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DOENÇAS EXANTEMÁTICAS DA INFÂNCIA INTRODUÇÃO - Viroses exantemáticas são moléstias infecciosas nas quais a erupção cutânea é a característica dominante. A análise do tipo da lesão, dos sinais e dos sintomas concomitantes e a epidemiologia, algumas vezes, permitem inferir o diagnóstico etiológico, sem a necessidade de exames laboratoriais complementares, como no sarampo, na varicela e na doença mãos- pés-boca. - Os micro-organismos podem causar erupção cutânea por: • Invasão e multiplicação direta na própria pele, por exemplo, na infecção pelo vírus da varicela-zóster e do herpes simples; • Ação de toxinas, como na escarlatina e nas infecções estafilocócicas; • Ação imunoalérgica com expressão na pele, mecanismo mais frequente nas viroses exantemáticas; • Dano vascular, podendo causar obstrução e necrose da pele, como na meningococcemia ou na febre purpúrica brasileira. Em geral, esses mecanismos coexistem. Essas reações aparecem na pele como lesões distintas. - Assim, mácula é uma lesão plana, não palpável; pápulas são lesões pequenas perceptíveis ao tato que, quando maiores, são chamadas de nódulos; vesículas são pequenas lesões que contêm líquido e, quando maiores, são chamadas de bolhas. Quando o líquido é purulento, tornam-se pústulas. Placas são lesões planas, mas elevadas, perceptíveis ao tato e grandes. As lesões podem ter cor eritematosa – que, quando desaparece com a vitropressão, é decorrente de uma vasodilatação e, quando não, de extravasamento de sangue do vaso, sendo, então, chamadas de purpúricas –, podem ser pequenas, petequiais, ou maiores, equimóticas. Podem, ainda, ser divididas em morbiliformes, quando existem áreas de pele sã entre as lesões e escarlatiniformes, quando o acometimento é difuso. Logo, podemos classificar, dentre as diferentes formas, em: • Exantema maculopapular: manifestação cutânea mais comum nas doenças infecciosas sistêmicas. Mais comumente associado a vírus, porém também observado em várias doenças de etiologia bacteriana, parasitária e outras. Pode ser caracterizado em diversos tipos: o Morbiliforme – pequenas maculo-pápulas eritematosas (3 a 10 mm), avermelhadas, lenticulares ou numulares, permeadas por pele sã, podendo confluir. É o exantema típico do sarampo, porém pode estar presente na rubéola, exantema súbito, enteroviroses, riqeutsioses, dengue, leptospirose, toxoplasmose, hepatite viral, mononucleose, síndrome de Kawazaki e reações medicamentosas. o Escarlatiniforme – eritema difuso, puntiforme, vermelho vivo, sem solução de continuidade, poupando a região perioral e áspero (sensação de lixa). Pode ser denominado micropapular. É a erupção típica da escarlatina, porém também pode ser observada na rubéola, síndrome de Kawazaki, reações medicamentosas, miliária e queimaduras solares. o Rubeoliforme – semelhante ao morbiliforme, porém de coloração rósea, com pápulas um pouco menores. É o exantema presente na rubéola, enteroviroses, viroses respiratórias e micoplasma. o Urticariforme – erupção papuloeritematosa de contornos irregulares. É mais típico em algumas reações medicamentosas, alergias alimentares e em certas coxsackioses, mononucleose e malária. • Exantema papulovesicular: presença de pápulas e lesões elementares de conteúdo líquido (vesicular). É comum a transformação sucessiva de maculo-pápulas em vesículas, vesico-pústulas, pústulas e crostas. Pode ser localizado (como na herpes simples e zoster) ou generalizado (como na varicela, varíola, impetigo e outras). • Exantema petequial ou purpúrico: alterações vasculares com ou sem distúrbios de plaquetas e de coagulação. Pode estar associado a infecções graves, como meningococcemia, septicemias bacterianas, febre purpúrica brasileira e febre maculosa, e a outras infecções, como citomegalovirose, rubéola, enteroviroses, sífilis, dengue e reações por drogas. - Alguns aspectos importantes podem ser utilizados no diagnóstico diferencial das diversas causas de exantema, dentre eles: • Idade – o conhecimento da faixa etária de maior incidência das diversas etiologias permite, em muitas situações, que se faça uma diferenciação inicial com grande nitidez. • Estação do ano – os exantemas de origem infecciosa ocorrem, predominantemente, nos meses de inverno e primavera. Uma exceção notável a este padrão é representada pelas enteroviroses, que têm maior incidência no verão. • Situação epidemiológica – o conhecimento das doenças incidentes, em cada momento, na comunidade em que vive o paciente (incluindo-se nesse contexto a família, a escola e o trabalho) favorece o direcionamento do raciocínio diagnóstico. • Anamnese: a anamnese cuidadosa e sistemática, embora muitas vezes subestimada, constitui instrumento valioso para o diagnóstico clínico da causa de um exantema na criança. Os dados obtidos da anamnese permitem que, em muitas circunstâncias, se identifiquem as suscetibilidades individuais, os fatores predisponentes e desencadeantes de uma determinada condição, bem como os sinais e sintomas associados com a erupção cutânea. Este conjunto de indícios, em associação com a descrição das características das lesões de pele, facilitam a realização de exame físico dirigido e, se for o caso, a indicação de exames laboratoriais para a confirmação do diagnóstico. o Antecedentes e histórico vacinal o Período prodrômico – este período corresponde ao intervalo de tempo entre as primeiras manifestações clínicas e o surgimento do exantema. São muitas vezes bem marcados e auxiliam no estabelecimento do diagnóstico. Assim, é importante pesquisara presença de febre (de evolução característica no exantema súbito) e de manifestações respiratórias (importantes no sarampo, onde a tosse é um sinal constante), gastrintestinais (que podem sugerir a participação de enterovírus) e neurológicas (como ocorrem em algumas enteroviroses e na doença meningocócica). Outras manifestações, como linfadenopatia, artrite, lesões mucosas, podem também contribuir para a definição das hipóteses diagnósticas. o Características do exantema – os aspectos diferenciais mais importantes são: tipo das lesões (manchas, pápulas, vesículas, bolhas, petéquias), a progressão do exantema (local de início, sentido e velocidade da expansão para as outras partes do corpo), sua distribuição (centrífuga ou centrípeta, com ou sem acometimento de palmas de mãos e plantas de pés), a presença de descamação (fina ou em placas) e de prurido. • Exame físico: em conjunto com a anamnese, conduz ao diagnóstico presuntivo em grande número de casos, tornando prescindível, assim, o concurso de exames complementares. o Avaliação do exantema – caracterização dos seus componentes morfológicos, distribuição das lesões e identificação da descamação. o Observação de enantema – é representado por lesões mucosas, conjuntivas, orais ou urogenitais, que podem estar associadas com a erupção da pele. No sarampo, por exemplo, observa-se o aparecimento, no final do período prodrômico, de um enantema patognomônico, constituído pelas manchas de Koplik. o Sinais associados – verificação de adenomegalia, sinais de anemia, artrite/artralgia, hepato e/ou esplenomegalia, icterícia e meningismo. • Exames laboratoriais: constituem recurso diagnóstico útil apenas naquelas situações em que a anamnese e o exame físico permitem a definição de hipóteses etiológicas a serem testadas dirigidamente. Caso contrário, o pediatra poderá incorrer no erro de solicitar, indiscriminadamente, exames que, por um lado, nem sempre contribuem para o diagnóstico e que, por outro, oneram bastante o custo do atendimento prestado ao paciente. o Exames inespecíficos – hemograma e VHS o Exames específicos – pesquisa direta de microrganismos, cultura e sorologias. SARAMPO: - É uma doença viral aguda de notificação compulsória, causada pelo Morbilibirus (família Paramixoviridae), cuja transmissão ocorre através de aerossóis respiratórios.Inclui todos os grupos etários, sendo mais suscetíveis as pessoas não vacinadas e/ou que não tiveram a doença ainda. - O quadro clínico é caracterizado por febre alta acima de 38,5°C, exantema maculopapular generalizado, tosse, coriza, conjuntivite e manchas de Koplik, sendo dividido em 3 períodos: • O período de infecção dura cerca de sete dias, iniciando com um período prodrômico, quando surge queda do estado geral, febre progressiva, tosse produtiva, coriza/rinorreia, conjuntivite não purulenta e fotofobia. Do 2º ao 4º dia desse período, surge o exantema, quando também se acentuam os sintomas iniciais. o No 3º dia, normalmente aparecem as manchas de Koplik, que representam um enantema patognomônico de aspecto esbranquiçado localizado na mucosa bucal e antecedem o exantema → a orofaringe fica hiperemiada e na região oposta aos dentes molares aparecem manchas branco-azuladas, pequenas, de cerca de 1 mm de diâmetro. o No 4º dia, o paciente apresenta-se prostrado e o exantema cutâneo maculopapular (morbiliforme) começa a aparecer no corpo em progressão cefalocaudal, iniciando na região retroauricular. OBS.: a fotofobia produz na criança uma característica de olhos cerrados, enquanto a coriza/rinorreia a transformam em respiradora bucal. Esses aspectos, associados ao mal estado geral, contribuem para uma fácie típica do sarampo. • O período toxêmico é caracterizado pela possível superinfecção viral ou bacteriana facilitada pelo comprometimento da resistência do hospedeiro à doença. São frequentes as complicações, principalmente nas crianças até dois anos, e a principal delas é a pneumonia. • O período de remissão caracteriza-se pela diminuição dos sintomas, com declínio da febre. O exantema torna-se escurecido e em alguns casos surge a descamação fina lembrando farinha (furfurácea). - O período de transmissibilidade começa de 4 a 6 dias antes do exantema e o período de maior transmissão ocorre entre dois dias antes e dois dias depois o início do exantema. - Diagnóstico laboratorial: sorologia para anticorpos específicos (Elisa) em amostra coletada até 28 dias após o início do exantema. RUBÉOLA: - Doença exantemática aguda de notificação compulsória causada pelo Rubivirus (família togaviridae). Apresenta curso benigno, mas sua importância epidemiológica está relacionada a síndrome da rubéola congênita (SRC), em que, quando a infecção ocorre durante a gestação, pode causar aborto, natimorto e malformações congênitas como cardiopatias, catarata e surdez. - A transmissão ocorre a partir do contato com secreções nasofaríngeas de pessoas infectadas, mas pode acontecer também de forma indireta (pouco frequente), quando há o contato com objetos contaminados por secreções de nasofaringe nas fezes, sangue e urina. Todas as pessoas não vacinadas e/ou que não tiveram a doença ainda estão suscetíveis. - O quadro clínico é caracterizado primeiro por um período prodrômico, em que a criança apresenta bom estado geral e linfonodomegalia (principalmente retroauricular, occipital e cervical posterior), e um período de aparecimento do exantema associado a outros sintomas. Um exantema maculopapular e puntiforme difuso (confluente) aparece no 4º dia e tem uma característica importante: nas primeiras 24 horas, encobre a face, couro cabeludo e pescoço, mudando posteriormente esse padrão para tronco e membros. - Com o aparecimento do exantema, podem surgir outros sintomas como febre baixa, conjuntivite, coriza, tosse e dores generalizadas. - Diagnóstico laboratorial: sorologia para anticorpos específicos (Elisa) em amostra, coletada até 28 dias após o início do exantema. ERITEMA INFECCIOSO: - Doença viral de evolução benigna, causada pelo parvovírus humano B19. É transmitida principalmente pela via respiratória e em comunidades fechadas. Sua taxa de transmissibilidade máxima ocorre antes do aparecimento do exantema e a doença acomete preferencialmente crianças de 2 a 14 anos. - O quadro clínico normalmente é sem pródromos e a criança apresenta-se em bom estado geral, sendo o exantema a primeira queixa. Este inicia-se pela face sob forma de eritema difuso, com distribuição em “vespertilho” e edema de bochechas (fácies esbofeteada – preenchimento da região malar), com as outras regiões da face geralmente poupadas. Ainda nesse período, o exantema pode apresentar relevo, dor e aspecto endurecido. Depois, o exantema é tipo maculopapular, com palidez central que confere característica rendilhada/serpentiforme à lesão, desenhando o tronco e a face extensora dos membros. - Também podem surgir sinais inespecíficos, como artralgia/artrite reacionais e anemia. - Diagnóstico laboratorial: sorologia para detecção de anticorpos IgM (ensaio imunoenzimático – Elisa). EXANTEMA SÚBITO: - Doença viral de evolução benigna causada pelo herpes-vírus humano tipos 6 e 7, também conhecida pelo nome de Roseola Infantum. É transmitida pela secreção oral do portador sadio para contatos próximos e ocorre tipicamente na infância, em especial nos menores de 1 ano. - A criança normalmente apresenta-se em bom estado geral, início súbito de febre muito alta (39,5 a 40,5 °C), com anorexia e extremamente irritável (estes últimos relacionados à febre). Em meados do 4º dia, a febre começa a ceder e o exantema aparece disseminado no corpo. Tem a característica de ser maculopapular, com lesões discretas de 2 a 3 cm, não coalescentes, que geralmente acometem primeiro o tronco e em seguida faz uma disseminação centrífuga. OBS.: podem ocorrer convulsões em crianças com predisposição, não só por causa da febre, mas porque o HSV 6 está associado a casos de encefalite e, consequentemente, de convulsão. - Devido à febre alta e a irritabilidade, é necessário realizar o diagnóstico diferencial com meningite. Os exames laboratoriais descartam o diagnóstico, mas também são pouco conclusivos. - Diagnóstico laboratorial: captura de anticorpos IgM e IgG para HSV 6 (ensaio imunoenzimático – Elisa). - Deve ser realizado tratamento de suporte e administração de medicação sintomática, bem como a vigilância das complicações, especialmente às relacionadas ao sistema nervoso. DENGUE: - Infecção de notificação compulsória causada por um flavivírus, que apresenta quatro sorotipos diferentes (DENV1, DENV2, DENV3 e DENV4), transmitida pela picada da fêmea Aedes aegypti. Compõe o grupo de risco as gestantes, os menores de 2 anos, os adultos com idade acima de 65 anos e os pacientes com comorbidades. - Febre alta (acima de 38ºC) de início abrupto que geralmente dura de 2 a 7 dias, acompanhada de cefaleia, mialgia, artralgia, prostração, astenia, dor retro-orbital, exantema e prurido cutâneo. Anorexia, náuseas e vômitos são comuns. Nessa fase febril inicial da doença, pode ser difícil diferenciá-la de outras doenças febris, por isso uma prova do laço positiva aumenta a probabilidade de dengue. Além disso, pesquisas demonstraram que algumas crianças podem apresentar exantema cervical nos pródromos, que dura cerca de 1 hora (muito raro). - No período de defervescência da febre, geralmente entre o 3º e o 7º dia da doença, o exantema aparece em distribuição céfalo-caudal, em tipo maculopapular (mais macular do que papular) e com uma característica de alteração da vascularização quando feita pressão local. Nesse mesmo período, pode ocorrer o aumento da permeabilidade capilar, em paralelo com o aumento dos níveis de hematócrito. Isto marca o início da fase crítica da doença. Leucopenia progressiva seguida por uma rápida diminuição na contagem de plaquetas precede o extravasamento de plasma. - Sinais comuns são o aparecimento de petéquias e “ilhas brancas em um mar vermelho”, além de hemorragias conjuntivais e gengivorragia. Nesses últimos casos, pensa-se em choque. - Diagnóstico laboratorial: NS1, PCR ou anticorpos IgM. - O tratamentobaseia-se principalmente em hidratação adequada, levando em consideração o estadiamento da doença, segundo os sinais e sintomas apresentados pelo paciente. Não devem ser utilizados medicamentos à base de ácido acetilsalicílico e anti-inflamatórios, pois podem aumentar o risco de hemorragias. OUTRAS OBS.: Outras doenças exantemáticas incluem: • Varicela • Chikungunya • Zika • Cocksakie • Enterovirus • Mão-pé-boca • Varíola • Citomegalovírus • Herpes simples • Mononucleose infecciosa • Molusco contagioso • COVID-19 • Ptiríase rósea de Gilbert • Doença de kawazaki • Escarlatina • Febre maculosa brasileira • Micoplasmose