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1 XVII Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (XVII ENANCIB) GT 09 - Museu, Patrimônio e Informação AS NOVAS TECNOLOGIAS NAS EXPOSIÇÕES MUSEOLÓGICAS: OBJETOS REAIS E A CONCORRÊNCIA DIGITAL THE NEW TECHNOLOGIES IN MUSEOLOGICAL EXHIBITIONS: REAL OBJECTS AND THE DIGITAL COMPETITION Helena Cunha de Uzeda1 Modalidade da apresentação: Comunicação Oral Resumo: As inovações tecnológicas vêm alterando o cotidiano em praticamente todas as áreas, criando novos modelos de assimilar conhecimento e transmitir informações. No ambiente de alguns museus, recursos tecnológicos iniciaram sua atuação como auxílio a trabalhos arquivísti- cos, acumulando dados e facilitando a gestão das coleções, tornando-se depois parte dos siste- mas internos de segurança, do controle do público, das condições ambientais, das reservas téc- nicas, da divulgação de informações institucionais em sites oficiais. Essa crescente dependência tecnológica, já incorporada às tarefas internas, começa a penetrar nas galerias dos museus em contato direto com o público. Aplicativos móveis que já são disponibilizados por alguns mu- seus, transformam celulares em áudio guias, QR Codes e Realidades Aumentadas ampliam a 1 Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba. 2 compreensão dos acervos, levando a crer que no futuro cairão em desuso balcões de informa- ções e folheterias. Mas como qualificar a atuação das novas tecnologias como parte integrante na comunicação narrativa das exposições? Mesmo usadas com o objetivo de ampliar as possibi- lidades de compreensão dos visitantes – mídias de simulação, reconstruções digitais, criação de ambientes virtuais e interativos – a natureza tecnológica desses recursos não poderia interferir no nível e no ritmo específicos às percepções de cunho museológico? A onipresença digital – que começa a interferir nos tradicionais canais da comunicação expositiva, ainda que compre- endida como tentativa de atualização – poderia tornar-se inadequada quando usada como substi- tuição virtual do acervo real? O processo de “descanonização” imputado ao discurso pós- moderno, que recusa os “grandes códigos” e a obediência à autoridade, poderia reduzir a impor- tância dos objetos, substituindo-os por novos signos nas exposições? O intuito é lançar um olhar analítico à utilização das novas tecnologias digitais em seu papel ativo nas exposições museoló- gicas e os limites da atuação delas como concorrentes aos objetos reais dentro do discurso mu- seológico. Palavras-chave: exposição museológica, comunicação expositiva, tecnologias digitais Abstract: Technological innovations, which became so present nowadays, create new ways of assimilating knowledge and transmit information. In the environment of museums, digital re- sources were initially used by the archives, storing data and facilitating collections manage- ment. Later they became part of the internal security system, the control of the public and stor- age, as well of institutional publicity and information on institutional sites. This growing tech- nological dependence, which already reflected in internal tasks of museums, starts to gain space as participants in museum exhibition projects, collaborating to expand the possibilities of un- derstanding of collections – with simulation media, digital reconstructions, films and creation of virtual environments. This movement optimizes the perception of visitors about the objects exhibited and the proposed themes. Mobile app is available from museums and downloaded to transform mobile phone into audio guides, allowing access to digital galleries maps and in- depth details of the works exhibited, and the use of QR Codes and Augmented Reality that lead us to believe that will be increasingly less necessary information desks and the museum bro- chures. How one can see this digital omnipresence, which updates the traditional communica- tion channels of museums to a new contemporary perception, when it is placed as a virtual re- placement of real museum object? Would the traditional communication system of museums be reevaluated based on the relationship between man and the real through a sensitive perception of the object? With the process of "decanonization" of postmodern discourse, refusing the "great code" and obedience to authority, would be museums questioned in their concepts, as direct representatives of this language? The aim is to analyze the use of digital technology in museum exhibitions, in its essentiality and the ethical limits of its performance as a competitor of the authentic objects in communicating museological discourse. Keywords: museum exhibition, exhibition communication, digital Technologies 1. INTRODUÇÃO As dramáticas transformações ocorridas no campo das comunicações têm afeta- do o nível de atenção dos indivíduos, reformatando sua própria percepção do “real” e criando uma nova capacidade de interagir e compreender o mundo. Essas transforma- ções são profundas e apontam a necessidade de analisar aspectos cruciais sobre o papel das exposições museológicas numa sociedade que convive “em rede” no espaço dinâ- mico e digitalizado da cultura contemporânea. A associação dos termos gregos “tekhne” – como arte e técnica – e “logos” – como conjunto de saberes, parece insuficiente para 3 conceituar “tecnologia” como a entendemos hoje. Representando a reunião de instru- mentos e técnicas que sirvam como auxílio ao desenvolvimento de forma prática do conhecimento científico, as novas tecnologias ampliaram em muito as possibilidades comunicacionais, tornando repentinamente obsoletos recursos que eram tidos como grandes inovações até bem pouco tempo. Telefones fixos com imagens, secretárias ele- trônicas, projetores de slides, câmeras polaroides, televisores em tubo de vidro, trans- formaram-se de repente em equipamentos ultrapassados – quebras de paradigmas que continuam a obrigar adaptações rápidas e sucessivas, fruto das constantes inovações dos suportes eletrônicos. O uso dos recursos tecnológicos parece inevitável, sendo crescente em todas as áreas e muito familiar junto aos mais jovens. Nas instituições museológicas, as novas tecnologias têm funcionado como braços comunicacionais, atuando não apenas em seus controles internos e na parte de divulgação, mas integrando os projetos das próprias exposições. Esse é um aspecto que merece ser mais bem analisado, já que a utilização massiva desses recursos midiáticos no âmbito da comunicação museológica ainda per- manece aberta a considerações. Quais seriam as formas mais adequadas de utilizar as novas tecnologias para que possam servir como elemento aglutinador, capaz de ampliar a comunicação das coleções e valorizá-las? Por outro lado, quais seriam seus limites de atuação? O uso intensivo das mídias digitais nas exposições poderia modificar de forma irreversível a relação comunicacional com o público na mesma intensidade que vêm alterando o cotidiano contemporâneo? A inclusão dos recursos tecnológicos de informação e comunicação digitais nas galerias de exposição envolve uma triangulação dialógica que se estabelece entre ambi- ente virtual, acervo real e público. Essas mídias passam a transitar por ambientes e có- digos discursivos próprios à museologia, o que pode exigir uma adequação no compor- tamento perceptivo dos visitantes e interferir nas características intrínsecas à comunica- ção museológica. A criação de recursos tecnológicos, como recriações, ambientações virtuais, realidades aumentadas, projeções de mappings 3D, offsite experiences, aplica- tivos que transformam celulares em audioguias, visam aprofundar o nível de experiência dos visitantes nas exposições – as novas tecnologias realmente colaboram para isso, sintonizando-as aos estímulos visuais e virtuaiscontemporâneos. Entretanto, elas tam- bém podem vir a estabelecer uma competição desigual com a comunicação específica aos acervos museológicos, chegando, por vezes, a funcionar como “duplos” destes, em papel claramente protagonista, e até mesmo funcionando como verdadeiros “substitu- tos” dos objetos reais. 4 Retidos na rede mundial de computadores e navegando por um ciberespaço ain- da não totalmente conhecido, o público das exposições delicia-se e admira as novas tec- nologias, não sabemos se tanto quanto os próprios objetos. Habitantes de uma cibercul- tura que demanda práticas, pensamentos e valores completamente diferentes dos utiliza- dos há vinte anos, os visitantes das exposições contemporâneas ainda seriam os mes- mos? A passagem para a “pós-modernidade”2 é marcada por um desejo de revisão de conceituações, mostrando um descrédito diante de “grandes códigos” e “dessacralizan- do” o culto pela autoridade, o que afetou, em parte, a visão sobre os acervos museológi- cos autênticos, que assumiam esse conceito dentro do discurso impositivo. David Har- vey (1996) identificou na condição pós-moderna características que apontam para uma sociedade globalizada, que desconsidera fronteiras fixas e que se fundamenta menos em tradições e mais em inovações, enfatizando a produção e difusão de imagens como base da experiência moderna. Os objetos reais, compreendidos a partir de uma nova perspectiva que privilegia a percepção do público, passam a dividir espaço com um universo comunicacional pre- dominantemente imagético e virtual, levando ao confronto duas esferas distintas em relação à fruição: ambiente virtual do ciberespaço e ambiente real dos museus. Poderia haver um diálogo equânime entre essas duas linguagens contrapostas num mesmo espa- ço? 2. AS EXPOSIÇÕES MUSEOLÓGICAS E AS NOVAS TECNOLOGIAS Desenvolvidas em consonância com o pensamento iluminista, as exposições de acervos museológicos refletiam a intenção de sistematização organizacional dos ele- mentos naturais e artificiais, com o objetivo de auxiliar uma compreensão mais racional de um mundo que ansiava por conhecimentos mais científicos. O corte temporal estabe- lecido por teóricos, considerando a década de 1970 como passagem para a pós- modernidade ocorreu pela identificação de alterações fundamentais que começaram a se processar no pensamento e no espírito desse “novo” período. Entre as grandes transfor- mações experimentadas, a que afetaria o campo da comunicação parece ter sido a mais 2 A pós-modernidade é um conceito da sociologia que designa uma condição sociocultural e estética que se mostra prevalente após a queda do Muro de Berlim e do colapso da União Soviética. Com a crise das ideologias que se acirra ao final do século XX, dissolvem-se as referências da compreensão do mundo por meio de esquemas unívocos e totalizantes. 5 evidente e a que maior influência teria sobre as relações tanto individuais quanto glo- bais. Os domínios de espaço e tempo ampliaram-se e se aceleraram ao ritmo frenético de bytes e pixels, abalando certezas e diluindo fronteiras – tudo parecendo ficar mais permeável, permissivo, célere, com uma agilidade de circulação de informações que assumiu caráter vertiginoso. É nesse novo contexto cultural que os museus vão se reco- locar como mídia e a museologia vai se estruturar como campo. Há apenas algumas décadas, imensos computadores ocupavam salas inteiras e necessitavam de diversas pessoas para comandar sua principal função: realizar cálculos complexos para grandes organizações. Com o tempo, graças ao desenvolvimento da microtecnologia e, depois, da nanotecnologia todo esse universo cabe confortavelmente em nossas mãos: muito mais potentes, versáteis, velozes e angustiantes. A onipresença das mídias digitais na contemporaneidade, que se transbordaram para o ambiente dos museus a partir da própria realidade cotidiana, já foi incorporada como ferramenta po- derosa aos processos museográficos em quase todas as instituições museais. Inicialmen- te, os recursos computacionais foram recebidos com muito entusiasmo e algum alívio no auxílio aos trabalhos arquivísticos de catalogação dos museus, passando, em seguida, a integrar sistemas de internos nas áreas de segurança, fluxo de público, bilheteria, mo- nitoramento das condições ambientais e controle de reservas técnicas. Alguns museus vêm lançando mão de recursos informatizados para apoio da divulgação institucional, mantendo homepages e participando de redes sociais, estabelecendo comunicação direta com o público local e global. Já não é incomum ver museus disponibilizando terminais digitais como instrumento de apoio aos visitantes na localização espacial e na orientação sobre as exposições e seus acervos, recursos já bem familiares por manter similaridade de linguagem com os computadores pessoais e terminais bancários. Nessa crescente dependência tecnológica, que se estabeleceu de forma definitiva e rotineira, a linguagem tecnológica passou a penetrar também nas galerias dos museus, integrada aos elementos das exposições. Entretanto, a atuação das novas tecnologias como parte integrante do processo de comunicação da narrativa do conteúdo apresentado merece uma análise mais aprofundada, levando em conta que suas repercussões e interferências na percep- ção do público não estão ainda bem mensuradas3. 3 O quanto o observador apreendeu de um objeto exposto em comparação à atenção que foi dedicada por ele à mídia digital (seja filme ou elemento digital interativo) pode ser passíveis de avaliação. Em projeto de pesquisa contemplado pela FAPERJ, o autor está desenvolvendo atualmente uma metodologia para analisar a apreensão de um objeto museológico ao lado de uma mídia digital, utilizando metodologia com orientação de profissionais da área de estatística, na tentativa de verificar a interferência e possível divi- são atencional na fruição simultânea desses dois estímulos. 6 Usadas com o objetivo de ampliar as possibilidades de compreensão dos visitan- tes sobre o conteúdo do tema da exposição e a interpretação dos objetos expostos, essas mídias são apresentadas de forma variada – simulações, reconstruções digitais, hologra- fias, ambientes virtuais interativos etc. Mas esses recursos midiáticos não demandariam, por sua natureza tecnológica, um nível e um ritmo de percepções bem diferentes do que normalmente é exigido por acervos museológicos? Parece que estamos diante de um desejo imperioso de atualização dos canais tradicionais de comunicação nas exposições museológicas, centrados na observação de acervo real, para o que estão sendo convoca- das as novas tecnologias digitais. Uma decisão que parece já ter sido tomada – para o bem ou para o mal. [...] o problema do impacto social e cultural de todas as novas tecno- logias, fornece uma descrição sintética dos grandes conceitos técnicos que exprimem e sustentam a cibercultura [...] que essas técnicas criam novas condições e possibilitam ocasiões inesperadas para o desenvol- vimento das pessoas e da sociedade, mas que elas não determinam au- tomaticamente nem as trevas nem a iluminação para o futuro humano (LÉVY, 1999, p. 17). Mesmo se considerarmos todas as variáveis conjunturais que influenciam o pen- samento contemporâneo, assistimos uma amplificação global do campo da comunicação penetrando quase todas elas. Talvez isso explique a sensação de desequilíbrio de forças entre as áreas funcionais da museologia – preservação, pesquisa e comunicação –, com os aspectos comunicacionais assumindo um peso maior dentro dos museus. Conside- rando “museu enquanto representação da sociedade humana, no tempo e no espaço” [que] “abrange o estudo das múltiplas relações existentes entre o humano e o Real” (SCHEINER, 2012, p. 16), as novas tecnologiasque interconectam ambientes e indivíduos numa “rede” pra- ticamente contínua e global qualificam-se, de forma inequívoca, a fazer parte dos atuais estudos museológicos e a habitar os domínios narrativos das exposições. Mas quais os parâmetros que deveriam ser ditados na utilização desses recursos tecnológicos nas ex- posições; quais os limites éticos em relação à percepção dos visitantes e que nível hie- rárquico seria adequado à participação das novas tecnologias em relação aos demais elementos expositivos: concluindo, como fica a comunicação museológica baseada na exposição de objetos reais e em textos impressos? Cada vez mais acessível, a navegação pelo que se definiu chamar de “ciberespa- ço”4 vem alterando a percepção sobre o real nos indivíduos que habitam a “cibercultu- 4 Ciberespaço, ou “rede” é como Pierre Lévy chama “o novo meio de comunicação que surge da interco- nexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunica- 7 ra”, definida por Pierre Lévy como “o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modo de pensamento e de valores que se desenvolvem junta- mente com o crescimento do ciberespaço” (LÉVY, 1999, p. 17). Essas atitudes, pensa- mentos e valores, específicos aos cibernautas, apontam para um novo posicionamento diante de uma realidade que se afasta dos padrões tradicionais de receber informações e emoções. Parte dos visitantes dos museus já está investida dessa nova postura, colocan- do-se diante de estímulos que mesclam real e virtual de forma confortável, carregando IPhones e IPads como extensão de si próprios. Outra parte do público, entretanto, pode não se impressionar tanto, preferindo caminhar por um espaço-tempo mais palpável e real. Entretan- to, as inovações tecnológicas, assim como todas as modernizações que se sucedem nas diversas áreas de conhecimento precisam ser digeridas em sua indefectibilidade. [...] os hábitos, as habilidades, os modos de subjetivação dos grupos e das pessoas adaptadas ao mundo antigo não são mais adequados. A mudança técnica gera, portanto, um sofrimento. Enrijecer-se contra esse sofrimento, negá-lo, desconhecê-lo, observar apenas seus aspec- tos negativos só irão aumentar a parte inevitável da tristeza. Como li- mitar o sofrimento? Acompanhando lucidamente a transformação ou, melhor, participando do movimento, envolvendo-se em um processo de aprendizagem, aproveitando as oportunidades de crescimento e de desenvolvimento humanos (LÉVY, 1999, p. 218). A pergunta que se coloca: a utilização de mídias tecnológicas estaria sendo res- ponsável por uma acomodação simplesmente conjuntural no processo de assimilação do conhecimento e de informação, ou poderíamos estar diante de algum tipo de perda per- ceptiva em relação ao conteúdo das exposições? A busca por uma adequação dos proje- tos de forma a garantir a inclusão de diferentes níveis de apreensão do real – amenizan- do uma superexposição tecnológica, colaboraria para uma posição não excludente das percepções ainda não tecnologicamente estruturadas e para uma não obliteração das características da comunicação essencialmente museológica. A valorização da comunicação digital estimulou o surgimento de um tipo de mu- seu completamente “imaterializado”, conceituado como “museu virtual”5, cujas cole- ção digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres huma- nos que navegam e alimentam desse universo” (LÉVY, 1999, p. 17). 5 O Museu Virtual, como destaca a Profa Diana Farjalla (LIMA, 2009, p. 9) é um novo modelo que se insere no âmbito do Patrimônio Digital, definido pela UNESCO como “[...] patrimônio digital compreen- de recursos de conhecimento ou expressão humana, seja cultural, educacional, científico e administrativo, ou abrangendo a informação técnica, legal, médica e outros tipos de informação [...] são cada vez mais criados digitalmente, ou convertidos de sua forma analógica original à forma digital. Quando os recursos são “criados em modo digital”, não existe outro formato além do objeto digital. Materiais digitais incluem textos, bases de dados, imagens extáticas e com movimento, áudios, gráficos, software, e páginas web, entre uma ampla e crescente variedade de formatos. Eles geralmente são passageiros e requerem produ- ção, manutenção e gerenciamento específicos para serem preservados” (tradução da Profa. Diana Farjalla) 8 ções são “existentes somente no meio virtual, ou seja, sem correspondentes no meio físico. O museu é identificado ao formato que se denomina desterritorializado. Só existe na representação do site do computador. Não há referência física da sua existência ‘re- al’” (LIMA, 2009, p. 9). O termo desterritorializar é normalmente utilizado em relação à diminuição da importância da dimensão espacial e à valorização do ambiente virtual. O conceito define processos que descontextualizam as relações, tornando-as virtuais, sen- do a desterritorialização considerada uma característica da pós-modernidade e de suas sociedades em redes (HAESBERT; BRUCE, 2002). É interessante notar que os acervos virtuais, habitantes de “nuvens”, além de se desobrigarem da conservação física de seus acervos, uma das tarefas primordiais da museologia, faz nascer um novo tipo de público, o visitante virtual. Este possui acesso à imagem do objeto num ambiente artificial, sem que seja possível uma verdadeira expe- riência sensível. A vivência da tridimensionalidade e da dimensionalidade formal do objeto, assim como referências importantes para uma apreensão sensível do real, como o olfato e a própria ambiência espacial mostram-se essenciais à imersão na experiência museológica. Se a percepção dos indivíduos está sendo moldada pela vivência virtual, o con- vívio com elas pode influenciar a apreensão dos objetos reais expostos pelo gradual esvaziamento de sua exclusividade comunicacional. As consequências do deslocamento de parte dessa autoridade narrativa, da materialidade objetual para a imaterialidade digi- tal, baseada numa experiência virtual, ainda não é muito bem compreendida. A inclusão das inserções virtuais nas exposições ocorre quase simultaneamente à transferência da ênfase centrada nos objetos para a percepção do público, suas vivências e percepções. Entretanto, como coloca Hilde Hein, “o distanciamento do foco do objeto para uma ên- fase na promoção da experiência revela novos horizontes éticos, epistemológicos e esté- ticos cuja constatação pode abalar as bases dos museus” (HEIN, 2000, p. ix, preface). Uma nova perspectiva ética, por subverter as normas de ordem valorativa que conceitu- am o museu e suas coleções; um novo horizonte epistemológico, por questionar a vali- dade e o grau de importância do conhecimento desenvolvido até então pelos museus; uma nova visão estética, por apoiar-se nas novas tecnologias entendidas como “plásti- cas” fundamentalmente contemporâneas. A “experiência”, como vivência do observador, alimenta-se pela memória, pelos sentidos e todas as conexões temporais e contextuais que a envolvem. Os objetos não sendo portadores intrínsecos de discursos, necessitam da bagagem vivencial do obser- 9 vador para se configurarem como suporte material de um processo sensível, que é espe- cífico à comunicação museológica. Diante da necessidade irrevogável de atualizar os discursos expositivos dos museus, as mídias eletrônicas apresentaram-se como resposta natural, como sistema de comunicação mais adequado à atualidade, esteticamente nela inserido e impressionantepor seus alcances tentaculares. Os objetos ao precisarem divi- dir espaço com recursos digitais dinâmicos e interativos não poderiam estar sendo colo- cados mais distantes do público? Diante de uma sensibilidade habituada ao dinamismo tecnológico, os objetos parecem mesmo necessitar de algo mais do que simples etique- tas. Mas como conjugar mundo material e universo virtual mantendo um ponto de equi- líbrio dentro dos espaços expositivos? [...] eu diria que hoje videotextos e experiências interativas virtuais comunicam mais fácil e completamente que, por exemplo, as tradicio- nais etiquetas - principalmente naquelas exposições onde se espera público jovem ou familiarizado com as novas tecnologias. Mas que a exposição não se esgote nesses recursos, tornando-se a mera cópia de produtos já exaustivamente oferecidos por outras agencias mediáticas (SCHEINER, 2003, p. 6). A visitação a exposições museológicas com inserções tecnológicas em suas nar- rativas provocaria perdas perceptivas no público, forçado a administrar sua atenção, dividindo-a ora com os recursos digitais, ora com os objetos reais num mesmo espaço- tempo? Devemos considerar que estes últimos, por sua própria materialidade e memória latente, demandam um tipo de percepção de cunho mais sensível e emocional, bem di- verso ao que é exigido pelas “leituras” digitais. O mundo virtual dispõe as informações em fluxo contínuo [...] a in- formação em fluxo designa dados em estado contínuo de modificação, disperso entre memórias e canais interconectados que podem ser per- corridos, filtrados e apresentados ao cibernauta de acordo com suas instruções, graças a programas (LÉVY, 1999, p. 62). Mas como coordenar áreas aparentemente antagônicas – tecnologia e inovação versus preservação e memória – para que trabalhem juntas, estimulando o público a uma percepção e interpretação mais abrangente sobre o acervo exposto, capaz de induzi-lo à cognição e à emoção, aglutinando seus diferentes significados. Já que, como coloca Maggie Stogner: “a questão não é mais se devemos usar mídias para intensificar as ex- posições museológicas, mas como usá-las”6 (2009, p. 385, tradução nossa). A celerida- de com que as inovações tecnológicas se desenvolvem em sua obsolescência programa- 6 “The issue is no longer whether to use media to enhance museum exhibitions, but how to use it” 10 da obriga sua utilização antes de qualquer análise mais aprofundada sobre a maneira mais adequada de sua aplicação e possíveis consequências. As funções básicas da museologia ainda mantêm hoje um equilíbrio frágil, vari- ando em sua excelência ou negligência de museu para museu, ao sabor das insuficiên- cias financeiras, ausências de apoio governamental ou descasos diversos no gerencia- mento institucional. Mesmo assim, não há como negar que entre conservação, pesquisa e comunicação, é esta última que parece mais ruidosa e atuante, recebendo grande des- taque nos projetos de concepção de exposições. Com isso, considerando que “os estudos teóricos evoluíram para a investigação dos cruzamentos entre a Museologia e as novas tecnolo- gias”, como colocou Scheiner (2012, p. 18), alguns aspectos específicos deveriam ser investiga- dos com maior profundidade no que diz respeito à prevalência da comunicação digital sobre a comunicação museológica nos projetos de exposições. A partir de fins da década de 1980, a atuação de outros campos disciplinares, como a filosofia, Estudos Culturais, Ciência Política e Ciências da Informação iriam fortalecer o campo da museologia, que passou a assumir o caráter interdisciplinar que, de certa forma, já vivenciava. No caso específico das Ciências da Informação, as inova- ções desenvolvidas no processamento digital de dados e imagens – que afeta dramati- camente o campo das comunicações em seus diversos níveis – passam a ser utilizadas nos museus, não apenas simplificando e auxiliando os processos administrativos, mas também integrando os projetos das exposições, com interferência direta na relação- interação com os visitantes. A comunicação realizada na esfera dos museus é descrita em Conceitos-Chave de Museologia: “[...] o museu comunica de maneira específica, por meio de um método que lhe é próprio, bem como utilizando todas as outras técnicas de comunicação, correndo o risco, talvez, de investir menos em suas características mais específicas” (DESVALLÉES, MAIRESSE, 2013, p. 37). Essa especificidade que é atri- buída à comunicação museológica nem sempre se mostrou clara, questionando-se, até a década de 1990, se os museus constituir-se-iam, de fato, em uma “mídia” (ibd., p. 36). Ainda que a disponibilização do acervo ao público sempre tenha sido uma fun- ção básica dos museus, inicialmente as exposições não se preocupavam em relação à transmissão de mensagens intencionalmente formuladas a partir de narrativas consisten- tes sobre os objetos apresentados. A visão das exposições como canais de transmissão de informações e de formulação de significados foi sendo construída ao longo do século 20, com uma crescente valorização da comunicação como função e da recepção de men- sagens e percepção dos acervos pelo público como pontos básicos dentro dos projetos expositivos. 11 Os estudos no campo da museologia, tradicionalmente voltados aos aspectos técnicos do manejo e da conservação dos objetos, com a ampliação da ênfase comunica- cional, passam a dirigir seu foco diretamente sobre o público, formatadores do discurso museológico. Entender como a mensagem emitida aos visitantes é construída a partir dos objetos expostos, das informações textuais e da interpretação individual de cada um constitui-se agora numa preocupação fundamental nos museus. Para Hooper-Greenhill, “o desenvolvimento de exposições necessita levar em conta tanto o que as pessoas que- rem conhecer [...] quanto como elas podem vir a conhecer – como elas apreendem” (1999, p. 19). O visitante, de observador passivo, passa a funcionar como ponto de ori- entação, eixo ao redor do qual serão construídos o discurso narrativo e a estruturação estética das exposições. A preocupação em surpreender plasticamente o visitante, com recursos digitais espetaculares, por vezes, superpõe-se à tarefa de interpretar o acervo e de facilitar a recepção de informações sobre os objetos expostos, na tentativa de equipa- rá-las ao nível perceptivo da contemporaneidade. Pesquisas de público feitas na Ingla- terra mostraram que os visitantes continuam muito interessados em uma interpretação mais profunda e atualizada, histórica e eticamente, sobre os próprios objetos. É difícil, especialmente para aquelas pessoas que visitam muito rara- mente, separar as representações culturais encontradas nos museus de outras de outras mídias de comunicação de massa e os que responde- ram à pesquisa tendem a tratar os museus como parte de um sistema generalizado de comunicação de massa. Uma insatisfação geral foi demonstrada em relação tanto aos objetos expostos quanto as suas in- terpretações (HOOPER-GREENHILL, 1999, p. 8). E se as variações conceituais e de atuação dos museus vão sendo alteradas ao sabor das conjunturas e percepções que os indivíduos “[...] estabelecem com o espaço, o tempo e a memória, em sintonia com os sistemas de pensamento e os valores de suas pró- prias culturas” (SCHEINER, 2012, p. 18), a absorção das novas tecnologias pelas expo- sições não representaria apenas um recurso contingente. Seria, na verdade, uma incorpo- ração praticamente obrigatória para uma instituição que se deseja representativa da so- ciedade em sua realidade espaço-temporal. Os processos de atualização das exposições museológicas nunca irão interrom- per sua busca uma sintonia que permita o trânsito com desenvoltura pelo “espírito do tempo” contemporâneo, onde o analógico deu lugar ao digital e a comunicaçãopassou a se estruturar sobre as infindáveis combinações de “zeros” e “uns”. O amplo acesso às tecnologias digitais fez com que o público se investisse de uma autonomia no acesso a informações sem paralelo na história, o que fatalmente resultará numa atitude perceptiva 12 bem diferente, certamente um pouco menos paciente e contemplativa. Poderia essa nova percepção afetar de forma definitiva o próprio conceito dos museus e de suas exposi- ções? Estaria a função de comunicação destinada irremediavelmente a suplantar às de- mais, ligadas à preservação e à pesquisa? A introdução de “Vers une Redéfinition Du Musée?” coloca a redefinição sobre “museu” como uma questão relevante a ser analisada dentro dos estudos da museologia, evidenciando-se a essencialidade de delimitações conceituais mais precisas diante do amadurecimento do campo ao longo de seu processo histórico. Por seu desenvolvimento recente como área disciplinar, a Museologia desenvolveu-se incorporando visões com- plexas e características da “pós-modernidade”, que lhe permitiu operar com alguma facilidade por outros campos do conhecimento. Nos domínios “pós-modernos” – com o enfraquecimento das fronteiras rigorosas do pensamento iluminista sobre os quais a ideia de museu estruturou-se – foi possível aceitar incorporações de abordagens mais abrangentes e abertas à multidisciplinaridade. Stránský declarou-se convencido de que é: “[...] o pensamento pós-moderno que cria um solo muito mais fértil para a museolo- gia” (1995, p. 19). É sabido que o desgaste diante das metanarrativas e suas verdades absolutas abriu caminho para contemporizações com visões contraditórias e valoriza- ções de diferenças globais e regionais, ampliando o grau de complexidade no estabele- cimento de definições em qualquer área de conhecimento. Ihab Hassan, em suas análises sobre a pós-modernidade, enumerou os onze tra- ços7 que mais a representariam, entre os quais destacamos a “descanonização” – que se caracterizaria por uma recusa a todos os “grandes códigos”, a todas as convenções e autoridades; e a “imanência” – que diz respeito à “capacidade secular que a mente pos- sui de generalizar, de se prolongar através da linguagem, das mídias, de novas tecnolo- gias” (HASSAN, 1988, p. 11-13). Como parte da linguagem pós-moderna, essas duas características descritas por Hassan revelam sua influência no discurso contemporâneo das exposições museológicas. A primeira, a descanonização, que questiona as narrativas tradicionais e a autoridade do acervo que, por vezes, é preterido em favor de grandes imagens em plotagem, cenografias e efeitos midiáticos. A segunda, a imanência, pelo fascínio exercido pelas linguagens múltiplas, notadamente, pelas novas mídias tecnoló- gicas. As exposições museológicas contemporâneas buscam enquadrarem-se, assim, dentro do pensamento pós-moderno, “dessacralizando” de certa forma a autoridade dos 7 Os onze traços definidores da pós-modernidade segundo Hassan são: 1) Indeterminação; 2) Fragmenta- ção; 3) Descanonização; 4) Apagamento do Eu; 5) O Inapresentável; 6) A Ironia; 7) Hibridação; 8) Car- navalização; 9) Performance; 10) Construcionismo; 11) Imanência. 13 acervos, privilegiando uma comunicação midiática, a partir de elementos artificiais – cenográficos e/ou digitais – estranhos ao discurso museológico tradicional, mas insufla- dos pelo espírito da contemporaneidade. Mas, nesse mundo com ênfase no virtual, “re- des rasas” de pesquisa e fronteiras cambiantes de conhecimentos, como conseguir uma comunicação eficaz dos objetos? 3. A MUSEALIDADE NO CONTEXTO DA PÓS-MODERNIDADE: REAL VERSUS VIRTUAL Habitante de um novo contexto de uma pós-modernidade altamente conectada e global, que questiona autoridades e afrouxa as fronteiras entre conhecimentos, a museo- logia permanece coerente à missão de “interpretar cientificamente essa atitude do Ho- mem com relação à realidade e fazer-nos entender a musealidade em seu contexto histó- rico e social” (STRÁNSKÝ, 1980 apud SCHEINER, 2012, p. 17). O desafio, então, seria compreender o reposicionamento dos objetos musealizados numa sociedade de percepção volátil, formatada a partir do virtual. Estaria o público encantando-se mais com os aspectos lúdicos da linguagem digital nas exposições do que com a comunica- ção específica dos acervos museológicos? Exposições e público estariam afastando-se da relação fundamental com o objeto real? Talvez a linguagem expositiva dos museus – definidos como local de “apreensão do sensível pela apresentação dos objetos à visão [...] como uma forma de sacralização de objetos por adoração [...] o visitante é colocado na presença de elementos concretos que podem ser exibidos por sua própria importância” (DESVALLÉES, MAIRESSE, 2013, p.43) – não se enquadre bem no pensamento pós-moderno e na virtualidade con- temporânea. Essa sensação de inadequação, que poderia ser debitada à “dessacraliza- ção” e à “imanência”, típicas da época atual, explicando certo “abandono” de coleções museológicas em favor de projetos expositivos espetaculares com comunicação mais tecnológica. E se a maior permeabilidade das fronteiras transdisciplinares tem sido posi- tiva – abrindo caminho a visões mais tolerantes em relação à interação dos saberes de outros campos do conhecimento –, o efeito das novas tecnologias vindas das ciências da informação, atuando em protagonismo nas exposições, ainda espera por avaliações mais detalhadas. Em Conceitos-chave de Museologia fica clara a possibilidade de participação nas exposições museológicas não apenas da musealia – objetos autênticos de museus, carregados com uma musealidade específica –, mas também de seus “substitutos (mol- des, réplicas, cópias, fotos, etc.), o material expográfico [...] vitrines ou as divisórias do espaço, os suportes de informação (os textos, os filmes ou os multimídias)” (DESVA- 14 LLÉES; MAIRESSE, 2013, p.44). Portanto, a utilização de outros recursos além da musealia já está considerada e aceita nas definições específicas do campo. As novas tecnologias digitais enquadram-se, assim, como um recurso a ser utilizado como auxili- ar à assimilação de informações sobre tema e objetos expostos, permitindo uma com- preensão mais abrangente e atualizada sobre seus significados e relações simbólicas. Muito utilizados em processos interativos de exposição, inicialmente, em mu- seus de Ciências, os recursos digitais ampliaram seu espectro de ação, fazendo hoje par- te de projetos nos quais poderiam parecer dispensáveis, como em exposições de artes plásticas. Entretanto, o uso dos recursos tecnológicos digitais como destaque em proje- tos de exposições – não na função de otimizar a percepção do público diante do acervo, mas colocados como substitutos do próprio objeto para serem, eles próprios, observados e admirados – precisam ser mais bem avaliado. Não nos referimos a objetos à exposição de antigos computadores, jogos eletrônicos e outros objetos musealizados que já fazem parte da memória histórica do desenvolvimento das tecnologias, mas a recursos midiáti- cos que no lugar de coadjuvantes acabam por disputar com os objetos reais a atenção dos visitantes como se acervos fossem. O protagonismo das tecnologias em algumas exposições – notadamente nas temporárias do tipo “blockbusters”, cuja divulgação massiva torna-as eventos espetaculares de grande apelo junto ao público – não estaria causando ruídos à comunicação museológica em seu conceito e especificidades funda- mentais? Não raro, a participação excessiva de recursos tecnológicos acaba por relegar a comunicação especificamente museológica a uma posição periférica de interesse, levan- do o público a perambular entre o artificial/digital e o autêntico/museológico, numa alternância de percepções que pode levar à dispersão em relação ao acervo. Esses efei- tos “extra-acervo”,que incluem grandes cenografias e a utilização de novas tecnologias, por vezes, entram em competição direta com o acervo exposto pela atenção do visitante, como parece ter ocorrido com a exposição “O Mundo Mágico de Escher”, realizada no Rio de Janeiro, considerada a exposição mais visitada no mundo em 2011, pelo "The Art Newspaper"8. Nela, as obras autênticas do artista não chamavam tanto a atenção quanto o espetacular conjunto de elementos cenográficos e interativos. Há algum tempo, os mecanismos que regulam os níveis de atenção vêm sendo estudados, já sendo consenso que “o controle executivo da atenção está relacionado à detecção da relevância de um estímulo e a inibição das interferências de outros estímu- 8 Publicação norte-americana especializada em artes em geral que a partir de 1996 passou a realizar um levantamento anual ranqueando as exposições de museus mais visitadas no mundo. "O mundo mágico de Escher", apresentada no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro, recebeu, entre janeiro e mar- ço de 2011, uma média de 9.677 visitantes por dia - 1º lugar no ranking mundial. 15 los concorrentes, exigindo, portanto, um esforço do processamento atencional” (LIMA, 2005, p. 118). As pesquisas demonstram que a atenção é um mecanismo seletivo, com o cérebro selecionando aquilo que lhe chama mais atenção e ignorando as informações que lhe parecem menos interessantes. Dentro de um espaço expositivo – onde objetos e textos explicativos são colocados no mesmo ambiente de recursos digitais dinâmicos e interativos – seria interessante considerar qual atrairia maior atenção e qual seria igno- rado. É cada vez mais comum ver projetos expositivos dando grande destaque a ele- mentos midiáticos digitais, sem grandes considerações quanto à possibilidade de causar dispersão da atenção nos visitantes. Na exposição temporária “Um Novo Mundo, Um Novo Império”9 (2008), por exemplo, um monitor exposto na parede da galeria apresen- tava um vídeo com uma animação digital, criada a partir de uma pintura do artista oito- centista Leandro Joaquim, obra original, considerada como acervo de grande relevância histórica e artística, pertence à coleção da própria instituição. A animação digital, mos- trando soldados presentes no quadro movimentando-se dentro da pintura foi uma atra- ção na exposição, tendo recebido grande atenção dos visitantes, especialmente por parte das crianças. Os que admiravam aquela inserção digital, entretanto, não eram informa- dos sobre a importância do quadro real, tampouco que este poderia ser admirado em buma das galerias do próprio museu. Por que se preferiu expor uma representação digi- tal em substituição à obra original? Por que a obra original não foi colocada ao lado do vídeo que dela se apropriara, para que ambos dialogassem e se retroalimentassem em significados? O recurso digital, nesse caso, funcionou não como um elemento aglutina- dor de sentidos, auxiliando a ampliar o nível de interpretação e de compreensão do acervo, mas como um substituto intencional deste. Esse fato, de certa forma, não ratifi- caria a postura “pós-moderna” de romper com narrativas tradicionais ao não reconhecer a autoridade do objeto real, substituindo-o por linguagem digital? Em seu capítulo “Crítica da Substituição”, Lévy alerta “que é um erro pensar que o virtual substitua o real” (1999, p.211), nos fazendo pensar que, em relação às ex- periências relacionais proporcionadas pelas exposições museológicas ‒ ainda uma das principais funções dos museus –, estas continuarão a se constituir “em lugar por exce- lência da apreensão do sensível pela apresentação dos objetos à visão” (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p. 44). 9 Exposição “Um Novo Mundo, Um Novo Império: A Corte Portuguesa no Brasil", realizada no Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro ente 8 de março a 8 de junho de 2008 ", fez parte das comemora- ções dos 200 anos da vinda da família real portuguesa para o Brasil. Registro da exposição com imagens disponíveis em: http://www.museuhistoriconacional.com.br/mh-2008-001.htm. Acesso em: 01/09/2016. http://www.museuhistoriconacional.com.br/mh-2008-001.htm 16 A afirmação de Scheiner de que “se considera os museus como espaços de sonho e as exposições como experiências narrativas, cuja trajetória em verdade não parte dos objetos, mas das pessoas e de suas relações com o passado e o presente” (SCHEINER, 2003, p. 7) enquadra-se no entendimento do museu polissêmico, instrumento semiótico, “que se realiza exatamente na relação entre o mundo exterior e o mundo dos sentidos; entre o material e o virtual” (ibid., p. 1). Dessa forma, a consideração do mundo exterior se dá pela materialidade, enquanto a do mundo dos sentidos pela virtualidade – virtual entendido como conceito de existência potencial, sem presença real, mas não apenas digital. As narrativas das exposições vão muito além dos objetos reais, sendo que nas exposições de bens imateriais recursos cenográficos e tecnológicos são comuns, senão obrigatórios, para que possa haver uma ampliação da comunicação. No entanto, uma imersão em ambientes com recursos digitais e cenográficos em exposições onde os ob- jetos reais deveriam ser “exibidos por sua própria importância”, poderia misturar expo- sição/expografia com apresentação/cenografia. Nesta última, o compromisso maior é com o espaço e como qualificá-lo para a exposição, a preocupação é com os objetos e se “realiza pesquisas sobre o melhor modo de expressão, a melhor linguagem para fazer com que eles falem” (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p.38). Considerando o ho- mem em sua realidade cada vez mais digital é importante compreender como ocorrerá, dentro do campo da comunicação museológica, a relação complexa do Homem com esse novo “real” em toda a sua virtualidade. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Certamente, será preciso encontrar um equilíbrio em meio à superposição de rea- lidade e virtualidade, sendo necessário analisar como será possível neutralizar possíveis divisões atencionais dos visitantes diante da inexorável experiência de imersão nos re- cursos tecnológicos cada vez mais presentes. As exposições museológicas ao longo de sua trajetória sempre se defrontaram com demandas por atualização, entretanto, a incor- poração das tecnologias digitais nos projetos expositivos talvez tenha sido a mais radi- cal experimentada desde que o “cubo branco” foi criado na década de 1930. Naquele momento, a concepção de uma galeria toda branca e sem nenhuma referência decorati- va, visando criar um espaço “neutro”, tinha como objetivo impedir que quaisquer estí- mulos visuais – tapetes, papéis de parede e outros detalhes distrativos – dividissem a percepção do público e interferissem na observação das obras. Na contemporaneidade, essa intenção de atenção exclusiva dedicada pelo visitante ao acervo, característica do 17 pensamento racionalista/funcionalista moderno, parece estar perdendo sua validade his- tórica em meio à configuração predominantemente imagética e cenográfica da pós- modernidade. Assim, se a questão não é mais a escolha de usar ou não recursos tecnoló- gicos nas exposições museológicas, considerando que parece impossível desconsiderar sua força de comunicação, cabe tentar problematizar essa realidade que se apresenta como fato consumado. Talvez, devêssemos buscar estabelecer parâmetros sobre a forma mais adequada de utilizar as mídias digitais e sobre os limites de convívio entre objetos reais e novas tecnologias em um mesmo espaço expositivo. As exposições atuam construindo significados e emoções, levando o objeto real a um confronto concreto com as memórias e expectativas do observador na elaboração de uma experiência única – por vezes, inconclusa e provisória, mas eminentemente mu- seológica. A utilização das novas tecnologiasimbricadas a acervos autênticos, estes que sempre foram a “pedra de toque” dos projetos museográficos, só parece pertinente quando os recursos tecnológicos, em toda miríade de variedades e aplicações, funciona- rem como linguagem auxiliar ao discurso museológico. Trabalhando para amplificar a “fala” dos objetos e ajudando a sobretecer significados – sem assumir uma posição a eles concorrente, tampouco os sobrepondo ou os substituindo –, as novas tecnologias poderão conseguir uma participação equilibrada dentro de um processo tão específico como é o da comunicação museológica. Referências DESVALLÉES, André, MAIRESSE, François (ed.). Conceitos-chave de Museologia. 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