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Análise da Obra Literária Til

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ANÁLISE DE OBRAS LITERÁRIAS
TIL
JOSÉ MARTINIANO DE ALENCAR
Rua General Celso de Mello Rezende, 301 – Tel.: (16) 3238·6300
CEP 14095-270 – Lagoinha – Ribeirão Preto-SP
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SUMÁRIO
1. CONTEXTO SOCIAL E HISTÓRICO ............................................. 7
2. ESTILO LITERÁRIO DA ÉPOCA ..................................................... 9
3. O AUTOR ................................................................................................. 12
4. A OBRA .................................................................................................... 20
5. EXERCÍCIOS .......................................................................................... 29
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JOSÉ MARTINIANO DE ALENCAR
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1. CONTEXTO SOCIAL E HISTÓRICO
Um país agrário com poucas ilhas urbanas, eis o Brasil onde deveria medrar 
uma estética transplantada da Europa, mas sem as profundas razões sociais que 
lá o Romantismo tivera. Não tínhamos uma burguesia em ascensão, nem mes-
mo uma burguesia, com sua contrapartida, o proletariado. Não podíamos ter o 
espírito nostálgico de quem desce do poder, a aristocracia, tampouco de quem 
ainda não foi agraciado com as sobras do poder, uma classe média estruturada. 
Vivíamos uma monarquia nascente, em formação, com seu quadro administrativo 
e social ainda embrionário. 
Egresso de um colonialismo sôfrego, com sua estrutura de poder agrário 
e a economia baseada na produção do braço escravo e voltada para o mercado 
internacional, só depois da independência o Brasil começara a ter uma vida 
social e política própria, com todas as necessidades que este quadro novo 
engendrava. 
Instituições, como administração da justiça, parlamento, estrutura reli-
giosa, jornais, partidos políticos e todas as outras necessárias à vida de um país 
independente, criaram-se açodadamente, pois sem elas não pode viver uma 
nação soberana. 
Em 1840, com quinze anos de idade, D. Pedro II era declarado maior, como 
forma de acalmar os ânimos de revoltosos nas várias regiões do Brasil. E essa foi 
uma das primeiras tarefas do jovem monarca. 
Extensos latifúndios, cobertos por trabalhadores em regime de escravidão, 
garantiam a economia do Brasil. As cidades, pequenas e reduzidas a umas poucas 
atividades secundárias, não davam espaço a uma vida intelectual mais profícua. 
E mesmo os trabalhadores urbanos, em sua imensa maioria, eram escravos e 
quase sempre analfabetos. 
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A aristocracia brasileira, hereditária ou por meio de outorga, cumpria um 
papel muito mais ornamental do que uma efetiva função determinante na vida 
do país. Viagens, passeios, saraus, os bailes da Corte, os concertos e as comédias à 
noite, nos teatros da moda, os períodos de retiro para as fazendas de que viviam, 
era como a casta aristocrática evitava o tédio da vida. 
Começava a nascer, então, uma burguesia comercial, dedicando-se espe-
cialmente à exportação e importação. Mas o poder real continuava em mãos do 
setor agrário, em geral avesso às coisas da cultura. 
Por muito tempo, por exemplo, a educação brasileira fora administrada por 
uma diretoria baseada em uma sala anexa ao serviço dos correios e telégrafos. 
O Imperial Colégio D. Pedro II, um dos mais antigos do país, foi inaugurado 
em 1837, iniciando-se as aulas em 1838. Sua fundação deveu-se à necessidade 
de formação de uma elite intelectual que pudesse participar da administração 
pública. Colégios de jesuítas, esses já eram mais antigos, vinham do século XVI, 
havia-os em Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, mas estes, como aquele, tinham 
finalidade específica, isto é, o fornecimento de padres para cobrir as diversas e 
distantes províncias do Brasil. 
A Europa já vivera sua Revolução Industrial enquanto os coloniza-
dores, e mesmo os governantes nacionais, tinham os olhos voltados para 
a agricultura de exportação (o açúcar, num primeiro momento, um pouco 
mais tarde o café).
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2. ESTILO LITERÁRIO DA ÉPOCA
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Citando Karl Mannheim, Alfredo Bosi, em sua História concisa da literatura 
brasileira, afirmou que “... o Romantismo expressa os sentimentos dos descontentes 
com as novas estruturas: a nobreza, que já caiu, e a pequena burguesia que ainda 
não subiu: de onde, as atitudes saudosistas ou reivindicatórias que pontuam 
todo o movimento.”
Esse quadro refere-se à Europa, principalmente Alemanha, Inglaterra e 
França, países em que primeiro desabrochou o espírito romântico. 
O Brasil, recém-proclamado país independente, trouxe ainda traços de 
seu processo de colonização, tanto social quanto política e economicamente. 
Mas era nas estruturas de sua sociedade que se encontravam as principais 
disparidades em relação aos países europeus. Uma burguesia nascente, 
um proletariado fragmentário e inexpressivo, com o qual não faria sentido 
unir-se, em contraponto com uma classe rural rica e poderosa, com o cetro 
na mão. 
Eis por que nosso Romantismo não passou de imitação, um maneirismo, 
daquilo que acontecia na Europa. Não tivemos, como os poetas europeus, as 
razões para o spleen de Byron ou o mal du siècle de Musset, mas tivemos nossos 
cultores desse espírito (Álvares de Azevedo, Fagundes Varela, por exemplo), 
como arremedo do que do outro lado do oceano se fazia.
À falta de uma Idade Média, com seus heróis formadores de nacionali-
dades, com seus senhores feudais e os valores que supostamente defendiam, 
tivemos o índio como raiz da nação, transformado em herói, vestido de fraque 
e cartola. 
Imitação ou não, lá como aqui o mundo era visto pela óptica do sujei-
to. Era a voz do poeta que interpretava a realidade, e a partir dele tudo se 
revelava. Tratava-se de um subjetivismo exacerbado do qual resultava uma 
visão distorcida ou, pelo menos, idealizada da realidade: amor que domi-
na o ser humano, mulher-anjo, casta e virtuosa em todos os sentidos, uma 
paisagem edênica, exaltação da bravura e da beleza, insuperáveis em seus 
heróis e heroínas. 
Mas havia também aqueles que, sem pertencer a uma nobreza decadente 
e nostálgica, entregavam-se ao espírito então em voga, que era a atração pela 
morte. Enojavam-se da vida pragmática e entregavam-se a atividades deletérias, 
como seus colegas europeus. 
“Do que a terra mais garrida/ Teus risonhos, lindos campos têm mais 
flores:/ Nossos bosques têm mais vida/ Nossa vida, no teu seio, mais amores.” 
típica visão idealizada da pátria, logo romântica, chegou até nossos dias nas asas 
do Hino Nacional. 
Considera-se, para efeitos didáticos, o livro Suspiros poéticos e saudades, de 
Gonçalves de Magalhães, publicado em 1836, em Paris, como o marco inicial do 
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Romantismo no Brasil. Mas ao autor credite-se apenas a intenção, pois a liberdade 
formal, tão cara ao Romantismo, foi desprezada pelo poeta em sua maturidade. 
As formas fixas clássicas, o verso decassílabo, as odes, tercetos, sonetos, tudo isso 
foi abandonado pelos românticos que reivindicavam o gosto individual como 
norma a ser seguida por cada um. 
Acrescente-se ainda que o romance, tal como o conhecemos hoje (com as 
evidentes modificações ocorridas com a passagem de mais de um século), é fruto 
do gosto de uma classe não familiarizada com a rigidez clássica e seus assuntos. 
O romance veio preencher a necessidade de narrativa literária dessa nova classe 
de leitores, razão de seu êxito imediato.
José Martiniano de Alencar
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3. O AUTOR
Em 1829, o Brasil com sete anos de independência, nasceu José Martiniano 
de Alencar na localidade de Mecejana (CE). Filho do também José Martiniano 
de Alencar, ex-padre e senador do Império, ainda criança José de Alencar partiu 
com a família para o Rio de Janeiro,onde o pai exercia sua função parlamentar. 
Foi nessa cidade que recebeu a educação primária e secundária. 
Em 1845 foi para São Paulo, onde iniciou o curso de Direito, na Faculdade 
do Largo São Francisco. O pai foi nomeado governador da província do Ceará; 
mais tarde adoeceu, o que levou o jovem estudante para Olinda, ficando assim 
perto do pai ao mesmo tempo em que continuava o curso. Com a recuperação 
da saúde do governador, retornou ao Largo São Francisco, onde concluiu os 
estudos em 1850. 
Diplomado, seguiu para o Rio de Janeiro, cidade que escolheu para viabili-
zar sua carreira. Iniciou-se no jornalismo, principalmente como cronista político 
e de moda feminina, mas a literatura, desde os tempos de escola, já estava em 
seus planos. Ao lado dessas duas atividades, e de maneira central, dedicou-se 
à advocacia, sua principal fonte de subsistência, mas apenas por poucos anos. 
“Ao correr da pena”, coluna que mantém no Correio Mercantil (o principal 
jornal da Corte), tornou-o bastante conhecido. Mais tarde, sob o pseudônimo 
de Ig, estabeleceu polêmica com o próprio imperador (escondido também sob 
pseudônimo) a respeito da publicação do poema épico A confederação dos tamoios, 
de Gonçalves de Magalhães, amigo de D. Pedro II, e com todos os vícios do 
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Arcadismo, dos quais jamais se desvencilhou. Foi nesse período e nesse mesmo 
jornal que, em forma de folhetins, foram publicados seus dois primeiros roman-
ces, Cinco minutos e A viuvinha, ambos sob forte influência de Joaquim Manuel 
de Macedo, na época o mais famoso romancista brasileiro. 
Da polêmica a respeito de A confederação dos tamoios, e como seu resultado, 
produziu um de seus romances mais conhecidos até hoje e que, na época, fez imenso 
sucesso, lançando seu autor em definitivo para o rol dos maiores escritores do país. 
Mercê de suas atividades jornalísticas, que jamais abandonou, e com a 
morte do pai, em 1860, José de Alencar ingressou na vida política, tendo sido 
eleito deputado provincial pelo seu estado, o Ceará. Mas a carreira política, em 
que pese o fato de dedicar-se a ela com empenho, não lhe tolheu a veia criativa, 
e sua produção literária não sofreu solução de continuidade. Desde 1857 vinha 
dedicando-se ao teatro, para o qual produziu dramas e comédias. 
Diferentemente de seu pai, um liberal, José de Alencar filiou-se à corrente 
política que dava sustentação ao imperador, o Partido Conservador. Graças a 
essa proximidade com o poder é que ele foi guindado ao Ministério da Justiça. 
Aos 40 anos de idade, viu frustrada sua aspiração a ocupar uma cadeira 
no Senado, mesmo eleito com o maior número de votos em uma ficha tríplice. 
A escolha final era incumbência de D. Pedro II, que o preteriu em favor de outro 
candidato. Desgostoso com o fato, Alencar abandonou suas atividades políticas, 
voltando-se para o jornalismo, com o qual atacou o governo do Brasil, e para a 
continuação de sua obra.
Espírito vivaz e polêmico, praticamente a vida toda passou defendendo-se 
e acusando. Além da polêmica a respeito de Gonçalves de Magalhães, em Cartas 
a Cincinato defendeu-se de acusações do escritor nordestino Franklin Távora, 
que o acusava de escrever sobre regiões que não conhecia. De Castilho, e suas 
acusações de escrita incorreta, defendeu-se também, acabando por elaborar uma 
teoria da “língua brasileira”. Graças a isso foi considerado mais tarde o primeiro 
escritor genuinamente brasileiro. 
Teve uma vida amargurada, foi perseguido politicamente pelo impera-
dor e pelos defensores em geral do poeta Gonçalves de Magalhães, acusado de 
imaginoso e deformador e de usar uma língua não castiça; enfim, acossado pela 
doença, poucos foram os anos de paz e sossego do autor. 
Foi casado com Ana Cochrane de Alencar, como ele filha de senador, e de 
quem teve o filho Mário de Alencar. 
Há algum tempo vinha lutando contra os sinais da tuberculose, que avan-
çava a despeito de seus cuidados. 
Em 1877, finalmente, empreendeu com a família uma viagem à Europa a 
fim de intensificar seu tratamento. Para isso, viu-se forçado a leiloar muitos de 
seus bens. O intento foi fracassado e Alencar retornou ao Rio, onde, no mesmo 
ano, veio a falecer. 
José Martiniano de Alencar
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OBRAS
Romance
1856 – Cinco minutos
1857 – A viuvinha
1857 – O guarani
1862 – Lucíola
1864 – Diva
1865 – Iracema
1866 – As minas de prata
1870 – O gaúcho
1870 – A pata da gazela
1871 – O tronco do ipê
1872 – Sonhos d’ouro
1872 – Til
1873 – Alfarrábios
1873 – Guerra dos mascates 
1874 – Ubirajara
1875 – Senhora
1875 – O sertanejo
1893 – Encarnação (póstumo)
Teatro
1857 – O crédito
1857 – Verso e reverso
1857 – Demônio familiar
1858 – As asas de um anjo
1860 – Mãe
1867 – A expiação
1875 – O jesuíta
Crônica
1874 – Ao correr da pena
Autobiografia intelectual
1893 – Como e porque sou romancista (póstumo)
Crítica e polêmica
1856 – Cartas sobre a Confederação dos tamoios
1865 – Ao imperador: Cartas políticas de Erasmo 
1865 – Novas cartas políticas de Erasmo
1866 – Ao povo: Cartas políticas de Erasmo
1866 – O sistema representativo
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CARACTERÍSTICAS DO ESTILO DE JOSÉ DE ALENCAR
Desde cedo habituado a ver o Brasil e seu futuro como centro de debates, 
vindo mais tarde ele mesmo a discutir o país, por ser um de seus parlamentares, é 
fácil entender que sua visão da literatura abrigasse um espaço especial para o Brasil. 
O primeiro escritor brasileiro a produzir sua obra dentro de um projeto 
amplo, José de Alencar se impôs retratar o Brasil no tempo e no espaço. Para tanto, 
escreveu romances que vão do Brasil pré-cabralino até sua contemporaneidade, 
abordando as várias fases da vida brasileira em romances raramente históricos. 
Para dar cobertura ao espaço, José de Alencar produziu romances cujo cenário 
abrangia as várias regiões brasileiras. 
GRUPOS
O próprio autor dividiria sua obra de ficção em quatro grupos distintos, a saber:
Romances urbanos
Cinco minutos
A viuvinha
A pata da gazela 
Lucíola
Diva
Senhora
Romances indianistas
O guarani
Iracema
Ubirajara
Romances históricos
As minas de prata
Guerra dos mascates
Romances rurais 
O gaúcho
O tronco do ipê
O sertanejo
Til
Os títulos citados são apenas exemplares, sem o objetivo de classificar toda 
sua obra. 
FIGURAS DE LINGUAGEM
Entre as figuras mais encontradas no discurso alencariano, encontra-se, 
em primeiro lugar, o símile, ou comparação literária, como se observa abaixo:
Símile
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa 
da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no 
bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do 
Ipu, onde campeava sua guerreira tribo da nação tabajara. 
José Martiniano de Alencar
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Metáfora
Com muita frequência, também encontram-se as metáforas:
Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar. 
Prosopopeia
Sobretudo em seus romances indianistas e rurais, são fartos os casos de 
prosopopeia.
O cristão adormeceu ouvindo o suspirar entre os murmúrios da floresta, o canto 
mavioso da virgem indiana.
ADJETIVAÇÃO
José de Alencar nunca economizou adjetivos em seus escritos, como nos 
exemplos a seguir:
O herói sonha tremendas lutas e horríveis combates, de que sai vencedor, cheio 
de glória e fama. O velho renasce na prole numerosa e como o seco tronco donde rebenta 
nova e robusta sebe, ainda cobre-se de flores. 
(...)
O coração da virgem, como o do estrangeiro, ficou surdo à voz da prudência. 
O sol levantou-se no horizonte; e o seu olhar majestoso desceu dos montes à flores-
ta. Poti, de pé, mudo e quedo, como um tronco decepado, esperou que seu irmão 
quisesse partir.PERÍODOS LONGOS
O autor faz normalmente uso de períodos bastante extensos, mas fluentes 
e harmônicos, agradáveis ao ouvido.
O moço guerreiro, encostado ao mastro, leva os olhos presos na sombra fugitiva 
da terra; a espaços o olhar empanado por tênue lágrima cai sobre o jirau, onde folgam as 
duas inocentes criaturas, companheiras de seu infortúnio.
(...)
À saída do bosque sagrado encontrou Iracema: a virgem reclinava num tronco 
áspero do arvoredo; tinha os olhos no chão; o sangue fugira das faces; o coração lhe tremia 
nos lábios, como gota de orvalho nas folhas do bambu. 
(...)
Perlongando as frescas margens, viu Martim no seguinte sol os verdes mares 
e alvas praias, onde as ondas murmurosas soluçam às vezes e outras raivam de fúria, 
rebentando em frocos de espuma. 
Observe-se nesse último fragmento a sequência de adjetivos e as prosopo-
peias “ondas murmurosas soluçam”, “raivam de fúria”. 
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IDEALIZAÇÃO
Os heróis de José de Alencar são modelos de força, beleza, coragem, enfim, 
de todas as virtudes. Exemplo disso é o Peri, de O guarani. 
Em pé, no meio do espaço que formava a grande abóbada de árvores, encostado a 
um velho tronco decepado pelo raio, via-se um índio na flor da idade.
Uma simples túnica de algodão, a que os indígenas chamavam aimará, apertada 
à cintura por uma faixa de penas escarlates, caía-lhe dos ombros até ao meio da perna, e 
desenhava o talhe delgado e esbelto como um junco selvagem. 
Sobre a alvura diáfana do algodão, a sua pele, cor do cobre, brilhava com reflexos 
dourados; os cabelos pretos cortados rentes, a tez lisa, os olhos grandes com os cantos 
exteriores erguidos para a fronte: a pupila negra, móbil, cintilante; a boca forte mas bem 
modelada e guarnecida de dentes alvos, davam ao rosto pouco oval a beleza inculta da 
graça, da força e da inteligência. 
(...)
Luta terrível, espantosa, louca, esvairada; luta da vida contra a matéria; luta do 
homem contra a terra; luta da força contra a imobilidade. 
Houve um momento de repouso em que o homem, concentrando todo o seu po-
der, estorceu-se de novo contra a árvore; o ímpeto foi terrível; e pareceu que o corpo ia 
despedaçar-se nessa distensão horrível.
Ambos, árvore e homem, embalançaram-se no seio das águas: a haste oscilou; as 
raízes desprenderam-se da terra já minada profundamente pela torrente. 
A cúpula da palmeira, embalançando-se graciosamente, resvalou pela flor da água 
como um ninho de garças ou alguma ilha flutuante, formada pelas vegetações aquáticas. 
Peri estava de novo sentado junto de sua senhora quase inanimada; e, tomando-a 
nos braços, disse-lhe com um acento de ventura suprema:
‒ Tu viverás!...
Tanto a descrição do índio, hiperbólica em suas qualidades, quanto a nar-
ração de sua ação final, no romance O guarani, são exageros que só a idealização 
pode explicar. 
Exagerado, também, é o modo como as personagens femininas são descritas.
Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela.
Desde o momento de sua ascensão ninguém lhe disputou o cetro; foi proclamada 
a rainha dos salões.
Tornou-se a deusa dos bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos noivos em disponi-
bilidade.
Era rica e formosa.
Duas opulências, que se realçam como a flor em vaso de alabastro; dois esplendores 
que se refletem, como o raio de sol no prisma de diamante. 
José Martiniano de Alencar
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MANIQUEÍSMO
É comum entre os românticos uma visão de mundo em que existem apenas 
os dois extremos, entre os quais nada mais existe. 
Como já vimos, os heróis são seres perfeitos, mas seus opositores são sempre 
demonizados, como portadores de todos os vícios, de todos os defeitos possíveis 
no ser humano. Peri era um índio goitacá, que protegia a família de D. Antônio 
de Mariz. Observe-se como são descritos os aimorés, índios de outra tribo que 
ataca o fidalgo português.
Essas setas assim inflamadas, despedidas dos seus arcos voavam pelos ares e iam 
cravar-se nas vigas e portas das casas; o fogo que o vento incitava, lambia a madeira, 
estendia a sua língua vermelha, e lastrava pelo edifício.
Enquanto se ocupavam com esse trabalho, um prazer feroz animava todas essas 
fisionomias sinistras, nas quais a braveza, a ignorância e os instintos carniceiros tinham 
quase de todo apagado o cunho da raça humana. 
É de se notar que tanto são índios os aimorés quanto Peri, mas quão dife-
rentes são as descrições. 
NATUREZA
Entre os românticos, é comum a natureza participar dos sentimentos hu-
manos. Ela pode ser mãe benfazeja ou megera ameaçadora. 
Em O guarani já tivemos o exemplo de Peri lutando contra a natureza que 
o queria eliminar; mas o herói consegue subjugá-la, com esforço e inteligência. 
Em outra passagem, lê-se o seguinte:
O que esperava ela? Não sabia; mas o ar lhe parecia mais perfumado, a luz mais 
brilhante, o olhar via os objetos cor-de-rosa, e o leve roçar da espiguilha do vestido no seu 
colo aveludado causava-lhe sensações voluptuosas. 
MULHER DIVA
A mulher é idealizada, casta e pura, e desperta apenas pensamentos su-
blimes, daqueles que sempre estão do lado do bem. 
Vendo aquela menina loura, tão graciosa e gentil, o pensamento elevava-se 
naturalmente ao céu, despia-se do invólucro material e lembrava-se dos anjinhos 
de Deus. 
AMOR RENÚNCIA
Veremos adiante, quando tratarmos de Til e seu amor por Miguel.
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AMOR QUE RESGATA
É sob o efeito do amor que Fernando Seixas, do romance Senhora, um 
dândi ocioso, que se vendera por dinheiro, submetendo-se a sacrifícios imensos 
consegue modificar-se para merecer o amor de Aurélia Camargo. 
Seixas ergueu nos braços a formosa mulher, que ajoelhara a seus pés; os 
lábios de ambos se uniam já em férvido beijo, quando um pensamento funesto 
perpassou no espírito do marido. Ele afastou de si com gesto grave a linda cabeça 
de Aurélia, iluminada por uma aurora de amor, e fitou nela o olhar repassado de 
profunda tristeza.
‒ Não, Aurélia! Tua riqueza separou-nos para sempre.
A moça desprendeu-se dos braços do marido, correu ao toucador, e trouxe um papel 
lacrado que entregou a Seixas. 
‒ O que é isto, Aurélia?
‒ Meu testamento.
Ela despedaçou o lacre e deu a ler a Seixas o papel. Era efetivamente um testamento 
em que ela confessava o imenso amor que tinha ao marido e o instituía seu universal 
herdeiro.
‒ Eu o escrevi logo depois do nosso casamento; pensei que morresse naquela noite, 
disse Aurélia com um gesto sublime.
Seixas contemplava-a com os olhos rasos de lágrimas.
‒ Esta riqueza causa-te horror? Pois faz-me viver, meu Fernando. É o meio de a 
repelires. Se não for bastante, eu a dissiparei. 
As cortinas cerraram-se, e as auras da noite, acariciando o seio das flores, cantavam 
o hino misterioso do santo amor conjugal.
Nesta mesma linha está Lúcia, do romance Lucíola, uma prostituta que 
conhece o amor e por ele se regenera e se purifica.
‒ Tu me purificaste ungindo-me com os teus lábios. Tu me santificaste com o teu 
primeiro olhar! Neste momento Deus sorriu e o consórcio de nossas almas se fez no seio 
do Criador.
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4. A OBRA
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Publicado em 1872, Til é um romance da fase adulta de José de Alencar, 
quando o autor, apesar de seus muitos desafetos, já dispunha de grande prestígio 
literário. Não se pode falar de uma fase regionalista, em que estaria confortavel-
mente o romance, porque Alencar não dividiu sua obra propriamente em fases, 
mas escrevia sempre tendo em vista seu projeto. 
Til é um romance rural, que se passa no estado de São Paulo, às margens 
do rio Piracicaba, então uma vila cuja referência geográfica e administrativa era 
a cidade de Campinas. 
Muitas das características gerais do autor comparecem neste romance 
narrado em 3ª pessoa. Mas diferentemente de suasmelhores obras urbanas, com 
profundidade psicológica e dramas humanos significativos, em Til o que temos 
é um romance de peripécias, com ciladas, vinganças, mistérios, perseguições e 
um enredamento complicado. 
É uma história em que amores e crimes se alternam na narrativa, por vezes 
vertiginosamente. 
ESTRUTURA
O romance é temporalmente alinear, dividido em duas partes, modo típico 
de José de Alencar construir suas histórias. Na primeira parte, desenvolve uma 
trama deixando espaços vazios, que deverão ser preenchidos na segunda parte, 
ao retomar a história muito antes do primeiro capítulo e justificando muitas 
das ações iniciais. Ou seja, o tempo narrativo avança, para retornar mais tarde 
ao passado da história. 
Os capítulos, com certa regularidade de extensão, denunciam o vezo da 
publicação inicial em folhetim, prática comum na época. 
MANIQUEÍSMO
Como em grande parte de sua obra, neste romance encontram-se em 
luta feroz o bem e o mal, identificados em dois grupos distintos: Berta e seus 
amigos Linda e Miguel, os pais destes, Jão Fera, Zana, Brás, Tudinha, Besita; do 
outro lado, o lado do mal, alinham-se Barroso/Ribeiro, Gonçalo Pinta, Monjolo, 
Chico Tinguá e outros que participam das tramas com o propósito de destruir 
o primeiro grupo. 
TEMÁTICA
Redenção pelo amor, lealdade, amor renúncia, heroísmo, compaixão, a 
vida livre em contato com a natureza mãe, a intervenção súbita e milagrosa 
da sorte para solucionar problemas, enfim, é um romance em que o tema 
central pode ser a compaixão, mas que aborda ainda um rol de subtemas 
caros ao Romantismo.
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Berta, a protagonista da história, uma heroína tipicamente romântica, 
representante do bem e das virtudes femininas, é o suporte do que há de mais 
evidente no desenvolvimento temático da obra. Amor e compaixão, eis os prin-
cipais sentimentos que a movem. 
Contrariamente, Barroso, o principal antagonista, encarna o mal, com 
seu ódio, sede de vingança e as ações crapulosas com que busca atingir seus 
intentos. 
ENREDO
Dando uma ordem linear à obra, em Santa Bárbara, no município de Piraci-
caba, ficava a fazenda Palmas, a maior e mais rica daquela região, que mais tarde 
viria a ser herdada por Luís Galvão. Este, quando moço, tinha um companheiro, 
o Jão Fera (esse apelido só lhe foi atribuído mais tarde), com quem partilhava 
uma vida solta e ociosa. 
Nas vizinhanças, morava a moça mais bonita do lugar, Besita, filha de 
família pobre, por quem os dois amigos se apaixonam. Ocorre que o amor de 
Jão Fera era puro, mas silencioso, ao passo que Luís Galvão só quer o sexo 
dessa possível relação. Ante as muitas investidas do jovem fazendeiro, Besita 
casa com um jovem que mal conhece, o Barroso, que no dia seguinte ao casa-
mento parte para uma cidade distante a fim de deslindar uma complicação 
com sua herança. 
Meses mais tarde, ouvem-se batidas à porta, tarde da noite, e uma escrava 
vai atender, gritando para o quarto de Besita que é o sinhô que voltava. A jovem 
esposa aceita-o na cama, e descobre ao amanhecer que não era outro senão Luís 
Galvão, com quem tivera uma noite de amor. 
Mas Luís Galvão já era casado com D. Ermelinda, moça fina e educada 
da cidade. Nove meses depois nasce Berta, a Til, que o pai não reconhece. Com 
algumas semanas de vida, um dia está nos braços de sua mãe quando Barroso, 
das sombras do mato, observando, descobre que fora traído. Avança contra a 
esposa e a enforca com os próprios cabelos. Não consegue matar a criança, que 
havia sido carregada e escondida por Zana, uma escrava. 
Jão Fera, silenciosamente apaixonado por Besita, aparece e Barroso conse-
gue fugir. Apesar de sua feroz perseguição, Jão não vai mais encontrar o assassino, 
que fugiu para Portugal. 
Berta torna-se a principal amiga do casal de irmãos, Linda e Afonso, com 
quem cresce e brinca, sob os olhares de seu irmão de criação, Miguel. 
Com o passar do tempo, cria-se um quadro amoroso difícil, com Linda 
apaixonada por Miguel, e Afonso apaixonado por Berta. Mas acontece que Mi-
guel já estava apaixonado por sua irmã de criação e não quer saber de Linda. E 
Berta, que também ama Miguel, abdica de seu amor e tudo faz para que ele se 
apaixone pela menina rica. 
Til
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De volta de Portugal, com o rosto transformado e usando outro nome, Ribei-
ro, Barroso volta ao Brasil com a ideia fixa de assassinar Luís Galvão, culpado pela 
morte de Besita, mas sem deixar com vida o fruto daquela relação ilícita: Berta. 
Jão Fera, então, já se tornara um assassino profissional. Morava em uma 
gruta no meio da floresta e recebia encomendas de morte. Mas, como assassino 
herói, o passado o justifica, nunca fica de tocaia, nem usa espingarda. É com o fio 
de sua faca e frente a frente que se desincumbe das tarefas que lhe encomendam. 
O resto do tempo, e escondido entre o espesso arvoredo, ele segue os passos de 
Berta, por quem nutre um amor paternal como forma de se compensar pelo amor 
de Besita, que lhe foi roubado.
Pois é com Jão Fera que Barroso imagina assassinar Luís Galvão, de quem 
o facínora se afastara desde os tempos em que seu companheiro de correrias, 
enganando Besita, roubara-lhe uma noite de amor. 
Depois de pagar a metade do preço acertado, Ribeiro, ou Barroso, não re-
conhecido, começa a pressionar o Bugre, Jão Fera, para que cumprisse o acordo. 
Quando está perto de se consumar o assassinato, Berta aparece e evita a desgraça. 
Jão Fera tem uma obediência religiosa à menina. 
Muitas ciladas, atos de força e heroísmo à frente, Ribeiro, em conluio com 
escravos da fazenda Palma, projeta matar seu rival numa noite de São João. 
Para tanto, depois de todos, cansados da festa, recolherem-se a seus quar-
tos, ateia fogo no canavial. Os escravos estão presos: Monjolo havia roubado 
a chave. Desesperado com o incêndio, Luís Galvão sai em carreira desabalada 
para comandar seus homens, que não aparecem. Ao passar por um carreador, 
leva uma paulada na cabeça e vai ser jogado às chamas quando aparece Jão Fera, 
que o salva e joga no fogo o Ribeiro juntamente com todos os homens que com 
ele estavam combinados. 
Depois do esforço de Berta para juntar Miguel e Linda, D. Ermelinda 
proíbe o namoro dos dois por causa da distância social que os separa. Mas ante 
toda a tragédia que se abateu sobre a fazenda, Luís Galvão resolve morar em 
São Paulo, capital, para onde leva a família e, junto com eles, Miguel, a quem 
deverá custear os estudos. 
Berta, desde a descoberta de seu verdadeiro pai, o rejeita irremediavel-
mente.
Quando terminou essa dolorosa narração, Berta que a ouvira com um respeitoso 
silêncio, apenas cortado pelo contínuo soluço que fazia arfar-lhe o seio, alçou ao céu os 
olhos cheios de lágrimas.
‒ E ele é meu pai!...
Depois erguendo-se de um ímpeto, e apertando as mãos grosseiras do Bugre:
‒ Não! Não!... exclamou ela. Meu pai és tu, que me recebeste dos braços de minha 
mãe, com seu último suspiro. 
José Martiniano de Alencar
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E é ainda Berta, a protetora de Jão Fera, de Zana, a escrava louca, e de Brás, 
o rapaz deficiente mental, que, na despedida de seu irmão de criação, demonstra 
a grandeza de sua alma.
Cortou os ares um grito de angústia. Brás caíra ao chão como fulminado, e estre-
buchava em uma violenta convulsão, soltando uivos estridentes.
Berta desprendeu-se dos braços do moço:
‒ Não, Miguel. Lá todos são felizes! Meu lugar é aqui, onde todos sofrem. 
E rompendo o doce enlevo que a prendia um momento antes, soluçou:
‒ Adeus!...
ELEMENTOS DA NARRATIVA
Narrador
Narrador onisciente, em terceira pessoa, como é o modo predominante 
no romance do século XIX. É o narrador com distância suficiente para um olhar 
que abranja todo o cenário, mas que se imiscua também na intimidade das per-
sonagens.
Personagens
Berta
A menina enjeitada que dá sentidoa toda a trama. Típica heroína ro-
mântica, encarna todas as virtudes femininas. Tem entre quinze e dezesseis 
anos, sacrifica seu amor por lealdade a uma amiga e salva a vida de várias 
pessoas. Corre livre pelas matas e campos, pratica a caridade (com Zana e 
Brás, principalmente). 
Ela, pequena, esbelta, ligeira, buliçosa, saltitava sobre a relva, gárrula e cintilante 
do prazer de pular e correr; saciando-se na delícia inefável de se difundir pela criação e 
sentir-se flor no regaço daquela natureza luxuriante.
(Trata-se aqui da natureza-mãe.)
Ao ver Miguel ameaçado por Jão Fera:
‒ Vai embora! Disse ela com império; e a voz parecia ranger-lhe nos lábios pálidos. 
Ao caracterizá-la, o narrador usa expressões como: coragem da linda compa-
nheira, lindo semblante, seu olhar sereno e meigo, corpo mimoso, ninfa celeste. 
Miguel
Filho de Nhá Tudinha, que recolheu Berta ainda bebê, com o passar do 
tempo acaba apaixonando-se pela irmã de criação. Mas, por manobras desta, 
acaba aceitando o amor da vizinha rica. Rejeitado por D. Ermelinda, a mãe, cai 
em desespero. Mais uma vez, por obra de Berta, é acolhido e segue para São 
Paulo a fim de estudar para merecer a mão de Linda. 
Til
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Não teve Luís Galvão coragem para resistir ao pedido de Berta. Parecia-lhe que 
assim cumpria um voto de Besita. D. Ermelinda condescendeu prontamente com o desejo 
do marido, ansiosa por vê-lo restituído à sua tranquilidade e arrependida da confissão 
que provocara. 
Combinou-se que Miguel iria estudar a São Paulo; e dois anos depois se efetuaria 
o casamento naquela cidade para onde a família devia partir logo. 
Luís Galvão
Herdeiro de uma rica fazenda, era o que se chamava de estroina quando 
solteiro. Apesar da vida campestre que levava, acabou por se casar com moça 
fina da cidade. 
Não resistiu ao desejo de possuir Besita e, usando de um estratagema 
conhecido desde a Antiguidade (episódios da mitologia greco-romana), fez-se 
passar pelo marido ausente, era noite escura, relação de que resultou Berta. 
Assim como todas as personagens do romance, é plano, de psicologia 
pobremente desenvolvida. É apenas um homem rico, e como tal ele age. Seu 
único momento de conflito foi a dúvida se deveria confessar à esposa ou não 
sua aventura com Besita.
Imagine-se quanto não sofreu Luís Galvão, humilhado assim na estima da mulher, 
ele que sentia-se rebaixado ante a própria consciência, quando recordava aquela vergonha 
de sua mocidade!
(...)
Mas Luís Galvão era desses homens que vivem muito à superfície d’alma, onde 
o contentamento do mundo, os prazeres efêmeros e as impressões do momento formam 
uma camada que sopita alguma reminiscência mais profunda. 
D. Ermelinda
Esposa de Luís Galvão, filha de um capitalista de Campinas, era mulher de 
origem urbana, educada, sensata e dedicada à família. Quando soube da atração 
sentida por sua filha Linda por um moço pobre das redondezas, Miguel, tratou 
de evitar que as relações se aprofundassem.
Linda soltou uma exclamação de susto. D. Ermelinda, vendo a filha passar, a 
acompanhara e surpreendera os dois amantes. 
Não se irritou a senhora, que viu a aflição pintada no rosto da filha.
Ao contrário, abraçando-a com ternura, chamou Miguel, o qual procurava es-
conder-se à sua vista. Aproximou-se o moço, pálido e confuso, para ouvir estas palavras 
pronunciadas com um tom de meiga severidade:
‒ Diga adeus a Linda, Miguel; mas para sempre! Ela não pode pertencer-lhe.
O moço abraçou Linda e partiu soluçando. A menina escondeu o pranto no seio 
da mãe, que a furto enxugava os olhos. 
José Martiniano de Alencar
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Jão Fera
Durante uma grande enchente no rio, uma família pobre, ao tentar atraves-
sar para o outro lado, foi carregada pelas águas. Salvou-se um menino, batizado 
e criado por Afonso Galvão, fazendeiro da localidade. 
Jão, como passou a ser chamado o menino acolhido na fazenda, criou-se 
em companhia de Luís Galvão, o filho do fazendeiro. Nas brincadeiras e nas 
viagens, servia-lhe como uma espécie de pajem, sempre pronto a proteger o filho 
de seu protetor. Muito forte, desde criança, era visto pela família Galvão como 
uma garantia de proteção para seu turbulento filho. 
Mas ambos, Luís Galvão e Jão Fera, apaixonam-se pela mesma moça da 
aldeia vizinha, Santa Bárbara. Porém, enquanto Luís Galvão só quer usufruir dos 
dotes físicos da moça pobre, Jão Fera tem por ela verdadeira adoração, quase 
religiosa. 
Quando, por meio de um engodo, Luís Galvão consegue dormir com Besi-
ta, objeto da dupla paixão, Jão Fera rompe com o quase irmão, embrenha-se na 
floresta e vai morar em uma furna, como fera realmente. O golpe é muito forte 
e o tranquilo Jão Fera torna-se um criminoso a soldo de quem quiser: mata por 
dinheiro. 
Contratado para matar um homem, recebe alta quantia em dinheiro que, 
inadvertidamente, ele gasta. Quando fica sabendo quem é a futura vítima, reluta, 
hesita, mas não tem como devolver o que havia recebido e, assim, mantém sua 
palavra. 
Por fim, esquiva-se de matar seu antigo companheiro e consegue resolver 
o problema da palavra empenhada, ao descobrir que seu contratante é o marido 
de Besita, que a havia matado. 
Jão Fera dedica grande parte de seu tempo a velar pela segurança de Berta, 
a filha da ligação ilícita de Luís Galvão com Besita. A menina exerce poderes 
ilimitados sobre o facínora.
A orla do mato assomara o vulto de um homem de grande estatura e vigorosa 
compleição, vestido com uma camisola de baeta preta, que lhe caía sobre as calças de 
algodão riscado. Apertava-lhe a cintura rija e larga faixa do couro mosqueado de cas-
cavel, onde via-se atravessada a longa faca de ponta com bainha de sola e cabo de osso 
grosseiramente lavrado. 
(...)
Ao sumir-se na espessura, Jão Fera voltou o rosto e por entre a basta ramagem 
esteve a contemplar o vulto esbelto da menina. 
(...)
Oculto no mato, foi o capanga, qual ao arrasto de uma cadeia, seguindo maqui-
nalmente Inhá, através do campo. 
Til
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Cumpre acrescentar, finalmente, que Jão Fera é a única personagem do 
romance que passa por uma transformação: de matador feroz, e por ordem de 
Berta, transforma-se em trabalhador rural, trocando a faca de ponta pela enxada. 
Linda e Afonso
Ambos são filhos de Luís Galvão. Ele, com o mesmo nome do avô, tem 
certa queda por Berta, mas no final descobre-se irmão da menina. 
Linda, criatura bastante apagada, apaixona-se por Miguel, de condição so-
cial bastante inferior. No final, consegue seu intento e o rapaz pobre acompanha 
a família, que se muda para São Paulo, onde ele vai estudar. 
Nestas circunstâncias lembrara-se Luís Galvão de propor à mulher uma viagem à 
corte; e ela aceitara com fervor a ideia. Deixar as Palmas era um meio de escapar à tirania 
das pungentes recordações, e de afastar Linda de Miguel. 
Besita
Moça linda e recatada, filha de Guedes, um viúvo pobre de Santa Bárbara. 
Apesar de requestada com insistência pelo jovem Luís Galvão, mantém-se firme 
no propósito de não lhe ceder aos desígnios. 
Entre os mais assíduos, nenhum levava as lampas a Luís Galvão, que era naquela 
época um chibante mocetão de vinte anos. Raro dia, não vinha ele ao povoado e não achava 
pretexto para apear-se em casa do velho Guedes, pai de Besita. 
E foi por causa desse assédio que ela resolve aceitar o casamento com Bar-
roso, que no dia seguinte viaja e, quando volta, Besita já tem Berta nos braços. 
Seu marido, sentindo-se traído, enforca Besita com os próprios cabelos da esposa. 
Zana e Brás
São os dois dementes do romance. Zana, uma escrava, perdeu a razão ao 
presenciar o assassinato de Besita, mãe de Berta. Ficou morando na tapera que 
fora a casa de Guedes. 
Brás, sobrinho de Luís Galvão, é adotado por este depois de perder os pais. 
D. Ermelinda não morre de amores pelo sobrinho.Ambos são objetos da compaixão de Berta.
‒ Zana! Disse afinal a menina.
Estremeceu a negra, e pôs-se a escuta daquela voz, como se viesse de longe, de bem 
longe, e só mui de leve lhe ferisse as ouças. Não se repetindo o chamado, voltou à primeira 
posição e continuou o resmonear, abanar a cabeça coberta de uma carapinha grisalha da 
cor de lã churra do carneiro.
Entretanto Berta aproximou-se de uma prateleira que havia na parede, junto ao 
fogão, para esvaziar ali o resto do saco. No velho alguidar esborcinado, deitou a farinha 
de milho; e sobre a tábua algum feijão e torresmos de carne de porco, embrulhados em 
folhas de couve. 
José Martiniano de Alencar
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Zana vive sozinha na tapera e não sobreviveria sem os cuidados de Berta. 
Til, como Brás chama Berta, se esforça para que ele aprenda pelo menos 
os nomes das letras. Todos os dias insiste naquela tarefa. É a única pessoa que 
dá alguma atenção ao demente. 
E a menina cingiu com o braço esquerdo a cabeça do rapaz e a estreitou ao seio 
com efusão.
O sentimento de bem-aventurança que difundiu-se pela fisionomia do idiota; o 
êxtase de felicidade, no qual se embeberam suas feições, sempre transtornadas pela im-
becilidade, e agora consertadas por um plácido sopitamento; essa elação ao toque da meiga 
carícia, não há traços para esboçar.
Tempo
O tempo da história abrange um período provável de mais de vinte anos. 
A referência mais antiga é de 1826, quando Besita era ainda uma moça cobiçada 
por todos os rapazes de Santa Bárbara e arredores. 
O tempo histórico do início do romance corresponde à primeira metade 
do século XIX, indo dos últimos anos do reinado de D. Pedro I, passando pelo 
período regencial para terminar já com D. Pedro II imperador. 
O tempo narrativo é bastante acelerado para conter em cerca de duzentas 
páginas um pouco mais de vinte anos de vida. Isso caracteriza um romance de 
ação, como é Til, em que as personagens são vistas quase sempre apenas em sua 
exterioridade. 
Ao cabo de quinze anos voltara o Ribeiro a São Paulo.
Ele partira para Portugal logo depois do assassinato da esposa. 
Espaço
No interior de São Paulo, perto de Piracicaba, a ação toda se desenvolve 
na fazenda das Palmas e seus arredores. É uma região de mato fechado, que, 
à custa de muito machado, foi cedendo lugar a plantações, principalmente de 
milho e de café. 
Como ambientes fechados, aparecem a casa de Luís Galvão, a tapera onde 
vive Zana e a casa de Nhá Tudinha, onde mora Berta. 
A maioria das ações se dá a céu aberto. 
Cerca de uma légua abaixo da confluência do Atibaia com o Piracicaba, e à margem 
deste último rio, estava situada a fazenda das Palmas. 
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5. EXERCÍCIOS
1.
Assinale a alternativa em que protagonista tem 
o seu correspondente antagonista.
a) Berta x Jão Fera
b) Brás x Afonso
c) Besita x D. Ermelinda
d) Luís Galvão x Ribeiro
e) Linda x Berta
2.
Leia o trecho seguinte e responda ao que se pede:
Atalhou a menina o ímpeto a Jão, arrojando-se em frente, e cobrindo com o talhe 
delgado o corpo de Miguel. Seu olhar cintilante trespassou o olhar fero do capanga como 
a lâmina de um estilete cravando uma couraça.
‒ Vai embora! disse ela com império; e a voz parecia ranger-lhe nos lábios pálidos.
Foi a pupila inflamada e sanguinária do assassino a que abateu-se.
Qual das alternativas a seguir não corresponde à verdade?
a) Jão vigiava os passos de Berta mantendo-a segura.
b) Berta odiava o assassino que matara sua mãe.
c) Miguel era irmão de criação de Berta e por ela chegou a estar apaixonado.
d) Jão, no passado, tivera adoração por Besita, mãe de Berta.
e) Berta, uma das protagonistas do romance Til, alia coragem e beleza como 
típica heroína romântica. 
3.
Leia o excerto seguinte.
Nesses momentos de obliteração, porém, o doce olhar de Berta sustinha aquele 
espírito titubeante prestes a submergir-se nas trevas. Entrelaçando o rude labor da lição 
com sorrisos e meiguices, que orvalhavam a alma enferma do mísero idiota, a carinhosa 
mestra não só incutia-lhe o ânimo de perseverar no insano esforço, como iluminava com 
um vislumbre de sua alma a densa caligem daquele cérebro granítico. 
Da leitura do trecho anterior, pode-se inferir um dos temas do romance, que tem 
Berta como suporte. Em qual das alternativas se encontra este tema?
a) Amor renúncia
b) Coragem
c) Compaixão
d) Amor à vida livre no campo
e) Lealdade
José Martiniano de Alencar
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4.
Leia o trecho a seguir.
Jão Fera, reconhecendo a menina através da nuvem de sangue que lhe inflamava 
o olhar, e vendo-a afrontar-lhe os ímpetos, não abateu logo de todo o fero senho, mas 
foi-se aplacando a pouco e pouco. A ira que se arrojava do seu aspecto, retraiu-se 
e de novo afundou pelas rugas do semblante, como a pantera que recolhe à jaula, 
rangendo os dentes. 
Na leitura do trecho anterior, descobrem-se duas figuras de linguagem que 
aparecem na seguinte ordem:
a) metonímia e comparação.
b) metáfora e comparação.
c) comparação e sinestesia.
d) metáfora e sinestesia.
e) sinestesia e metáfora. 
5.
Leia as assertivas seguintes.
 I) Til é um romance de José de Alencar que transcorre em ambiente rural.
 II) Til é o apelido dado a Berta por Jão Fera.
III) O amor renúncia é um dos temas principais do romance Til, de José de 
Alencar.
Está(ão) correta(s) apenas:
a) I e III.
b) I e II.
c) II.
d) II e III.
e) I. 
6.
Observando-se a estrutura temporal de Til, romance de José de Alencar, pode-se 
afirmar que:
a) todas as ações seguem uma ordem cronológica rigorosa.
b) é um romance linear em que as ações da segunda parte são posteriores às 
ações da primeira parte.
c) tanto a primeira quanto a segunda parte tratam das mesmas ações, havendo 
apenas um distanciamento espacial.
d) é um romance alinear em que as ações da segunda parte são posteriores às 
ações da primeira parte.
e) é um romance alinear em que as primeiras ações da segunda parte são ante-
riores às ações da primeira parte. 
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7.
Leia o excerto a seguir.
Adivinhou Besita as duas afeições de que era objeto, e com a intuição da mulher amada, 
conheceu o contraste profundo que havia entre ambas. A paixão do Bugre era submissa, 
a do moço imperiosa; na primeira ressumbrava a abnegação, a segunda ardia em desejos. 
(...)
Besita concentrava todas as suas forças para resistir; considerando-se irremedia-
velmente perdida, buscava em torno de si um apoio que a amparasse e não achava. Seu 
pai era um pobre velho, que via no namoro de Luís uma boa fortuna. Não tinha, em falta 
de sua mãe, uma amiga que a defendesse contra os próprios impulsos de seu coração. 
Considerando-se os dois parágrafos anteriores e o contexto em que aparecem, 
leia as afirmações a seguir.
I) O amor verdadeiro era o que Jão Fera, o Bugre, sentia por Besita.
II) Para livrar-se dos dois, Besita casou com Ribeiro, um jovem desconhecido no lugar.
III) Como fruto do amor existente entre Ribeiro e Besita, nasceu Berta, a heroína 
do romance Til. 
Está(ao) correta(s):
a) todas.
b) II e III, apenas.
c) I, apenas.
d) I e II, apenas.
e) III, apenas. 
8.
Leia o excerto seguinte.
D. Ermelinda ainda recalcava no íntimo o segredo que a torturava. Por vezes ten-
tara exprobrar a Galvão aquela mácula do passado; e no momento fugia-lhe o ânimo de 
que se revestira anteriormente. Uma explicação naquelas circunstâncias podia romper o 
vínculo que a prendia ao esposo. Temia, pois, rasgar o véu já tão ralo de uma ilusão em 
que ela ainda se embebia, para refugiar-se contra o desespero. 
Pelo que se conhece do romance Til, é correto afirmar que “o segredo”, no texto 
anterior, refere-se à “mácula do passado”. Indique a alternativa correspondente 
à mácula de que trata o parágrafo.
a) Luís mandou açoitar um escravo.
b) Luís, pormeio de um engodo, teve uma noite de amor com Besita.
c) O marido de D. Ermelinda mantinha uma amante em Campinas.
d) Luís Galvão rompera de forma cruel sua amizade com seu companheiro, o 
Jão Fera.
e) Luís encomendara a Jão Fera a morte de Ribeiro, recém-chegado de Portugal.
José Martiniano de Alencar
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9.
Brás e Zana têm algo em comum, mas com origens diferentes. Em poucas pa-
lavras, indique o que há de comum entre os dois, assinalando as diferenças de 
origem. 
10.
Leia o excerto seguinte.
O capanga avançava lento, mudo, sombrio, sem arma em punho, nem sequer um 
gesto de ameaça; e, todavia, era ele Gonçalo, apesar de armado, quem recuava diante 
daquele vulto impassível. 
Afinal, o pulso do Suçuarana, fatigado de cutilar o vento, afrouxou. Não teve ele 
tempo de pressentir o perigo; colhido pelas espáduas girou no ar e foi abater-se no canavial 
abrasado onde o arrojara o braço pujante de Jão Fera, que antes de arremessar o corpo, 
o havia estrangulado.
Da leitura desses dois parágrafos de Til, e sem considerar o contexto, infere-se 
que o romance de Alencar deve ser classificado como:
a) de amor.
b) psicológico.
c) de costumes.
d) de formação.
e) de peripécias. 
GABARITO
1. D 2. B 3. C 4. B 5. A 6. E 7. D 8. B
9. Os dois têm em comum a demência, mas Brás a tem de nascimento e Zana enlouqueceu ao 
presenciar o assassinato de Besita.
10. E

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