feminismo liberal de segunda geração, feminismo radical e
feminismo socialista ou marxista. Chamada de segunda geração do feminismo liberal,
mais do que uma mera atualização das ideias liberais encabeçadas pelas teóricas da
primeira onda, se buscava a igualdade como valor central, sendo a liberdade mera
consequência, com reivindicação de medidas redistributivas. Entendia-se, assim, que as
relações sociais desiguais poderiam ser corrigidas, a fim de alcançarem a igualdade
substancial.
O feminismo radical, por outro lado, centra seus estudos nas diversas formas de
opressões vividas pelas mulheres nas relações sociais, em especial as sexuais. Entende
que a violência atinge todos os contextos da vida, sendo, pois, caracterizada por uma
estrutura social chamada de patriarcado que se traduz no poder dos homens sobre as
mulheres (DELPHY, 2009, p. 173). O uso do termo patriarcado se popularizou, na
medida em que, além de dar conta do sentido das demais opções, tais como dominação
masculina, falocracia e androcentrismo, indica a existência de uma estrutura apta a
funcionar sem cessar, acionável até pelas próprias mulheres (SAFFIOTI, 2004, p.
100-101).
Desigualdade e discriminação: um olhar sobre o mercado
de trabalho brasileiro sob a ótica da interseccionalidade
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Finalmente, encerrando essa onda do feminismo, temos a influência das teorias de Marx
e do socialismo, que buscavam a adoção de um sistema dual ou do duplo sistema
(BELTRÁN; MAQUIEIRA; ALVARÉZ; SÁNCHEZ, 2008, p. 117) de análise, a fim de
considerar capitalismo e patriarcado como sistemas de opressão que trabalham
conjuntamente. A grande crítica ao feminismo socialista repousa na constatação de que
o patriarcado apresenta-se como uma força de violência contra a mulher muito anterior
historicamente ao capitalismo, não sendo possível atrelar a existência dos dois a um
mesmo período. Para os objetivos desse trabalho, essa corrente tem grande influência,
na medida em que permitiu a visualização da divisão sexual do trabalho e também da
exploração do trabalho doméstico de forma gratuita pelo sistema capitalista, trazendo
luz às relações invisibilidades sob estudo.
Finalmente, a última onda feminista abarca as linhas teóricas do feminismo cultural ou
da diferença e feminismo pós-estruturalista. O feminismo cultural tem como um de seus
expoentes Carol Gilligan e seus estudos sobre a ética diferenciada entre homens e
mulheres, no campo principalmente da psicologia. Homens e mulheres teriam respostas
diferenciadas para a solução de conflitos éticos. A grande crítica feita ao feminismo
cultural refere-se ao seu potencial essencializante da mulher, que reduz o papel das
estruturas sociais como criadoras do gênero, entendido como “institucionalização social
das diferenças sexuais” (OKIN, 2008, p. 306).
Para encerrar, o feminismo pós-moderno ou pós-estruturalista busca superar as
dicotomias racionalistas, em especial os dualismos cartesianos que moldam o
pensamento atual e são hierarquizados e sexuados em detrimento da causa feminista.Coloca-se em questão as diversas formas de universalização da mulher, a fim de
visualizar a pluralidade de experiências femininas (BELTRÁN; MAQUIEIRA; ALVARÉZ;
SÁNCHEZ, 2008, p. 249).
Não seria possível encerrar uma análise, ainda que rápida, sobre as diversas faces do
feminismo, olvidando as contribuições do feminismo negro. Para isso, interessante
perceber que as mulheres negras permaneceram muito tempo sem representação dentro
do próprio movimento feminista, dada a diferença das experiências que viviam, que
incluíam, por exemplo, a luta pela abolição da escravidão. Apesar do nome, o feminismo
negro não se pretende um movimento de mulheres negras, mas um movimento de
mulheres que, diferentemente dos demais, considere também as perspectivas das
mulheres negras.
Nessa vertente, um conceito fundamental para pesquisas atuais sobre discriminação foi
cunhado por Kimberle Crenshaw: interseccionalidade (CRENSHAW, 2004). Partindo de
vivências pessoais, a autora percebe que algumas pessoas não sofrem a influência de
um único fator de discriminação, mas de vários. Para trabalhar essa ideia, Crenshaw usa
a ilustração de uma via de rolamento com diversos cruzamentos. Cada uma das vias que
se cortam é um marcador de vulnerabilidade e, no que pese haver pessoas em cada uma
dessas ruas, algumas estão localizadas exatamente no cruzamento de diversos
marcadores. Para essas, não existem discriminações apartadas ou somadas, mas
entrecruzamento entre os fatores, em especial, gênero, raça e classe. Bárbara Smith fala
em sobreposição de grupos e simultaneidade de opressões (SMITH, 1983, p. xxxiv).
Com esse conceito, é possível fugir à tentação de hierarquizar as opressões, como por
vezes defendido pelas feministas marxistas.
Ina Kerner (2009, p. 46) trabalhou o conceito de interseccionalidade, a fim de permitir a
sua harmonização com as diversas formas de análise da discriminação. Assim,
reconheceu que existem casos nos quais a mera soma de fatores é suficiente para
explicar o fenômeno, ao passo que outros exigem, de fato, um exame da relação entre
os fatores.
Heleieth Saffioti (2004, p. 115) traz a ideia de nó para tratar do entrelaçamento das
discriminações, explicando que o gênero está enovelado pelos marcadores de raça e
classe. A ideia de nó frouxo trazido pela autora permite certa mobilidade dos
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de trabalho brasileiro sob a ótica da interseccionalidade
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componentes discriminatórios (SAFFIOTI, 2004, p. 125). Ao lado da noção de
interseccionalidade de Crenshaw e nó de Saffioti, tem-se a noção de
consubstancialidade. Indicando unidade de substância, Danièle Kergoat procura
utilizá-la, em prejuízo da ideia de interseccionalidade, por perceber que o foco não seria
a intersecção da discriminação, mas a confluência das relações sociais que fabricam
categorias discriminatórias, diante das propriedades em comum apresentadas
(KERGOAT, 2016, p. 22).
Entre esses conceitos, parece mais adequado ao fim proposto pelo trabalho a ideia inicial
de interseccionalidade, nos moldes pensado por Creenshaw. Diferente da noção de
consubstancialidade, a interseccionalidade coloca-se como conceito mais simples, capaz
de abarcar diversas situações, sem exigir a similitude de propriedades ou substância,
como aquela noção parece fazer.
Assim sendo, feita essa digressão teórica, é possível, partindo-se de uma perspectiva
interseccional, ingressar no estudo do fenômeno da divisão sexual do trabalho, a fim de
selar os referenciais sobre os quais serão feitas as análises do mercado de trabalho, nos
moldes propostos. Apesar de ter sido cunhado na década de 1970, o conceito mantém
sua relevância e atualidade, em que pese as diversas modificações sociais enfrentadas
pelas trabalhadoras e trabalhadores.
3.Divisão sexual do trabalho
A conceituação de qualquer instituto implica em um ato de diferenciar o que ele é
daquilo que não é. Assim, mais importante talvez do que a determinação do que
efetivamente é trabalho, foi a demarcação do que não era trabalho. Martinez Veiga
(1995, p. 15) nos explica que, na Espanha, a primeira lei a tratar de matéria laboral,
mais especificamente sobre acidente de trabalho, trouxe uma conceituação legal que
excluiu boa parte das modalidades de trabalho da época, ao exigir elementos como
habitualidade, conta alheia etc.
Igualmente, prossegue o autor, a mulher foi excluída dessa conceituação de trabalho, na
medida em que caracterizava como trabalho aquilo que os homens faziam. A exclusão da
mulher não foi direta, mas oblíqua, por meio do conceito de trabalhador como aquele
que realiza uma atividade manual fora do domicílio, suprimindo, pois, o trabalho
doméstico (MARTÍNEZ VEIGA, 1995, p. 20). Esse corte teve por base, também, outra
dicotomia existente na sociedade, que se refere à cisão entre os espaços públicos e
privados, muito abordada pelas feministas radicais.
Às mulheres foi designada a esfera doméstica como local de atuação, na medida em
que, no âmbito público, estavam estruturalmente subordinadas aos homens, na figura
do pai, irmão, marido ou filho. Assim, enquanto o homem exercia suas atribuições no
espaço público, tratando de economia e política, às mulheres couberam os deveres de
cuidado e reprodução. É bem verdade, porém, que essa cisão desconsiderou as
experiências de parte das mulheres, mais especificamente, das mulheres negras, como
se verá mais adiante. Nada obstante, a pertinência da dicotomia ainda é indispensável
para entender a assunção atual do trabalho reprodutivo pelas mulheres em geral, o que
não obsta o reconhecimento da existência de modos diferenciados de integração das
mulheres negras ao mercado de trabalho.
Vale trazer as palavras de Susan M. Okin, para quem:
"Nós não podemos entender as esferas “públicas” – do estado do mundo do trabalho ou
do mercado – sem levar em conta o fato de que são generificadas, o fato de que foram
construídas sob a afirmação da superioridade e da dominação masculina e de que elas
pressupõem a responsabilidade feminina pela esfera doméstica (OKIN, 2008, p. 320)."
Essa cisão entre espaços público e privado, trabalho e não trabalho, contribuiu para o
que se convencionou chamar de divisão sexual do trabalho. Segundo Danièle Kergoat, a
Desigualdade e discriminação: um olhar sobre o mercado
de trabalho brasileiro sob a ótica da interseccionalidade
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divisão sexual do trabalho se acomoda a partir de dois princípios basilares, quais sejam:
a) o princípio da separação, segundo o qual há um trabalho próprio das mulheres e um
trabalho próprio dos homens; e b) o princípio da hierarquia, informando que o trabalho
próprio do homem tem valor superior ao próprio das mulheres (KERGOAT, 2009, p. 67).
Esses princípios partem da essencialização da mulher, na medida em que entendem que
as diferenças biológicas determinam, ou ao menos influem, em suas possibilidades no
mercado de trabalho.
A fenda conforme valor e espécie de trabalho gera infindáveis repercussões nas carreiras
das mulheres. O teto de cristal, a brecha salarial, a exclusão setorial, o assédio, todos
esses fenômenos partem da ideia de que existem trabalhos que não devem ser
desenvolvidos pelas mulheres e os que podem ser executados por elas, e que possuem
menor valor. Valor aqui não necessariamente econômico. Para quem crê que há certo
exagero nessa afirmação, basta pensar na recente manifestação de caminhoneiros que
parou o País em maio de 2018. Quantas mulheres foram vistas na manifestação?
Quantas mulheres motoristas de caminhão autônomas existem? De fato, trata-se de um
ramo do mercado de trabalho altamente masculinizado. Sem entrar na análise das
causas desse fenômeno, é interessante hoje perceber que ainda existem atividades
econômicas nas quais as mulheres são excluídas, o que demonstra a atualidade do
tema. Por outro lado, em setores laborais nos quais a presença das mulheres é mais
intensa há uma menor valorização salarial, e naqueles em que a maior parte das
ocupantes é de mulheres negras há uma maior precariedade em termosde conquistas
de direitos, acesso e efetivação, demonstráveis por meio de dados empíricos analisados
na seção a seguir.
4.A segregação das mulheres negras no mercado de trabalho
A partir de um olhar interseccional é possível perceber que, assim como o gênero, raça e
classe também moldam o mercado de trabalho, mormente no Brasil, que possui baixo
índice de mobilidade social. O resultado dessa cisão é apresentado muitas vezes como
natural, dado e imutável e não como uma construção social, produto da estrutura
preconceituosa existente.
O termo “negro” no presente estudo é utilizado como gênero para abranger “pretos” e
“pardos”, que podem ser estudados conjuntamente, dada a semelhança de seus
resultados na pesquisa analisada.
Esclarecida a terminologia, é preciso tratar da origem do conceito de “raça”, criado
inicialmente pelos racialistas para entender as distinções físicas entre os grupos
humanos, atrelando-os a aspectos morais, conforme a cultura. No século XIX, com o
surgimento das teorias políticas e desenvolvimento da Biologia, o termo “raça” ganhou
aspecto social e político, sendo utilizado para separar os povos entre superiores e
inferiores, de modo a naturalizar a exploração dos últimos pelos primeiros (SANTOS,
2002, p. 50-51).
A cientificidade do século XIX foi o meio pelo qual as diferenças físicas foram utilizadas
como critério evolutivo da humanidade, dando uma aparente explicação científica para a
exploração e criando o racismo por meio de um processo de naturalização das
desigualdades (SANTOS, 2002, p. 52-53). Sendo assim, os europeus apagaram as
particularidades dos povos africanos, reduzindo-os a apenas “negros” pelo processo de
racialização (MONSMA, 2013).
Apesar do cunho extremamente negativo atrelado ao termo “raça” durante séculos, sua
utilização ainda é importante, não como remanescência de uma sociedade hierarquizada,
mas sim como um marcador social, justamente para possibilitar a obtenção de dados
específicos sobre a condição da população negra, de modo a atestar e combater a
desigualdade social no país. Uma vez superada a disparidade racial, não será mais
necessário utilizar esse termo (ALMEIDA; LIBÂNIO; OSÓRIO, 2005, p. 8).
Desigualdade e discriminação: um olhar sobre o mercado
de trabalho brasileiro sob a ótica da interseccionalidade
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Aqui, vale a pena perceber que a própria noção de divisão sexual do trabalho, no que
pese sua importância, pode ser criticada, na medida em que se prende a uma visão
europeia e ocidental sobre o trabalho da mulher, vendo-o como condicionado ao âmbito
doméstico, com tardia inserção no mercado de trabalho. Generaliza, pois, as formas de
trabalho que são destinadas às mulheres, como se essa categoria fosse uniforme,
apagando, assim, as opressões raciais que atingiram as mulheres negras muito antes da
inserção das mulheres brancas no mercado de trabalho.
Isso porque a escravidão2 deixou um legado de exploração sobre os corpos negros, não
poupando as mulheres negras que, vistas como propriedade assim como os demais
escravos, não podiam furtar-se aos trabalhos nas lavouras, além das opressões de
gênero compartilhadas com as mulheres brancas (DAVIS, 2016, p. 17-19). Logo, as
mulheres negras sempre foram afetadas pela dupla jornada, uma vez que lhe cabiam
tanto a economia pública quanto a economia doméstica – essa, inclusive, enquanto
realizada dentro do próprio lar tinha significado completamente diferente para as
escravas, conforme Angela Davis:
"É verdade que a vida doméstica tinha uma imensa importância na vida social de
escravas e escravos, já que lhes propiciava o único espaço que podiam vivenciar
verdadeiramente suas experiências como seres humanos. Por isso – e porque, assim
como seus companheiros, também eram trabalhadoras –, as mulheres negras não eram
diminuídas por suas funções domésticas, tal como acontecia com as mulheres brancas.
Ao contrário dessas, aquelas não podiam ser tratadas como meras “donas de casa”
(DAVIS, 2016, p. 29)."
Ademais, a autora também aponta que “a questão que se destaca na vida doméstica das
senzalas é a da igualdade sexual” (DAVIS, 2016, p. 30), eis que os trabalhos domésticos
realizados pelas mulheres não eram definidos como inferiores, sendo compartilhado
pelos homens negros. Isso corrobora com a afirmação feita anteriormente de que as
mulheres negras são um verdadeiro paradigma à teoria da divisão sexual do trabalho,
porque sua estruturação social ocorreu de forma diversa. Essa característica não pode
ser apagada por uma aparente neutralidade racial que, na verdade, oculta outras formas
de opressão.
Portanto, a ideia de que o espaço público (e consequentemente do trabalho) era
destinado aos homens, não se adequa à realidade das mulheres negras no período da
escravidão – com subsequente impacto na atualidade, no que pese servir de instrumento
de análise para aceitação dos encargos domésticos pelas mulheres hoje. Fica evidente,
pois, a importância da interseccionalidade no exame dessas diversas estruturas, que
afetam os indivíduos de forma diferenciada.
Dessa forma, o mito da fragilidade feminina que influenciou o desenvolvimento de uma
legislação falsamente protetiva, que equiparava o trabalho da mulher com o trabalho do
menor – algo que deveria ser excepcional em razão da vulnerabilidade do agente
(ERMIDA URIARTE, 2006, p. 116) – se justifica, em grande medida, a partir do exame
do ingresso das mulheres brancas no mercado de trabalho, visto que a força de trabalho
das mulheres negras não era algo excepcional na economia da escravidão. Aliás, sequer
se poderia dizer que as escravas eram poupadas por proteção à maternidade, eis que
“aos olhos de seus proprietários, elas não eram realmente mães; eram apenas
instrumentos que garantiam a ampliação da força de trabalho escrava” (DAVIS, 2016, p.
19).
Apesar de transcorrido mais de um século das opressões descritas, seus impactos ainda
reverberam nos dias atuais, como pode ser percebido pela análise de diversos estudos
que se propõem a esquematizar os dados de pesquisas censitárias para comparar os
resultados da população negra com os resultados da população branca, o que, em todos
os casos, evidencia a disparidade social entre as raças, com notória precariedade
atrelada aos negros.
Desigualdade e discriminação: um olhar sobre o mercado
de trabalho brasileiro sob a ótica da interseccionalidade
Página 7
O Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ações Afirmativas – GEMAA, da UERJ, publicou
recentemente importante Relatório das Desigualdades de Raça, Gênero e Classe que
sistematiza dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios realizada pelo IBGE
entre os anos de 2011 a 2015 (LEÃO; CANDIDO; CAMPOS; FERES JÚNIOR, 2017). O
cruzamento das informações a seguir descritas demonstra uma conformação desigual do
mercado de trabalho em desfavor da mulher negra no Brasil.
Inicialmente, apresenta-se o percentual dos grupos de cor (conforme autodeclaração) ao
longo do período analisado. Os resultados apontam que negros (pretos e pardos)
representam 55% da população brasileira, o que nos faz perceber que, quando o termo
“minoria” lhes é aplicado, não se trata de minoria numérica, mas sim minoria na relação
de poder ou representação (LEÃO; CANDIDO; CAMPOS; FERES JÚNIOR, 2017, p. 5-6).
Nesse ponto, falar em vulnerabilidade parece fazer mais sentido.
Acerca da distribuição racial dos níveis de escolaridade por grupos de cor (LEÃO;
CANDIDO; CAMPOS; FERES JÚNIOR, 2017, p. 7-8), cumpre destacar a maior presença
dos negros nas categorias de ausência de instrução (9% frente a 4% dos brancos) até o
ensino médio incompleto (8% frente a 5% dos brancos), ou seja, os mais baixos níveis
de escolaridade, enquanto os brancos são maioria nas categorias de ensino superior
incompleto (8% dos brancos frente a 5% dos negros) e ensino superior completo (19%
dos brancos frente a apenas 7% dos negros), ou seja, os maiores níveis de formação. Já
os dados relativos a ensino médio completo apresentam estreita proximidade entre
brancos (33%) e pardos (32%), com distanciamentodos pretos (30%). Aqui já podemos
perceber a primeira disparidade social da população negra, que permite unir os recortes
de raça e classe, uma vez que a defasagem de formação reduz as oportunidades de
ascensão no mercado de trabalho.
Ainda na temática educacional, a indicação do tempo médio de estudo dos grupos raciais
(LEÃO; CANDIDO; CAMPOS; FERES JÚNIOR, 2017, p. 8-9) confirma a resposta
demonstrada anteriormente, na medida em que aponta resultado também favorável aos
brancos, que possuem médias entre 9 e 10 anos de estudo, enquanto os negros
possuem médias de 7 a 8 anos3. Corrobora-se, pois, com isso a explicação para a
estratificação social brasileira, a partir do exame do acesso ao ensino.
Acerca da divisão dos grupos de cor em níveis de renda (LEÃO; CANDIDO; CAMPOS;
FERES JÚNIOR, 2017, p. 9-10), o resultado expõe que negros são a maioria entre as
faixas de ausência de rendimento (1% frente a 0% dos brancos) até renda de meio a um
salário mínimo (35% e 34% frente a 26% dos brancos), enquanto brancos são maioria
entre as faixas de um a dois salários mínimos (32% frente a 27% dos pretos e 25% dos
pardos) até mais de cinco salários mínimos (7% frente a 2%). Esse dado também
permite realizar um recorte de classe na sociedade brasileira, visto que há nítida
defasagem de renda entre negros e brancos, situando os primeiros nas camadas
inferiores.
No que tange à média de renda familiar per capta por grupos de cor (LEÃO; CANDIDO;
CAMPOS; FERES JÚNIOR, 2017, p. 10-11), o resultado também é favorável aos brancos,
visto que esses possuem rendas muito superiores a dos negros durante todo o período
analisado, com diferenças variando entre R$ 493,00 (2011) a R$ 684,00 (2015). Uma
importante observação feita no relatório trata da perpetuação da desigualdade social, na
medida em que houve aumento de renda para ambos os grupos de cor com manutenção
da diferença salarial, que se mostrou contínua e crescente ao longo do período
analisado: média de 80% de defasagem em benefício da população branca. Ademais, é
possível perceber que o distanciamento entre as classes aumenta, na medida em que se
alcança o topo da escala dessa categorização (2017, p. 11-12).
O estudo do Grupo GEMAA também aponta uma pequena diminuição na diferença entre
o nível de escolaridade dos grupos de cor ao longo dos anos (LEÃO; CANDIDO; CAMPOS;
FERES JÚNIOR, 2017, p. 12-13) – elaborada por meio da razão da média de
escolaridade dos brancos e negros –, reduzindo de uma diferença de 125% (2011) para
Desigualdade e discriminação: um olhar sobre o mercado
de trabalho brasileiro sob a ótica da interseccionalidade
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ainda chocantes 121% (2015). No entanto, quando a análise diz respeito à diferença de
renda – elaborada por meio da razão da média de renda dos brancos e negros –, o
resultado mostra-se praticamente constante ao longo do período analisado (181% em
2011 e 180% em 2015). Isso nos leva a constatação de que apenas o aumento do nível
de escolaridade dos negros não é suficiente para elevar seus níveis de renda, eis que
possuem outros obstáculos para romper a estratificação social e as desigualdades de
classe.
A distribuição racial das ocupações por classe social, segundo o GEMAA, indica que, no
ano de 2015, brancos eram maioria nas atividades com maiores rendimentos e mais
escolaridade, enquanto os negros mantinham a liderança nas atividades com menor
remuneração e qualificação, trabalhos manuais e serviço doméstico (LEÃO; CANDIDO;
CAMPOS; FERES JÚNIOR, 2017, p. 13-14). Conforme o dado anteriormente analisado,
esse resultado não pode ser automaticamente atrelado ao fato de que brancos têm uma
maior média de escolaridade, visto que, na sociedade brasileira, outros fatores são
responsáveis por inibir a ascensão da população negra.
O Relatório destaca como esse dado é uma evidência da divisão racial do trabalho, visto
que os brancos são maioria entre as atividades de profissionais de nível alto e trabalhos
de escritório não-manuais , enquanto os negros são maioria entre trabalhadores
manuais (qualificado ou não), com expressivo destaque no serviço doméstico e trabalho
rural.
Não é possível passar despercebida a desproporção da representação da população preta
e parda nos serviços manuais não qualificados e no serviço doméstico, o que pode ser
um indicativo da persistência de estruturas decorrentes do período da escravidão4, uma
vez que essa foi a principal forma de inserção das mulheres negras no mercado de
trabalho pós-abolição, gradativamente retirando as famílias negras da miséria em que
foram inseridas (VICELI, WÜNSCH, STEFFEN, 2017, p. 56-57). Inclusive, cabe apontar
que a transferência dos trabalhos domésticos para as mulheres negras viabilizou, muitas
vezes, a inserção das mulheres brancas no mercado de trabalho (VICELI, WÜNSCH,
STEFFEN, 2017, p. 53).
Uma importante pesquisa na temática da conformação do emprego doméstico no Brasil é
o estudo de Viceli, Schneider e Monteiro (2017), realizado a partir dos dados do Sistema
Pesquisa de Emprego e Desemprego. Nele, verifica-se, quanto ao perfil das
trabalhadoras domésticas, que, em 2013, as mulheres representavam 95% da categoria
e, entre elas, 66% eram negras, o que corrobora a tese da segregação ocupacional das
mulheres negras (VICELI; SCHNEIDER; MONTEIRO, 2017, p. 101).
Igualmente interessante é a idade média dessas trabalhadoras que, em 2013, variou
entre 39 e 47 anos, com notória tendência de envelhecimento da categoria, visto que,
em 1996, a média era de 28 a 36 anos. Os autores apontam alguns fatores para
justificar esse resultado: “o aumento da escolaridade da população (mormente entre as
mais jovens) e a diminuição do desemprego, que levaria às mulheres, principalmente as
mais jovens, a buscarem oportunidades de trabalho em outros setores mais valorizados”
(VICELI; SCHNEIDER; MONTEIRO, 2017, p. 101).
Por fim, os autores obtêm um dado acerca do crescimento do emprego do doméstico
com o aumento da escolaridade (VICELI; SCHNEIDER; MONTEIRO, 2017, p. 102), o que
pode ser justificado pela desigualdade no acesso à educação – relembrando o dado
anteriormente analisado sobre a diferença de nível de formação entre brancos e negros
– e permanência dos homens na recusa ao próprio serviço doméstico, concentrando toda
ou a maior parte da demanda nas mulheres, o que faz com que aquelas que têm a
possibilidade de ascender academicamente deleguem suas tarefas domésticas a outras
mulheres que não detém tal possibilidade, perpetuando a segregação ocupacional das
mulheres negras.
O relatório também apresenta a distribuição racial por classe social no ano de 2015
Desigualdade e discriminação: um olhar sobre o mercado
de trabalho brasileiro sob a ótica da interseccionalidade
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(LEÃO; CANDIDO; CAMPOS; FERES JÚNIOR, 2017, p. 15), conforme a detenção ou não
de propriedade, autoridade e qualificação. O resultado mais uma vez é favorável aos
brancos, visto que são maioria entre os possuidores (detêm os três bens) e os não
destituídos (detêm apenas um dos três), enquanto os negros são maioria entre os não
possuidores – aqueles que não detêm quaisquer desses bens.
A partir de uma análise da média de renda familiar per capta por raça/cor e classe social
(LEÃO; CANDIDO; CAMPOS; FERES JÚNIOR, 2017, p. 16), conforme os marcadores
indicados anteriormente, é possível perceber, mais uma vez, que a desigualdade social
entre as classes cresce proporcionalmente ao acúmulo de capital, visto que, enquanto a
defasagem entre brancos e negros despossuídos é de aproximadamente R$270,00, a
distância entre brancos e negros possuidores atingem a marca dos R$1.260,00 – em
ambos os casos os brancos possuem maior renda per capta.
Acerca da taxa de desemprego por grupo de cor (LEÃO; CANDIDO; CAMPOS; FERES
JÚNIOR, 2017, p. 17), essa atinge majoritariamente os negros, com uma média de
diferença de 2% ao longo de todo o período. Isso pode ser reflexo dos dados
anteriormente abordados, como o menor nível de formação e tempo de estudo, mas
também mostrar-se como consequência de práticas discriminatórias,como abordaremos
posteriormente.
O exame da taxa de mobilidade social entre os grupos de cor (LEÃO; CANDIDO;
CAMPOS; FERES JÚNIOR, 2017, p. 18-19) considera apenas os homens, diante do
suposto tardio ingresso das mulheres no mercado de trabalho brasileiro5. Esse dado
aponta que homens brancos da classe alta têm mais chance de permanecer em sua
classe social do que homens negros. No entanto, os negros apresentam menor chance
de ascensão social do que aqueles, o que evidencia uma grave continuidade e
perpetuação das desigualdades sociais.
A média de renda familiar per capta por raça/cor e gênero (LEÃO; CANDIDO; CAMPOS;
FERES JÚNIOR, 2017, p. 20) enfileira-se ao lado das demais evidências acerca da
manutenção das desigualdades sociais no país, visto que a diferença de renda entre a
camada mais alta (homens brancos) para a camada mais baixa (mulheres negras)
cresce ao longo do tempo, a despeito do aumento de renda de todas as categorias. Mais
uma vez destaca-se que quanto maior a renda, maior a desigualdade, de modo que essa
é uma constante nos dados apresentados pelo relatório, passando de R$547,00, em
2011, para R$759,00, em 2015. Esse dado pode ser compreendido, como elucida
Guimarães (2012), pelo fato de que, com o aumento da escolaridade, crescem as
possibilidades de promoções e exercício de funções de direção, para os quais as
mulheres encontram obstáculos de ascensão (GUIMARÃES, 2012, p. 198), nos moldes
da hierarquização da divisão sexual do trabalho, apresentado por Kergoat (2009), na
medida em que o trabalho do homem é dotado de maior credibilidade nos estereótipos
sociais, o que facilita a escalada a cargos de chefia; e, pelo princípio da separação,
segundo o qual chefiar, gerir e dirigir não seriam aptidões “naturais” das mulheres.
Percebe-se que, a despeito da inserção tardia das mulheres brancas no mercado de
trabalho, elas apresentam resultados muito semelhantes aos dos homens brancos
(mesmo que ainda inferiores), o que faz notar a importância das críticas à universalidade
da categoria “mulher”, bem como a relevância da variável raça e da adoção de uma ótica
interseccional para o enfrentamento desse objeto.
Acerca da média de escolaridade por raça/cor e gênero (LEÃO; CANDIDO; CAMPOS;
FERES JÚNIOR, 2017, p. 20-21), apesar dos índices mais elevados serem das mulheres
brancas, isso não é suficiente para concedê-las a maior renda. Possível concluir, então,
que, apesar da extrema importância do acesso à educação, esse não é, por si só,
suficiente e determinante a ascensão social de alguns grupos. Nessa linha, a contrario
sensu, não é possível entender os níveis de formação e tempo de estudo como a única
justificativa para o abismo da desigualdade social racial brasileira. Trata-se de um
fenômeno multicausal, decorrente da construção da sociedade brasileira a partir da
Desigualdade e discriminação: um olhar sobre o mercado
de trabalho brasileiro sob a ótica da interseccionalidade
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inserção desigual dos negros no mercado de trabalho, gerando impactos até os dias
atuais, o que justifica, por exemplo, a edição do Estatuto da Igualdade Racial (Lei
12.288/2010).
Esses dados podem ser complementados pela análise do Relatório Estatísticas de
Gênero: Indicadores Sociais das Mulheres no Brasil, elaborado pelo IBGE (IBGE, 2018).
Nesse relatório, apresenta-se a análise dos dados referentes à disponibilidade do tempo,
por meio do estudo sobre o uso do tempo para realização de tarefas domésticas e de
cuidado, não remunerados. As mulheres continuam dedicando mais tempo a essas
tarefas do que os homens, alcançando uma diferença de 73%, na medida em que as
mulheres trabalhavam 18,1 horas, número que sobe para 18,6, no caso de mulheres
negras, contra 10,5 horas dos homens (IBGE, 2018). Ao contrário do índice das
mulheres, os indicadores dos homens não apresentam variação, quando feito recorte de
cor, raça ou região. Isso é interessante, na medida em que, se na socialização do negro,
a igualdade dos afazeres domésticos na comunidade de escravos era a usual, houve
clara assimilação do modelo do homem branco nesse ponto, nas sociedades atuais.
Essa dificuldade diante da falta de disponibilidade sobre seu próprio tempo, compele as
mulheres a procurar formas alternativas de inserção no mercado de trabalho. Essa é a
justificativa encontrada no Relatório para explicar a diferença na adoção do contrato de
trabalho a tempo parcial, na medida em que 31,3% das mulheres negras são afetadas
por essa espécie contratual, contra 25% das mulheres brancas, 11,9% dos homens
brancos e 16% dos homens negros (IBGE, 2018).
Tal inserção desigual no mercado de trabalho pode ser entendida como resultado do que
Adilson José Moreira (MOREIRA, 2017, p. 136) conceitua como “discriminação
estrutural”, uma vez que não é possível uma análise afastada da dimensão coletiva da
discriminação, que, superando o aspecto psicológico individual, perceba que existem
processos sociais que se alinham para formar estruturas de exclusão. Nesse sentido,
Silvio Almeida (ALMEIDA, 2018, p. 34-40) aponta a importância de entender esse
conceito, não como algo imutável ou justificador das condutas individuais de racismo e
discriminação, mas considerando que seu combate deve buscar alterar a forma como a
sociedade é estruturada, fomentando ações antirracistas e de promoção de igualdade.
Se passados os trinta primeiros anos de Constituição de 1988, como reflexão
inicialmente proposta, a sociedade brasileira permanece com forte segregação e
hierarquização, segundo vetores de classe social, gênero e raça, é necessário examinar
de quais instrumentos normativos se dispõe para superar tais desigualdades. Sob a
perspectiva interseccional, como pensar a relação entre desigualdades e direito,
mormente na seara laboral?
5.Desigualdades, discriminação e direito
A desigualdade é tema consubstancial ao Direito do Trabalho, que, ao reconhecer a
posição diferenciada dos sujeitos na estrutura econômico-produtiva, atua buscando
minorá-las por meio de compensações normativas equalizadoras. Embora as políticas do
trabalho recentes promovam forte inversão principiológica, com alterações legislativas
que acabam por engendrar mais desigualdade e estabelecer diferenciações jurídicas
(SILVA, 2017), o sistema internacional de direitos humanos e o constitucionalismo
democrático contemporâneo persistem afirmando os princípios da igualdade formal e
igualdade material como fundantes da ordem jurídica.
Com o constitucionalismo social, as novas categorizações jurídicas abrem espaço para
políticas afirmativas que buscam superar desigualdades específicas, permanecendo
proscritas as distinções negativas. A Constituição brasileira estabelece que a redução das
desigualdades sociais e regionais é um objetivo fundamental da República (art. 3º, inciso
III), para o que cabe a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade, instituindo cláusula geral de vedação de toda e qualquer forma de
discriminação (artigo 3º, inciso IV, CRFB).
Desigualdade e discriminação: um olhar sobre o mercado
de trabalho brasileiro sob a ótica da interseccionalidade
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Decorrente da complexidade da dialética dos conflitos político-sociais e das
transformações culturais, em 1988, o movimento feminista obteve o reconhecimento da
igualdade formal entre os sexos, avançando no reconhecimento de direitos às mulheres.
As trabalhadoras domésticas, no entanto, foram reconhecidas como titulares de parcela
dos direitos fundamentais garantidos aos empregados em geral, até a reforma
promovida pela Emenda Constitucional 72, em 2013.
No campo do trabalho, a tutela antidiscriminatória avançou sensivelmente. A
Constituição determina a adoção de políticas afirmativas para preservação do mercado
de trabalho da mulher (art. 7º, XX, CRFB), ao mesmo tempo em que veda que a
situação familiar, o estado civil, o sexo e a gravidez sejam fatores de diferenciação
negativa (art. 7º XXX, Lei 9.029/1995, e art. 373-A CLT), não podendo ser utilizados
para prejudicar a aquisição, manutençãoou extinção da relação de emprego. Vedam-se
diferenciações infundadas a partir dos aspectos relacionados à idade, à cor, à deficiência,
à natureza do trabalho (artigo 7º, IV, incisos XXX, XXXI, XXXII e XXXIV, da CRFB), aos
quais se acrescem na ordem infraconstitucional às relacionadas à origem, à raça (Lei
9.029/1995), à religião, à opinião política, à ascendência nacional (Convenção 111 OIT),
à participação sindical e representativa (Convenções 98 e 135 da OIT) e à condição de
migrantes (art. 3º, incisos II, IV, IX, X e XI, da Lei 13.445/2017).
A eleição dos fatores para a definição de uma situação como discriminatória, ou não,
envolve quatro aspectos fundamentais, como destaca Leonardo Wandelli: (a) existem
fatores reputados relevantes para determinados fins, estabelecendo-se uma suspeição
sobre tal classificação a exigir uma fundamentação mais justificada quando da eleição de
tais critérios, mas que não há vedação absoluta de que a classificação seja usada de
modo juridicamente válido; (b) a ausência de indicação legislativa de um marcador não
obsta que tal fator seja compreendido como violador do princípio da discriminação,
mormente diante do artigo 3º, inciso IV, da CRFB; (c) a proibição de discriminação não
se restringe ao fator ou à finalidade nela prevista; (d) que a discriminação juridicamente
vedada não se limita às derivadas de preconceito, abrangendo os casos também em que
há um desvalor às pessoas (2013, p. 137-147).
Há condutas envolvendo os marcadores de gênero e raça, sancionadas no campo penal
relacionadas ao preconceito, ao racismo e à misoginia. A propagação de ódio ou de
aversão às mulheres pela internet, o menosprezo ou discriminação à condição de
mulher, a violência praticada contra a mulher por razões da condição de sexo feminino
(Leis 13.642/2018; 13.104/2015), bem como a injúria racial, consistente na ofensa à
honra individual, relacionando aspectos concernentes à raça, cor, etnia, religião ou
origem (Código Penal) e o racismo voltado à ofensa de uma coletividade de indivíduos
(Lei 7.716/1989) são exemplos de condutas antijurídicas criminalizadas e que, portanto,
envolvem atos de discriminação direta, intencional e dolosa. Da mesma forma, a Lei
7.716/1989 tipifica como crime impedir promoção funcional, deixar de conceder
equipamentos necessários ao empregado em igualdade de demais condições com os
demais trabalhadores, obstar por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional, a aquisição de benefícios profissionais, bem como estabelecer
tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, sendo vedada a exigência de aspectos
de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem
essas exigências nos processos de recrutamento e seleção.
Contudo, se a natureza da sanção penal exige a intencionalidade da conduta do agente,
as reparações cíveis e trabalhistas, a rigor, prescindem de avaliação sobre a vontade de
discriminar. Faz cinquenta anos que o Brasil internalizou a Convenção 111 da
Organização Internacional do Trabalho – OIT, e introduziu em nosso ordenamento
jurídico a proteção contra discriminações diretas e indiretas (cf. Decreto 62.150/1968).
As referências do direito norte-americano às medidas de impacto desproporcional (
disparate impact doctrine) para configuração de discriminação entre nós são
compreendidas a partir do conceito de discriminação indireta contido na referida
Convenção, envolvendo as práticas, atos ou políticas cujos efeitos diferenciam
Desigualdade e discriminação: um olhar sobre o mercado
de trabalho brasileiro sob a ótica da interseccionalidade
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negativamente e de modo indevido, embora originalmente não previstos, não desejados
ou não intencionalmente realizados.
As normas aparentemente neutras podem acentuar ou reforçar a exclusão social, pois
reiteram as assimetrias de poder já existentes, observa José Adilson Moreira:
"[...] se os conceitos de igualdade de oportunidades e de justiça simétrica nos ajudam a
compreender a lógica de funcionamento da discriminação direta, as noções de igualdade
de resultados e justiça distributiva oferecem elementos importantes para analisarmos o
tipo de discriminação em questão (MOREIRA, 2017, p. 105)."
A apuração estatística dos resultados diferenciados das regras neutras, gerais e
abstratas, por vezes necessária para qualificá-las como discriminatórias, a partir do
conceito de discriminação indireta, opera em um marco de deslocamento do ato para
sua consequência. Em sentido assemelhado, o giro paradigmático ocorrido no campo da
teoria da responsabilidade civil e dos danos extrapatrimoniais, que deixa de ser uma
responsabilização decorrente da culpa causada, passa a se configurar como direito
decorrente dos danos sofridos.
A discriminação indireta é, também, juridicamente rechaçada. Sua aplicação adequada
requer uma interpretação que não a limite, com requisitos indevidos de intencionalidade
e de arbitrariedade. O alerta é necessário, a nosso juízo, pois mesmo no âmbito da
discriminação indireta, campo que afasta a exigência de intencionalidade, o processo de
aplicação de sanções e avaliação das condutas patronais permanecem envoltos na
distinção entre atos arbitrários e não arbitrários.
Há que se reconhecer que os intérpretes da norma participam de sua construção, e
esses majoritariamente incluem-se dentro da comunidade que pratica discriminações
inconscientes, relacionadas às posições de privilégio, à cultura partilhada, decorrentes de
modos de socialização excludentes. As práticas invisíveis ao direito, os privilégios e as
desvantagens dos grupos socialmente discriminados são fatores que compõe a trama da
discriminação, que engenham dinâmicas psicológicas internalizadas e não reconhecíveis
muitas vezes pelos próprios indivíduos, o que, aliados aos estereótipos negativos
construídos, principalmente sobre pessoas negras, geram automatismo na discriminação
(MOREIRA, 2017, p. 19). Os estereótipos, como modelos mentais que dirigem a
percepção humana, decorrem de valores culturais construídos e assimilados por todos,
expressam a internalização de valores e códigos no processo de socialização, gerando
dimensões inconscientes no psiquismo, que sustentam marginalizações e reprodução de
discriminações, ainda que haja uma consciência que os rejeite (MOREIRA, 2017, p.
40-44).
Assim, uma cognição adequada da discriminação do ponto de vista do Direito do
Trabalho precisa superar a análise das condutas em sua dimensão exclusivamente
intersubjetiva ou relacional, como é usual em casos de apreciação judicial de assédio ou
dano moral, no qual se diferenciam as ações patronais pela universalidade ou distinção,
voltadas a impor tratamento desvantajoso ou excludente a determinados indivíduos em
comparação a outros. Sabe-se que a ideia de vedação de tratamento desfavorável que
nucleia o conceito de discriminação direta está no coração do princípio da isonomia no
campo do direito do trabalho, já que explicita a violação de um dever jurídico dos
empregadores, que é o do tratamento simétrico. A noção de diferenciação infundada
decorre dessa compreensão de que a não discriminação é uma faceta do princípio da
igualdade e que se revela em casos específicos a partir de critérios normativos
anteriormente fixados (WANDELLI, 2013, p.129).
A incompletude da doutrina majoritária sobre discriminação é criticada por Adilson José
Moreira, que sublinha a premissa nela contida de racionalização das condutas humanas,
de modo a conceber a discriminação como desvio padrão e, portanto, possuidora de uma
dimensão comportamental e não institucional (2017, p. 102). Para o autor, que realiza
um importante mapeamento teórico das concepções e conceitos de discriminação, a
Desigualdade e discriminação: um olhar sobre o mercado
de trabalho brasileiro sob a ótica da interseccionalidade
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discriminação é um fenômeno multicausal, coletivo e estrutural. O sexismo e o racismo,
por sua vez, são sistemas multicausais de opressão. Uma adequada compreensão da
discriminação,portanto, deve salientar suas dimensões coletivas, estruturantes e
multidimensionais, afirma Moreira, que realiza uma consistente diferenciação das noções
fundamentais para sua compreensão, tais como preconceito, estereótipo, branquitude,
privilégio social,6 microagressões e dos tipos e facetas da discriminação.
A teoria da discriminação organizacional é importante para a compreensão dos desafios
da inclusão nas empresas por salientar que as desvantagens sociais do mercado de
trabalho nem sempre decorrem de práticas discriminatórias, mas sim de preferências
pelos pertencentes ao mesmo grupo social fundadas em estereótipos. A cultura
institucional cria perfis genéricos, a partir de valores e características dominantes
(MOREIRA, 2017, p. 125), gerando exclusões, diferenciações e processos de assimilação,
que interferem diretamente no comportamento individual e obsta a expressão das
identidades plenas dos integrantes dos grupos socialmente discriminados.
Por sua vez, as perspectivas institucionais, estruturais e intergeracionais destacam
outros aspectos da discriminação. A dimensão coletiva da discriminação institucional é
sublinhada por Moreira (2017) como expressão da “forma como as instituições sociais
atuam para promover a subordinação” (2017, p. 132) e o controle social sobre um
grupo, envolvendo “uma série de políticas e procedimentos que possibilitam na
reprodução do aspecto estrutural da discriminação” (2017, p. 134), sejam de caráter
ideológico, sistêmico, procedimental ou estrutural. A teoria intergeracional auxilia na
compreensão dos aspetos históricos, estruturais e sistêmicos da discriminação,
relacionados ao funcionamento das instituições sociais, e se alimenta também da
desigualdade reiterada pela presença/ausência de herança para grupos sociais
privilegiados e discriminados. A ausência de patrimônio a ser transmitido pela família
provoca uma dependência maior dos negros ao salário, diminuindo suas possibilidades
de escolarização e contribuindo para a reprodução das desigualdades (MOREIRA, 2017,
p. 140). E a dimensão estrutural legitima-se pelas ideologias sociais, resultante de um
processo histórico de acumulação, de manutenção e de reprodução do sistema de
discriminações e de privilégios, que estabelece desvantagens materiais aos integrantes
de grupos marginalizados.
Diante de tal compreensão contemporânea, o sistema normativo de combate à
discriminação volta-se não somente ao enfrentamento das discriminações
individualizadas, adquirindo uma dimensão coletiva e institucional.
Desde a Convenção 111 da OIT, o Brasil comprometeu-se a formular e aplicar uma
política nacional para promoção da igualdade de oportunidade e de tratamento em
matéria de emprego e profissão, com a finalidade de eliminar todos os modos de
discriminação (IGREJA, 2011, 2014). Em 2010, foi promulgado o Estatuto da Igualdade
Racial, que distribui entre estado e sociedade o dever de garantia da igualdade de
oportunidades a todos os cidadãos, independentemente da etnia ou da cor da pele,
firmado a partir de diretriz político-jurídica de inclusão das vítimas de desigualdade
étnico-racial e de valorização da igualdade étnica. Para consecução de seus objetivos, o
estatuto determina a modificação das estruturas institucionais do Estado para o
adequado enfrentamento e a superação das desigualdades étnicas decorrentes do
preconceito e a promoção de ajustes normativos que aperfeiçoem o combate à
discriminação, em suas manifestações individuais, institucionais e estruturais.
As instituições públicas e organizações privadas e empresariais estão vinculadas, pois,
aos deveres estabelecidos na Lei 12.288/2010, que instituiu o Estatuto para garantir a
efetivação da igualdade de oportunidades à população negra e o combate à
discriminação. Todavia, as regras que estabelecem obrigações de fazer às empresas
privadas são praticamente inexistentes.7 Estabelecem-se conceitos normativos
relacionados à discriminação racial ou étnico-racial, desigualdade racial e desigualdade
de gênero ou raça. Reconhece-se que, além da discriminação, a desigualdade racial
ocorre quando há uma “situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de
Desigualdade e discriminação: um olhar sobre o mercado
de trabalho brasileiro sob a ótica da interseccionalidade
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bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor,
descendência ou origem nacional ou étnica” (artigo 1º, parágrafo único, inciso II, Lei
12.288/2010).
Ainda que de modo insuficiente, a dimensão intersecional da desigualdade está presente
do Estatuto, que reconhece a existência de uma assimetria que amplia a distância entre
mulheres negras e outros segmentos da sociedade (artigo 1º, parágrafo único, inciso II,
Lei 12.288/2010). Como já examinado, a perspectiva trazida pela teoria da
interseccionalidade revela uma importante faceta da discriminação que atinge as
mulheres negras diante da convergência de fatores de exclusão, de sistemas de
opressão a que estão submetidas.
Por discriminação interseccional, portanto, podem ser designadas as
"[...] formas como vetores específicos de discriminação confluem para formar uma
vivência social particular construída a partir das formas como racismo e sexismo
restringem simultaneamente as oportunidades de um grupo social (MOREIRA, 2017, p.
113)."
Para o autor, a discriminação interseccional possui um caráter estrutural – desvantagem
material decorrente da menor chance de acesso ao trabalho que alimenta a violência e a
dependência – e um caráter político – invisibilização das demandas, dificuldade de
mobilização das mulheres negras. Da análise do mercado de trabalho e do direito laboral
incidente sobre a profissão com maior número de mulheres negras no Brasil, a de
doméstica, e sobre as condições laborais desiguais estabelecidas para as trabalhadoras
terceirizadas, maioria na área de asseio e conservação, consideradas atividades meio ou
periféricas, é possível observar que a discriminação interseccional possui também um
caráter jurídico, que se expressa na ambiguidade do próprio sentido do direito. Esse, ao
regular certas formas de contratação ou deferir proteção a um tipo específico de
trabalhador, institucionaliza as desigualdades. Como afirmado no início do artigo, as
legislações laborais inaugurais optaram, para proteger alguns trabalhadores, por excluir
diversos outros e outras do abrigo criado. O Direito assume essa natureza dúplice, que,
ora protege, ora estrutura desigualdades (SILVA, 2017), manifestando, no caso das
trabalhadoras negras, o caráter excludente das leis trabalhistas (MARTINEZ, 1995, p.
18).
Por sua vez, a dimensão política da diferenciação a que estão submetidas as mulheres,
em particular as mulheres negras, implica diretamente em limitações à democracia, à
capacidade representativa e à plena expressão para formação das regras do direito e das
políticas públicas, reproduzindo um ciclo de opressão e a manutenção de estruturas de
poder. Esse é um dos grandes déficits que permanece mesmo depois de trinta anos de
Constituição. E sem dúvida, um grande desafio para as próximas décadas.
Invisibilizadas e sem voz, as mulheres negras seguem no mercado de trabalho lutando
contra as mazelas da escravidão que as acompanham desde o século XIX. Nada
obstante, é possível ver algumas vitórias no campo jurídico, aqui já retratadas.
Conceitos como interseccionalidade e discriminação indireta, e também estrutural, são
chaves de leitura indispensável para a superação não apenas da discriminação e, com
essa, das desigualdades retratadas nas pesquisas.
6.Conclusão
Os dados analisados na pesquisa demonstram o que o imaginário social já percebe:
mulheres negras sofrem desvantagens no mercado de trabalho, mantendo-se marginais
em matéria de renda, qualidade de emprego e acesso à educação. É a incapacidade de
se superar essa situação que gera assombro e perplexidade. No ano do trigésimo
aniversário da Constituição Federal, as desigualdades e discriminações não arrefeceram.
Sem dúvida, contribuiupara essa ineficácia a tutela universalizante trazida pela
Constituição, que avançou em seu tempo para estabelecer um padrão normativo
Desigualdade e discriminação: um olhar sobre o mercado
de trabalho brasileiro sob a ótica da interseccionalidade
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baseado unicamente no gênero, mas que é insuficiente por olvidar as intersecções de
vulnerabilidade existentes na sociedade. A mulher que se pretende igual ao homem na
Constituição não abarca, em certa medida, a realidade histórica e atual das mulheres
negras, que possuem obstáculos diferenciados em sua integração social.
Nesse sentido, sentem-se os impactos da escravidão na segregação ocupacional da
população negra até a atualidade, conforme demostrou a análise do Relatório, visto que
atua na maioria nos serviços manuais e não qualificados, especialmente no trabalho
doméstico. A isso são agregadas as opressões de gêneros, que fazem com que as
mulheres negras sejam situadas nos mais baixos níveis da estratificação social brasileira,
com séria dificuldade de ascensão, dadas as interações das opressões de gênero, raça e
classe. Assim, podemos perceber um ciclo de manutenção das desigualdades raciais na
sociedade brasileira, visto que a população negra está economicamente situada nas
camadas mais baixas, inserida em postos de trabalho mais precários e mal
remunerados, com maior dificuldade de acesso à formação.
Nada obstante, é possível ver alguns avanços teórico-normativos nessa temática. A
edição do Estatuto da Igualdade Racial demonstra a constatação da situação
diferenciada de inserção social experimentada por negros e, especificamente, negras. E
deve ser considerada uma vitória, mormente em um cenário de parca representatividade
da mulher negra no Congresso Nacional.
No campo teórico, novos conceitos dão nome à experiências vividas por essa camada da
população e auxiliam na busca do entendimento das raízes, causas e efeitos da
desigualdade consolidada na sociedade. A partir da ideia de interseccionalidade, bem
como de discriminação indireta e estrutural, é possível analisar de forma mais nítida os
fenômenos sociais e obstáculos que o mercado de trabalho impõe às mulheres negras.
Superar requisitos como o de intencionalidade e arbitrariedade da discriminação é ponto
crucial para iniciar uma estratégia de combate que foque mais nos efeitos da
discriminação, do que na conduta do suposto agente discriminador.
Os avanços são lentos e conquistados arduamente. Em um cenário que indica
endurecimento das leis do mercado, com redução de direitos dos trabalhadores, pensar
na mulher negra trabalhadora é imaginar o sujeito que sofrerá o maior influxo da
marginalização causada por essas espécies de medidas. Mais um motivo para que a
inclusão igualitária da mulher negra no mercado de trabalho torne-se pauta nos debates
nas universidades, tribunais e centros de decisão em geral.
Reconhecer a persistência das desigualdades não implica ignorar os avanços que foram
feitos. É preciso falar sobre a mulher negra, ouvi-la e, principalmente, vê-la. Visibilizar
seus conflitos, dilemas e obstáculos, reconhecer sua posição particular, como vulnerável
submetida ao duplo sistema de opressão que envolve raça e gênero, sem esquecer da
possibilidade de agregação de outros. O artigo pretendeu trazer luz a essas realidades
ainda desconhecidas, pouco estudadas, mas urgentes.
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1 Já se tornou lugar comum a ressalva ao termo ondas feministas, uma vez que passa a
noção de evolução do pensamento feminista, com superação de uma onda pela seguinte.
Assim como as chamadas gerações de direitos humanos, o termo onda aqui tem apenas
uma função didática de permitir uma análise de um momento ou movimento específico,
não havendo relação de hierarquia entre as categorias (SANTOS, 2016, p. 113).
2 Apesar de não ser objeto desse estudo, a estruturação da sociedade brasileira, a partir
de uma experiência colonial, toca, em certa medida, à modelagem de mercado de
trabalho que se discute aqui.
3 Nesse dado os resultados de pretos e pardos são idênticos.
4 O presente trabalho não abordou a teoria da colonialidade do poder, visto que excedia
o recorte temático proposto para apresentação no evento. No entanto, é importante que
se registre minimamente a relevância da abordagem sobre os impactos das relações
coloniais na criação de uma naturalização de hierarquias sociais, associando os conceitos
de raça e divisão do trabalho.
5 Essa visão que foi anteriormente criticada no presente artigo, dada a forma como as
mulheres negras inseriram-se no mercado de trabalho.
6 “Privilégio é qualquer título, sanção, poder, vantagem ou direito garantido a um
indivíduo por pertencer a um grupo ou grupos cujas características são representadas
como ideais”, em geral a do homem branco heterossexual, explica José Adilson Moreira,
que indica como os privilégios são mecanismos de exclusão, pois garantem a
permanência de vantagens aos grupos sociais majoritários (2017, p. 146-147). O
conceito de branquitude, por sua vez, refere-se a um padrão cultural, uma modalidade
de representação cultural que se torna uma referência universal pela invisibilidade e
normalização de condutas, concorrendo para a reprodução da discriminação institucional
(MOREIRA, 2017, p. 153).
7 Entre as políticas de inclusão da população negra no mundo do trabalho, por medidas
afirmativas estabelecidas no Capítulo V do Estatuto da Igualdade Racial, destacamos os
artigos 39, 40, 41 e 42, a seguir transcritos por sua importância: “Art. 39. O poder
público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de
trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas
visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à
adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas. § 1º A igualdade de
oportunidades será lograda mediante a adoção de políticas e programas de formação
profissional, de emprego e de geração de renda voltados para a população negra. §
2º As ações visando a promover a igualdade de oportunidades na esfera da
administração pública far-se-ão por meio de normas estabelecidas ou a serem
estabelecidas em legislação específica e em seus regulamentos. § 3º O poder público
estimulará, por meio de incentivos, a adoção de iguais medidas pelo setor privado. § 4º
As ações de que trata o caput deste artigo assegurarão o princípio da proporcionalidade
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de gênero entre os beneficiários. § 5º Será assegurado o acesso ao crédito para a
pequena produção, nos meios rural e urbano, com ações afirmativas para mulheres
negras. § 6º O poder público promoverá campanhas de sensibilização contra a
marginalização da mulher negra no trabalho artístico e cultural. § 7º O poder público
promoverá ações com o objetivo de elevar a escolaridade e a qualificação profissional
nos setores da economia que contem com alto índice de ocupação por trabalhadores
negros de baixa escolarização. Art. 40. O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao
Trabalhador (Codefat) formulará políticas, programas e projetos voltados para a inclusão
da população negra no mercado de trabalho e orientará a destinação de recursos para
seu financiamento. Art. 41. As ações de emprego e renda, promovidas por meio de
financiamento para constituição e ampliação de pequenas e médias empresas e de
programas de geração de renda, contemplarão o estímulo à promoção de empresários
negros. Parágrafo único. O poder público estimulará as atividades voltadas ao turismo
étnico com enfoque nos locais, monumentos e cidades que retratem a cultura, os usos e
os costumes da população negra. Art. 42. O Poder Executivo federal poderá implementar
critérios para provimento de cargos em comissão e funções de confiança destinados a
ampliar a participação de negros, buscando reproduzir a

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