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A visão do trabalho em A Metamorfose

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A visão do trabalho em “A metamorfose”
O presente ensaio busca explorar a visão do trabalho, bem como seu valor em “A
metamorfose”, de Franz Kafka. O ponto de partida para a reflexão aqui proposta é o fato de que
mesmo após sua transformação, Gregório Samsa, o personagem principal, segue, até certo ponto,
pensando nos seus compromissos profissionais. Para nortear a discussão, alguns dos elementos
do âmbito profissional são explicitados, como os papéis assumidos nas relações de trabalho
representadas pela obra.
Para iniciar, consideremos o seguinte trecho: “Mas que faria agora? o próximo trem saía
às sete; para o apanhar tinha de correr como um doido [...]” (KAFKA, 1915, p. 3). Se esse trecho
fosse lido isoladamente, provavelmente se depreenderia que essa fala é de um indivíduo cujo
maior problema no momento é estar atrasado, mas na obra de Kafka a complicação enfrentada
pelo personagem é indubitavelmente maior. A “não preocupação” inicial com sua condição é
tanta que o personagem chega a sugerir, após conseguir abrir a porta de seu quarto para falar com
os pais e o chefe, que irá se vestir, embalar as amostras e sair para o trabalho, assim, ignorando
totalmente seu estado físico e mental.
Temos, nesse sentido, um apagamento geral da importância do bem-estar e de certa
forma, dos sentimentos de Gregório (que representa o trabalhador na obra), tanto antes quanto
depois da metamorfose. A partir da fala da mãe do protagonista, que se refere ao período anterior
à transformação, “O rapaz não pensa senão no emprego. Quase me zango com a mania que ele
tem de nunca sair à noite; há oito dias que está em casa e não houve uma única noite que não
ficasse em casa.” (KAFKA, 1915, p. 6), é possível entender que o trabalho era a prioridade do
jovem. Não são retratados ou meramente citados outros âmbitos de sua vida, que estejam ligados
ao seu lazer, por exemplo.
Nesse sentido, vale atentar para o fato de que Gregório era o provedor da família,
estimado por todos por fazer tal sacrifício, considerando que seus pais “aparentemente” não
tinham mais condições para trabalhar. Percebe-se que há um senso de responsabilidade, prestígio
e até mesmo aceitação familiar (movida nesse caso, obviamente, por um interesse financeiro:
além de bancar a casa, Gregório também pagava antigas dívidas que a família tinha com o seu
patrão). Esses são alguns dos possíveis motivos para a extrema dedicação e preocupação com o
trabalho.
Aqui cabe uma observação que pode passar despercebida numa primeira leitura da obra:
nas cenas iniciais, logo que a mãe pergunta para Gregório se ele está bem, o pai começa a bater
na porta do quarto e pedir o que está acontecendo, utilizando uma “voz firme” (que mais tarde
combinará com o personagem violento que se mostrará como figura paterna). Inicialmente,
poderia-se pensar que a preocupação desse pai é exclusivamente em relação ao filho, quando, na
realidade, está também (ou mais) relacionada à presença do filho no trabalho. Isso é igualmente
refletido na atitude da irmã do protagonista durante essa cena: ela está chorando no quarto ao
lado. Gregório chega a ouvir, questiona-se qual seria o motivo e pensa não haver necessidade
para que se abalem, pois acreditava que não seria demitido por esse incidente e afirma que
jamais abandonaria sua família.
E é justamente uma situação de abandono que se desenrola na obra a partir desse
momento. Além de ser um inseto, Gregório não possui mais capacidade profissional, torna-se
inútil financeiramente para a família. Assim, os laços afetivos pouco a pouco se desfazem e são
substituídos por diversas e dolorosas violências, especialmente por parte do pai e da irmã (que
inicialmente se importava com ele, procurando alimentá-lo e manter seu “quarto/cativeiro”
limpo, mas que mais tarde sugere sua completa rejeição). Por isso, temos aqui um retrato da
desvalorização daqueles que não se dedicam ao trabalho, e pode-se entender que “a obra
denuncia como a sociedade capitalista restringe o valor do ser humano ao que ele produz e às
aparências [...]” (BANDEIRA; FERREIRA, 2019).
Por esse motivo, a figura do chefe, do explorador, que se difere dos trabalhadores,
também ganha seu espaço na obra, especialmente no trecho inicial, em que esse personagem se
faz presente. O peso da relação hierárquica é evidenciado pelo questionamento do protagonista
sobre um hábito "estranho" do patrão: “Também é um hábito esquisito, esse de se sentar a uma
secretária em plano elevado e falar para baixo para os empregados” (KAFKA, 1915, p. 2, 3).
Além disso, o chefe é representado a partir de suas exigências e rigidez quanto ao
profissionalismo e resultado de seus empregados e também como o maior símbolo de ameaça da
demissão. A prova disso pode ser verificada no fato de o próprio chefe comparecer
imediatamente à casa de um funcionário que não pôde ir ao trabalho para averiguar pessoalmente
a situação. O discurso desse personagem, ajuda a explicar a importância dada ao trabalho e a
perda da relevância do bem-estar e da “humanidade” dos trabalhadores, além de exemplificar, de
certa maneira, a exploração trabalhista: “[...] nós, homens de negócios, feliz ou infelizmente,
temos muitas vezes de ignorar, pura e simplesmente, qualquer ligeira indisposição, visto que é
preciso olhar pelo negócio.” (KAFKA, 1915, p. 7).
Para explicitar ainda mais a questão da irrelevancia do bem-estar dos trabalhadores, há o
trecho em que Gregório afirma que o chefe repreenderia as figuras paternas pela “preguiça” de
seu filho e recorreria “ao médico da Previdência, que, evidentemente, considerava toda a
humanidade um bando de falsos doentes perfeitamente saudáveis.” (KAFKA, 1915, p. 3). A
partir dessa fala, que insinua que aqueles que não podem/querem trabalhar de forma incessante e
altamente produtiva são preguiçosos, é possível perceber a manifestação do duro regime de
trabalho da época, bem como a crítica feita pelo autor.
Diante do exposto, é possível concluir que o trabalho é representado como algo de
extrema relevância, chegando a ser a única prioridade do protagonista antes de sua metamorfose.
Pode-se entender o trabalho como uma responsabilidade e uma obrigação, que chega a alcançar
um status de sacrifício tanto da saúde mental quanto física. A perda da relevância do bem-estar e
da humanidade dos trabalhadores, exemplificada anteriormente, seria uma consequência desses
sacrifícios “inerentes” ao papel de subordinação exercido pelos funcionários. Já a remuneração,
seria um prestígio, especialmente para o protagonista que arcava com todos os gastos da família.
Tem-se, assim, em “A Metamorfose”, uma exposição do rígido regime trabalhista da época
representada, além de outros aspectos interessantíssimos, capazes de instigar o leitor e provocar
reflexões bastante relevantes.
Referências Bibliográficas
BANDEIRA, A. P. da S.; FERREIRA, R. A. de A. A realidade do mundo contemporâneo em –
"A Metamorfose" de Franz Kafka. Web Revista SOCIODIALETO, [s. l.], v. 9, n. 27, p. 16–27,
2019.
KAFKA, Franz. A Metamorfose, 1915. Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=166
41
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=16641
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=16641

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