Prévia do material em texto
APOSTILA 1 Fundamentos da Administração Não há nada tão inútil quanto fazer com grande eficiência algo que não deveria ser feito. Administração é fazer as coisas direito. Liderança é fazer as coisas certas. Quando você vê um negócio bem-sucedido é porque alguém, algum dia, tomou uma decisão corajosa. Peter Drucker FACULDADE DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS SOCIAS APLICADAS CURSO DE ADMINISTRAÇÃO PROFESSOR: ADM. ALEXANDRE NASCIMENTO JUARA - 2021 Campus Universitário de Juara Administração – evolução, situação atual e perspectivas 1 – Introdução O ensino de Administração e, a sua prática no mundo das organizações sempre esteve associado a ideia-força de melhorar o desempenho através do treinamento sistemático. Nada mais simples de entender e nada mais complexo para ser colocado em prática efetiva. Simples, porque as organizações – grandes ou pequenas, públicas ou privadas, lucrativas ou não lucrativas – são na essência associações de pessoas, agindo predominantemente de acordo com suas experiências, percepções e motivações, que carecem por isso de uma certa identidade de propósitos e intenções para que seus esforços produzam resultados previsíveis e desejáveis. O que pode ser obtido através de treinamento, nas suas mais variadas formas. Complexo, no entanto, porque é meio vaga a ideia do que seja uma organização eficiente, dotado das características positivas, resultantes de consenso e aprovação. Adicionalmente, é necessário considerar que as profissões como forma operacional de atuação no contexto de uma sociedade, aparecem e se desenvolvem em consequência de sua utilidade social. O Administrador é ou, deve ser para as organizações, o que representa o Médico para a saúde de cada um de nós. Nesse particular, qual seria o respaldo e a proposta profissional da Administração? Qual o grau de internalização pela sociedade brasileira em particular e outras em escala global que passarão a incorporar novas demandas face a novos e complexos cenários emergentes? De valores como eficiência, inovação, ética, racionalidade na aplicação de recursos e na obtenção de resultados que formam a base valorativa da Administração? Qual a importância e a receptividade dadas, em nossa sociedade, ao Administrador como especialista na promoção daqueles valores maximizantes de recursos naturais, humanos e especializados? Essas questões e indagações encerram, a um só tempo, as dificuldades e o destaque da Administração, como uma das mais importantes áreas de estudos que foi no final do século passado recente e neste novo século e milênio que se inicia. Tanto, pelo número cada vez maior de pessoas, em todos os países, que com a Administração vem se envolvendo, como pelo ritmo crescente e constante com que se vai descobrindo e constatando que, em qualquer forma de associação humana, só existe um talento capaz de transformar propostas em fatos concretos, países e regiões subdesenvolvidas em sociedades afluentes, ideais de liberdade, em instituições permanentes: o talento de natureza empreendedora e gerencial próprio do administrador. É natural, portanto que, a preocupação com o ensino de Administração tenha aparecido muito cedo na história de quase todos os países. Embora, cada um tenha cumprido uma evolução própria, até alcançar as soluções compatíveis com suas necessidades. Algumas soluções mundialmente conhecidas, seguidas e celebradas. As Três Eras da Administração do Século XX Era Clássica 1900 – 1950 . Inicio da Industrialização . Estabilidade . Pouca mudança . Previsibilidade . Regularidade e certeza . Administração Científica . Teoria Clássica . Relações Humanas . Teoria da Burocracia Era Neoclássica 1950 – 1990 . Desenvolvimento Industrial . Aumento da mudança . Fim da previsibilidade . Necessidade de inovação . Teoria Neoclássica . Teoria Estruturalista . Teoria Comportamental . Teoria de Sistemas . Teoria da Contingência Era da Informação Após 1990 . Tecnologia da Informação . Globalização . Ênfase nos serviços . Aceleração da mudança . Imprevisibilidade . Instabilidade e incerteza Ênfase na: Produtividade Qualidade Competitividade Cliente Globalização Fonte: CHIAVENATO, 2000. 2 – O Ensino da Administração no Brasil No Brasil, as preocupações com o ensino de Administração chegaram muito tarde. Muitos autores indicam que a instalação de cursos de Administração no Brasil é contemporânea à instalação da grande empresa multinacional (a partir da década de 1940). Realmente, há uma coincidência histórica no período de ocorrência desses eventos. Por exemplo, é da época da implantação da grande empresa multinacional no país que datam experiências como “a contribuição pioneira do Pe. Sabóia de Medeiros, ao criar em São Paulo, ao final da década de 1940, a Escola Superior de Administração de Negócios (ESAN)”. Mais ou menos a mesma época a iniciativa de Armando Salles de Oliveira, ao criar o Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT). Em 1946, a criação do Instituto de Administração da USP. Hoje, seguramente, um dos principais centros sul-americanos, junto com a COPPEAD/UFRJ; EAESP/FGV e PPGA/UFRGS, de vanguarda na área do estudo, desenvolvimento e disseminação da ciência administrativa. Em 1952, a criação da Escola de Administração Pública (EBAP), no Rio de Janeiro e, em 1954, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP), ambas pertencentes a Fundação Getúlio Vargas (FGV) com o apoio da ONU e outros organismos dos USA. Assim, se dos USA nos veio o problema – a necessidade do ensino da administração – também nos chegaram as medidas tendentes à resolve-lo. Buscou-se junto aos USA, todo o conjunto de informações que possibilitassem a formação da categoria necessária. Trouxeram-se professores americanos, produziram-se textos, casos e material de ensino de Administração para o Brasil. Conservando-se grande parte das conclusões americanas, sem a necessária adaptação as especificidades brasileiras do ponto de vista social, cultural e econômica. A profissão de “Técnico em Administração”, como espaço legal e profissional tem no Brasil, 36 anos (Lei N. 4.769/65) e o especialista da área só venceu sua crise de identidade, ganhando um nome certo – ADMINISTRADOR - a pouco menos de 16 anos (Lei N. 7.321/85). 3 – As organizações em nosso tempo Ao se estudar gestão de organizações, é necessário fazer delimitações, selecionando e priorizando características e dimensões que determinam a complexidade do contexto organizacional. No presente manual didático, Introdução à gestão de organizações, serão abordadas as dimensões interna e externa das organizações, ou seja, respectivamente, a estrutura organizacional e o ambiente organizacional, conforme esquematiza a figura 1. Figura 1 – Dimensões interna e externa das organizações Fonte: CHIAVENATO, 2000. A análise interna de uma organização contempla sua estrutura organizacional, formada por seus principais componentes: as tecnologias, as pessoas e as tarefas. A inter-relação entre esses componentes e as posições que eles ocupam internamente na organização definem a hierarquia, o fluxo de informações, as funções e os níveis de tomada de decisão, entre outros elementos do desenho organizacional. A estrutura, isto é, a configuração interna de uma organização é influenciada, por sua vez, pelas características do ambiente organizacional. Assim, as organizações refletem internamente a realidade externa a que estão expostas. Utiliza-se, portanto, uma concepção sociológica da teoria das organizações e da administração. 3.1 Conceitos, características e dimensões de análise Quando pensamos em organizações de qualquer tipo, parece difícil conceber atividades que não estejamvinculadas a esta forma de construir relações sociais e de produção. As organizações estão presentes em diferentes setores vitais e fazem parte das mais diversas atividades do nosso dia a dia, uma vez que “afetam fortemente cada aspecto da existência humana – nascimento, crescimento, desenvolvimento, educação, trabalho, relacionamento social, saúde, e até mesmo a morte” (SILVA, 2013, p. 43). Pode-se, pois, afirmar que “o homem moderno é o homem dentro de organizações”, que “a vida contemporânea [...] é dominada por organizações grandes, complexas, formais” (BLAU; SCOTT, 1970, p. 11) e que “a sociedade moderna é uma sociedade de organizações” (ETZIONI, 1967a, p. 173). As nossas vidas, portanto, são “construídas” em contextos organizacionais e somos influenciados constantemente pelas organizações e pelas relações que se estabelecem entre elas. As organizações são importantes, segundo Simon (1965, p. 16), primeiro, porque somos “moldados” por organizações em que atuamos como profissionais, criando “qualidades e hábitos pessoais” e, segundo, porque elas proporcionam “os meios para exercer autoridade e influenciar os demais”. Essas condições organizacionais dividem-se em sociais, políticas, cognitivas, culturais e ambientais, conforme explicita Souza (2012, p. 23): [...] vivemos em uma sociedade organizacional: as organizações estão em toda a parte; suprimos nossas necessidades por meio de organizações; trabalhamos, divertimo-nos, relacionamo-nos, agimos politicamente, reivindicamos, enfim, atuamos em organizações. Somos parte delas e elas são parte de nós: portanto, vivemos e agimos sob condições organizacionais. As condições organizacionais e seus significados, definidos por Souza 2012), são apresentados no quadro 2. Fonte: SOUZA, 2012. Por possuírem dimensões concretas e abstratas (ou tangíveis e intangíveis), as organizações podem significar muitas coisas ao mesmo tempo, dependendo da perspectiva de análise. Barnard (1967, p. 26-29) define organização como um “sistema cooperativo”, sendo este “um sistema complexo de componentes físicos, biológicos, pessoais e sociais, entre os quais existe uma relação sistemática e específica em razão da cooperação de duas ou mais pessoas que visam a um determinado fim”3. Entretanto, buscando elaborar um conceito “cientificamente útil” de organização, o autor propõe que, nesta definição, não sejam considerados os ambientes físico, social e das pessoas, devido às diferentes realidades organizacionais que intervêm na elaboração do conceito de sistema cooperativo. Por isso, o autor define a organização formal como “um sistema de atividades ou forças coordenadas conscientemente entre duas ou mais pessoas”. Mas por que temos organizações? Porque são mais eficientes do que indivíduos agindo independentemente. Há uma diferença fundamental entre as organizações criadas com o fim específico de otimizar meios para cumprir uma tarefa ou realizar objetivos, chamadas organizações instrumentais, e os sistemas organizacionais que encarnam padrões sociais relevantes para a sociedade, chamadas organizações institucionalizadas, ou simplesmente instituições. A maioria das empresas se enquadra no primeiro grupo enquanto as grandes corporações, órgãos públicos, hospitais e universidades fazem parte do segundo. (Ex: A Universidade, a ONU, a IBM, o McDonald’s, o DCE, a Igreja, os Sindicatos, as Organizações Virtuais). As decisões nas organizações instrumentais, empresas privadas, são voltadas para a divisão racional e econômica do trabalho e a influência das estruturas como forma de incremento à produtividade e o controle. Nelas os relacionamentos são impessoais e as lealdades desejáveis, desde que sejam organizadas e facilitem a tomada de decisão da autoridade. A cooperação é consciente, deliberada e dirigida para os fins propostos. Há o desenvolvimento de uma deliberada flexibilidade para atender as demandas ambientais. As instituições por sua vez, são organizações que incorporam normas e valores considerados valiosos para seus membros e para a sociedade. São produto de necessidades e pressões sociais valorizadas pelos seus membros e pelo ambiente, preocupados não apenas com lucros ou resultados, mas com a sua sobrevivência e perenidade. São guiadas pelo senso de missão. Nas Instituições as forças e pressões sociais atuam como vetores que moldam o comportamento das pessoas. Procuram ser eternas e procuram formas de evitar sua extinção, por meio de uma espécie de fusão de interesses individuais com os objetivos institucionais. “As instituições são como úteros: protegem as pessoas, mas tolhem a sua mobilidade além dos limites previstos” (Pereira e Fonseca). Nesse sentido as instituições despersonalizam, manipulam e dirigem o comportamento de seus membros. As instituições possuem características próprias que as diferenciam das organizações instrumentais e que transparecem nas seguintes variáveis: ➢ A dimensão temporal ou história da instituição: Conforme Salznick (1972), citado por Pereira, “estudar uma instituição é prestar atenção à sua história e lembrar como ela foi influenciada pelo meio social”. ➢ O papel e a dimensão da liderança: Selznick identifica três compromissos da liderança institucional : (1) a definição de missão e do papel da instituição- a decodificação da missão em objetivos claros e realísticos; (2) a encarnação institucional da finalidade, os dirigentes de uma instituição não são livres para administrá-la baseados em sua própria vontade; (3) defesa da integridade institucional- os líderes institucionais protegem os valores e a integridade institucional acima de seus próprios valores e de sua própria identidade, dão exemplos de confiança e persistência aos subordinados. ➢ A imagem e a valorização externa: pode ser identificada por meio de evidências de suporte dado a ela pelos seus clientes e pelas outras organizações com as quais se relaciona. ➢ O comprometimento interno: o compartilhamento de uma filosofia entre os membros e a liderança faz com que as pessoas se sintam bem e orgulhosos fazendo seu trabalho. ➢ A autonomia para estabelecer programas e alocar recursos: ➢ As funções e objetivos que moldam a estrutura e a forma institucional: O impulso de sobrevivência faz com que as instituições procurem expandir cada vez mais suas fronteiras, extrapolando muitas vezes sua função original, mas é a relevância da função que garante a sua legitimidade institucional. ➢ O ambiente institucional: existem duas dimensões distintas, o ambiente operacional (órgãos públicos relevantes que se relacionam com a instituição para apoiá-la ou para competir com ela), o ambiente geral (transações com o ambiente) 3.2 Diferenças entre organização e instituição A estrutura informal, baseada em ligações interpessoais, é tão forte que frequentemente sobrepuja os aspectos formais. Mas a diferença fundamental entre organização e instituição é sua organicidade. Isto significa que elas se comportam como um organismo vivo, que nasce, cresce, amadurece, reproduz, envelhece e morre; têm sua história e identidade própria e são capazes de inovar e transmitir idéias e valores a outras organizações. Enquanto a organização instrumental necessita de gerente para fazer com que seus objetivos sejam cumpridos, as instituições precisam de líderes que lhes garantam a sobrevivência. Os gerentes tomam decisões racionais, planejam, coordenam, controlam ações e resultados, são ocupados, disciplinados e enfrentam os desafios da competição, produzindo o máximo com menor esforço e custo. Os líderes institucionais costumam ser idealistas, figuras intuitivas que usam o tempo na busca de um ideal e desafiam ordens na perseguição de seus valores. Nos regimes democrático, a população que vota e paga impostos é a mesma que recebe a prestação de serviços públicos. Ela é aomesmo tempo acionista e usuária. Os agentes intermediários entre o povo e o governo são os órgãos públicos, que são os instrumentos da ação governamental. As instituições públicas classificam-se em: ➢ Órgãos da administração direta (responsáveis pela execução das funções essenciais do governo); ➢ Órgãos da administração indireta (responsáveis pela execução de políticas supletivas, específicas ou conjunturais). As instituições públicas não são empresas. As decisões estratégicas tomadas pelos órgãos públicos são baseadas em ideologias e valores. São decisões únicas, variam de organização para organização e contêm diferenças fundamentais: ➢ Nos sistemas de valores e julgamentos administrativos que adotam ➢ Nas pressões políticas que recebem ➢ Nas habilidades decisórias de seus dirigentes ➢ Nos recursos de que dispõem ➢ Na competência técnica e motivação de seus servidores O processo de identificação de missão e objetivos nas organizações públicas é muito mais difícil do que nas empresas privadas, porque envolve valores sociais e opções de desenvolvimento que afetam toda a sociedade. Outras formas modernas e necessárias de gerenciar as organizações públicas são os contratos de gestão e a terceirização. Esses instrumentos funcionam bem quando proporcionam agilidade decisória e flexibilidade à ação gerencial e podem constituir uma estratégia de atendimento a demandas específicas, sem inchar desnecessariamente a máquina pública. A par disso a administração deve monitorar os contratos, evitar a influência política, o protecionismo e a manipulação desonesta de concorrências e distribuição de contratos. É notável a evolução de um tipo de organização que vêm para suprir a complexidade do público e objetividade do privado, o terceiro setor. Uma definição mais específica de terceiro setor é encontrada em Salamon & Anheier (1996), e diz que o terceiro setor abrange uma gama de organizações com as seguintes características em comum: são formalmente constituídas, são organizações separadas do governo, não visam lucro, são autogovernadas, o voluntariado tem uma participação significativa. “Um terceiro setor não lucrativo e não governamental coexiste hoje no interior de cada sociedade com o setor público estatal e com o setor privado empresarial” (Fernandes, 1994). Ele é o campo de organizações onde existem as iniciativas filantrópicas, altruísticas e políticas com margem de liberdade de ação para que se possa tirar proveito de toda a ação grupal consciente comprometida com o coletivo, implicando em mudanças culturais, no modo de agir e de pensar de pessoas. E, por fim, aparecem as organizações virtuais que são também chamadas de organizações em rede ou modular. Tem estrutura altamente centralizada com pouca ou nenhuma departamentalização e grande recurso à terceirização para muita das principais funções. Essas organizações criam rede de relações que lhes permitem terceirizar a fabricação. As despesas burocráticas são minimizadas e não há nada intrinsecamente rígido. O protótipo da estrutura virtual é a organização atual da indústria cinematográfica. A enorme estrutura verticalizada de Hollywood, deu lugar a inúmeras empresas pequenas, que projeto a projeto fazem os filmes. Esta forma estrutural permite que cada projeto disponha de pessoal com talento mais adequado a atender suas demandas. Ela minimiza despesas burocráticas e reduz os riscos de longo prazo porque não existe longo prazo, concluído o projeto a equipe é desmontada. 4. Administração: Arte ou Ciência? A definição de Administração poderá está relacionada com as palavras CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ARTE. Portanto, não ignore a questão ou parte dela quando elas aparecerem, assim como, expressões similares a: Administração é a ARTE de… Administração é processo de TECNOLOGIA… Administração é uma CIÊNCIA… Fonte: VITORINO, 2019. A semântica de administração, de ciência e de arte não é simples. E, como para muitas perguntas, a resposta aqui pode estar tanto em esclarecer os termos quanto em argumentar sobre a predicação usada na pergunta (“é ciência ou é arte”). Vamos entrar um pouco nisso. Administração significa, no caso, o saber administrativo, não a prática em si, pois este é o entendimento em que ciência e arte podem estar sob o mesmo predicado. Mas saber administrativo em que circunstâncias? Saber administrativo na prática organizacional, na escola ou em qualquer das duas? É mais fácil entender administração (saber) como relativo à prática organizacional, inclusive porque também na escola prevalece uma perspectiva profissionalizante. Que quer dizer quem, fiel a Taylor, fala em “ciência da administração” (Chiavenato, 1993, p. 61-63)? E que “arte” é esta que lhe pode ser adequadamente contraposta, como em Motta (1991, p. 26)? O esforço de esclarecer essas perguntas preliminares vai permitir-nos chegar, pouco adiante, ao núcleo mais interessante do nosso tema. Já a administração-arte envolve nova ambiguidade. Em parte, a discussão seria diferente se a pergunta fosse formulada em inglês. É diferente perguntar por arts ou por crafts. Mas, em português, parte da polissemia envolvida decorre da falta de um substantivo que indique a habilidade do artífice (craftsman) ou mesmo o que, genericamente, ele faz – “artesanato” não vale para o que todos os artífices fazem. Então, no nosso caso, “arte” joga ao mesmo tempo com a habilidade do artista e a do artífice. E cada um que diz “administração é arte” pensa o que quer e entende o que quer do que lhe contra argumentam. Um misto de qualquer coisa intuitiva e guiada pelo estético, mas que, de repente, pode ser “um jeito” de lidar com as pessoas etc. E a discussão se prolonga. Finalmente, além do uso disjuntivo da sintaxe (das duas, uma, ou é ciência ou é arte) – a seguir comentado – o predicativo pode envolver mais uma nuance: “administração, afinal, se reduz a uma ciência ou a uma arte? ” (Ou seja, vem a ser apenas isso?) Como se vê, parece que quem formulou pela primeira vez a pergunta nela reuniu habilmente grande ambiguidade semântica... 4.1 Mas estará a ciência tão distante de uma arte? Acima, aludiu-se ao caráter ambíguo de uma predicação de “arte”, pelo menos em português (artesanato e obra de arte). A dimensão artesanal da ciência é claramente atestada por sua prática. Cada peça científica é única e original, trabalhada de forma específica em ambiente (laboratórios etc.) radicalmente diverso de uma linha de montagem industrial. Um trabalho de pesquisa se baseia em outros, mas não pode copiá-los e deve, inclusive, mostrar algo de próprio. A iniciação à vida de pesquisador, em mestrados e doutorados, repete a relação mestre-discípulo, artesão-aprendiz: a orientação é individualizada, e tal padrão jamais foi quebrado. Assim, a ciência é arte no sentido de craft. Mesmo cercado de certo estereótipo da arte como atividade diversa do labor, praticada pelo prazer interno de quem a ela se dedica, e sem fins econômicos, sempre caminhou com a ciência o traço cultural da busca desinteressada pelo saber – a scientia qua scientia, aproximada da ars qua ars (a arte pelo fato de ser arte). A crítica de esquerda à ideologia da ciência ou de sua vinculação à dominação do capital pode ter menosprezado o fato de que os ambientes acadêmicos compõem motivações complexas. E, independente do fato de se submeterem a estruturas definidas pelo poder político- econômico, praticantes de ciência em diversas áreas constroem carreiras fundadas em um tipo de intensa motivação pessoal que, dadas as difíceis condições de trabalho, não resistiria a uma racionalidade utilitária. A explicação dessas carreiras pode estar no chamado “prazer do conhecimento” (narcísico?), onde se liberam as mesmas tensões e talvez se esconda o mesmo desejo que a arte realiza. Por outro lado, quem pode negar a presença do espíritohumano, criativo e estético, tanto na produção artística – ela própria exigindo técnica rigorosa – quanto na científica? A impulsão do cientista pela percepção interior do belo está presente em um modelo teórico ou matemático e é imune ao rigor observacional e ao teste empírico. Esses dois últimos aspectos da ciência estão mais relacionados à legitimação do conhecimento científico (sobretudo perante os pares), enquanto o primeiro ao surgimento mesmo do que há de diferencial nele. Nesse ponto é curioso ouvir Einstein, ao falar da física teórica: Nenhum caminho lógico leva a tais leis elementares [da natureza]. Será exclusivamente uma intuição a se desenvolver paralelamente à experiência. (...) Aliás, esses conceitos e princípios se revelam como invenções espontâneas do espírito humano. Não podem se justificar a priori nem pela estrutura do espírito humano [referência às categorias transcendentais de Kant] nem a outra razão qualquer. (...) Mostram a parte inevitável, racionalmente incompreensível, da teoria. (EINSTEIN, 1981 [1931], p. 140, 148). Ao reler estas linhas, não poderia alguém agora encontrar sentido em uma hipotética teoria da administração, que se desenvolvesse próxima à experiência pessoal da prática? É nesse sentido também que, ao fazer a crítica do paradigma epistemológico da ciência moderna, Boaventura de Souza Santos (2000, p. 74-78) fala da “artefactualidade discursiva” como um novo conceito organizador e da “racionalidade estético- expressiva” como “uma representação inacabada da modernidade ocidental”.