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Supervisão e Orientação Pedagógica 1º Edição / Setembro / 2010 São Paulo - SP Erlinda Martins Batista AULA 9 Processos educativos 1. Os Conselhos de Classe O Conselho de Classe se denomina uma reunião cujos membros são os profissionais docentes de uma escola e da classe objeto dessa reunião, com o objetivo de realizar uma avaliação do desempenho escolar dos alunos e propor soluções para os problemas vivenciados na classe. Segundo Paro (2000), essa reunião deveria significar para os professores e diretoria da escola uma oportunidade de “reflexão e de experiência coletiva de trabalho orientado para a prática pedagógica” (p.160). Professores entrevistados sobre o assunto, em pesquisa realizada pelo autor consultado, responderam que na reunião do Conselho de Classe de sua escola eles analisavam uma classe “procurando dar encaminhamento para os problemas pedagógicos e de comportamento dos alunos” (idem). Mas o autor da pesquisa relatada analisa o discurso à luz dos resultados da observação de uma reunião de Conselho de Classe e destaca que as ações mencionadas não condizem com os fatos. Os resultados da observação mostraram que o tempo (escasso e precioso dos professores) numa reunião de Conselho de Classe é gasto com as “exigências burocráticas a que se tem de atender” (ibidem). Essas atividades administrativas impedem a realização de uma análise e reflexão mais criteriosa e adequada do desempenho dos acadêmicos, conforme preveem os objetivos verificados no regimento do conselho de classe da escola pública de ensino fundamental estudada na cidade de São Paulo. 3 O regimento da referida escola pública determina, em seu item sobre a estrutura formal da escola, que o Conselho de uma classe deve ser formado pelos seguintes profissionais da educação: o diretor, o orientador educacional, o coordenador pedagógico e os professores da classe. Paro (2000) ressalta que no corpo docente dessa escola as funções de orientador educacional e coordenador pedagógico eram inexistentes. Essa constatação mostra que, na escola pesquisada pelo autor citado, o corpo docente é incompleto, fato que pode resultar em ações pedagógicas inadequadas em razão da falta de orientação educacional e da devida coordenação pedagógica. 2 O trabalho pedagógico na escola Libâneo (1994) afirma que as práticas docentes são caracterizadas pelas atividades de ensino das matérias escolares. Essas práticas abrangem a combinação de objetivos, dos conteúdos, dos métodos e das formas de organização do ensino. Tal organização tem a finalidade de q ue o s alunos apropriem-se dos conhecimentos, das habilidades, dos hábitos e desenvolvam suas estruturas cognoscitivas, suas capacidades. Para o autor mencionado, existe uma relação de reciprocidade entre o ensino e a aprendizagem, isto é, entre as atividades de estudos dos alunos – a aprendizagem – e as atividades didáticas do professor, o ensino. A unidade ensino-aprendizagem se concretiza na situação didática, mais precisamente nas atividades de transmissão/assimilação dos conhecimentos e habilidades. O tripé: professor, aluno e conhecimento, somado às relações dinâmicas entre os professores, os alunos e as matérias, produzem o conhecimento (p.77). 4 Fonte: http://eduq.files.wordpress.com/2008/05/apdz_oculto.jpg 3 Os processos indissociáveis de cuidar/ educar O comportamento humano se forma a partir das peculiaridades e condições biológicas e sociais de seu desenvolvimento. O fator biológico determina a base, o fundamento das reações herdadas, de cujos limites o organismo não pode sair e sobre as quais se constrói o sistema de reações aprendidas. O sistema de reações é completamente posto pela estrutura do ambiente, no qual o indivíduo cresce e se desenvolve. Por essa razão, toda educação tem caráter social. Somente a experiência pode educar o sistema de reações no organismo, porque por ela é que se dá o real na vida do indivíduo. Partindo desse pressuposto, Vigotsky (2003), afirma que a experiência pessoal do educando se constitui a base principal do trabalho pedagógico (p. 75). Em razão desse pressuposto, não se educa a alguém. O indivíduo educa-se a si mesmo. Ou seja, apenas o indivíduo pode modificar suas reações inatas em função das suas experiências. 5 A ideia é que a criança educa-se a si mesma, porque é em seu próprio organismo que ocorre a luta decorrente das diferentes influências definidoras de sua conduta por longo tempo. O fato de a educação da criança ocorrer pelas diferentes influências, determina o caráter social do ato educativo, ainda que seus conteúdos e ideologia sejam antisociais. Vigotsky (2003), afirma que desde as escolas gregas, passando pelas escolas da idade média e do oriente, as donzelas e os cadetes não eram educados pelos professores e preceptores, mas pelo meio social escolar que se estabeleceu em cada uma delas. No processo educativo, a experiência pessoal do aluno é tudo. Há o crasso erro nas escolas que valorizam o professor em detrimento do aluno e que desvalorizam as experiências trazidas pelo educando. Nesse sentido, Vigotsky (2003) observa “o sistema escolar tradicional europeu como cúmulo da torpeza psicológica”, na medida em que reduz o processo educativo e “a aprendizagem à percepção passiva pelo aluno de lições e prescrições” (idem) dadas pelo professor. Para esse pensamento, a função do professor deve ser orientar e regular a atividade pessoal do aluno. Na base da ação educativa dos alunos está o processo de reação composto por 3 componentes: a) percepção da excitação – do estímulo b) elaboração ou processamento (se diria também digestão) e c) ação de resposta – reação. Nessa perspectiva, “o saber que não passa pela experiência pessoal não é saber” (p. 76). Na psicologia, se exige que os alunos aprendam a perceber e a reagir. Educar significa criar novas reações e formas de conduta. O foco no aluno não desmerece o papel do professor. Ao contrário, valoriza-o, porque sua importância para o aluno é então muito maior. O autor citado conclui nesse item que a experiência 6 do aluno e ou o desenvolvimento dos reflexos condicionados estão dados no meio social. Ao alterar-se o meio, o comportamento do indivíduo presente nele muda. Em consequência, Vigotsky (2003), afirma que “o ambiente social determina a elaboração do comportamento. Do ponto de vista psicológico, o professor é o organizador do meio social educativo, o regulador e o controlador de suas interações com o educando” (idem). Pode-se dizer, a partir das ideias mencionadas, que mesmo que o professor não influencie diretamente o aluno, com certeza ele o faz indiretamente, através do meio social. O ambiente social se impõe em autenticidade, faz emergir o processo educativo e a função do professor se constitui no fazer emergir esse processo. Se o professor se esforça para influenciar a criança de forma direta, ele contradiz a natureza da educação. Entretanto, ele educa a criança quando propicia mudanças ou frequentes transformações no meio educativo. Assim como em qualquer atividade humana o trabalhador tem dupla função, o professor também a tem. Esse fato é ilustrado por Vigotsky (2003), por meio das funções do puxador de riquixá (carrinho), no Japão, e do motorneiro. Em ambas, esses trabalhadores executam dupla ação: de organizadores da produção e diretores da máquina. O duplo papel do professor se faz em organizar e dirigir o meio educativo social, ao mesmo tempo em que ele faz parte desse meio. Quando o professor substitui os livros, os mapas, um colega professor, ele faz o papel do puxador de riquixa que substitui o cavalo. E quando o professor organiza o meio educativo, ele faz a função do motorneiro que dirige, pensa o trabalho em função de um objetivo. A educação, portanto, se realiza na própria experiência do 7 aluno, que é completamente determinada pelo ambiente. A função do professor é organizar e regular esse ambiente. Na educação presencial, a organizaçãodo ambiente ou da situação didática se realiza a partir da ação direta do professor sobre esse meio. O professor pode agir ou organizar uma situação didática utilizando a metodologia de trabalho em grupo. Ele divide a sala de aula em grupos. Cada grupo deverá conter alunos com dificuldades e aqueles que já sabem a solução dos problemas a serem desenvolvidos. Ao propor exercícios que apresentem dificuldades para alguns e para outros não, ele estará favorecendo as mediações no ambiente criado por ele. Outra situação didática em que o professor pode organizar e regular o ambiente é dada na educação a distância, em que o espaço virtual de aprendizagem – AVA MOODLE, por exemplo – pode- se constituir de fato um ambiente digital de aprendizagem, em que o professor organiza e regula as participações dos alunos por meio das mediações. Nas situações didáticas de ambientes virtuais como AVA MOODLE, o professor também poderá dividir a turma em grupos com diferentes tipos de alunos. Na sala virtual do fórum on-line, os alunos mais adiantados que já conhecem a solução do problema proposto pelo professor, por meio das mediações, vão acompanhar os colegas em dificuldades. As mediações são ações fundamentais da situação didática, utilizadas pelos professores responsáveis pela organização e regulação do ambiente. Elas ocorrem em função das experiências vivenciadas pelos alunos e professores atuantes nele. As mediações são geradoras de conhecimento científico no meio virtual se os atores desse lócus – o ambiente virtual, cumprirem os seus papéis nele. Isto é, o professor como organizador e regulador do ambiente virtual e os alunos como sujeitos atores de suas experiências e reflexões no meio virtual educativo. 8 As aprendizagens que se realizam no ambiente virtual, são, portanto, produto das ações organizadoras e diretoras do professor “virtual”, e só se realizam nos atores que atuam nesse meio social em função das intencionalidades dos sujeitos que nele vivem suas experiências. Embora o papel do professor se reduza a organizar e regular o ambiente, essa dupla função não é reducionista ao se levar em conta que as ações de aprendizagens e educativas, que nele ocorrem, não são meras adaptações às experiências dos indivíduos. As ações docentes propiciam ao aluno a organização racional do meio. A criança é um organismo em formação, frágil e em mudança. Para que as experiências vivenciadas no meio, sejam elas boas ou ruins, não provoquem danos à formação do ser, é de fundamental importância que o professor organize racionalmente o meio. Que regule tais experiências vividas nesse meio, não deixando que a educação fique nas mãos da força espontânea do ambiente, que pode ser destruidora para a criança. Nessa situação, a atuação do professor tem a maior relevância. O poder do professor sobre o processo educativo é maior. Porque sua ação reguladora do meio, numa atuação com técnica, potencializa o olhar do aluno sobre as experiências (p. 78). 4 A atividade do processo educativo e seus participantes No processo educativo, todos os sujeitos, isto é, professores, alunos e ambiente, têm papel fundamental, incluindo aí também os objetos ou recursos – os objetos animados e inanimados, pedagógicos – que servem de apoio ou auxílio ao 9 professor no contexto educativo. Vigotsky (2003), afirma que, numa visão superficial da teoria dos reflexos condicionados, o comportamento humano e a educação são completamente mecânicos e o organismo se assemelha a um robô (autômato), que responde como uma máquina às excitações do meio. O autor mencionado julga essa ideia incorreta por acreditar que “o processo de formação do reflexo condicionado surge da luta e do encontro de dois elementos totalmente independentes um do outro em sua natureza, que se cruzam e se interceptam no organismo, conforme as leis desse mesmo organismo” (p. 78). Com base na afirmação apresentada, o reflexo condicionado tem uma configuração completamente dependente das lutas internas que se travam entre os elementos presentes no organismo do ser. Vigotsky (2003) destaca que “o comportamento é um processo dialético e complexo de luta entre o mundo e o ser humano no seio do próprio ser humano” (p. 79). Deduz-se que a dialética que envolve as lutas internas do ser são complexas e definem o seu comportamento. Nessa batalha, as forças do próprio ser, sua construção herdada, têm um papel igual ao das influências impostas pelo ambiente. Assim, quando se constata a “impregnação social” da experiência, não se quer dizer em hipótese nenhuma que se concebe o ser como um robô e nem que ele seja destituído de significação. A infinita complexidade da luta intra-orgânica deve ser apreciada. Em razão dessa complexidade interna do ser humano, não se pode calcular com exatidão matemática o seu comportamento, que é sempre resultado das lutas inerentes ao ser interno. As influências do meio não são externas ao ser humano. Vigotsky ressalta que “é possível discernir onde terminam as influências do meio e onde começam as do próprio organismo” 10 (idem). O corpo faz parte do próprio meio social. Nessa visão teórica, os processos de formação das reações adquiridas e dos reflexos condicionados se apresentam de forma ativa e bilateral. Nesse processo, o organismo é influenciado pelo meio, ao mesmo tempo em que o influencia. O reflexo pertence ao organismo, e o meio possibilita as condições para provocar novas reações. E em todo caso, o processo de formação das reações depende das lutas entre o organismo e o meio. O ambiente para o ser humano é social. Em suas relações com o ambiente, o homem se utiliza de sua experiência social. Um exemplo é a percepção de uma floresta, nela o homem pode perceber rios, pássaros, árvores, etc. Embora o homem se utilize de nomes para todos esses aspectos do ambiente, de forma complexa, ele não pensa para designá-los por seus nomes assim como não raciocina para respirar, crescer, ou girar em torno da terra. Se o meio social for entendido como o conjunto das relações humanas, compreende-se seu caráter de plasticidade, que o torna um dos recursos mais flexíveis da educação. O meio é mutável, e quando o homem combina as formas de mudanças do meio, ele cria novas formas de ambiente social. Portanto, o processo educativo é “trilateralmente ativo: o aluno, o professor e o meio entre eles são ativos” (ibidem). Por essa razão, o processo educativo jamais é pacífico e sem altos e baixos. Esse processo é dialético, similar ao processo evolutivo de crescimento. Ele ocorre em alta velocidade e se define como uma luta entre o ser humano e o mundo. 11