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DOENÇAS EXANTEMÁTICAS Na infância, é comum a ocorrência de doenças que se caracterizam pelo aparecimento de erupções cutâneas eritematosas disseminadas, também conhecidas como exantema ou rash cutâneo. Os exantemas geralmente são causados por vírus, embora bactérias, doenças reumatológicas e até alguns medicamentos também possam estar implicados. A análise das características da lesão exantemática (tipo de exantema, localização e progressão), dos sinais e sintomas associados e de dados epidemiológicos (idade, sexo e sazonalidade) permitem inferir o diagnóstico etiológico sem a necessidade de exames complementares. - Eritema: lesão de pele com coloração avermelhada ou rósea decorrente de alteração vascular, geralmente transitória. - Enantema: alteração vascular transitória com coloração avermelhada de mucosas. - Mácula: toda e qualquer alteração da cor da pele que não apresente relevo. - Pápula: lesão sólida, elevada com menos de 1 cm de diâmetro. A confluência dessas lesões origina uma placa. - Vesícula: lesão elevada que contém em seu interior um líquido claro. - Pústula: lesão elevada que contém pus em seu interior. - Crostas: concreções que se formam em áreas de perda tecidual, como após a ruptura de uma vesícula. Podemos dividir os exantemas da infância em dois tipos principais: - Exantema maculopapular: composto por máculas e pápulas. É o tipo de exantema mais comum da infância, encontrado no sarampo, rubéola, eritema infeccioso, exantema súbito, escarlatina e na doença de Kawasaki. - Exantema papulovesicular: composto por pápulas e vesículas, que podem evoluir para pústulas e crostas. Encontrado na varicela, no herpes-zóster e na doença mão-pé-boca. ➔ Diagnóstico diferencial ➔ Sarampo O sarampo é uma doença exantemática viral extremamente contagiosa que pode evoluir para óbitos em crianças < 1 ano e desnutridas. É transmitido por meio de secreções nasofaríngeas expelidas ao tossir, falar, espirrar por meio de aerossóis com partículas virais que ficam no ar. O período de incubação varia de 8-12 dias da data de exposição ao início do quadro exantemático. O período de transmissibilidade ocorre 3 dias antes e 4 dias após o exantema, sendo o pico de transmissão 2 dias antes e 2 dias depois do início do exantema. No período prodrômico ocorre febre >38,5C, tosse inicialmente seca, coriza, conjuntivite não purulenta, fotofobia, na região da orofaringe é possível notar enantema e, na altura do terceiro molar surgem as manchas de Koplik: manchas brancas/amareladas na mucosa oral. Cerca de 2-4 dias após o início do quadro intensifica-se aquele quadro inicial, o paciente fica prostrado e surge o exantema maculopapular morbiliforme, ou seja, existem áreas de pele livre de lesão entre as lesões. Este exantema tem progressão cefalocaudal (região retro auricular – pescoço – face – tronco – extremidades). O diagnóstico é clínico, mas todos os casos suspeitos de sarampo devem ser submetidos a exames sorológicos para identificação de IgM e IgG do vírus em amostras de soro, urina e swabs de naso e orofaringe. A identificação do vírus tem como objetivo conhecer o genótipo do mesmo para diferenciar um caso autóctone de um importado e diferenciar o vírus selvagem do vacinal, já que a vacina é feita com vírus atenuado. Para conseguir realizar essas análises, o Ministério da Saúde recomenda coleta das amostras até o 7o dia após início do exantema, sendo que o IgM é possível ser identificado desde o início da doença até 1 mês após a mesma. Não há tratamento específico, mas é possível realizar medidas de suporte com sintomáticos. Recomenda-se a administração de vitamina A (palmitato de retinol) em menores de 2 anos de idade (2X < 6 meses: 50.000 UI, 6-12 meses: 100.000 UI e > 12 meses: 200.000 UI), 1 vez ao dia, por 2 dias. Até 4 dias após o início do exantema deve ser realizado precaução respiratória com uso de máscara N95 e isolamento domiciliar do paciente. Deve-se aplicar vacina contra o sarampo até 72h após contágio e após este período, em até 6 dias, aplicar imunoglobulina. Para gestantes, imunocomprometidos e crianças menores de 6 meses deve-se aplicar somente a imunoglobulina. O sarampo pode apresentar complicações sobretudo em menores de 1 ano, adultos maiores de 20 anos e pessoas com comorbidades. A persistência da febre por mais de 3 dias após o início do exantema deve ser um sinal de alerta. Dentre as complicações a mais comum é a otite média aguda, mas a pneumonia é a complicação responsável por maior morbi/mortalidade nas crianças. Além disso, algumas crianças apresentam convulsão febril acompanhada ou não de sinais de irritação meníngea e hipertensão intracraniana como sinais de encefalite após o sarampo, causada por um processo imunológico após a respectiva infecção. Ocorre também uma encefalite causada pelo sarampo onde o vírus ao atingir o sistema nervoso central (SNC), meses após o sarampo, pode acarretar epilepsia focal, perda auditiva, progressão para coma e até mesmo óbito. Outra complicação é a panencefalite esclerosante subaguda (PEES) a qual pode ocorrer meses e até 10 anos após o quadro inicial do sarampo, com piora progressiva das funções motoras e cognitivas, convulsões e até morte. ➔ Rubéola Assim como o sarampo, a rubéola é uma doença de etiologia viral altamente contagiosa e, sua importância epidemiológica está relacionada ao risco de abortos, natimortos e à síndrome da rubéola congênita (SRC). A transmissão ocorre por gotículas de secreções nasofaríngeas e contato direto com pessoas infectadas. O período de incubação é entre 14 e 21 dias, sendo o período de transmissibilidade 7 dias antes e 7 dias após o início do quadro exantemático. Febre baixa e linfoadenopatia retroauricular e/ou occipital e/ou cervical podem ocorrer 5-10 dias antes do exantema, no entanto, em crianças pode não ocorrer tais pródromos. O exantema é maculopapular puntiforme róseo difuso com início na face – couro cabeludo – pescoço – tronco – extremidades, tais lesões têm curta duração (3 dias ou menos) e, conforme o exantema progride para um novo local, as manchas presentes no local anterior vão desaparecendo. Em alguns casos, nota-se petéquias no palato mole conhecidas como sinal de Forchheimer que não é patognomônico. O diagnóstico é clínico, mas devido a dúvida diagnóstica frequentemente causada, recomenda-se a testagem sorológica de todos os pacientes em que há suspeita clínica de rubéola por meio de coleta sanguínea onde será testado IgM e IgG desta patologia. Assim como no sarampo, o Ministério da Saúde recomenda a detecção do vírus em urina e secreção de nasofaringe como forma de conhecer o genótipo do vírus, diferenciando-o os casos autóctones dos importados e os vírus selvagens do vacinal. O tratamento é realizado com base em sintomáticos, não havendo tratamento específico direcionado ao vírus. O isolamento domiciliar por até 7 dias após o início do exantema diminui a intensidade dos contágios. A vacina é a única forma de prevenir a ocorrência de casos, não havendo evidências suficientes para realização de profilaxia pós-exposição. Após contato com caso suspeito, deve ser realizada a vacinação daqueles que ainda não foram vacinados ou maiores de 50 anos que não comprovem ter recebido alguma dose da tríplice viral. Gestantes suscetíveis e crianças menores de 6 meses devem ser afastadas do contato com casos suspeitos/confirmados e seus respectivos contatos. As complicações na criança são raras podendo ocorrer trombocitopenia que costuma ocorrer 2 semanas do início do exantema, no entanto, é autolimitada logo não é necessário nenhum tratamento específico. De modo mais grave, podem ocorrer a encefalite pós-infecciosa e panencefalite por rubéola. A primeira é decorrente do efeito viral direto, ocorre 7 dias após o início do exantema provocando convulsões, cefaleia e sinais neurológicos focais e levando ao óbito em 20% dos casos. Já a panencefalite progressiva da rubéola pode ocorrer anos após o quadro clínico da doença, havendo um distúrbio neurodegenerativo evoluindocom óbito em 2-5 anos. ➔ Eritema infeccioso O parvovírus B19 é um vírus de DNA com tropismo por células eritropoiéticas, replicando-se em células eritroides da medula óssea. Boa parte dos infectados é assintomático, no entanto, devido a estas características do vírus, indivíduos saudáveis podem desenvolver aplasia eritroide acompanhada do quadro exantemático que veremos a seguir, enquanto que, pacientes com doenças hematológicas (síndromes falcêmicas, talassemias...) e imunodeprimidos podem desenvolver quadro importante de anemia e até crise aplástica. Transmitido por via respiratória, sobretudo, em comunidades fechadas. Também pode ser transmitido por via placentária em caso de mães infectadas, o que pode levar a hidropsia fetal. Estima-se que o tempo de incubação seja entre 4-28 dias. A transmissão ocorre antes do exantema, porém não se sabe ao certo quantos durante quantos dias antes do surgimento do mesmo. Logo, quando há o surgimento do exantema o paciente não elimina mais o vírus, portanto, não há necessidade de isolamento. Geralmente não costuma ter pródromos, mas alguns casos surgem sintomas prodrômico leves como mialgia, febre, coriza e cefaleia. O exantema maculopapular se inicia em face em região malar, dando o aspecto que alguns autores chamam de “face esbofeteada” associado a palidez perioral ou sinal de Filatov. Cerca de 4 dias depois o exantema evolui para membros superiores e inferiores, a mácula aumenta de tamanho deixando uma palidez central conferindo o aspecto rendilhado do exantema que pode durar até 2 semanas. Importante ressaltar que após desaparecimento pode haver recorrência do eritema após exposição ao sol, variação da temperatura, exercícios e estresse devendo-se, portanto, explicar à família que tal fenômeno pode ocorrer não significando recorrência da doença em si. O diagnóstico além de clínico, deve ser feito através da sorologia com detecção de anticorpos IgM para Parvovírus humano B19. O eritema infeccioso em geral é autolimitado e não há tratamento específico. Deve ser realizado tratamento de suporte com sintomáticos. Como já foi dito, não é necessário realizar o isolamento do paciente, no entanto, deve-se tomar cuidados com contactantes caso algum possua hemoglobinopatias. Não existem medidas de prevenção a serem tomadas, pois não há vacina que garanta imunidade contra tal vírus. A artropatia é uma complicação presente em cerca de 8% das crianças infectadas pelo eritrovírus B19, mas é mais comum em mulheres adolescentes e adultas infectadas por tal vírus. Como dito anteriormente, em pessoas com doenças hematológicas como doença falciforme, talassemias, anemias hemolíticas e aqueles que possuem algum tipo de imunodeficiência, podem desenvolver uma crise aplástica transitória (CAT) decorrente da infecção viral direta pelo parvovírus B19 que bloqueia transitoriamente a produção de eritrócitos. ➔ Roséola (eritema súbito) Esta doença viral de evolução benigna, também chamada de roséola infantum, é causada pelo herpes vírus 6 e 7, sobretudo, o tipo 6 que é o mais frequente. A doença acomete apenas crianças entre 6 meses e 6 anos de idade, sugerindo que haja uma proteção por meio de anticorpos maternos e que o vírus seja bastante prevalente na comunidade já que na idade pré-escolar quase todas as crianças já estão imunes. É mais prevalente em menores de 2 anos. Transmitida por secreção oral. O tempo de incubação é de 5-15 dias. A transmissão ocorre na fase de viremia que acontece principalmente no período febril. Assim como sugere o nome da doença, o início do quadro clínico é súbito e sem pródromos, caracterizando-se por uma febre alta (39-40C) e contínua que resulta em irritabilidade da criança e convulsão febril. Pode haver linfonodomegalia associada. Após 3-5 dias de febre esta cessa bruscamente e aparece o exantema de modo também súbito de aspecto maculopapular róseo com lesões que não coalescem com evolução de tronco – face – membros, de curta duração e sem descamação. Diagnóstico clínico e laboratorialmente pode ser realizada sorologia na busca de anticorpos IgM e IgG dos herpes vírus 6 ou 7. O tratamento de suporte é realizado principalmente com antitérmicos por conta da febre alta. Em caso de imunodeprimidos pode-se usar Ganciclovir pelo risco de acometimento do SNC. O isolamento é desnecessário uma vez que, como dito, a maioria das pessoas já terá entrado em contato com o vírus e, não existem medidas de prevenção a serem adotadas. ➔ Varicela Também conhecida por catapora, esta doença atualmente é prevenida por vacina tetra viral o que levou a redução da sua incidência (1o dose com 15 meses e reforço aos 4 anos de idade). A infecção confere imunidade permanente, embora, raramente possa ocorrer um segundo episódio de varicela. É uma doença de notificação compulsória apenas se caso grave, ou seja, que necessite internação. Apesar do maior número absoluto de internações ser entre crianças, os adultos têm mais risco de evoluir com complicações e óbito. Em crianças imunocompetentes a varicela tem curso benigno, repentino e autolimitado. O mecanismo de transmissão é de pessoa a pessoa por meio de secreções respiratórias ou contato direto e, de modo indireto, ocorre por meio do contato com objetos contaminados com a secreção das lesões de pele (vesículas). O período de incubação é de 10-21 dias e a transmissão se inicia 1-2 dias antes do surgimento do exantema e permanece até que as lesões estejam em fase de crosta. Apesar de na infância não costumar ocorrer pródromos, os mesmos podem aparecer como febre moderada/baixa, cefaleia, anorexia e vômito por 2-3 dias. O exantema de característica papulovesicular polimórfico pruriginoso costuma surgir nas partes cobertas do corpo, como couro cabeludo, axilas e mucosas oral e das vias aéreas superiores. Tais lesões surgem em surtos de evolução rápida coexistindo, em uma mesma região do corpo, diferentes estágios: máculas, pápulas, vesículas, pústulas e crostas. O diagnóstico da varicela é clínico e costuma ser típico não necessitando a realização de testes comprobatórios, no entanto, é possível em casos graves quando é necessário realizar diagnóstico diferencial pode-se realizar coleta do líquido das lesões vesiculares nos primeiros 3-4 dias de erupção. Também está disponível a sorologia com IgM e IgG. O tratamento envolve o uso de sintomáticos como anti-histamínicos para atenuar o prurido, antitérmicos e analgésicos (estes, não salicilatos). O tratamento específico é com Aciclovir para menores de 12 anos ou pessoas com imunocomprometimento, comorbidades ou risco para agravamento do quadro. Além disso, deve-se recomendar a lavagem das lesões de pele com água e sabão, bem como é fundamental cortar as unhas da criança como forma de prevenir lesões de pele secundárias em decorrência do intenso prurido. Em situações de surto deve-se identificar as pessoas que entraram em contato com o caso da doença para realização do bloqueio com vacina e imunoglobulina antivaricela. A vacina deve seguir as indicações do calendário nacional de imunizações e deve ser administrada no período de 120h após contato com caso, podendo ser realizada em crianças a partir dos 9 meses, devendo manter neste caso, posteriormente, o esquema vacinal de rotina. Crianças < 9 meses, gestantes ou pessoas imunodeprimidas devem receber a imunoglobulina antivaricela na dose de 125UI para cada 10kg. A criança com varicela deve permanecer em isolamento respiratório e de contato até que todas as lesões fiquem em forma de crosta. A prevenção deve ser feita através da vacina. A principal complicação é a infecção bacteriana secundária das lesões de pele, causadas por estreptococos e estafilococos, em decorrência do prurido que abre porta de entrada para estes patógenos presentes na pele e que podem causar piodermites, erisipela e celulite. A pneumonia intersticial também é uma complicação comum, sobretudo, em crianças imunocomprometidas, sendo importante causa de óbito neste grupo. Além disso, podem ocorrer manifestações hemorrágicas,hepatites e complicações no SNC, esta última é mais frequente em crianças < 5 anos e pode tanto atingir o cerebelo causando ataxia, quanto pode levar ao quadro de encefalite responsável por sonolência, coma e hemiplegia. Apesar deste quadro ocorrer tipicamente na fase adulta, ou seja, não ser classicamente uma doença exantemática da infância, o mesmo será abordado de forma breve aqui de modo a acrescentar mais elementos para o diagnóstico diferencial entre ambas condições que podem estar eventualmente presente na infância. A herpes zoster é decorrente da reativação do vírus da varicela, pois este após a infecção fica latente nos gânglios nervosos podendo ser reativado em pessoas adultas (mais comum) ou em crianças/adolescentes que possuam um comprometimento da sua imunidade. O quadro clínico é típico apresentando como pródromo: neurites, parestesias, ardência e prurido local, acompanhado de febre, cefaleia e mal-estar. As lesões de pele surgem gradualmente após 2-4 dias e seguem o trajeto de um dermátomo, tais lesões também são polimórficas compreendendo um eritema papulovesicular localizado que evolui para crostas e, não havendo infecção de pele secundária associada, cura em 4 semanas. Além das complicações já mencionadas na varicela, no caso da herpes zoster há uma complicação mais prevalente em mulheres idosas, em que há comprometimento do nervo trigêmeo, chamada nevralgia pós-herpética (NPH) caracterizada por dor persistente por 4-6 semanas após surgimento das lesões cutâneas sendo esta dor refratária ao tratamento. O tratamento do herpes zoster é de suporte com sintomáticos e Aciclovir deve ser prescrito em casos em que há risco para agravamento. ➔ Doença mão-pé-boca Síndrome mão-pé-boca (SMPB) ou doença-mão-pé-boca é causada por não-pólio-enterovírus principalmente o coxsackie A16 e o enterovírus 71. E, a infecção ocorre na forma de surtos. A transmissão ocorre por gotículas ou via fecal-oral. O período de incubação é 3-6 dias e o tempo de contágio é variável. O período prodrômico consiste em febre baixa que melhora em 48h, irritabilidade e anorexia. Cerca de 1-2 dias após início da febre surgem vesículas na cavidade oral que rapidamente se rompem formando úlceras dolorosas que causam desconforto na alimentação. Em seguida, surge o exantema papulovesicular principalmente em extremidades (mãos e pés), não pruriginosas, mas as vezes dolorosas. O diagnóstico é clínico e tipicamente característico. A SMPB tem curso autolimitada, de modo que as lesões de pele costumam se resolver em 7-10 dias. O tratamento deve ser com sintomáticos para o quadro febril e álgico, deve-se também dar suporte hídrico e nutricional, pois muitas crianças chegam a desidratar pela dificuldade de ingerir em decorrência das úlceras orais. Em caso de baixa adesão da dieta e hidratação deve-se internar a criança e considerar a realização de hidratação venosa. Deve ser realizada precaução de contato durante o período da doença, assim como realizar medidas de higiene frequente das mãos, sobretudo, após troca de fraldas. Não há vacina disponível para tal patologia no momento. ➔ Escarlatina A escarlatina é uma doença infecciosa aguda causada pelo Streptococcus pyogenes ou estreptococos beta hemolítico do grupo A, mais especificamente, pelas toxinas pirogênicas que este libera quando está infectado por um bacteriófago produtor de exotoxinas pirogênicas, ou seja, a escarlatina não é fruto da infecção direta pela bactéria, mas sim pelo efeito das toxinas produzidas quando a bactéria é infectada por um bacteriófago. As toxinas produzidas podem ser tipo A, B ou C e, o quadro desenvolvido por um toxina não oferece imunidade às infecções pelas outras, logo, é possível que um indivíduo tenha o mesmo quadro de escarlatina até 3 vezes. Tal patologia está mais frequentemente associada à faringite e, ocasionalmente, aos impetigos. A transmissão ocorre por contato com gotículas e secreção de nasofaringe de indivíduos com faringoamigdalite estreptocócica aguda. O período de incubação é de 2-5 dias e a transmissão se inicia tão logo iniciem os sintomas, caso o tratamento seja realizado adequadamente a transmissão só persiste por 24h do início do mesmo. O período prodrômico ocorre durante 12-24h com febre alta, dor à deglutição, mal-estar geral, náuseas e vômitos. Após este período o paciente apresenta o quadro de faringoamigdalite com exsudato purulento, adenomegalia cervical e enantema na mucosa oral. Em seguida, cerca de 24-48h após o início do quadro, surge um exantema micropapular áspero (aspecto de lixa) em peitoral que se expande para tronco – pescoço – membros, poupando palma das mãos e pés. Este exantema apresenta-se mais intenso nas dobras cutâneas formando locais com linhas hiperpigmentadas chamadas linhas de Pastia. Na face, o eritema malar confere o aspecto chamado de “face esbofeteada” associado ao sinal de Filatov, além disso, ocorre hipertrofia das papilas da língua dando a esta o aspecto de framboesa o que é chamado de “língua em framboesa”. Cerca de 1 semana após o início do quadro as manifestações clínicas citadas acima desaparecem e se inicia um período de descamação furfurácea em face – pescoço – tronco – membros – extremidades. Além de clínico, o diagnóstico pode ser feito pela cultura de secreção da orofaringe coletada com swabs para identificação do estreptococo beta-hemolítico do grupo A, este, é o padrão-ouro para o diagnóstico. No entanto, é possível também fazer dosagem de anticorpo antiestreptolisina O (ASLO) que auxilia a presumir infecção pelo estreptococo em questão. E ainda, é possível realizar teste rápido para identificação do pyogenes. O exantema tem curso autolimitado, porém, indica-se o tratamento com antibiótico para eliminar a bactéria, de modo a reduzir as possibilidades de transmissão, além de prevenir febre reumática e complicações. O tratamento de escolha é com Penicilina benzatina, intramuscular, dose única: 600.000 UI para crianças < 25kg e 1.200.000UI para > 25kg e adultos. Ou amoxicilina VO por 10 dias. ➔ Síndrome da pele escaldada estafilocócica A síndrome da pele escaldada estafilocócica (SPEE) antigamente chamada de doença de Filatov-Dukes, chamada também de Síndrome de Ritter, é uma doença exantemática associada a quadro bolhoso importante. A SPEE ocorre quando há quebra das barreiras protetoras da pele, permitindo a infecção pelo S. aureus, como por exemplo, infecções de coto umbilical de recém-nascidos ou infecção bacteriana secundária associada ao quadro de varicela. Costuma acometer mais crianças antes dos 5 anos de idade, mas pode acometer adultos, sobretudo, aqueles que têm doença renal crônica ou doenças que causam uma depressão do sistema imunológico. As toxinas produzidas por cepas 55 e 71 do S. aureus clivam a desmogleína, proteína constituinte dos desmossomos responsáveis por manter as células epidérmicas unidas. Com isso, há um desprendimento da epiderme da camada granulosa, o que acarreta na descamação superficial da pele típica da doença. Sintomas prodrômicos incluem febre, irritabilidade, mal-estar, em seguida inicia-se a fase exantemática com exantema maculopapular doloroso que inicia em face e se expande por todo corpo. A pele começa a exsudar criando crostas melisséricas ao redor de boca e nariz, além de formar descamações laminares como se fossem bolhas decorrentes do deslocamento da epiderme superficial (sinal de Nikolsky). O diagnóstico além de clínico pressupõe o isolamento do S.aureus com coleta do sítio suspeito e posterior cultura do material. O tratamento consiste em limpeza e curativo da pele, sem a administração de antibióticos tópicos, além de medidas de suporte. A doença continua a progredir até que a toxina seja eliminada pelos rins ou neutralizada por anticorpos, mas em crianças tem um prognóstico excelente havendo regressão do quadro em 2-3 semanas. No entanto, o tratamento específico pode ser feito usando antibiótico endovenoso para eliminar o patógeno do organismo, sendo o medicamento de escolha a Oxacilina. ➔ Doençade Kawasaki A doença de Kawasaki (DK) é importante causa de vasculite na faixa etária pediátrica, sendo causa importante de cardiopatia e infarto agudo do miocárdio. Sua etiologia é desconhecida, mas acredita-se que seja decorrente de uma resposta imune patológica a agentes ambientais ou infecciosos em indivíduos com predisposição. O diagnóstico e tratamento precoce até o 10º dia da doença é fundamental para a redução da complicação mais temida que é o aneurisma de coronárias. O diagnóstico da DK é eminentemente clínico, sendo baseado nos seguintes critérios: A febre costuma ser abrupta com duração de no mínimo 5 dias, podendo durar até 4 semanas, uma vez que não responde aos antitérmicos. O exantema ocorre em 90% dos casos e é maculopapular polimórfico. Nas extremidades, em 80% dos casos nota-se edemas, eritema palmo-plantar e descamação laminar em região periungueal. Outros achados clínicos podem estar presentes como artralgia, diarreia, dor abdominal de modo que a diferenciação inicial entre a DK e as outras doenças exantemáticas da infância é difícil, sobretudo, nos primeiros dias de doença. Nos achados laboratoriais há uma anemia normo-normo, leucocitose >15.000, trombocitose podendo chegar até 1 milhão de plaquetas, elevação de PCR e VHS, hiponatremia, hipoalbuminemia, elevação de transaminases e pleocitose no líquor (meningite asséptica). Boa parte das crianças não preencherá 4 ou mais critérios diagnósticos acima, tendo o que é chamada de “DK incompleta”, no entanto, naquelas que forem menores de 6 meses e tiverem febre com mais de 1 semana de duração com evidência laboratorial de inflamação (elevação e VHS e PCR) sem outra causa conhecida, recomenda-se a realização de um Ecocardiograma (ECO). Vale ressaltar que, caso haja doença coronariana comprovada por um ECO, não são necessários 5 dias de febre para estabelecer o diagnóstico. Apesar da incerteza quanto à etiologia, o tratamento deve ser instituído precocemente (antes de completar 10 dias do início do quadro) como forma de evitar complicações cardiovasculares e, consiste em administrar imunoglobulina 2g/kg em infusão contínua de 10 horas. Associado a isto, inicia-se o ácido acetilsalicílico (AAS) em dose anti-inflamatória de 80-100mg/kg/dia até que o paciente esteja afebril. A falha terapêutica ocorre naqueles pacientes que mantêm ou têm recorrência da febre após 36h do início do tratamento. Nestes casos, pode-se repetir a imunoglobulina até 2 vezes. Caso a mesma não seja eficaz pode ser feito pulsoterapia com metilprednisolona 30 mg/kg/dia. Fase aguda: miocardite e pericardite Fase subaguda: aneurisma de coronária - 2-3º semana da doença Os aneurismas coronarianos são complicações que ocorrem precocemente, sendo os de tamanho >8mm de diâmetro os mais temidos pelo risco aumentado de obstrução e isquemia. Como forma de monitorar o surgimento desta complicação e prognóstico ruim de alguns pacientes, recomenda-se a realização de ECO em 2 momentos: na fase subaguda (2-3 semanas após o caso) e com 6-8 semanas. Caso em alguns desses resultados apareça o resultado de aneurisma de coronárias deve-se proceder um acompanhamento mais frequente do caso. https://www.dive.sc.gov.br/conteudos/publicacoes/Exantemas-Miolo-Visualizacao.pdf ➔ Avaliação da criança Como em qualquer outra doença, ao avaliar uma criança com uma doença exantemática é necessário seguir o roteiro de anamnese própria para a infância. Muitas vezes, uma história bem detalhada pode fornecer um diagnóstico, dispensando exames desnecessários. Na identificação, a idade e a raça podem fornecer pistas, pois, por exemplo, a doença de Kawasaki é mais comum em crianças de origem oriental de até 5 anos de idade; o exantema súbito ocorre até os 6 anos de idade. Na obtenção dos dados sobre a febre, devem ser anotados o seu início, se súbito ou insidioso, características (alta, baixa, intermitente, remitente, contínua ou errática), duração entre o início e o aparecimento da erupção cutânea; sintomas e sinais que a acompanham (calafrios, sudorese, mal-estar, mialgias, artralgias, alterações de sensorium). Sobre as adenomegalias, é importante anotar características e relação com o início do exantema. O exantema deve ser minuciosamente explorado: o tipo, o local de início, a sua disseminação, o comportamento da curva térmica, a presença de outros sintomas e os sinais associados, por exemplo, o desaparecimento da febre coincidindo com a erupção (roséola), a acentuação dos sintomas catarrais e da temperatura coincidindo com o início do exantema (sarampo), meningite linfomonocitária (enterovírus), etc. Também é muito importante pesquisar dados epidemiológicos, principalmente contato com pessoas doentes (tuberculose, sarampo), uso de medicamentos (erupção por drogas) e, inclusive, viagens. O médico deve estar a par das principais doenças infecciosas que possam estar ocorrendo na região visitada pelo paciente, conhecer o tipo de programa realizado, como visitas a cavernas, banho em “lagoas de coceira”, pois esses dados sugerem doenças como histoplasmose e esquistossomíase aguda. Picadas de insetos, contato com animais, domésticos ou não, enchentes, entre outros, podem fornecer pistas importantes, como riquetsioses, doença de Lyme, malária, dengue, febre amarela, leptospirose, etc. A história vacinal também deve ser obtida e, quando possível, confirmada por carteira de imunizações. A exposição ao sol é um dado importante em pediatria, porque as crianças com a pele mais sensível “queimam-se” mais facilmente (eritema solar) ou podem apresentar alergia a protetor solar (eritema tóxico, por drogas) e, ainda, apresentar miliária rubra, ou exacerbação do exantema no caso do eritema infeccioso. O exame físico deve ser cuidadoso e evolutivo, pois muitos sinais podem aparecer na evolução da doença, como a adenopatia em toxoplasmose e a erupção cutânea na febre tifoide. Durante a realização do exame físico, é muito importante observar o estado geral do paciente, pois algumas doenças exantemáticas têm evolução extremamente rápida, como a meningococcemia, a febre purpúrica brasileira e o choque infeccioso. Deve-se anotar o tipo de exantema e a presença de outros sinais, como adenomegalia, hepatoesplenomegalia, sinais flogísticos em articulações e em partes moles, etc. Quando a história, o exame físico e a epidemiologia não fornecerem o diagnóstico, devem ser solicitados os exames laboratoriais, cuja finalidade pode ser a de confirmar o diagnóstico ou de detectar alguma complicação. Entre os exames mais solicitados na análise de uma criança com exantema, está o hemograma, com contagem de linfócitos atípicos e de plaquetas. Nem sempre ele oferece pistas, mas, algumas vezes, a alteração é considerada bastante “típica”, como na síndrome da mononucleose (quando se observa leucocitose, ou linfocitose com presença de linfócitos atípicos); na febre tifoide (com leucopenia, neutrofilia, desvio à esquerda e anaeosinofilia); na doença de Kawasaki (com anemia, leucocitose, neutrofilia, desvio à esquerda, eosinófilos presentes e plaquetose na segunda semana).