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CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS CURSO DE DIREITO REGIANE VERÍSSIMO FRANCISCO (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO REQUISITO DE CONSENTIMENTO DO CÔNJUGE PARA ESTERILIZAÇÃO VOLUNTÁRIA SÃO PAULO 2021 2 (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO REQUISITO DE CONSENTIMENTO DO CÔNJUGE PARA ESTERILIZAÇÃO VOLUNTÁRIA Artigo científico ao curso de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel, sob orientação do Prof. Ricardo Cotrim Chaccur. Data da aprovação: Banca Examinadora: Professor Orientador: Ricardo Cotrim Chaccur Professor: Professor: SÃO PAULO 2021 3 (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO REQUISITO DE CONSENTIMENTO DO CÔNJUGE PARA ESTERILIZAÇÃO VOLUNTÁRIA Regiane Veríssimo Francisco Resumo: A proposta do presente trabalho é apresentação da evolução histórica, sociológica e principalmente jurídica da esterilização voluntária que é um método contraceptivo com 99% de eficácia e, que encontra barreiras na legislação brasileira através da Lei 9.263/96, que traz em seus artigos diversos requisitos para que o procedimento cirúrgico seja realizado, por ser um assunto de grande relevância e tratar do planejamento reprodutivo. A crítica essencial deste trabalho será ao art. 10º da lei supracitada que dispõe que caso o indivíduo esteja em sociedade conjugal deverá ter autorização do cônjuge para realizar a cirurgia, sendo essa questão uma consequência da abordagem que o país sempre teve da natalidade e seus meios de controle de evitar a regulação de tópicos sensíveis e criando uma situação de instabilidade e insegurança. Essa questão vai de encontro com os direitos de personalidade, e os direitos reprodutivos, como também a luta de principalmente mulheres por diversas barreiras históricas pela autodeterminação de seus corpos, existindo uma clara violação do direito à liberdade e também a dignidade da pessoa humana. Com base nessa problemática e analisando a ADI n° 5.097 e 5.911, e também a PL 4515/20 que prevê alterações na atual Lei de Planejamento Familiar, quanto ao consentimento do cônjuge e seus outros requisitos para realização da esterilização voluntária. O estudo também examina como funcionam as leis de planejamento reprodutivo e a requisição do consentimento do cônjuge em outros países, para que haja uma verificação adequada do panorama mundial referente a está temática. Palavras-chave: Contracepção. Esterilização Voluntária. Lei de Planejamento Familiar. Anuência do cônjuge. 4 UNCONSTITUTIONALITY OF THE SPOUSE'S CONSENT REQUIREMENT FOR VOLUNTARY STERILIZATION Abstract: The purpose of this final paper is to present the evolution historical, sociogical and mainly legal of voluntary sterilization. It’s an effective contraceptive method, but meets barriers in Brazilian legislation through Law No. 9263/96. The device brings in articles several requirements for the surgical procedure are carried out, for being a matter of great relevance as the planning of human reproduction therefore several aspects will be considered. The essential review of this final paper will be to Article No. 10 of the aforementioned law that provides that if a individual is in a conjugal society, he or she must have authorization from the spouse to execute the method of contraception, this question being a consequence of the country approach to birth and means of control to avoid the regulation of delicate topics and creating a situation of instability and insecurity. This question goes against the personality rights and reproductive rights, also the struggle of mainly women for various historical issues for the self-determination of their bodies, with a clear violation of the right to freedom and also the dignity of the human person. Based on this problem and analyzing ADI No. 5.097 and 5.911, and also PL 4515/20, which foresees changes in the current Family Planning Law, regarding age, and the spouse consent to perform voluntary sterilization. The study also examines how planning laws and the request for consent work in other countries, so that there is an adequate verification of the world panorama regarding this thematic. Keywords: Contraception. Voluntary sterilization. Family Planning Law. Spouse consent. 1 INTRODUÇÃO Evolução dos direitos de personalidade trouxeram reflexões importantes sobre liberdade individual, correlacionada ao direito à dignidade, à vida, à integridade no binômio de forma física e psíquica, segurança e cidadania. A partir 5 desta união indivisível de direitos a personalidade inclusive normatizada na Constituição de 1988, como cláusula pétrea tornando direitos e garantias individuais parte de um conjunto da lei que devem refletir nas legislações subsequentes. Enquanto os direitos reprodutivos são uma continuidade dos avanços do direito de personalidade, porquê ao tratar de questões individuais, como a sexualidade, concepção e contracepção se fazer necessária a reflexão sobre que condições estão sendo criadas para proteção à pessoa, contemplado pelo direito à saúde que compreende essa formação de direitos reprodutivos. Os direitos reprodutivos são uma conquista muito recente, sendo a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD) no ano de 1994, na cidade do Cairo essencial na abordagem referente aos procedimentos quanto ao desenvolvimento do ser humano e a promoção da saúde. Muitas questões referentes a esterilização já eram discutidos, porém recebendo reprovação do poder público, sendo no Brasil por muito tempo fomentada a política de promoção à natalidade, motivado por ideias de aumento populacional e consequentemente o aumento no número de trabalhadores. Apenas em 1997 através da Portaria nº 144 do Ministério da Saúde ocorreu a permissão para a realização da laqueadura tubária e da vasectomia por meio Sistema Único de Saúde (SUS), e ainda, promover a capacitação dos médicos responsáveis pelo procedimento com o oferecimento de atendimento multidisciplinar, informação e acesso a todos os métodos contraceptivos disponíveis. Com a Constituição Federal de 1988 o direito ao Planejamento Familiar foi positivado no art. 226, §7°, anos depois ocorreu o surgimento da Lei 9263/96, que trouxe requisitos para esterilização voluntária, como o consentimento do cônjuge para indivíduos na constância da sociedade conjugal, e penalidades caso algum dos requisitos não sejam cumpridos para realização da esterilização. Ocorreram então contestações de alguns dos requisitos da Lei de Planejamento Familiar, como a idade, consentimento do cônjuge e a necessidade de já ter filhos, foi então que por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5097 e a 5911, que ainda se encontra em trâmite no Superior Tribunal Federal (STF). 6 Ainda, para que ocorresse uma modificação legislativa referente ao requisito supracitado, foi feita o Projeto de Lei n° 4083/20 que retira o requisito do consentimento do cônjuge para a esterilização voluntária. O trabalho também analisa o funcionamento da legislação do planejamento reprodutivo em outros países em comparação a adotada no Brasil e quais são os métodos são adotados por essas nações. 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DE PERSONALIDADE E DO DIREITO REPRODUTIVO NO MUNDO E NO BRASIL ATÉ A LEI 9263/96 Os fundamentos do direito de personalidade na legislação brasileira foram positivados na Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, tratando dos direitos de propriedade, à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, entre outras garantias que caracterizam esse relevante direito que visa o indivíduo. Outra importante legislação que trata os direitos individuais de personalidade é o Código Civil de 2002, estabelecidosdo art. 11 ao 21, configurando-se principalmente pelo direito à vida, integridade física, honra, imagem, nome e intimidade priorizando a dignidade da pessoa. 2.1 A evolução histórica do direito de personalidade – Da antiguidade à contemporaneidade Ao expor as noções de direito de personalidade é necessário observar a origem e motivação. Na Grécia em seu período clássico cada cidade-estado ou polis, traziam no seu ordenamento jurídico, o seu próprio estatuto, onde os 7 cidadãos livres e chefes de família tinham acesso às assembleias e a pratica de atos jurídicos.1 A base para proteção da personalidade humana naquela formação de sociedade era a demonstração na noção de desprezo à injustiça, proibição da prática de atos excessivos de uma pessoa contra outra, e a prática de atos de abuso indecoroso contra pessoa humana.2 Em Roma a teoria jurídica da personalidade restringia-se aos indivíduos que reunissem os três status, o status libertatis, o status civitatis e o status família, as outras pessoas da sociedade apenas possuíam direitos em função de seu status na sociedade.3 Com a queda do império romano após 500 anos de existência, com a chegada da Idade Média várias mudanças ocorreram, contudo cada vez mais a igreja tomava espaço dentro do sistema político daquele momento, com a evolução do direito de personalidade ficou estagnado.4 Com o humanismo, foram feitas reflexões quanto as condições humanas importaram na estrutura e um direcionamento mais apurado sobre o direito abrangente de personalidade, nascendo em conjunto com às ideias de existência de um direito subjetivo, preceituado como direito geral de personalidade, para buscar um ideal de justiça.5 Com a extinção da monarquia absolutista dos Borbouns mediante a Revolução Francesa de 1789, ocorreu a criação da Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão trazendo direitos personalidade, à segurança, liberdade, propriedade, e dando destaque a igualdade entre as pessoas, e os elementos referentes a sua limitação, fundamentando-se principalmente nos pensadores, Montesquieu, Voltaire e Rousseau. Nessa mesma época a Assembleia Nacional 1 SILVA, Hugo Gregório Hg Mussi. A origem e a evolução dos direitos da personalidade e a sua tutela no ordenamento jurídico brasileiro. Pesquisa de Iniciação Científica (Graduação em Direito) - Toledo Prudente Centro Universitário, 2016, p. 6. 2 Idem p. 6. 3 SOUZA, Rabindranath Valentino Aleixo Capelo. O direito geral de personalidade: Coimbra, Coimbra Editora, 1995, p. 47. 4 Idem, p. 53. 5 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela: 2ª ed. São Paulo, Revista dos tribunais, 2005, p.38. 8 instituiu o Estado Liberal viabilizando direitos individuais que se tornaram princípios internacionais.6 Após o abandono de ideias da Idade Média de forma completa o racionalismo ganhou espaço, assim o positivismo jurídico e a teoria dos direitos inatos na discriminação e subdivisão do que viria a ser a tutela do homem e de sua personalidade, um designado ao ramo do direito público de personalidade e o outro ao direito privado de personalidade. Ocorreu a busca pela doutrina e jurisprudência em designar o que seriam os direitos de personalidade privados e os direitos de personalidade públicos.7 Frente aos direitos de personalidade, estariam os direitos fundamentais do indivíduo, com a finalidade de proteger a pessoa, através da tutela do direito político, da ingerência ou atividade considerada abusiva do Estado, limitando o poder do governo através da exigência de uma atitude de abstenção do mesmo.8 Avançando na história, com o fim da 2° Guerra, e suas graves violações decorrentes desse período, somada a desestabilização econômica, as reflexões sobre dignidade e a necessidade de criar barreiras normativas para evitar novas situações como as realizadas durante a guerra, sendo formada a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) em 1948 através da Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral9. Trazendo em seus artigos objetivos a serem atingidos, como a liberdade, a igualdade e respeito quanto a aspectos pessoais, dando destaque a necessidade de enfrentar discriminações. Já no Brasil, com a Constituição Federal de 1988 os direitos e garantias relativas a pessoa foram enumerados na lei que traçou as prerrogativas para que independentemente da raça, classe ou gênero, o direito à liberdade, dignidade e igualdade fossem indissociáveis da pessoa. Anteriormente, a Constituição de 1891 já trazia a proteção a dignidade da pessoa humana no art. 1°, inciso III.10 6 Idem, p. 40 7 Ibidem, p.13 8 SILVA, op. cit., p. 45 9 ONU. Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/91601-declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em:18 de maio de 2021. 10 A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de direito e tem como fundamentos: https://brasil.un.org/pt-br/91601-declaracao-universal-dos-direitos-humanos 9 O jurista Gustavo Tepedino, defende que a constituição tenha feito uma cláusula de tutela geral de promoção da pessoa humana, sendo assim a escolha dignidade da pessoa humana como a base da República, e a não exclusão de direitos e garantias mesmo que sendo apenas decorrentes de princípios adotados pela Carta Magna, criam essa clausula que dá a pessoa valor máximo para o ordenamento.11 Os direitos de personalidade abrangem o indivíduo de forma completa, protegendo a pessoa no âmbito de físico e moral, sendo aspectos que atingem o ser humano de forma subjetiva inerentes à pessoa e sua personalidade.12 O jurista Flávio Tartuce, faz alguns importantes apontamentos que baseiam a normatização dos direitos relativos a personalidade no Brasil, sendo a vida e a integridade, nome da pessoa natural e jurídica, imagem, honra e suas repercussões e a intimidade.13 Esses direitos são reconhecidos como direitos subjetivos, protegidos pelo Estado brasileiro, surgindo assim um encontro de grandeza jurídica entre o direito privado, a liberdade pública e o direito constitucional, sendo consequência o fruto de lutas pela tutela dos direitos personalíssimos.14 A dignidade como autonomia envolve, em primeiro lugar, a capacidade de autodeterminação, o direito do indivíduo de decidir os rumos da própria vida e de desenvolver livremente sua personalidade. Significa o poder de fazer valorações morais e escolhas existenciais sem imposições externas indevidas. Decisões sobre religião, vida afetiva, trabalho, ideologia e outras opções personalíssimas não podem ser subtraídas do indivíduo sem violar sua dignidade.15 [...] III – a dignidade da pessoa humana. 11 TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. T. I, p. 50. 12 Idem, p. 102 13 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 8. Ed. Rio de janeiro: Forense, 2018, p. 102-103. 14 FERMENTÃO, Cleide Aparecida Gomes. Os Direitos da Personalidade e a subjetividade do direito. Revista Jurídica Cesumar, v. 6, n. 1, p. 241-266, 2006, p.4. 15 BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana do direito constitucional contemporâneo: Natureza jurídica, conteúdos mínimos e critérios de aplicação. Wordpress, 2010. 10 Não é possível a fragmentação entre o direito de personalidade jurídica e a dignidade da pessoal humana, porquê na segunda fica demonstrado todo respeito a aspectos subjetivos da condição humana referentes ao primeiro.16 2.2 A evolução histórica dos Direitos Reprodutivos até a Lei 9263/96 Os direitos reprodutivos, vem tomando cada vez mais espaço comos debates e discussões advindos principalmente de movimentos feministas, reivindicando ao poder público medidas para garantia quanto autonomia da vontade quanto a sexualidade, interrupção da gravidez, maternidade, esterilização e reprodução assistida e tudo que isso implica na vida da mulher contemporânea. A nomenclatura direitos reprodutivos ocorreu a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos que é um documento com diversas proposições com repercussões internacionais, organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948. Apesar de não ocorrer uma referência direta o art. 16 da Declaração traz a igualdade entre gêneros quanto fundar uma família e as escolhas tomadas a partir disso. O marco de fundamental referente aos direitos reprodutivos foi a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD) de 1994, realizada na cidade do Cairo17, e reforçados em 1995 na Conferência Internacional sobre Mulheres ou também denominada como a Conferência de Pequim, na China.18 A CIPD foi importante na abordagem quanto aos procedimentos que correlacionavam o desenvolvimento do indivíduo e o fomento da saúde, como 16 SPINELI, Ana Claudia Marassi. Dos Direitos da Personalidade e Dignidade da Pessoa Humana. Revista Jurídica Cesumar, v. 8, n. 2, jul./dez. 2008, p. 381. 17 PATRIOTA, Tania. Relatório da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Conferência do Cairo). UNFPA Brasil, 2007. 18 ONU. IV Conferência Mundial sobre a Mulher com tema central “Ação para a Igualdade, o Desenvolvimento e a Paz”. 1995. 11 forma de superação das ações realizadas que tinham como foco apenas o controle populacional.19 Durante o século XX, a esterilização voluntária foi amplamente utilizada de forma forçada em pessoas com algum tipo de doença considerada hereditária ou deficiência mental ou física, durante a Alemanha nazista com ideal baseado na eugenia20. Esse método discriminatório tornou-se objeto da “Lei para a prevenção da descendência de pessoas com doenças genéticas”, promulgada em 14 de julho de 1933. Entretanto, com a perda da guerra e o fim do nazismo a esterilização não foi considerada uma boa prática médica.21 O Brasil em seu período colonial (1530-1815) teve sua estruturação inicialmente no setor agrícola e para que esse trabalho fosse executado era uma necessidade de primeira ordem, que os brasileiros tivessem famílias numerosas.22 Após um período de estagnação quanto aos direitos reprodutivos foi durante o governo de Getúlio Vargas (1937-1945) ocorreu o incentivo do casamento e que as famílias fossem numerosas, a regulamentação e desestímulo ao trabalho feminino através de incentivos financeiros, bem como outros privilégios às famílias que participassem dessa iniciativa, além de custos adicionais a casais sem filhos ou pessoas solteiras.23 Com o Decreto Federal n° 20.291 de 1932, que proibia funcionários da saúde promover práticas que impedissem a concepção ou interrompessem a gestação, que foram reforçados com a Lei de Contravenções em 1941, em seu art. 16, e, as práticas supracitadas eram coibidas.24 19 FRANZE, BENEDET, WALL, Ana Maria Alves Kubernovicz, Deisi Cristine Forlin e Marilene Loewen. Contextualização e resgate histórico dos direitos sexuais e reprodutivo. 2018. 20 Eugenia é um termo criado em 1883 por Francis Galton (1822-1911), significando "bem nascido". Galton definiu eugenia como "o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente". 21 SOUZA, Carola Maciel de. Lei do Planejamento Familiar e o Direito da Mulher Dispor do Próprio Corpo: Análise Aos Requisitos Para a Esterilização Voluntária. Âmbito Jurídico, 2019. 22 NUNES, Maria José Fontelas Rosado. De Mulheres, Sexo e Igreja: Uma pesquisa e muitas interrogações. In: Alternativas Escassas. Saúde, Sexualidade e Reprodução na América Latina. São Paulo PRODIR; Rio de Janeiro, Ed. 34, 1994, p. 180 e 181. 23 ALVES, J. E. D. As Políticas populacionais e o planejamento familiar na América Latina e no Brasil. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Ciências Estatísticas, 2006. p. 22. 24 BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto Federal n° 20.291, de 11 de janeiro de 1932. 12 No mesmo período o economista Thomas Malthus apresentou uma de suas principais ideias sobre o crescimento populacionais, para o economista “A população, quando não obstaculizada, aumenta a uma razão geométrica. Os meios de subsistência aumentam apenas a uma razão aritmética”. 25 Na visão do economista a ausência de medidas de controle de natalidade em alguns anos o mundo passaria por fomes e extrema pobreza. Ao mesmo tempo com a divulgação de métodos contraceptivos e a criação da pílula anticoncepcional em 1960, esse medicamento chegou ao Brasil por ações de movimentos feministas. Com a ideia de Malthus somada a chegada da pílula anticoncepcional em 1960, simples e barata, criou-se a partir daí pressão estrangeira para que o nosso país adotasse uma política de planejamento familiar, porém nenhuma medida foi tomada nesse aspecto. Durante a Ditadura Civil-Militar foi mantida a posição natalista, com objetivo de que com o crescimento demográfico haveria o preenchimento de espaços vazios de regiões do Planalto Central e Amazonas.26 Em 1967 uma Comissão Parlamentar Inquérito (CPI) para investigar as denúncias sobre a polêmica das “esterilizações maciças” de mulheres na região Amazônia, que não trouxe naquele momento conclusões específicas e nem mudanças na política pública referente a esterilização. A sociedade se mantinha patriarcal e pró-natalista as classes mais altas que concordavam com uma política que ficasse alheia aos métodos de contracepção que estavam 25 MALTHUS,Thomas Robert. “Crescimento demográfico e produção de alimentos: primeiras proposições”, p. 57. In: SZMRECSÁNYI, Tamás. (org) Thomas Robert Malthus. Coleção Grandes Cientistas Sociais nº 24, São Paulo: Ática, 1982. 26 “A doutrina da Segurança Nacional, adotada pelo regime militar no período 1964-1970, assegurou a posição natalista, incluindo expectativas quanto ao crescimento demográfico e o preenchimento dos espaços vazios de regiões no Amazonas e Planalto Central. Esta preocupação ficou bastante clara no Programa Estratégico de Desenvolvimento (1968-1970) do governo Costa e Silva. Este mesmo governo reafirmou suas convicções natalistas face ao desenvolvimento e à segurança, em mensagem dirigida ao Papa Paulo VI, por ocasião da publicação da Encíclica Humanae Vitae (1968) de forma a não contrariar a posição oficial da Igreja Católica, diante da política controlista da natalidade”. CANESQUI, Ana. “Notas sobre a constituição da política de planejamento familiar no Brasil: 1965-1977”. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 3, Vitória, ES, 1982. Anais. São Paulo: ABEP, 1982, pp. 101-130. 13 surgindo, apenas gerou mais pressão e hostilidade a ideias de planejamento familiar.27 Na década de 1970, que as reivindicações que envolviam os Direitos Reprodutivos estavam centradas nas lutas das mulheres pela autonomia corporal, e o controle da própria fecundidade e atenção especial à saúde reprodutiva. Foi um período fortemente marcado pela luta para descriminalização do aborto e pelo acesso à contracepção.28 As mulheres brasileiras a partir do I Encontro Internacional Mulher e Saúde em 198429 em Amsterdã tornaram-se cada vez mais participativas nos debates internacionais em um tema que as atravessava em seu cotidiano, e que em seu país as políticas públicas eram recentes e pouco abrangentes aos aspectos gerais de saúde. As feministas integraram as reivindicações de reforma sanitárias que também possuíam aspectos urgentes para sociedadebrasileira pela mudança dos modelos imposto até aquele momento, junto a esse cenário ocorreu a criação do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher de 1983. Os princípios que norteavam essa programa era a ampliação e qualificação do planejamento familiar, a garantia de oferta e informações sobre métodos anticoncepcionais.30 E em 1988, o Código de Ética Médica vedou a possibilidade cirurgia com finalidade de esterilização voluntária, entretanto independentemente dessa proibição, o procedimento ainda ocorria no setor privado de saúde.31 27 MERRICK, T.W, GRAHAM, D. População e desenvolvimento econômico no Brasil. Rio de Janeiro, Zahar, 1981, p. 342. 28 VENTURA, Miriam. Direitos Reprodutivos no Brasil: 3.Ed. Brasília: FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – UNFPA, 2009, p. 24. 29 MATTAR, Laura Davis. Reconhecimento jurídico dos direitos sexuais: uma análise comparativa com os direitos reprodutivos. Sur, Rev. int. direitos human., São Paulo , v. 5, n. 8, p. 60-83, Junho de 2008. 30 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: Princípios e Diretrizes / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. – 1. ed., 2. reimpr. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2011. P.69. 31 BERQUO, Elza; CAVENAGHI, Suzana. Direitos reprodutivos de mulheres e homens face à nova legislação brasileira sobre esterilização voluntária. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 19, supl. 2, p. S441-S453, 2003. 14 Conforme a Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde (PNDS) realizada pelo Ministério da Saúde em 1996, a esterilização era o método contraceptivo mais utilizado no Brasil, é estimado que em 1996, 38,5% das mulheres de 15 a 44 anos foram submetidas à esterilização.32 Poucos anos depois em 1988 tivemos uma nova constituição que trouxe de forma normatizada diversos parâmetros de direitos humanos que impôs a adequação das instituições para as novidades da Constituição Federal Cidadã, que recebe esse nome por garantir direitos fundamentais, e foi vanguardista ao tratar do direito de família, ela não trouxe em seu texto nenhuma disposição direta aos direitos reprodutivos, contudo como esses direitos estão ligados ao direito de dignidade da pessoa humana não há como desconectar um conceito de outro e ainda o importante princípio do planejamento familiar. A constituição não tirou da família seu papel de base da sociedade, mas deixou seus membros como agentes de determinação das escolhas de formatação e estrutura. Ainda, em seu art. 226, §7 a CF, torna o Planejamento Familiar uma das bases da sociedade, sendo de livre decisão do casal ficando sob responsabilidade deles a paternidade, e o dever do Estado é propiciar os recursos necessários para exercício desse direito. Sendo possível destacar que o constituinte deu uma visão pouco abrangente sobre as construções familiares brasileiras já que o mesmo fala em seus parágrafos anteriores sobre famílias monoparentais e poder familiar exercido de forma igual entre homem e mulher. Conforme a lição de Gonçalves, o direito ao planejamento familiar foi tratado na Constituição Federal de 1988, fundando-se nos princípios da paternidade responsável e na dignidade da pessoa humana.33 32 BRASIL. Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher – PNDS 2006: dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança/ Ministério da Saúde, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. – Brasília: Ministério da Saúde, 2009, p. 96. 33 No tocante ao planejamento familiar, o constituinte enfrentou o problema da limitação da natalidade, fundando-se nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, proclamando competir ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito. Não desconsiderando o crescimento populacional desordenado, entendeu, todavia, que cabe ao casal a escolha dos critérios e dos modos de agir, “vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais e particulares”. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Direito de família. Vol. VI. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 17. 15 Durante o período de ausência de regulamentação sobre a esterilização cirúrgica voluntária, o Código Penal dispôs que constituía crime de lesão corporal grave, exceto nos casos de riscos para a saúde da mulher.34 A possibilidade de esterilização voluntária ainda foi tratada pelo legislador35 como algo que não deveria ser levada em conta, mesmo sendo praticada pela população de forma irregular. Essa falta de regulamentação demonstra que o Brasil ia a passos muito curtos a ruptura da cultura que promovia a natalidade. A positivação da laqueadura e vasectomia no Sistema Único de Saúde com credenciamento e capacitação dos médicos e além disso a promoção do atendimento em caráter multidisciplinar ocorreu com a Portaria nº 144 de 1997 do Ministério da Saúde. Após dois anos ocorreu a substituição pela Portaria nº 48, e com ela trouxe inovações como em regra a proibição da laqueadura durante o período de parto, aborto ou em até 42 dias após estes, conforme dispõe o art. 4°, parágrafo único da Portaria citada anteriormente36. Foi então no mesmo ano da autorização da esterilização cirúrgica que foi criada a Lei n° 9.263/1996, a Lei do Planejamento familiar que impõe diversas condições e trata a esterilização como última alternativa possível aos métodos contraceptivos, por sua seriedade por se caracterizar como um meio caro e com possibilidade de irreversibilidade, mas também por uma herança na qual historicamente a esterilização fosse algo danoso, no décimo artigo da lei referente a possibilidade de esterilização. É então no §5°37 da lei que encontra-se a temática principal desse artigo, pois um critério para possibilitar a esterilização voluntária é necessidade em caso 34 BASTOS, Camila Ferraro. ESTERILIZAÇÃO E PLANEJAMENTO FAMILIAR: UMA ANÁLISE À LUZ DA POSSIBILIDADE DA DISPOSIÇÃO RELATIVA SOBRE O CORPO. Monografia (Graduação em Direito) – Faculdade Baiana de Direito. Salvador, p. 31. 35 BRASIL. Decreto nº 144, de 20 de novembro de 1997. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 27 de novembro de 1997. 36 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria n. 48, de 11 de fevereiro de 1999. 37 § 5º Na vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges. 16 de sociedade conjugal que o cônjuge disponha sobre o corpo do outro por meio de autorização para que a esterilização possa ocorrer. Outra importante questão referente ao art. 10 é que a inobservância dos requisitos e condições pode constituir crime punível com reclusão de 2 anos até 8 anos, onde a pena pode ser aumentada em um terço em caso de descumprimento do §2°, conforme o art. 15 da lei supracitada, usando o direito penal como um meio punitivo em sua forma mais grave que é a retirada da liberdade. No art. 1238 da mesma lei traz a vedação do induzimento, instigação de forma individual com pena de reclusão de 1 ano a 2 anos se ocorrer de forma dolosa, ou coletiva é considerado crime de genocídio, esses complementos a vedação estão disposto no art. 1739. Pelo histórico Brasileiro quanto aos direitos reprodutivos já tratados aqui fica demonstrado que tal medida cerceia o direito da pessoa, já que desde o Brasil colônia pessoas principalmente do gênero feminino acabam sob a tutela patriarcal, desta vez já próximo do século 21 por meio da lei que desrespeita a autonomia dos indivíduos sobre algo tão íntimo qual sua reprodução. A lei de planejamentofamiliar tentou estabelecer o desencorajamento da esterilização, a partir de requisitos que demandam da pessoa além de seu consentimento expresso quanto o procedimento, sua idade que precisa ultrapassar a alcançada pela capacidade civil ou dois filhos vivos, e ainda o tão destacado neste trabalho que é o consentimento do cônjuge, que tira do indivíduo a palavra final sobre essa questão que é a escolha sobre seus direitos reprodutivos. O texto da constituição utiliza o termo “planejamento familiar” em seu art. 226, o termo atual e amplamente utilizado é o “planejamento reprodutivo”, 38 Art. 12. É vedada a indução ou instigamento individual ou coletivo à prática da esterilização cirúrgica. 39 Art. 17. Induzir ou instigar dolosamente a prática de esterilização cirúrgica. Pena - reclusão, de um a dois anos. Parágrafo único - Se o crime for cometido contra a coletividade, caracteriza-se como genocídio, aplicando-se o disposto na Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956. 17 porquê com essa terminologia demonstra a caráter individual, englobando diversos meios dessa reprodução, como a possibilidade do genitor solo, a adoção, biotecnologias, entre outras formas de reprodução e outros agrupamentos sociais que podem ser considerados família, não apenas a forma tradicional dessa construção. 3 AS AÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE E O PROJETO DE LEI VISANDO A FLEXIBILIZAÇÃO DA NORMA; Ajuizada pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP) em 2014 trouxe como argumentação que o legislador com interesse de evitar a esterilização voluntária de forma precoce pela sociedade, teve como efeito o desestimulo, indo diretamente de encontro com preceitos fundamentais como à liberdade, o direito à vida e a igualdade como dispõe o art. 5° da Constituição Federal. 40 Alega também a entidade que a necessidade de consentimento do cônjuge para o procedimento vai contra a autonomia privada e autonomia corporal que é um ponto primordial a liberdade protegida em nossa Constituição, ainda é para ANADEP um meio de ingerência quanto ao planejamento reprodutivo também protegido pela Carta Magna. Essa Ação Direta de Constitucionalidade tem como Relator o Ministro Celso de Melo que teve sua cadeira assumida pelo Ministro Kássio Nunes, seu tramite corre pelo rito célere art. 12, da Lei 9.868/9941 possibilitando que o plenário possa julgar o mérito diretamente. Está no momento pendente a julgamento. Distribuída recentemente, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5911 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) com representação no Congresso Nacional, novamente o Relator é o Ministro Kássio Nunes. 40 ANADEP, Ascom. ANADEP propõe ADIN contra limites da Lei de Planejamento Familiar. ANADEP, 2014. 41 Lei da Ação Direta de inconstitucionalidade, com pedido liminar, caso o relator considere a matéria relevante, tendo importância na ordem social e segurança jurídica os prazos serão menores. 18 Os argumentos trazidos por essa nova ADI vão além de embasamento jurídico e trazem alguns dados, de pesquisas realizadas em seis capitais Brasileiras, onde verificou-se que após seis meses da busca pela esterilização apenas um cerca de um terço das pessoas tinham conseguido realizar a cirurgia. Ainda, cerca de 8% das mulheres que aguardavam a realização do procedimento engravidaram.42 Essa pesquisa confirma pontos trazidos pela anterior quanto o desestímulo inerente ao procedimento já que o tempo de execução é postergado, gerando inclusive a possibilidade de concepção, mesmo que as pessoas totalmente capazes para a vida civil tenham demostrado expressamente sua vontade quanto a esterilização já que outros métodos contraceptivos não tem um nível tão alto de eficácia. O PSB cita também possíveis danos à saúde em aspecto físico e psicológico, a dignidade das pessoas pela regulamentação e não realização, consequentemente cria-se uma demanda reprimida43. Conclui o partido com o requerimento que a Lei 9.263/96 seja declarada parcialmente inconstitucional, no que trata quanto ao consentimento do cônjuge, necessidade de filhos vivos e a idade de 25 anos para a realização da esterilização voluntária.44 Ainda, a procura de meios para que os alguns artigos da Lei de Planejamento Familiar deixe de ser vigente no país, com isso foi criado o Projeto de Lei n° 4515/20 do Deputado Federal Denis Bezerra do Partido Socialista Brasileiro (PSB), o projeto traz em a diminuição da idade de 25 anos para 20 anos, extingue a necessidade de já ter filhos vivos, possibilidade de esterilização 42 “A ADI cita pesquisa realizada em seis capitais brasileiras (Palmas, Recife, Cuiabá, Belo Horizonte, São Paulo e Curitiba), que acompanhou homens e mulheres que buscavam a esterilização cirúrgica junto ao SUS, e verificou que após um período de cerca de 6 meses, apenas 25,8% das mulheres e 31% dos homens que demandaram a cirurgia haviam obtido sucesso. O partido destaca ainda o fato de que 8% das mulheres engravidaram durante o período de espera pela esterilização”. BERQUO, Elza; CAVENAGHI, Suzana. Direitos reprodutivos de mulheres e homens face à nova legislação brasileira sobre esterilização voluntária. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 19, supl. 2, p. S441-S453, 2003. 43 Quando uma demanda da população não é devidamente atendida, por ofertas satisfatórias, impedimentos ou falta de soluções adequadas. 44 PSB ingressa com Adin no STF contra exigências para esterilização voluntária de mulheres. PSB 40 – Notícias, 2018. 19 no parto e também acaba com o requisito do consentimento do cônjuge para realização do procedimento cirúrgico.45 Através dessa lei o acesso a possibilidade de esterilização será flexibilizado, porém sem garantia de que a questão da demora no atendimento seria sanado a partir da entrada em vigor do Projeto de Lei. Apesar da concordância com a exclusão do requisito do consentimento do cônjuge é importante que algumas barreiras ao procedimento sejam impostas, porquê a ideia da esterilização promovida sem as devidas informações pode se tornar uma medida dos governantes de controle populacional de pessoas pobres e assim consequentemente a diminuição de verbas de assistência aos cidadãos das classes econômicas mais baixas. Esse pensamento classista vai totalmente contra aos argumentos trazidos até aqui quanto aos direitos de personalidade e dignidade da pessoa humana, a promoção dessa noção obscura não deve ser validada e perpassa ideais neomalthusianos totalmente ultrapassados que decorrem do controle reprodutivo como uma forma de alcance ao desenvolvimento econômico, sem contrapartida quanto a promoção da educação reprodutiva e sexual, além de reflexões como outras práticas como o aborto. Outro projeto de n° 986/21 que trata exatamente de esterilização voluntária para pessoas em situação de vulnerabilidade através de autorização do judiciário, e também altera a necessidade de consentimento do cônjuge e diminuição da idade necessária de 25 anos para 18 anos. Sua autora Shéridan do Partido Social da Democracia Brasileira (PSDB-RR) dispõe que esse seria um bom método para que grupos que vivem em condições extremas e não possuem meios de sustento tivessem uma alternativa.46 Esse é um exemplo claro da esterilização visando a diminuição de responsabilidade do Estado de garantir condições mínimas de dignidade e direitos garantidos por economia de gastos. Utilizando de fatores como a vulnerabilidade social como um modo de aconselhar e promover a prática esse 45 BRASIL. Câmara dos Deputados. Notícias, 2020. 46 HAJE, Lara. Projeto permite esterilização voluntária de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Agência Câmara de Notícias, 2021. 20 procedimentocirúrgico e de certa forma minando outras alternativas que o cidadão poderia ter, usando o desespero como forma de diminuição de gastos públicos é revoltante. 4 DIREITO COMPARADO – LEI DE PLANEJAMENTO FAMILIAR NO MUNDO Com uma análise através do direito comparado é possível identificar diferenças no tratamento quanto aos requisitos necessários para a realização da esterilização voluntária em diversos países, das Américas e Europa. Na França a esterilização voluntária é permitida pela Lei da Esterilização Contraceptiva n° 2001-588 de 4 de julho de 2001, traz como requisitos a maioridade, a apresentação de informações sobre o procedimento, o consentimento escrito e o período de quatro meses até a realização da esterilização. Em Portugal as normas quanto a esterilização voluntária estão consignadas na Lei n° 3/84, de 1984 que dispõe quanto a educação sexual e planejamento familiar, é em seu artigo 10 que determina que podem passar pelo procedimento as pessoas a partir dos 25 anos de idade, com uma declaração de vontade, e ainda nesse documento mencionando de que foram informados sobre os efeitos da intervenção cirúrgica.47 Não há nessa norma qualquer disposição a necessidade de consentimento do cônjuge como requisito para realização da esterilização, porém há uma outra intervenção de terceiro que é a possibilidade de objeção médica, que pode ser positiva ou negativa, porquê a observação de um profissional pode evitar problemáticas referentes a saúde do paciente, mas também por mera liberalidade o médico pode por algum motivo qualquer negar- 47 PORTUGAL. Lei 3/84, 24 de março de 1984. Diário da República, n.º 71/1984, Série I, p. 2, 24 de março de 1894. 21 se a fazer o procedimento. A lei não consigna se há ou não necessidade de que o médico precise explicar a motivação da negativa quanto ao procedimento. Na Argentina a regulamentação da esterilização voluntária advém da Lei Nacional, n° 26.130 de 2006 sendo o denominada como o “REGIMEN PARA LAS INTERVENCIONES DE CONTRACEPCION QUIRURGICA”, autorizando que qualquer pessoa a partir dos 16 anos possa sem necessidade de consentimento do cônjuge ou autorização judicial fazer o procedimento de laqueadura tubária ou vasectomia, sendo necessário que o médico e sua equipe alerte a pessoa sobre os aspectos centrais como métodos alternativos para contracepção, implicações do procedimento e efeitos da esterilização. Outra disposição da norma Argentina é a possibilidade da negativa do médico sobre o procedimento como no caso de Portugal. A regulamentação sobre o tema no Chile está disposto nas “Normas Nacionales Sobre Regulación de la Fertilidad”48 documento do Ministério da Saúde chileno, que como a Argentina dispõe que há necessidade de consentimento do cônjuge, sendo uma decisão pessoal do indivíduo que solicita, com capacidade mental e civil para realização do procedimento cirúrgico.49 Mais uma similaridade entre a Argentina e o Chile é a necessidade de um documento denominado “Consentimento informado” que depende única e exclusivamente do indivíduo que fará o procedimento após todas as informações médicas dadas ao paciente. Como em outros países, nos Estados Unidos a esterilização voluntária é permitida, para que ela seja realizada é preciso que o interessado no procedimento assine um consentimento informado conforme a lei federal 42 CFR § 50.204 que regulamenta o tema. Deve o interessado receber do médico informações sobre métodos alternativos, descrição completa do procedimento, essa norma federal ainda dispõe em sua alínea “f” que não poderá ser requerido 48 CHILE. Ministerio de Salud. Programa Nacional Salud de la Mujer. NORMAS NACIONALES SOBRE REGULACIÓN DE LA FERTILIDAD, 2016. 49 Ibidem, p. 128. 22 consentimento do cônjuge por lei estadual para realização da esterilização voluntária.50 É interessante notar que as lei supracitadas começaram a fazer parte das legislações são parte do século passado e o início deste, o que pode demonstrar que apesar das discussões e conquistas estabelecidas as questões referentes ao procedimento ainda não estivessem tão maduras, muitas das disposições referentes a requisitos demonstram similaridades, em destaque a importância da capacidade, as informações dadas pela equipe médica e o efeito irreversível da esterilização, e o consentimento documentado, que traz a segurança de estar sendo a vontade livre e consciente. Outra questão levantada é a objeção médica, instrumento adotado por Portugal e Argentina, que dá ao médico uma faculdade quanto a realização ou não da esterilização, isso como já citado tem dois aspectos relevantes, porquê pela formação o médico pode e tem o dever de fazer conclusões sobre as condições médicas de seus pacientes. Porém isso também pode gerar um problema que ocorre no Brasil com outros aspectos, como mostra a pesquisa trazida pela Ação Direta de Inconstitucionalidade do PSB, que é a não realização do procedimento por decisão não motivada pelo médico, deixando o paciente sem explicações claras sobre um assunto que tem consequências em sua própria existência. A legislação brasileira quanto a esterilização voluntária segue a mesma condição quanto a manifestação expressa de vontade, mediante documento escrito e firmado conforme o art. 10, inciso I, §1° da Lei 9263/9651. Porém se mostra ultrapassado em comparação a medidas internacionais, diante dos exemplos citados, onde existem reservas referentes ao procedimento, mas dão ao indivíduo a liberdade de escolha quanto à disposição de seus corpos para pessoas maiores e capazes, o Estado se responsabiliza por informar, quanto ao 50 42 CFR § 50.204 - Informed consent requirement. 51 § 1º É condição para que se realize a esterilização o registro de expressa manifestação da vontade em documento escrito e firmado, após a informação a respeito dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais, dificuldades de sua reversão e opções de contracepção reversíveis existentes. 23 procedimento especificamente e os efeitos, mas o poder da escolha é dada ao indivíduo. Nesse caso não há o que se falar em prejuízos à vida ou a outros direitos fundamentais que atinjam a sociedade, sendo assim a norma não deveria fazer uma pessoa depender de outra dentro da sociedade conjugal para conseguir ou não escolher um procedimento que diz respeito apenas a autonomia reprodutiva e corporal do indivíduo. É impossível fazer dissociações entre a herança a promoção natalista por toda a história do Brasil e as medidas adotadas pela lei é uma constatação difícil, inclusive criando punições penais que atualmente integram a Lei de Planejamento em seu em seu capítulo II, em art. 1552. Tais medidas demonstram que apesar de toda a caminhada referente a integralização dos direitos reprodutivos não foi atingido ainda a plenitude dessa concepção, enquanto indivíduos não puderem escolher sobre os meios contraceptivo seguros que farão uso, sem que o Estado intervenha para promover com a motivação de economizar recursos de auxílios sociais ou impedir o procedimento por um histórico de criação de barreiras para autonomia individual quanto aos métodos contraceptivos, a Constituição não estará sendo respeitada. 52 Art. 15. Realizar esterilização cirúrgica em desacordo com o estabelecido no art. 10 desta Lei. Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, se a prática não constitui crime mais grave. CONCLUSÃO Os direitos de personalidade são o resultado de muitas reflexões da humanidade tendo seu início conhecido pela sociedade grega, depois romana, e tomando forma como conhecemos a partir da Revolução Francesa. Esse direito por tratar diretamente da complexidadehumana ao longos dos séculos foi sofrendo diversas ramificações, sem jamais perdendo a importância. A partir da observação da família e sua formação mais ramificações aos direitos de personalidade foram criados, que fizeram chegar ao direito reprodutivo, que em primeiro momento foram estruturados a partir das ideias de Thomas Malthus em 1798, sobre o controle de natalidade, que foram sendo cada vez mais popularizada ao longo dos anos no mundo inteiro. No Brasil, o marco para início da reflexão sobre os direitos reprodutivo foi a introdução da pílula anticoncepcional, que teve o uso proibido durante décadas. Com isso, outros métodos contraceptivos também mantinham-se proibidos pela Lei de Contravenções Penais também começaram a fazer parte das discussões referentes a reprodução humana. Com a Constituição Federal de 1988, foi expressamente garantida a dignidade da pessoa humana que possui base estrutural nos direitos de personalidade, que é fundamento da norma em seu art. 5°. O Planejamento Familiar também foi previsto na Constituição, em seu art. 226, §7°, sob o princípio da paternidade responsável e a escolha do casal quanto ao planejamento referente a família. Anos mais tarde com a Lei 9263/96 a esterilização voluntária mediante vasectomia ou laqueadura tubária, foi regulamentada, e permitida através do Sistema Único de Saúde (SUS) após o cumprimento de requisitos, como a idade de 25 anos ou dois filhos vivos, um consentimento documentado e caso a pessoa esteja casada o consentimento de seu cônjuge, apesar disso, seguindo as antigas regulamentações caso algum dos requisitos do art. 10 não seja cumprindo gerando sanção em caráter penal. 25 O consentimento do cônjuge fere diretamente os direitos de personalidade quanto ao indivíduo, tirando do maior e capaz e devidamente informado pela equipe médica, a escolha de dispor sobre seu corpo, quanto a uma decisão que afeta apenas a pessoa sobre seus direitos reprodutivos. Com as contradições da Lei de Planejamento Familiar, duas ADI foram levadas ao Supremo Tribunal Federal, pela Associação Nacional dos Defensores Públicos com crítica direta a necessidade do consentimento na sociedade conjugal, vai contra a autonomia privada e autonomia corporal que é um ponto primordial a liberdade protegida em nossa Constituição, já ADI proposta pelo Partido Socialista Brasileiro quanto ao tema exposto alegou aspectos similares que ainda não possuem decisão. Ainda, dois Projetos de Lei foram criados e estão aguardando votação para que a idade necessária seja diminuída, e tire-se a alternativa de necessidade de dois filhos vivos, e que seja extinta a necessidade de consentimento do cônjuge. Diante dessas possibilidades de declaração inconstitucionalidade ou promulgação de nova legislação é necessário fazer uma anotação relativa a necessidade de não usar a flexibilização da norma para propagação da esterilização para que pessoas em situação de vulnerabilidade social sejam levadas ao procedimento por ausência do cumprimento das garantias constitucionais pelo poder público, e sendo consequência a diminuição dos gastos públicos com auxílios sociais. A flexibilização, não pode ser usada como meio do Estado de tirar de si as responsabilidades consonantes em lei, seu foco deve ser a permissão para que o indivíduo possa de forma responsável decidir sobre questões que o afetam pessoalmente, como o caso da esterilização voluntária. Foi feito ainda no trabalho comparações normativas entre a Lei do Planejamento Familiar e as legislações de outras nações sobre o tema. Em outros países ficou demonstrado que tendo capacidade civil, informações médicas sobre o procedimento e um documento denominado consentimento informado é possível realizar a esterilização, isso mostra que a pessoalidade do procedimento cirúrgico é garantida para esses cidadãos. 26 Demonstra-se que nossa legislação sobre o tema precisa de avanços até respeitar os preceitos de sua própria Constituição Federal e observar as normas internacional sob o tema para reflexões sobre a adotada em nosso próprio país, respeitando também suas peculiaridades mas em busca da plenitude do respeito a parâmetros dados pelo direito de personalidade, inclusive indicando os limites razoáveis e assim alcançando a dignidade da pessoa humana. 27 REFERÊNCIAS ANADEP, Ascom. ANADEP propõe ADIN contra limites da Lei de Planejamento Familiar. ANADEP, 2014. Disponível em: < https://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=19360 >. Acesso em: 17 de maio de 2021. ALVES, J. E. D. 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