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26/05/2017 1 O psicólogo judiciário e as “avaliações” nos casos de adoção 1 Leila Dutra de Paiva PROFESSORA : O ECA destina ao Judiciário todas as providências e procedimentos referentes à adoção e, desse modo, prevê e torna obrigatória a existência de equipe interprofissional para atuar nas diversas etapas do processo. 2 26/05/2017 2 A atuação desses profissionais é concebida como dispondo de um caráter predominantemente avaliativo (prova processual). Mas, mesmo diante da demanda explícita de uma avaliação, alguns profissionais, respaldados nos pressupostos da Psicanálise ou de outras disciplinas e métodos, procuram proporcionar uma “escuta singular”. 3 Essa escuta pressupõe a existência de determinações subjetivas associadas aos motivos que deram origem à abertura dos autos e parte da noção de que não existe uma verdade única e desvinculada do sujeito que a formula. O sujeito precisa ser ouvido para conseguir colocar em palavras aquilo que ele próprio acredita ser a sua verdade. 4 26/05/2017 3 Para a Psicanálise, cada sujeito constrói a sua verdade e podemos, quando muito, ter acesso ao saber que ele detém sobre essa verdade. Desse modo, cada conteúdo será compreendido em sua singularidade, não privilegiando qualquer dado ou elemento do discurso, relativizando a noção de critérios e não considerando alguns fatores, a priori, como favoráveis ou desfavoráveis. 5 Essa escuta configura por si só uma intervenção e, muitas vezes, algo novo acontece após esses contatos, pois o sujeito endereça as suas demandas a uma instância reconhecida por ele como detentora de um suposto saber (ou poder) acerca do sofrimento que o acomete. 6 26/05/2017 4 Nesse sentido, as avaliações (se é que podem ser assim chamadas) objetivam implicar os sujeitos com os seus atos e escolhas e, se possível, ressignificar as razões que provocaram o pedido de adoção. Sob a égide de um trabalho avaliativo, desponta uma intervenção. 7 A atuação nos casos de adoção equivale a um extenso trabalho que inclui: - entrevistas com os candidatos a pais adotivos; - entrevistas com as crianças e/ou adolescentes com perspectivas de serem colocados em famílias substitutas; 8 26/05/2017 5 - entrevistas com os genitores que vislumbram a alternativa de entregarem o(s) filho(s) para adoção ou em vias de serem destituídos do poder familiar; - acompanhamento da aproximação gradual entre os adotantes e as crianças e ou adolescentes; - assessoria à recém formada família durante o estágio de convivência; - acompanhamento das famílias adotivas com dificuldades. 9 O estudo psicológico realizado com os pretendentes à adoção pauta-se, em certo sentido, numa proposta “profilática”. Para Giberti (1994), esse trabalho delimita uma forma de prevenção ao abordar possíveis conflitos dos pretendentes e os questionamentos que carregam, tentando evitar que algumas dúvidas e ansiedades interfiram no vínculo a ser construído com uma criança. 10 26/05/2017 6 A partir de agora repensaremos algumas sugestões e diretrizes dos cursos promovidos pelo TJ à luz das contribuições da Psicanálise. O discurso dos pretendentes pode revelar o funcionamento psíquico dos mesmos, encenando o pedido manifesto e os desejos inconscientes a ele subjacentes. Os critérios acabam servindo apenas como referencial do que se deve pesquisar e aprofundar no decorrer do estudo. Para Hamad (2002), “a escuta dos candidatos está à frente de qualquer outro critério” (p.29). 11 Uso dos testes psicológicos/projetivos e outros recursos (linha do tempo, fotografias, carta ao suposto filho e genograma familiar) como instrumentos facilitadores. 12 26/05/2017 7 Entrevistas – instrumental técnico essencial. - quantas? - com quem? - conjunta, individual, familiar? - devolutiva? 13 Na prática, há exemplos de adoções que se efetivam unilateralmente, apesar de legalmente representadas por um casal. Verificar se há concordância nos projetos 14 26/05/2017 8 a história pessoal e familiar dos candidatos e a história do romance do casal 15 podem revelar elementos sobre a dinâmica familiar e conjugal, possíveis alianças ou incompatibilidades, aspectos da vida afetiva e sexual, peculiaridades dos vínculos existentes 16 Os relatos sobre a trama familiar possibilitam observar as repetições e acontecimentos, que podem estar associados ao lugar reservado para a criança no imaginário do casal 26/05/2017 9 17 As demandas dos requerentes solteiros, viúvos ou divorciados, também expressas em suas histórias, podem estar a serviço da negação da sexualidade ou de dificuldades na esfera afetiva 18 É importante pesquisar se há concordância dos familiares dos adotantes, bem como buscar conhecer as referências de adoção, as expectativas em torno da criança e as fantasias sobre a história das crianças a serem adotadas e de suas famílias. 26/05/2017 10 19 As preferências ou exigências quanto às características da criança ou do adolescente parecem revelar, a princípio, os fundamentos racionais da escolha, mas também podem sinalizar o sentido afetivo subjacente a essas opções. 20 Dolto (1981, p.13) afirma que “um ser humano, desde a sua vida pré natal, já está marcado pela maneira como é esperado, pela sua existência real diante das projeções inconscientes dos pais”. 26/05/2017 11 21 Por isso, os futuros pais precisam imaginar, pensar e falar sobre o que esperam desse filho e de como gostariam que ele fosse, introduzindo o assim em seu curso desejante, tomando-o como objeto de seus investimentos libidinais. 22 Interessa saber tudo o que está relacionado à criança para além dos atributos e características físicas. 26/05/2017 12 23 Um levantamento de 711 autos processuais, realizado em 2003 na VIJ de Osasco, indicou que, entre os brasileiros: 76.2% queriam apenas uma criança 88.2% desejam crianças saudáveis 45.3% preferiam o sexo feminino 33.5% indiferentes quanto ao sexo da criança 79.6% escolheram a faixa etária inferior a 2 anos 5.6% são indiferentes quanto a cor de pele 24 No mesmo levantamento, no tocante aos candidatos estrangeiros: 72.8% querem apenas uma criança 91.1% solicitam crianças plenamente saudáveis 73.8% são indiferentes quanto ao sexo 61.7% aceitam qualquer cor de pele 39% têm interesse em crianças com até 2 anos de idade 26/05/2017 13 25 Há pais biológicos que não conseguem investir libidinalmente o filho, mesmo com todo o aparato gestacional. Há determinações subjetivas operando na construção do papel/lugar parental. Possibilitar aos adotantes outras formas de “gestar”. 26 A escolha do nome do filho é um dos elementos repletos de significado. Legendre (1999) insiste que o nome confere à criança um lugar, uma existência institucional, simbolizando um limite e uma referência. 26/05/2017 14 27 Para o mesmo autor, o sobrenome inscreve a criança numa linhagem, enuncia um laço e produz interdições – dos laços incestuosos. Nomear é, portanto, dar à criança a possibilidade de se humanizar. 28 Segundo Dolto (1990) é relevante pesquisar as opiniões e as fantasias dos pretendentes com relação aos genitores biológicos, dado que as formações imaginárias conscientes e/ou inconscientes influenciam a vida fantasmática dos filhos. 26/05/2017 15 29 As motivações (manifestas ou latentes) presentes nas solicitações de adoção revelam que essa decisão não é clara e unívoca. A adoção pode representar uma tentativa de evitar a dor psíquica da esterilidade ou compensar perdas vividas ou até como um modo de suprir a inexistência de projetos de vida e de trabalho. Ou ainda de “salvar o casamento”, ter companhia na velhice ou ter herdeiros. 30 Lebovici e Soulè (1980) consideram que o pedido de adoção pode estar relacionado a mecanismos de sublimação ou formação reativa. A opção por crianças com deficiências ou com cor de pele diferente da dos pais nem sempre é sinal de altruísmo e maior flexibilidade. 26/05/2017 16 31 As diferentes motivações, vistas isoladamente, não guardam em sisentido positivo ou negativo e tampouco podem, a priori, serem classificadas como boas ou más. Na perspectiva freudiana, as escolhas humanas embora possam ser tomadas pelo ego como racionais, sofrem os efeitos do inconsciente. 32 A postura dos pretendentes quanto à revelação para o filho por adoção de suas origens é elemento fundamental. Raramente os pretendentes mostram-se favoráveis a manter segredo. Por quais razões isso ocorre? Alguns adotantes admitem, no entanto, que estando com a criança, esse é um fator crítico e gerador de muita angústia. 26/05/2017 17 33 Dolto (1989) vê na revelação uma possibilidade de simbolizar o sofrimento reordenando a história, de modo que a criança tenha a sua identidade assegurada e, assim, possa assumir a sua condição de sujeito. 34 Quando a criança não consegue reviver a sua história por meio das palavras, é possível que ela o faça em atos ou sintomas. Para Dolto, “o inconsciente sabe, mas se a história não for posta em palavras, a vida simbólica da criança estará em bases inseguras”. 26/05/2017 18 Álbum de histórias e de fotos da criança – ideia melhor desenvolvida por Cynthia Peiter, que possibilita a reconstrução do quebra cabeça da sua existência. A verdade sempre pode ser dita à criança e, muitas vezes, quando sobreviveu a situações traumáticas (passou pela prova do abandono) precisa ser assegurada de sua força, inclusive de ter consolado os pais adotivos em sua dor. 35 Além de Dolto (1985) insistir no falar à criança em quaisquer circunstâncias, ela alerta quanto à maneira como se fala. Algumas expressões podem gerar mais dúvidas e confusões ou promover uma falsa aparência de revelação, funcionando como um não dito. 36 26/05/2017 19 A mesma autora, em várias de suas obras, enfatiza que não basta que os pais contem ao filho sobre seus antecedentes, é preciso que essa verdade faça parte do discurso da família, que possa ser veiculada sempre que houver interesse ou necessidade. Processo X Episódio 37 Se de um lado há consenso na literatura quanto à necessidade de revelar a verdade ao filho adotado, há divergências entre os autores sobre como e quando os pais devem fazê-lo. Sobre detalhes ou elementos muito traumáticos, Eliacheff (1995) diz que uma vez superado o primeiro choque, o fato de as coisas serem ditas permite rememorar todo tipo de lembrança, fragmentos não elaborados e completar o quebra cabeça em que faltava uma peça essencial. 38 26/05/2017 20 A discussão das possibilidades dos pais revelarem as origens envolve outra questão fundamental: a infertilidade e/ou esterilidade. As dificuldades quanto à revelação pode estar ligada à angústia frente à vivência de não terem podido gerar seus filhos. Para Rosa (1995), o não dizer dos pais pode estar associado ao quanto se condenam pela tentativa de encaixar uma criança em seu sonho. 39 40 Se entre os pretendentes à adoção a maioria constitui-se de casais ou indivíduos que não podem ou não puderam conceber (62.4% dos brasileiros e 84.1% dos estrangeiros), esse é um fator primordial a ser levado em conta. Esterilidade X Infertilidade 26/05/2017 21 Dolto (1998) salienta que, entre os casais inférteis que adotam não é raro que a presença de uma criança desencadeie a fertilidade da mulher ou do homem. Pode se pensar que, durante as entrevistas do processo de habilitação do cadastro, o universo imaginário dos candidatos, veiculado pela palavra, propicia a desobstrução de alguns caminhos. 41 42 Lebovici e Soulè (1980) associam a esterilidade a uma ferida narcísica e alegam que o sofrimento psíquico causado por esse diagnóstico não se limita à incapacidade para reproduzir, mas envolve o desmoronar de um projeto de vida e reatualiza a condição de incompletude e mortalidade. 26/05/2017 22 É importante que os candidatos que não conseguem ter filhos sejam assessorados na elaboração do luto do filho biológico antes mesmo de começarem a se vincular ao filho adotivo. Para Mannoni (1985), todos os pais, até mesmo os biológicos precisam elaborar um luto quando do nascimento do filho. 43 O trabalho com as famílias de origem e/ou pais biológicos Os processos de destituição do poder familiar são resultantes de várias situações. Tais processos podem constituir uma medida efetiva de proteção à infância ou enfatizarem o sentido de punição aos pais 44 26/05/2017 23 45 Por mais graves que tenham sido os delitos ou a negligência dos pais, é preciso segundo Dolto (1989), dizer claramente aos filhos o que aconteceu para que possam se estruturar inseridos numa lei, ou seja, numa ordem estabelecida acima e fora deles. Quando os pais ou responsáveis doam os seus filhos a terceiros ou resolvem entregá- los em juízo, é imprescindível criar um espaço para que possam refletir e ponderar melhor sobre essa opção. Não basta aceitar o depoimento da mãe que versa sobre a inexistência do pai ou de outros familiares. 46 26/05/2017 24 47 Críticas ao Judiciário: imediatismo X morosidade e descuido A noção de tempo precisa ser relativizada – criança X adulto O acompanhamento das crianças e adolescentes acolhidos em instituições em vias de serem colocados em famílias substitutas Levantamento realizado em 1999 sobre 147 crianças e adolescentes acolhidos: -Apenas 12.6% haviam perdido os vínculos com os pais ou familiares -Nos abrigos, 70.1% recebiam visitas regulares dos pais e/ou familiares -Apenas 10.7% tinham situação jurídica compatível com a adoção 48 26/05/2017 25 49 Dolto (1987) questiona a ideologia que coloca a família como lugar ideal para a educação dos filhos, pois em algumas situações, afastar a criança de sua família, ainda que temporariamente, é medida necessária. A criança precisa entender que a medida garante sua proteção física e psíquica e que é temporária. Assessoria à recém formada família no Estágio de Convivência Termo de guarda provisório com vistas à adoção Objetivo desse período e atuação prevista durante o mesmo Especificidades em função da idade da criança ou adolescente 50 26/05/2017 26 Para Dolto (1998), “somente depois da chegada da criança, é que se pode dizer verdadeiramente sobre o desejo dos pais”. Haverá um longo percurso para que a adoção se efetive, no sentido de que os pais se sintam adotados pelo filho e vice versa. 51
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