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1 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS Memória e atenção PROBLEMA 5 PROBLEMA 5 – ATENÇÃO,MENINA! Carol é uma menina de 8 anos, inteligente e articulada. Adora Português e História e tem muitos amigos na escola. Sua mãe relata que ela pode passar horas pesquisando por assuntos do seu interesse. Apesar disso, nos últimos anos, a família tem estado preocupada com certos padrões de comportamento da menina: agitação, impulsividade, inquietação e desatenção. Na escola, Carol vem apresentando dificuldades com cálculos matemáticos, geometria, comparações de tamanho, e na memória de trabalho de modo geral. No entanto, consegue lembrar do conteúdo estudado, ou seja, mantém intacta sua capacidade de potenciação de longo prazo. A professora de Carol deduz que existam classificações diversas para a memória humana. Além disso, a professora também notou prejuízos na capacidade selecionar estímulos relevantes (atenção) e sustentar o foco de atenção por um período maior de tempo. A família de Carol aceitou participar de uma pesquisa experimental com crianças que apresentavam o mesmo comportamento. Na pesquisa, os cientistas observaram a atividade do córtex orbitofrontal e dorsolateral das crianças antes e depois de uma intervenção com exercícios físicos. Os resultados foram homogêneos e significativos, mostrando um aumento da atividade de áreas fronto- parietais, especialmente do córtex pré-frontal, após a intervenção. Os resultados psicológicos foram equivalentes, o que mostra evidente capacidade de o cérebro de se reorganizar, chamada de neuroplasticidade. A mãe de Carol relata que a menina melhorou o desempenho escolar e o foco de atenção depois da pesquisa e que continua fazendo os exercícios físicos. Ela brinca, dizendo que o exercício é o remédio de Carol e se surpreende com a mudança cognitiva da menina, diante deste novo contexto ambiental. NOTAS • ANDRÉ - 8,5 • FENELON – 8,5 • LUCAS – 9,0 • GABI – 9,5 • JULIA – 8,5 • JULLY – 9,5 • MATHEUS – 8,5 • PABLO – 8,0 • RAYSSA – 9,5 • SABRINA – 9,5 PROCESSO DE FORMAÇÃO DA MEMÓRIA O primeiro dos processos mnemónicos é a aquisição, que consiste na entrada de um evento qualquer nos sistemas neurais ligados à memória (Figura 18.2). Por “evento” entendemos qualquer coisa memorizável: um objeto, um som, um acontecimento, um pensamento, uma emoção, uma sequência de movimentos. Você pode se lembrar do seu primeiro tênis, dos acordes iniciais do hino nacional, movimentos necessários para amarrai- o cordão dos sapatos, do que ocorreu no dia em que fez vestibular, de como se multiplica 24 por 13, do que sentiu durante o seu primeiro beijo. Para o estudo da memória, todos são eventos: podem- se originar do mundo externo, conduzidos ao sistema nervoso através dos sentidos, ou então do mundo interior da pessoa, surgidos “misteriosamente” de nossos próprios pensamentos 2 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS e emoções. Durante a aquisição ocorre uma seleção: como os eventos são geralmente múltiplos e complexos, os sistemas de memória só permitem a aquisição de alguns aspectos mais relevantes para a cognição, mais marcantes para a emoção, mais focalizados pela nossa atenção, mais fortes sensorialmente, ou simplesmente priorizados por critérios desconhecidos. Após a aquisição dos aspectos selecionados de um evento, estes são armazenados por algum tempo: às vezes por muitos anos, às vezes por não mais que alguns segundos. Esse é o processo de retenção da memória, durante o qual os aspectos selecionados de cada evento ficam de algum modo disponíveis para serem lembrados (Figura 18.2). Com o passar do tempo, alguns desses aspectos ou mesmo todos eles podem desaparecer da memória: é o esquecimento. Isso significa que a retenção nem sempre é permanente - aliás, na maioria das vezes, é temporária. Quando você vai ao cinema, logo ao sair é capaz de lembrar de muitas cenas e diálogos do filme (não todos...). No entanto, já no dia seguinte só se lembra de alguns, e após 1 ano talvez nem mesmo se lembre do tema do filme! O tempo de retenção, portanto, é limitado pelo esquecimento, e ambos são definidos, entre outros aspectos, pelo tipo de utilização que faremos de cada evento memorizado. Assim, não é importante guardar a fisionomia da moça da bilheteria do cinema, e talvez tampouco dos personagens secundários do filme. Mas geralmente guardamos o rosto da atriz principal, seja porque é bonita, seja porque o seu papel é importante no contexto do filme. De qualquer modo, está estabelecido que para algumas formas de memória (como a memória operacional) a capacidade de retenção é finita e parece não ultrapassar um pequeno número de itens de cada vez. Para outras formas, a capacidade de retenção é praticamente infinita. Testes com voluntários normais mostraram que, se lhes apresentamos sequências de letras para memorizar, o limite médio de retenção gira em tomo de sete letras. Quando lhes apresentamos sequências de palavras, igualmente só são capazes de memorizar cerca de sete. E quando são expostos a sequências de frases, o mesmo número 7 representa o limite médio para a retenção. Isso reforça o conceito de evento que delineamos: nos testes de retenção, os eventos inicialmente foram letras, depois palavras compostas de muitas letras, e depois frases compostas de muitas palavras. Os psicólogos também têm estudado os determinantes do esquecimento. Por que retemos algumas coisas e esquecemos outras? Quais os fatores que determinam um caminho ou o outro? Descobriu-se que a retenção é fortemente influenciada pela presença de elementos distratores, e que o número de distratores determinará maior ou menor retenção. Tente memorizar um número de telefone com alguém a seu lado lendo alto uma outra sequência de números... Além da interferência de distratores, também a ordem de apresentação de uma sequência de itens a serem memorizados influi sobre a retenção. Tendemos a reter mais facilmente os primeiros e os últimos de uma série, e esquecemos aqueles situados no meio. Faça você mesma um teste utilizando uma sequência aleatória de números. O esquecimento é uma propriedade normal da memória. Provavelmente desempenha papel muito importante como mecanismo de prevenção de sobrecarga nos sistemas cerebrais dedicados à memorização, e tem ainda a virtude de permitir a filtragem dos aspectos mais relevantes ou importantes de cada evento. Mas há casos cm que o esquecimento é patológico, para mais ou para menos. Chama- se amnésia quando o indivíduo apresenta esquecimento “demais”, e hipermnésia quando ocorre o oposto - uma exacerbada capacidade de retenção que impede a separação entre aspectos relevantes e irrelevantes dos eventos. Depreende-se do que acabamos de dizer que, dentre os vários aspectos de um evento, alguns serão esquecidos imediatamente, outros serão memorizados durante um certo período, e apenas uns poucos permanecerão na memória prolongadamente. Neste último caso, diz-se que houve consolidação (Figura 18,2) quando o evento é memorizado durante um tempo prolongado, às vezes permanentemente. Lembramos de algumas coisas durante muito tempo, embora possamos em algum momento esquecê-las. Mas lembramos de outras durante toda a vida, como o nosso próprio nome e a data do nosso aniversário. Finalmente, o último dos processos mnemónicos é a evocação ou lembrança, através do qual temos acesso à informação armazenada para utilizá-la mentalmente na cognição e na emoção, por exemplo, ou para exteriorizá-la através do comportamento. 3 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS TIPOS E SUBTIPOS DE MEMÓRIA O trabalho dos psicólogos permitiu também classificar a memória em tipos diferentes (Tabela 18.1), de acordo comas suas características. Essa classificação se mostrou importante, pois se verificou que os tipos de memória são operados por mecanismos e regiões cerebrais diferentes. A memória pode ser classificada quanto ao tempo de retenção em. (1) memória ultrarrápida ou imediata, cuja retenção não dura mais que alguns segundos; (2) memória de curta duração, que dura minutos ou horas e serve para proporcionar a continuidade do nosso sentido do presente, e (3) memória de longa duração, que estabelece engramas duradouros (dias, semanas e até mesmo anos). Imagine a seguinte cena cotidiana. Você se dirige à sala de aula para realizar uma prova difícil. No caminho, alguém a intercepta e pergunta quais assuntos cairão na prova. Você começa a responder, e a cada frase precisa reter por alguns segundos a primeira palavra para emitir a segunda com coerência; a seguir, precisa reter a segunda para emitir a terceira, e assim por diante. Você utilizou a sua memória uitrarrápida: se alguém lhe perguntar logo depois quais foram exatamente as palavras que pronunciou ao responder sobre os temas da prova, não se lembrará. Ao chegar à sala de aula, um colega lhe pergunta se foi homem ou mulher a pessoa que a interceptou no caminho. Você responderá corretamente utilizando a sua memória de curta duração, e se concentrará na prova. Alguns dias depois, tudo que restará em sua memória daquele dia na universidade provavelmente será a prova, ou talvez apenas as questões mais difíceis, que foram armazenadas na sua memória de longa duração. A memória pode também ser classificada, quanto à sua natureza (Tabela 18.1), em: (1) memória explícita ou declarativa; (2) memória implícita ou não declarativa e (3) memória operacional ou memória de trabalho. A memória explícita reúne tudo que só podemos evocar por meio de palavras (daí o termo “declarativa”) ou outros símbolos (um desenho, por exemplo). É formada facilmente, mas pode-se perder também facilmente. Pode ser episódica, quando envolve eventos datados, isto é, relacionados ao tempo; ou semântica quando envolve conceitos atemporais. Ao lembrar que foi ao teatro no domingo passado assistir Romeu e Julieta, você empregou a sua memória episódica. Mas saber que o teatro é uma forma de arte cênica e que Romeu e Julieta é uma peça do escritor inglês William Shakespeare, é um exemplo de memória semântica. A memória episódica é geralmente específica de cada indivíduo, característica de sua trajetória de vida. A memória semântica, por outro lado, é compartilhada por muitas pessoas, fazendo parte da cultura. A memória implícita, por sua vez, é diferente da explícita porque não precisa ser descrita com palavras. Além disso, requer mais tempo e treinamento para se formar, mas persiste mais duradouramente. Pode ser de quatro subtipos. O primeiro é a chamada memória de representação perceptual, que corresponde à imagem de um evento, preliminar à compreensão do que ele significa. Um objeto, por exemplo, pode ser retido nesse tipo de memória implícita antes que saibamos o que é, para que serve etc. Outro subtipo de memória implícita é a memória de procedimentos: trata- se, aqui, dos hábitos e habilidades e das regras em geral. Sabemos os movimentos necessários para dirigir um carro, sem que seja preciso descrevê-los verbalmente. O terceiro tipo é a memória operacional, através da qual armazenamos temporariamente informações que serão úteis apenas para o raciocínio imediato e a resolução de problemas, ou para a elaboração de comportamentos, podendo ser descartadas (esquecidas) logo a seguir. Guardamos em nossa memória operacional, por exemplo, o local onde estacionamos o automóvel quando vamos fazer compras, uma informação que nos servirá apenas até o momento de voltar ao carro para ir embora. Depois disso, essa informação será provavelmente esquecida em definitivo. 4 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS Como a memória é uma função distribuída por amplas regiões neurais (talvez mesmo todo o sistema nervoso central), é difícil atribuir a qualquer circuito simples o caráter de circuito da memória. De um modo geral, entretanto, pode-se dividir a memória em etapas aproximativas, e assim identificar os circuitos envolvidos em cada uma delas. Como mostra a Figura 18.7, a entrada de informações para a memória pode vir do meio ambiente externo, ou da própria vida interior do indivíduo, isto é, de seus pensamentos e emoções. No primeiro caso, portanto, as informações que serão arquivadas entram através dos sistemas sensoriais, e atingem o córtex cerebral onde são devidamente processadas para se transformarem em percepções. No segundo caso, as informações relevantes são de caráter subjetivo, de localização cerebral mal definida, mas certamente relacionadas às diversas áreas corticais de função neuropsicológica complexa. Em um primeiro momento, essas informações são selecionadas, e segundo a sua relevância para o indivíduo, sua carga emocional e outros fatores, passam a um conjunto de regiões relacionadas ao hipocampo (em azul, na Figura 18.1.9). O hipocampo, como já foi visto, é a região encarregadade consolidar os engramas da memória explícita, seja transferindo-os para as regiões corticais adequadas (em laranja, na Figura 18.19), ou arquivando no seu território “cópias” temporárias dos engramas corticais. Esse processo se realiza em interação com outras regiões da formação hipocampal, especialmente o córtex entorrinal, fortemente interligado com os campos de Ammon e o giro denteado do hipocampo. No caso da memória implícita de tipo espacial, o hipocampo parece guardar um mapa alocêntrico capaz de representar as características dos objetos que compõem o cenário extemo, e suas relações de posição. Evidência disso é a existência das células de memória espacial, documentadas no hipocampo de vários mamíferos. Considera-se que o giro para-hipocampal, elo terminal na sequência de processamento da via visual ventral de reconhecimento de formas e cores, é a estrutura que guarda os engramas temporários referentes às características dos objetos, enquanto as áreas entorrinal e perirrinal arquivam as relações de posição entre os diversos objetos. Em conjunto, essas operações seriam reunidas temporariamente no hipocampo para reforçar os engramas espaciais permanentes, arquivados no neocórtex. Ao se mudar para um novo endereço, você leva um certo tempo reconhecendo o ambiente: seu novo apartamento, o edifício, a rua onde este fica, o caminho do ponto de ônibus, o comércio, as esquinas e praças das redondezas. Se você residir ali durante muitos anos, os engramas são reforçados diariamente e esse mapa espacial deixa de ser temporário para se tomar permanente. Os pacientes com lesões bilaterais do hipocampo, como HM, que perdeu a capacidade de consolidar novas memórias explícitas mas permaneceu capaz de lembrar-se das memórias já consolidadas, representam uma forte indicação 5 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS de que os engramas permanentes estão guardados fora do hipocampo, possivelmente no neocórtex. Como fazemos para trazê-los à nossa consciência instantaneamente, sempre que precisamos? Essa é a etapa seguinte da cadeia de operações da memória. Trata-se de uma tarefa complexa, já que uma mesma cena ou evento tem sempre diferentes componentes. Você se lembra quando pela primeira vez caminhou dentro da sua universidade? Talvez essa lembrança tenha componentes espaciais como a composição do campus universitário com seus vários prédios, visuais como a cor da parede de sua primeira sala-de-aula, auditivos como o zunzum dos alunos e a voz do professor, e quem sabe olfativos (um cheiro particular de café?). Tudo isso surge de repente em sua memória. Como é possível?Recentemente os neurocientistas têm colhido evidências de que a memória dispõe de um polo de convergência, como um hub1 das redes de computadores, capaz de reunir todas as diferentes características de uma cena ou evento, e apresentá-las à consciência. Tal hub se situa justamente no chamado polo temporal A, a região mais rostral do lobo temporal (Figura 18.20). A principal indicação desse fato é o sintoma dos pacientes que apresentam lesões nessa região: passam a apresentar uma condição chamada demência semântica, ou seja, tomam-se incapazes de encontrar as palavras que sintetizam as lembranças de situações complexas. Confrontados com um telefone, por exemplo, não sabem dizer o que é, nem mesmo se o ouvirem tocar ou verem alguém usá-lo. A frente de uma maçã são incapazes de identificá-la pelo nome, mesmo se a comerem ou a manipularem. Dentre as diferentes regiões do neocórtex, destaca-se por sua participação na memória uma grande extensão dos giros temporais médio e inferior, sedes dos chamados lexicons linguísticos, ou seja, os “dicionários” que reúnem os termos de nossa língua que descrevera os diferentes objetos e conceitos com os quais lidamos diariamente. A região posterior do córtex parietal, por sua vez, armazena dados relativos ao espaço imediatamente em tomo de nosso próprio corpo (o mapa egocêntrico por meio do qual distinguimos o que está à direita e o que está à esquerda, entre outras relações de posição). E o córtex pré-frontal medial guarda relações de distância entre locais (mais perto, mais longe...). 6 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS O termo codificação de memória define os processos neurais que transformam uma experiência em uma memória dessa experiência – em outras palavras, os eventos fisiológicos que levam à formação da memória. Esta seção aborda três questões. Primeira, existem diferentes tipos de memórias? Segunda, onde elas ocorrem no cérebro? Terceira, o que acontece fisiologicamente para fazê-las ocorrer? Novas informações científicas sobre a memória estão sendo geradas a um ritmo alucinante; ainda não existe uma teoria unificadora sobre como a memória é codificada, armazenada e recuperada. No entanto, pode ser vista em duas grandes categorias, denominadas memória declarativa e memória processual. A memória declarativa (às vezes, referida também como memória “explícita”) é a retenção e recordação de experiências conscientes que podem ser colocadas em palavras (declaradas). Um exemplo é a memória de ter percebido um objeto ou evento e, portanto, reconhecê-lo como familiar e talvez até mesmo saber o tempo e local específicos da memória originada. Um segundo exemplo seria o conhecimento geral do mundo, como nomes e fatos. O hipocampo, a amígdala e outras partes do sistema límbico são necessários para a formação de memórias declarativas. A segunda ampla categoria de memória, a memória processual, pode ser definida como a memória de como fazer as coisas (às vezes, também é chamada de memória “implícita” ou “reflexiva”). Esta é a memória para comportamentos qualificados independentes da compreensão consciente, como por exemplo, andar de bicicleta. Indivíduos podem sofrer graves déficits na memória declarativa, mas ter memória processual intacta. Um estudo de caso descreve um pianista que aprendeu uma nova peça para acompanhar um cantor em um concerto, mas não se lembrou na manhã seguinte de ter realizado a composição. Ele poderia se lembrar de como tocar a música, mas não conseguia se lembrar de ter feito isso. A memória processual também inclui respostas emocionais aprendidas, como o medo de aranhas e o exemplo clássico dos cães de Pavlov, que aprenderam a salivar ao som de um sino, depois que o som havia sido previamente associado à comida. As áreas primárias do cérebro envolvidas na memória processual são as regiões do córtex sensorimotor, dos núcleos da base e do cerebelo. Outra maneira de classificar a memória é em termos de duração – ela dura por muito ou pouco tempo? A memória de curto prazo registra e guarda informações por um curto tempo – uma questão de segundos a minutos – após serem recebidas. Em outras palavras, é a memória que usamos quando mantemos a informação conscientemente. Por exemplo, você pode ouvir um número de telefone em um anúncio de rádio e lembrar-se apenas o tempo suficiente para alcançar o seu telefone e digitar o número. A memória de curto prazo possibilita uma impressão temporária do ambiente presente em um formato prontamente acessível e é um ingrediente essencial de várias formas de atividade mental mais elevada. Quando a memória de curto prazo é usada como uma tarefa cognitiva, é frequentemente referida como “memória de trabalho”. As diferenças entre a memória de curto prazo e a memória de trabalho estão continuamente evoluindo, à medida que os neurocientistas aprendem mais sobre elas; simplesmente nos referiremos a todas essas lembranças como “de curto prazo”. Memórias de curto prazo podem ser convertidas em memórias de longo prazo, que podem ser armazenadas por dias a anos e lembradas mais tarde. A consolidação é o processo pelo qual as memórias de curto prazo se tornam memórias de longo prazo. Focar a atenção é essencial para muitas habilidades baseadas na memória. Quanto mais longo for o alcance de atenção na memória de curto prazo, melhor o jogador de xadrez, maior a capacidade de raciocínio e mais bem o aluno compreende frases complicadas e desenvolve inferências a partir dos textos. Realmente, há uma forte correlação entre a memória de curto prazo e medidas padrão de inteligência. Por outro lado, o déficit de memória específico que ocorre nos estágios iniciais da doença de Alzheimer, uma condição caracterizada por demência e perdas importantes da memória, estaria neste componente de concentração-atenção da memória de curto prazo. BASE NEURAL DA MEMÓRIA O mecanismo neural e as partes do cérebro envolvidas variam em diferentes tipos de memória. A codificação de curto prazo 7 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS e o armazenamento de memória de longo prazo ocorrem em áreas cerebrais diferentes tanto para memórias declarativas como processuais (Figura 8.14). O que está acontecendo durante a formação da memória em nível celular? Condições como coma, anestesia profunda, choque eletroconvulsivo e aporte insuficiente de sangue ao cérebro, que interferem na atividade elétrica do cérebro, também interferem na memória de curto prazo. Portanto, pressupõe-se que a memória de curto prazo exija potenciais de ação ou potenciais graduados ininterruptos. A memória de curto prazo é interrompida quando uma pessoa perde a consciência em decorrência de um golpe na cabeça e as memórias são abolidas para todos os acontecimentos por um período variável de tempo antes do traumatismo, uma condição denominada amnésia retrógrada. (Amnésia é o termo geral para perda de memória.) A memória de curto prazo também é suscetível à interferência externa, como uma tentativa de aprender informações conflitantes. Por outro lado, a memória de longo prazo consegue sobreviver a anestesia profunda, traumatismo ou choque eletroconvulsivo, eventos que interrompem os padrões normais de condução neural no cérebro. Dessa forma, a memória de curto prazo exige atividade elétrica nos neurônios. utro tipo de amnésia é referido como amnésia anterógrada, que resulta de danos ao sistema límbico e estruturas associadas, incluindo o hipocampo, tálamo e hipotálamo. Pacientes com essa condição perdem sua capacidade de consolidar memórias declarativas de curto prazo em memórias de longo prazo. Embora eles possam se lembrar de informações e eventos armazenados que ocorreram antes de sua lesão cerebral.Após a lesão, os pacientes só conseguem apenas a informação enquanto ela existir na memória de curto prazo. O caso de um paciente conhecido como H.M. ilustra que a formação de memórias declarativas e processuais envolve processos neurais distintos e que as estruturas do sistema límbico são essenciais para a consolidação de memórias declarativas. Em 1953, H.M. foi submetido à remoção bilateral da amígdala e de grandes partes do hipocampo, como tratamento para a epilepsia persistente e debilitante. Embora a condição epiléptica tenha melhorado após a cirurgia, resultou em amnésia anterógrada. Ele ainda tinha inteligência e memória de curto prazo normais. Podia reter informações por minutos, contanto que não fosse distraído; todavia, não conseguia formar memórias de longo prazo. Se ele fosse apresentado a alguém em um dia, no dia seguinte não se lembrava de ter previamente conhecido essa pessoa. Nem se lembrava de nenhum acontecimento que ocorreu após a cirurgia, embora sua memória de eventos anteriores à cirurgia estivesse intacta. Curiosamente, H.M. tinha memória processual normal e conseguia aprender novos quebra- cabeças e tarefas motoras tão facilmente como os indivíduos normais. Este caso foi o primeiro a chamar a atenção para a importância crítica das estruturas do lobo temporal do sistema límbico para a consolidação de memórias declarativas de curto prazo em memórias de longo prazo. Desde então, outros casos demonstraram que o hipocampo é a estrutura primária envolvida neste processo. Uma vez que H.M. reteve memórias de antes da cirurgia, seu caso demonstrou que o hipocampo não está envolvido no armazenamento de memórias declarativas. O problema de como exatamente as memórias são armazenadas no cérebro ainda não foi solucionado, mas algumas das peças do enigma estão se encaixando. Um modelo para a memória é a potencialização de longo prazo (PLP), na qual certas sinapses sofrem aumento duradouro de sua efetividade quando são muito utilizadas. Ver a Figura 6.36, que detalha como isso ocorre em sinapses glutamatérgicas. Um processo análogo, a depressão de longo prazo (DLP), diminui a efetividade dos contatos sinápticos entre os neurônios. O mecanismo desta supressão de atividade parece ser principalmente por meio de alterações nos canais iônicos na membrana pós-sináptica. É geralmente aceito que a formação de memória de longo prazo envolve processos que alteram a expressão gênica. Isso https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732345/epub/OEBPS/Text/chapter06.html#fig6-36 8 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS é conseguido por uma cascata de segundos mensageiros e fatores de transcrição que, em última análise, leva à produção de novas proteínas celulares. Essas novas proteínas estão envolvidas no aumento do número de sinapses demonstradas após a formação de memória de longo prazo. Também podem estar envolvidas em mudanças estruturais em sinapses individuais (p. ex., por um aumento no número de receptores na membrana pós-sináptica). Esta capacidade de modificação do tecido neural por causa da ativação é conhecida como plasticidade. NÍVEIS DE ATENÇÃO A atenção pode ser definida como a direção da consciência, o estado de concentração da atividade mental sobre determinado objeto. Segundo Vygotsky (OLIVEIRA, 2003), a atenção faz parte das funções psicológicas superiores, tipicamente humanas. O funcionamento da atenção baseia-se inicialmente em mecanismos neurológicos inatos e 9 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS involuntários. A atenção vai gradualmente sendo submetida a processos de controle voluntário, em grande parte fundamentado pela mediação simbólica. A atenção responde a estímulos externos e cada espécie animal tem uma capacidade de atenção que inicialmente volta-se à sua sobrevivência. A memória e o aparelho sensorial estão relacionados ao aspecto perceptivo, para o homem. Por exemplo, quando o estímulo de um som ou clarão muito forte nos faz voltar o olhar para sua direção. Voltar o olhar é uma reação que identifica nosso foco de atenção. Desta forma, é possível afirmar com base nas idéias de Luria (1979), que a atenção tem caráter seletivo consciente e exige memória. A atenção seletiva é a capacidade de selecionar estímulos e objetos específicos, determinando uma orientação atencional focal; um estado de concentração das funções mentais, assim como o estabelecimento de prioridades da atividade consciente do indivíduo diante de um conjunto amplo de estímulos ambientais. Se não houvesse seletividade, a quantidade de informação seria tão grande e desordenada que seria impossível uma ação organizada do homem. A atenção sustentada refere-se à manutenção da atenção seletiva sobre determinado estímulo ou objeto, permitindo a execução das tarefas especificas e obtenção de objetivos fixados. Para Luria (1979), há três itens da seletividade de estímulo no processo da atenção: volume da atenção, sua estabilidade e suas oscilações. O volume (de estímulos) da atenção varia conforme a quantidade de sinais recebidos ou associações, que determina o que é dominante. Para conseguir a atenção de alguém, precisa ser despertado o seu interesse. A estabilidade é a duração do estímulo dominante. Neste item deve-se considerar que existem oscilantes, pois o mecanismo neurológico da atenção é inato e involuntário, mas a atenção não é inata e sim, treinável. Por oscilações da atenção entende-se o caráter cíclico do processo, no qual determinados conteúdos da atividade consciente ora adquirem caráter dominante, ora o perdem. A capacidade do indivíduo de fixar sua atenção, na visão de Luria (1979), sobre determinada área ou objeto, é conhecida como tenacidade. Na tenacidade, a atenção se prende a determinado estímulo, fixando-se sobre ele. A vigilância é definida como a qualidade de atenção, que permite ao indivíduo mudar seu foco de um objeto para outro. Tomando-se em consideração a natureza da atenção, podem- se discernir dois tipos básicos de atenção: a atenção involuntária e a atenção voluntária. No processo psicopedagógico, é importante analisar se o cliente está transitando entre estes dois tipos de atenção, a involuntária e a voluntária, ou se há permanência maior em um determinado tipo. Permanecer em uma atenção especifica pode indicar a necessidade de um atendimento psicopedagógico clínico. ATENÇÃO VOLUNTÁRIA Imagine-se tentando atravessar a Rua 25 de Março, numa terça feira ao meio dia, a duas semanas do Natal. Camelôs fazendo propaganda de seus produtos a altas vozes, sons vindos de dentro das lojas lembrando o Natal, carros buzinando, vozes em todas as direções, motores ligados, apitos de aviso dos guardas de trânsito, sinais luminosos dos faróis para carros, para pedestres, cartazes de preços, outdoors, layout de lanchonetes, das lojas, a voz de seus acompanhantes ou filhos reclamando de alguma coisa. No entanto, você atravessa a rua com certa tranqüilidade, escolhe a direção que deseja seguir, escolhe a loja para entrar e ainda responde ao que lhe perguntam, numa ordem tal que sua organização mental e física não se confundem. Essa pré – seleção dos objetos que serão fruto de nossa atenção é a atenção voluntária. Ela só é possível pelo nosso desenvolvimento e pela mediação dos signos e símbolos que assimilamos no contato com o outro social e com a cultura que nos rodeia. A atenção voluntária nos permite fazer uma escolha do objeto a que voltaremos nossa atenção. Essa atenção, a voluntária, nos leva a focalizar um determinado objeto, “desligando-nos” dos demais estímulos que estão ao nosso redor. Desta forma, ao longo de nosso desenvolvimento, vamos substituindoestímulos externos por estímulos internalizados e somos capazes de dirigir, voluntariamente, nossa atenção para elementos do ambiente que temos definido como relevantes. Na leitura, por exemplo, estamos fazendo uso de símbolos que são assimilados ao longo de nosso desenvolvimento, ou seja, utilizamos a representação simbólica de nossa linguagem – o 10 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS que faz parte de nosso contexto sociocultural. Esses instrumentos permitem o controle de nossa atenção e esse é um processo crescente e gradativo, na medida de nosso poder de assimilar signos novos. ATENÇÃO INVOLUNTÁRIA No entanto, apesar de nossos processos de aquisição de atenção voluntária, não deixamos de apresentar a atenção involuntária com a qual nascemos e está fortemente presente na primeira infância. Os estímulos externos continuam presentes em nosso dia-a-dia: uma buzina repentina pode nos chamar atenção, ou o ruído de um trovão pode nos despertar para a chuva lá fora; ou seja, quando há estímulos fortes, a atenção é dirigida a eles. Ainda assim, percebemos que a atenção, mesmo involuntária, pode ser também mediada pelos signos adquiridos. Por exemplo, reagimos “instintivamente” ao ouvirmos o som de nosso nome. Nossa reação é imediata, involuntária, mas só o fazemos porque associamos um signo a esta linguagem específica que é o nosso nome. Assim, temos uma atenção involuntária mediada por significados aprendidos. ATENÇÃO FLUTUANTE Freud, desenvolveu o conceito de atenção flutuante, que se refere ao estado pelo qual deve funcionar a atenção do psicanalista durante uma sessão analítica. Para ele, a atenção do analista não deve privilegiar, a priori, qualquer elemento do discurso ou do comportamento do paciente, o que implica deixar funcionar livremente suas próprias atividades mentais, conscientes e inconscientes, deixando a atenção flutuar e suspendendo ao máximo as próprias motivações, desejos e planos. Em outras palavras, a atenção flutuante nos permite atender de modo simultâneo a várias situações. É um estado artificial da atenção, cultivado pela necessidade do momento. Em décadas passadas a atenção era concentrada. Hoje, exige-se a atenção flutuante para poder abranger diversas coisas ao mesmo tempo. Se observarmos como os jovens estudam, muitas vezes, encontraremos a atenção flutuante. Eles simultaneamente leem, escrevem, ouvem rádio, riem, contam casos, falam por telefone, tomam chá e até preparam coisas. Nada parecido com o modelo unidirecional da atenção. Os professores e pais hoje acham que os filhos não conseguem se concentrar: ficam fazendo mil coisas enquanto estudam e, por isso, acham que isso pode afetar negativamente o aprendizado escolar. Quando, na verdade, são frutos da sociedade cibernética, na opinião de Fernández (2001). Cabe ao psicopedagogo, que estuda e lida com o processo de aprendizagem e seus problemas, contextualizar as crianças e jovens para que possa identificar o problema da situação de atenção relacionado ao aprender. Além de analisar se a atenção flutuante é tão predominante que se torna um verdadeiro problema ou se há uma oscilação adequada entre os dois outros tipos de atenção. Tais tipos de atenção interferirão no aprender e suas dificuldades. NEUROPLASTICIDADE A capacidade de adaptação do sistema nervoso, especialmente a dos neurônios, às mudanças nas condições do ambiente que ocorrem no dia a dia da vida dos indivíduos, chama-se neuroplasticidade, ou simplesmente plasticidade, um conceito amplo que se estende desde a resposta a lesões traumáticas destrutivas, até as sutis alterações resultantes dos processos de aprendizagem e memória. Toda vez que alguma forma de energia proveniente do ambiente de algum modo incide sobre o sistema nervoso, deixa nele alguma marca, isto é, modifica-o de alguma maneira. E como isso ocorre em todos os momentos da vida, a neuroplasticidade é uma característica marcante e constante da função neural. Uma primeira constatação que os neurocientistas fizeram a respeito da neuropiasticidade é que o seu grau varia com a idade do indivíduo. Durante o desenvolvimento ontogenético, o sistema nervoso é mais plástico, e isso é de se esperar, uma vez que o desenvolvimento é justamente a fase da vida do indivíduo em que tudo se constrói, tudo se molda de acordo com as informações do genoma e as influências do ambiente. Mesmo durante o desenvolvimento, há uma fase de grande plasticidade denominada período crítico, na qual o sistema nervoso do indivíduo é mais suscetível a transformações provocadas pelo ambiente externo. Depois que o organismo ultrapassa essa fase e atinge a maturidade, sua capacidade plástica diminui, ou pelo menos se modifica. Isso leva a supor, então, que a plasticidade ontogenética difere da plasticidade adulta, sendo ambas os dois grandes tipos de manifestação dessa propriedade geral do sistema nervoso (Tabela 5.1). A plasticidade ontogenética confunde-se com o próprio desenvolvimento, pois seus mecanismos 11 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS celulares são semelhantes aos mecanismos do desenvolvimento normal. Outros processos podem entrar em ação na plasticidade adulta, embora se saiba que em alguns casos ocorre uma reativação da expressão dos genes do desenvolvimento. Constataram que, em alguns casos, é possível identificar mudanças morfológicas resultantes das alterações ambientais: uma plasticidade morfológica (Tabela 5.1). São novos neurônios gerados numa dada região, ou neurônios que desaparecem por morte celular programada. São também novos circuitos neurais que se formam pela alteração do trajeto de fibras nervosas, uma nova configuração da árvore dendrítica do neurônio, ou modificações no número e na forma das sinapses e das espinhas dendríticas. No entanto, em outros casos só foi possível identificar correlatos funcionais, sem alterações morfológicas evidentes: fala-se então em plasticidade funcional, geralmente ligada à atividade sináptica de um determinado circuito ou um determinado grupo de neurônios. Finalmente, é preciso considerar que essas mudanças estruturais e funcionais do sistema nervoso produzem efeitos no comportamento e no desempenho psicológico do indivíduo, o que obriga a admitir também uma plasticidade comportamental. Quando um insulto ambiental incide sobre o tecido nervoso., pode atingir muitas células, mas não necessariamente todas, nem de forma idêntica. Dentre as atingidas, as que tiverem o corpo celular lesado provavelmente morrerão, mas as que tiverem apenas os prolongamentos danificados podem regenerá-los. A regeneração neural, assim, deve ser vista como uma capacidade das populações neuronais cujos prolongamentos são atingidos por um insulto ambiental, e consiste no recrescimento desses prolongamentos possibilitando a restauração do circuito danificado. Estudos com neuro-imagens de indivíduos com AVC, indicaram modelos de ativação pós-lesão que sugerem reorganização funcional tanto no córtex adjacente quanto no hemisfério contralateral. Investigações morfológicas mostraram que este tipo de plasticidade é mediado por proliferação de sinapses e brotamento axonal. As alterações celulares que acompanham estas teorias são: 1. Brotamento ou Sprouting: ocorre um novo crescimento a partir de axônios. Envolve a participação de vários fatores celulares e químicos; resposta do corpo celular e a formação de novos brotos; alongamento dos novos brotos; e a cessação do alongamento axonal e sinaptogênese. 12 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS 2. Ativação de SinapsesLatentes: quando um estímulo importante às células nervosas é destruído, sinapses residuais ou dormentes previamente ineficazes podem se tornar eficientes. 3. Supersensitividade de Desnervação: demonstrada no núcleo caudado, ocorre após processo de desnervação, na qual a célula pós-sináptica torna-se quimicamente supersensível devido a um desvio na supersensitividade (pré sináptica) causando acúmulo de acetilcolina na fenda sináptica ou por alterações na atividade elétrica das membranas. Outro mecanismo ainda em fase de testes é o de transplante de células. O uso do transplante, combinado com um treinamento adequado, demonstra que pode haver recuperação através deste associado com programas de reabilitação, com melhora na habilidade motora A plasticidade do SNC ocorre, classicamente, em três estágios: desenvolvimento, aprendizagem e após processos lesionais. 1. Desenvolvimento: Na embriogênese, tem-se a diferenciação celular, em que células indiferenciadas, por expressão genética, passam a ser neurônios. Após a proliferação, migram para os locais adequados e fazem conexões entre si. Os neurônios dispõem de uma capacidade intrínseca sobre sua posição em relação a outros neurônios, e seus axônios alcançam seus destinos graças aos marcadores de natureza molecular e à quimiotaxia. A secreção de fatores de crescimento ajudam o axônio na busca de seu alvo. A maturação do SNC inicia-se no período embrionário e só termina na vida extra-uterina. Portanto, sofre influências dos fatores genéticos, do microambiente fetal e, também, do ambiente externo, sendo este último de grande relevância para seu adequado desenvolvimento. 2. Aprendizagem: Este processo pode ocorrer a qualquer momento da vida de um indivíduo, propiciando o aprendizado de algo novo e modificando o comportamento de acordo com o que foi aprendido. A aprendizagem requer a aquisição de conhecimentos, a capacidade de guardar e integrar esta aquisição, para posteriormente ser recrutada quando necessário. Durante esse processo, ocorrem modificações nas estruturas e no funcionamento das células neurais e de suas conexões, bem como o crescimento de novas terminações sinápticas, aumento das áreas sinápticas funcionais e incremento de neurotransmissores. A reabilitação física, entre outros fatores, tem por objetivo favorecer o aprendizado ou reaprendizado motor, que é um processo neurobiológico pelo qual os organismos modificam temporária ou definitivamente suas respostas motoras, melhorando seu desempenho, como resultado da prática. A prática ou a experiência promovem, também, modificações na representação do mapa cortical. Pascual-Leone et al. demonstraram que a aquisição de uma nova habilidade motora, como por exemplo, tocar piano, reorganizava o mapa cortical, aumentando a área relacionada aos músculos flexores e extensores dos dedos. Em um estudo com leitores de Braille, verificaram que o dedo indicador utilizado para a leitura tem maior representação cortical que o dedo contralateral. 3. Após lesão neural: A lesão promove no SNC vários eventos que ocorrem, simultaneamente, no local da lesão e distante dele. Em um primeiro momento, as células traumatizadas liberam seus aminoácidos e seus neurotransmissores, os quais, em alta concentração, tornam os neurônios mais excitados e mais vulneráveis à lesão. Neurônios muito excitados podem liberar o neurotransmissor glutamato, o qual alterará o equilíbrio do íon cálcio e induzirá seu influxo para o interior das células nervosas, ativando várias enzimas que são tóxicas e levam os neurônios à morte. Ocorre, também, a ruptura de vasos sanguíneos e/ou isquemia cerebral, diminuindo os níveis de oxigênio e glicose, que são essenciais para a sobrevivência de todas as células. A falta de glicose gera insuficiência da célula nervosa em manter seu gradiente transmembrânico, permitindo a entrada de mais cálcio para dentro da célula, ocorrendo um efeito cascata. De acordo com o grau do dano cerebral, o estímulo nocivo pode levar as células nervosas à necrose, havendo ruptura da membrana celular, fazendo com que as células liberem seu material intracitoplasmático e, então, lesem o tecido vizinho; ou pode ativar um processo genético denominado apoptose, em que a célula nervosa mantém sua membrana plasmática, portanto, não liberando seu material intracelular, não havendo liberação de substâncias com atividade pró- inflamatória e, assim, não agredindo outras células. A apoptose é desencadeada na presença de certos estímulos nocivos, principalmente pela toxicidade do glutamato, por estresse oxidativo e alteração na homeostase do cálcio. Os mecanismos de reparação e reorganização do SNC começam a surgir imediatamente após a lesão e podem perdurar por meses e até anos. São eles: a) Recuperação da eficácia sináptica – que consiste em fornecer ao tecido nervoso um ambiente mais favorável à 13 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS recuperação. Nesta fase, a recuperação é feita por drogas neuroprotetoras, que visam a uma melhor oferta do nível de oxigenação e glicose, à redução sanguínea local e do edema; b) Potencialização sináptica – este processo consiste em manter as sinapses mais efetivas, por meio do desvio dos neurotransmissores para outros pontos de contatos que não foram lesados; c) Supersensibilidade de denervação – em caso de denervação, a célula pós-sináptica deixa de receber o controle químico da célula pré-sináptica, dessa forma, para manter seu adequado funcionamento a célula promove o surgimento de novos receptores de membrana pós-sináptica; d) Recrutamento de sinapses silentes -, existem, mesmo em situações fisiológicas, algumas sinapses que, morfologicamente, estão presentes, mas que, funcionalmente, estão inativas. Essas sinapses são ativadas ou recrutadas quando um estímulo importante às células nervosas é prejudicado. e) Brotamentos – este fenômeno consiste na formação de novos brotos de axônio, oriundos de neurônios lesados ou não- lesados. Há dois tipos: • brotamento regenerativo: ocorre em axônios lesados e constitui a formação de novos brotos provenientes do segmento proximal, pois o coto distal, geralmente, é rapidamente degenerado. O crescimento desses brotos e a formação de uma nova sinapse constituem sinaptogênese regenerativa. • brotamento colateral: ocorre em axônios não lesionados, em resposta a um estímulo que não faz parte do processo normal de desenvolvimento. Este brotamento promove uma sinaptogênese reativa e já foi identificado no córtex, no núcleo vermelho e outras regiões cerebrais. Dentre as plasticidades morfológicas, podemos citar a regeneração axônica, sináptica, dendrítica e somática. A partir do que se conhece até o momento, a plasticidade por regeneração ocorre apenas no sistema nervoso periférico, aonde se encontra um micro ambiente favorável à regeneração das células nervosas após uma lesão PLASTICIDADE DENDRÍTICA A plasticidade dendrítica é caracterizada por alterações no número, no comprimento, na disposição espacial e na densidade das espinhas dendríticas, principalmente nas fases iniciais de desenvolvimento do indivíduo. As espinhas dendríticas constituem-se de micropetídeos privilegiados que concentram íons e pequenas moléculas influentes na transmissão de informações entre os neurônios. Em indivíduos adultos a plasticidade dendrítica é possível apenas por meio de alterações das espinhas dendríticas, que podem variar em número, disposição e comprimento. Considerando que as espinhas dendríticas são estruturas fundamentais para o estabelecimento e consolidação da memória, pode-se deduzir a importância que é dada a este tipo de plasticidade. PLASTICIDADE SOMÁTICA A plasticidade somática pode ser entendida como a capacidadede regular a proliferação ou a morte de células nervosas. Somente o sistema nervoso central embrionário é dotado de tal capacidade, e ele não responde a influências do meio externo. Dessa forma, uma das esperanças na recuperação somática está na utilização de células-tronco. Este tipo de célula pode se diferenciar, constituindo diferentes tecidos no organismo, além de gerar cópias idênticas de si mesmas. Por outro lado, a plasticidade somática é a capacidade de proliferação ou morte de neurônios. Até recentemente, o conhecimento geral que se tinha é de que células nervosas não proliferam nem se regeneram, apesar de células inespecíficas do hipocampo e células de epitélios sensoriais apresentarem tal capacidade. Porém, as células tronco foram trazidas ao conhecimento da população com sua nova capacidade proliferativa. Mesmo que não se tenha ainda total conhecimento de como manipular tal capacidade, o conhecimento das células tronco trouxe consigo a esperança para muitos estudiosos no assunto bem como para indivíduos acometidos por lesões neurológicas centrais PLASTICIDADE AXÔNICA A plasticidade axônica, definida como a capacidade de obter respostas plásticas em axônios não diretamente atingidos por uma lesão ou por um estímulo externo, apresenta um período crítico entre 0 a 2 anos de idade, porém se mantem durante a vida toda do indivíduo. Nas crianças, temos um número enorme de circuitos neuronais durante o período crítico, no entanto se esses circuitos não forem suficientemente estimulados durante seu desenvolvimento, no momento da ‘poda’, os circuitos menos estimulados serão perdidos permanentemente. 14 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS Apesar de não existirem estudos que provem o recrescimento de axônios em indivíduos adultos, um possível exemplo de plasticidade axônica nos adultos são os episódios de síndrome do membro fantasma em indivíduos amputados. Nesses, os axônios das áreas somestésicas corticais vizinhas ao local do silêncio sensorial, ou local de representação do membro amputado, sofrem brotamentos colaterais invadindo a área cortical do membro amputado, gerando um novo local de representação cortical para este neurônio vizinho. Esta invasão pode ser justificada pelo vazio sensorial que a área de representação do membro amputado passa a sofrer após a amputação, justificando a busca do axônio vizinho pelo espaço ‘silencioso’. PLASTICIDADE SINÁPTICA A plasticidade sináptica pode ser considerada um modelo celular e molecular da memória, por possibilitar a habituação e a sensibilização, exemplos de aprendizagem não associativa. Esta aprendizagem pode ser influenciada pelo aumento ou diminuição da liberação de neurotransmissores em determinados circuitos neurais, pela captação diferenciada de neurotransmissores ou pela alteração dos sítios sinápticos. A habituação é o processo de redução temporária da eficácia de transmissão sináptica. Por sua vez, a sensibilização é o processo de ganho temporário de eficácia na transmissão sináptica. PLASTICIDADE REGENERATIVA A plasticidade regenerativa consiste no recrescimento de axônios lesados. Sua ocorrência é maior no sistema nervoso periférico e é facilitada pelas células não neurais que compõem o microambiente dos tecidos. As novas sinapses formadas são funcionantes. NEUROPLASTICIDADE E O EXERCÍCIO O SNC é altamente “plástico” essa característica permanece durante toda a vida, em condições normais ou patológicas. O córtex motor pode reorganizar-se em resposta ao treinamento de tarefas motoras especializadas depois de uma lesão isquêmica localizada. Acredita-se que regiões corticais não lesadas assumam a função perdida da área danificada. O fisioterapeuta irá atuar treinando as funções motoras para prevenir futuras perdas de tecido de áreas corticais adjacentes à lesada, e direcionar o tecido intacto a assumir a função do tecido danificado. • Os exercícios estimulam a sinaptogênese e promover crescimento de espinhos dendríticos no córtex. • O exercício pode então aumentar a neurogênese, a plasticidade sináptica e o aprendizado. O SNC é altamente “plástico” essa característica permanece durante toda a vida, em condições normais ou patológicas. O córtex motor pode reorganizar-se em resposta ao treinamento de tarefas motoras especializadas depois de uma lesão isquêmica localizada. Acredita-se que regiões corticais não lesadas assumam a função perdida da área danificada. O fisioterapeuta irá atuar treinando as funções motoras para prevenir futuras perdas de tecido de áreas corticais adjacentes à lesada, e direcionar o tecido intacto a assumir a função do tecido danificado. • Os exercícios estimulam a sinaptogênese e promover crescimento de espinhos dendríticos no córtex. • O exercício pode então aumentar a neurogênese, a plasticidade sináptica e o aprendizado. A capacidade que a prática de atividades motoras possui para influenciar uma lesão cerebral é complexa devido à dinâmica neurocelular e alterações metabólicas depois de uma lesão, que podem interferir nos efeitos dessas atividades55. Há extensa evidência que o treinamento motor pode induzir a adaptações estruturais e funcionais (plasticidade) em várias áreas motoras incluindo gânglio basal56, cerebelo57 e núcleo rubro58. O treino de tarefas ou habilidades funcionais 15 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS sensibiliza árvores dendríticas que estão repletas de canais sinápticos excitáveis operando em diferentes escalas de tempo, permitindo uma sofisticada plasticidade neural47-60. Isto envolve o LTP e LTD, mecanismos existentes no SNC dos mamíferos24-62. A atividade-dependente pode promover também expressão de fatores neurotróficos, neurogênese, sinaptogênese, modulação pré e pós sináptica, utilização da glicose, alteração do sistema imune e angiogênese16-47,63- 65. Porém os mecanismos moleculares ligados a atividade- dependente que modificam as conexões sinápticas e a reorganização do córtex no cérebro adulto são complexos e não totalmente entendidos66. São conhecidas algumas substâncias como acetilcolina, dopamina, serotonina e mais recentemente o óxido nítrico67 que podem modificar a plasticidade sináptica através da prática de atividades, talvez pela facilitação do NMDA receptor68. Há evidências também que células cerebrais chamadas astrócitos atuem na plasticidade69. Muitos estudos sugerem que a neuroplasticidade atividade-dependente é um mecanismo para a recuperação em resposta ao treinamento23- 41,43,64,70-72, dependente da demanda de tarefas antes de uma simples quantidade de atividade motora36. E mais do que a repetição de movimentos é a manipulação de variáveis específicas da prática como a intensidade e especificidade da tarefa, que maximizarão o potencial da recuperação33-47,73. Essa especificidade de treinamento induz reorganização cortical40, e o número de neurônios e a intensidade das vias neurais envolvidas na tarefa são diretamente relacionadas com a intensidade e frequência da prática da mesma23. É descrito também que um treinamento de força ou resistência isoladas, ou seja, sem estarem envolvidos em uma tarefa específica parece não induzir alterações significantes na reorganização cortical36,74 e que participações ativas (controle motor voluntário) são mais eficientes para promover alterações nas redes neurais do que movimentos passivos14. O aumento dos mecanismos celulares e sinápticos da plasticidade promovidos pelo treino dessas atividades podem contribuir para os efeitos benéficos do enriquecimentomotor, reduzirem a degeneração e promoverem a recuperação da função em cérebros lesionados75. Como pode ser observado em um trabalho no qual ratos que realizaram treino acrobático na roda, em contraste com outros que realizaram simples exercícios motores unilaterais para o membro prejudicado, demonstraram conduzir plasticidade dendrítica e sinaptogênese atividadedependente além da recuperação funcional45-64,76. Nudo também relatou que em primatas o córtex motor primário pode se reorganizar depois da lesão se uma habilidade motora for retreinada4-20,77. Estes resultados sugerem que a reabilitação pelo treino de habilidades depois de uma lesão é necessária para prevenir a piora do quadro clínico78. Os efeitos do treinamento de tarefas motoras sobre a neuroplasticidade também foi encontrado em pesquisas com seres humanos, como em um estudo com 10 pacientes com acidente vascular cerebral (AVC) e paresia em membro superior que receberam 4 semanas de sessões diárias de tratamento com tarefas funcionais e obtiveram melhora nas atividades como rolar na cama, tomar banho, lavar louça, abotoar, entre outras e ativação do córtex primário sensoriomotor, córtex pré motor ipsilateral e contralateral e cerebelo ipisilateral30. Também em um estudo semelhante só que com 8 semanas de tratamento encontrou-se aumento de 20% na melhora da independência funcional, incluindo tarefas motoras finas, discriminação sensorial e performance musculoesquelética, foi observado ainda que a prática de exercícios em casa maximizou a recuperação e os ganhos foram mantidos por 3 meses14. Langhammer e Stanghelle em seu trabalho também obtiveram resultados positivos na recuperação funcional de 61 pacientes que foram tratados por três meses79. Então sessões de reabilitação com rotina diária de exercícios para o membro afetado levam a redução de degeneração secundária e melhora dos resultados do comportamento motor75. Como já descrito neste e em vários artigos é conhecido que a prática de habilidades motoras estimula a remodelagem cortical. Os resultados do estudo de Friel80 indicou que a adicional perda da representação da mão acontece a não ser que animais recebam treinamento de habilidades na mão prejudicada31. Um grupo de pacientes que recebeu fisioterapia por um período entre 4 e 8 semanas por uma hora e meia demonstrou que a atividade-dependente aumentou as áreas de representação corticais e melhorou a função motora23,81. Experiências com gatos adultos depois de lesão medular que receberam treinamento específico do andar, obtiveram como resultado melhora na performance do caminhar36-83. Pacientes que sofreram lesão C7 e C8 tiveram expansão da representação da área do braço na direção da representação da mão depois do tratamento27. Portanto ambos estudos sugerem que há algum grau de plasticidade atividade-dependente na medula espinhal e mais especificamente nos mecanismos do controle 16 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS locomotor36-83. Durante a reorganização dos circuitos medulares depois da lesão, o que determinará se haverá a dependência em membros superiores ou inferiores, é a frequência dos modelos de atividades nos circuitos sensoriomotores experiência-específica. Por exemplo, a repetição de uma performance de uma tarefa motora, semelhante a subir um degrau, por um período de semanas aumenta a probabilidade de completo sucesso na tarefa36,83. A quantidade de treinamento motor induz alterações biomecânicas e eletrofisiológicas na medula espinhal que são associadas com melhora da performance motora depois da lesão. TDAH A característica essencial do TDAH é um padrão persistente de desatenção e/ou de hiperatividade, mais freqüente e em maior grau do que tipicamente observado nos indivíduos com nível equivalente de desenvolvimento. Alguns dos sintomas que causam prejuízo devem estar presentes antes dos sete anos de idade e devem também ser observados em, pelo menos, dois contextos (por ex., na escola e em casa). Deve haver sempre claras evidências de interferência nos funcionamentos social, acadêmico ou ocupacional3 . Outro sintoma observado com freqüência no TDAH é a impulsividade, manifestada por impaciência, dificuldade em aguardar sua vez, responder precipitadamente antes das perguntas terem sido completadas ou interromper freqüentemente os assuntos dos outros. Alteração da sociabilidade, labilidade emocional, baixa tolerância às frustrações, baixa auto-estima e comportamento desafiador são outras características, referidas como comorbidades do TDAH, que podem estar associadas nesses indivíduos4. As realizações acadêmicas, em geral, estão prejudicadas e são insatisfatórias, tipicamente ocasionando conflitos com a família e autoridades escolares5. Muitos pacientes apresentam também transtorno psicomotor caracterizado por uma incoordenação motora (apraxia), sendo classificados pelos familiares como desastrados, além de poderem apresentar distúrbio da fala e alterações do processamento auditivo. ETIOLOGIA Apesar do grande número de estudos já realizados, as causas precisas do TDAH ainda não são conhecidas. Entretanto, a influência de fatores genéticos e ambientais no seu desenvolvimento é amplamente aceita na literatura10. A contribuição genética é substancial; assim como ocorre na maioria dos transtornos psiquiátricos, acredita-se que vários genes de pequeno efeito sejam responsáveis por uma vulnerabilidade (ou suscetibilidade) genética ao transtorno, à qual somam-se diferentes agentes ambientais. Desta forma, o surgimento e a evolução do TDAH em um indivíduo parece depender de quais genes de suscetibilidade estão agindo, de quanto cada um deles contribui para a doença (ou seja, qual o tamanho do efeito de cada um) e da interação desses genes entre si e com o ambiente11. Embora caracterizado por sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade, o TDAH é uma patologia bastante heterogênea, pelo menos no nível fenotípico. Provavelmente, casos diversos com fenomenologias particulares (heterogeneidade clínica) também apresentam heterogeneidade etiológica FATORES AMBIENTAIS Agentes psicossociais que atuam no funcionamento adaptativo e na saúde emocional geral da criança, como desentendimentos familiares e presença de transtornos mentais nos pais, parecem ter participação importante no surgimento e manutenção da doença, pelo menos em alguns casos13. Biederman et al.14 encontraram uma associação positiva entre algumas adversidades psicossociais (discórdia marital severa, classe social baixa, família muito numerosa, criminalidade dos pais, psicopatologia materna e colocação em lar adotivo) e o TDAH. A procura pela associação entre TDAH e complicações na gestação ou no parto tem resultado em conclusões divergentes, mas tende a suportar a idéia de que tais complicações (toxemia, eclâmpsia, pós-maturidade fetal, duração do parto, estresse fetal, baixo peso ao nascer, hemorragia pré-parto, má saúde materna) predisponham ao transtorno13. Recentemente, Mick et al.15 documentaram uma associação significativa entre exposição a fumo e álcool durante a gravidez e a presença de TDAH nos filhos, a qual se manteve mesmo após controle para psicopatologia familiar (incluindo TDAH), adversidades sociais e comorbidade com transtorno de conduta. Outros fatores, como danos cerebrais perinatais no lobo frontal, podem afetar processos de atenção, motivação e planejamento, relacionando-se 17 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS indiretamente com a doença16. É importante ressaltar que a maioria dos estudos sobre possíveis agentes ambientais apenas evidenciaram uma associação desses fatores com o TDAH, não sendo possível estabelecer uma relação clara de causa e efeitoentre eles. FATORES GENÉTICOS Uma contribuição genética substancial no TDAH é sugerida pelos estudos genéticos clássicos. Numerosos estudos de famílias já foram realizados com o TDAH, os quais mostraram consistentemente uma recorrência familial significante para este transtorno. O risco para o TDAH parece ser de duas a oito vezes maior nos pais das crianças afetadas do que na população em geral13. Todas as evidências obtidas nos estudos com famílias não excluem, porém, a possibilidade de que a transmissão familial do TDAH tenha origem ambiental. Nesse sentido, os estudos com gêmeos e adotados são fundamentais para determinar se uma característica é de fato influenciada por fatores genéticos. A concordância obtida entre os pares de gêmeos nada mais é do que uma medida da herdabilidade, que, por sua vez, representa uma estimativa de qual porção do fenótipo é influenciada por fatores genéticos11. A maioria dessas investigações encontrou grande concordância para esta patologia, significativamente maior entre gêmeos monozigóticos do que entre dizigóticos. A herdabilidade estimada é bastante alta, ultrapassando 0,70 em vários destes estudos, o que sugere uma forte influência genética11. Evidências mais fortes da herdabilidade do TDAH são fornecidas pelos estudos com adotados, uma vez que estes conseguem distinguir melhor efeitos genéticos de efeitos ambientais. Pesquisas iniciais com adotados encontraram uma freqüência significativamente maior de TDAH entre os pais biológicos de crianças afetadas do que entre os pais adotivos11. Uma prevalência de cerca de três vezes mais TDAH entre pais biológicos de pacientes comparados a pais adotivos também foi observada recentemente17. Essa maior prevalência de TDAH entre os parentes biológicos em relação aos parentes adotivos dos probandos confirma a existência de importantes fatores genéticos contribuindo para a etiologia do transtorno. O sistema dopaminérgico vem sendo o foco da maioria dos estudos moleculares com o TDAH. O gene do transportador de dopamina (DAT1) foi o candidato inicial para essas investigações, visto que a proteína transportadora é inibida pelos estimulantes usados no tratamento do TDAH19. O primeiro relato de associação do gene DAT1 com a doença foi feito por Cook et al.20. Esses autores investigaram um polimorfismo de número variável de repetições em tandem (VNTR) localizado na região 3’ do gene. Através do método risco relativo de haplótipos (HRR), foi detectada uma associação com o alelo de 480 pb (pares de base), que corresponde a 10 cópias da unidade de repetição de 40 pb (alelo 10R). Posteriormente, vários estudos tentaram replicar essa associação. Embora existam alguns relatos negativos, a maioria das investigações conseguiu detectar um efeito do gene DAT1 no TDAH. O efeito estimado para o gene DAT1 é bastante pequeno, com uma razão de chances variando de 1,6 a 2,821. Outro gene do sistema dopaminérgico intensamente investigado neste transtorno é o gene do receptor D4 de dopamina (DRD4). O grande interesse por este gene surgiu a partir da observação de sua associação com a dimensão de personalidade busca de novidades, provavelmente relacionada ao TDAH22. Além disso, o produto deste gene concentra-se em áreas do cérebro cujas funções estão prejudicadas na doença23,24. O principal polimorfismo investigado no gene DRD4 é um VNTR de 48 pb, localizado no éxon 3, região que supostamente codifica um domínio funcional importante da proteína12. LaHoste et al.25 foram os primeiros a detectar a associação deste gene com o TDAH. O alelo com sete cópias da unidade de repetição de 48 pb (alelo 7R), o mesmo relacionado com a dimensão busca de novidades, foi sugerido como alelo de risco. Embora muitas investigações posteriores tenham replicado a associação com o gene DRD4, os resultados são controversos. Uma meta- análise recente26 sugeriu uma razão de chances combinada de 1,4 para os estudos baseados em famílias e de 1,9 para os estudos que utilizaram controles populacionais. Praticamente todos os demais genes conhecidos do sistema dopaminérgico já foram objeto de estudos de associação com o TDAH, incluindo genes que codificam os receptores D2, D3 e D5, e genes de enzimas relacionadas ao metabolismo da dopamina12. Destes, o mais promissor parece ser o gene do receptor D5 de dopamina (DRD5). Lowe et al.27 conduziram uma análise conjunta de amostras de 12 centros de pesquisa, documentando um efeito pequeno, mas significativo (razão de chances = 1,24; p < 0,001) para o gene DRD5 no TDAH combinado e com predominância de desatenção. Entretanto, o número de investigações para a maioria desses marcadores é ainda bastante reduzido, o que impede conclusões definitivas. 18 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS NEUROBIOLOGIA Os dados sobre o substrato neurobiológico do TDAH são derivados dos estudos neuropsicológicos, de neuroimagem e de neurotransmissores. Embora pareça consenso que nenhuma alteração em um único sistema de neurotransmissores possa ser responsável por uma síndrome tão heterogênea quanto o TDAH, os estudos indicam principalmente o envolvimento das catecolaminas, em especial da dopamina e noradrenalina. Uma revisão mais ampla sobre o assunto pode se encontrada em Rohde & Riesgo36. É sabido que o processo neuromaturacional do encéfalo tem uma progressão póstero-anterior, ou seja, primeiro, mieliniza-se a região da visão, cuja janela maturacional se abre próximo do nascimento e se fecha em torno dos 2 anos de idade. Por último, mielinizam-se as áreas anteriores. Por isso, do ponto de vista neuroevolutivo, é aceitável certo nível de hiperatividade pura em crianças sem lesão até aproximadamente os 4 a 5 anos de idade, visto que a região pré-frontal, onde está o freio motor, só completa seu ciclo mielinogenético nesta faixa etária37. Assim, um estudo recente de neuroimagem estrutural evidenciou que a trajetória neuroevolutiva de aumento dos volumes intracerebrais das crianças com TDAH segue um curso paralelo ao das sem o transtorno, porém sempre com volumes significativamente menores, o que sugere que os eventos que originaram o quadro (influências genéticas ou ambientais) foram precoces e não-progressivos. As diferenças entre casos e controles não pareceram relacionadas ao uso de medicações psicoestimulantes38. Uma das primeiras teorias anatomofuncionais propostas para tentar explicar a neurobiologia do TDAH descrevia disfunções na áreas frontais e suas conexões subcorticais no sistema límbico. Portanto, no princípio, só havia um sistema atencional, e o TDAH era entendido como um fraco controle inibitório frontal sobre as estruturas límbicas. No entanto, a teoria de um único centro atencional apesar de bem comprovada por estudos neuropsicológicos, de neuroimagem funcional e de neurotransmissores pode explicar alguns casos do TDAH, mas não todos. A visão anatomofuncional mais abrangente e completa deve incluir uma circuitaria neural com dois sistemas atencionais: um anterior, que parece ser dopaminérgico e envolve a região pré-frontal e suas conexões subcorticais (responsável pelo controle inibitório e funções executivas, como a memória de trabalho), e outro posterior, primariamente noradrenérgico (responsável pela regulação da atenção seletiva)36. O locus ceruleus também desempenha importante papel na atenção, é constituído basicamente só de neurônios adrenérgicos e se torna muito ativo em resposta a estímulos específicos39. Apesar da importância das funções dos dois sistemas atencionais na neurobiologia do TDAH, ainda são muito escassas as demonstrações diretas das suas relações recíprocas no transtorno. Levy & Farrow40 revisaram as conexões pré-fronto-parietais, que ligam o sistema atencional anterior ao posterior e são o suporteanatomofuncional para a memória de trabalho. DIAGNÓSTICO QUADRO CLÍNICO A tríade sintomatológica clássica da síndrome caracteriza-se por desatenção, hiperatividade e impulsividade. Independentemente do sistema classificatório utilizado, as crianças com TDAH são facilmente reconhecidas em clínicas, escolas e em casa. A descrição dos sintomas nas três dimensões pode ser visualizada na Tabela 1 (critérios diagnósticos da DSM-IV). É importante salientar que a desatenção, a hiperatividade ou a impulsividade como sintomas isolados podem resultar de muitos problemas na vida de relação das crianças (com os pais e/ou colegas e amigos), de sistemas educacionais inadequados, ou podem estar associados a outros transtornos comumente encontrados na infância e adolescência. Portanto, para o diagnóstico do TDAH, é sempre necessário contextualizar os sintomas na história de vida da criança. Algumas pistas que indicam a presença do transtorno são: → Duração dos sintomas de desatenção e/ou hiperatividade/impulsividade. Normalmente, crianças com TDAH apresentam uma história de vida desde a idade préescolar com a presença de sintomas, ou, pelo menos, um período de vários meses de sintomatologia intensa. → Freqüência e intensidade dos sintomas. Para o diagnóstico de TDAH, é fundamental que pelo menos seis dos sintomas de desatenção e/ou seis dos sintomas de hiperatividade/impulsividade descritos acima estejam presentes freqüentemente (cada um dos sintomas) na vida da criança. → Persistência dos sintomas em vários locais e ao longo do tempo. Os sintomas de desatenção e/ou hiperatividade/ impulsividade precisam ocorrer em vários ambientes da 19 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS vida da criança (por exemplo, escola e casa) e manter-se constantes ao longo do período avaliado. Sintomas que ocorrem apenas em casa ou somente na escola devem alertar o clínico para a possibilidade de que a desatenção, hiperatividade ou impulsividade possam ser apenas sintomas de uma situação familiar caótica ou de um sistema de ensino inadequado. Da mesma forma, flutuações de sintomatologia com períodos assintomáticos não são características do TDAH. → Prejuízo clinicamente significativo na vida da criança. Sintomas de hiperatividade ou impulsividade sem prejuízo na vida da criança podem traduzir muito mais estilos de funcionamento ou temperamento do que um transtorno psiquiátrico. → Entendimento do significado do sintoma. Para o diagnóstico de TDAH, é necessária uma avaliação cuidadosa de cada sintoma, e não somente a listagem de sintomas. Por exemplo, uma criança pode ter dificuldade de seguir instruções por um comportamento de oposição e desafio aos pais e professores, caracterizando muito mais um sintoma de transtorno opositor desafiante do que de TDAH. É fundamental verificar se a criança não segue as instruções por não conseguir manter a atenção durante a explicação das mesmas. Em outras palavras, é necessário verificar se o sintoma supostamente presente correlaciona-se com o constructo básico do transtorno, ou seja, déficit de atenção e/ou dificuldade de controle inibitório3. A apresentação clínica pode variar de acordo com o estágio do desenvolvimento. Sintomas relacionados à hiperatividade/impulsividade são mais freqüentes do que sintomas de desatenção em pré-escolares com TDAH. Como uma atividade mais intensa é característica de pré-escolares, o diagnóstico de TDAH deve ser feito com muita cautela antes dos 6 anos de vida. É por isso, entre outras razões, que o conhecimento do desenvolvimento normal de crianças é fundamental para a avaliação de psicopatologia nessa faixa etária. A literatura indica que os sintomas de hiperatividade diminuem na adolescência, restando, de forma mais acentuada, os sintomas de desatenção e de impulsividade. TIPOS DE TDAH O DSM-IV subdivide o TDAH em três tipos, quais sejam: a) TDAH com predomínio de sintomas de desatenção; b) TDAH com predomínio de sintomas de hiperatividade/impulsividade; c) TDAH combinado5. O tipo com predomínio de sintomas de desatenção é mais freqüente no sexo feminino e parece apresentar, conjuntamente com o tipo combinado, uma taxa mais elevada de prejuízo acadêmico. As crianças com TDAH com predomínio de sintomas de hiperatividade/impulsividade são, por outro lado, mais agressivas e impulsivas do que aquelas com que os outros dois tipos e tendem a apresentar altas taxas de impopularidade e de rejeição pelos colegas. O tipo combinado apresenta um maior prejuízo no funcionamento global quando comparado aos dois outros grupos. EVOLUÇÃO Antigamente, acreditava-se que todas as crianças com o transtorno superavam os sintomas (amadureciam) com a chegada da puberdade. Entretanto, estudos prospectivos recentes que seguiram crianças com TDAH mostram uma persistência do diagnóstico em até cerca de 70-80% dos casos na adolescência inicial a intermediária53,54. Estimativas conservadoras documentam que cerca de 50% dos adultos diagnosticados como tendo TDAH na infância seguem apresentando sintomas significativos associados a prejuízo funcional. Ao longo do desenvolvimento, diminui a hiperatividade, restando freqüentemente déficits atencionais e impulsividade, especialmente cognitiva (agir antes de pensar)54. Ao longo do desenvolvimento, o TDAH está associado com um risco aumentado de baixo desempenho escolar, repetência, expulsões e suspensões escolares, relações difíceis com familiares e colegas, desenvolvimento de ansiedade, depressão, baixa auto-estima, problemas de conduta e delinqüência, experimentação e abuso de drogas precoces, acidentes de carro e multas por excesso de velocidade, assim como dificuldades de relacionamento na vida adulta, no casamento e no trabalho24. Entretanto, como já foi mencionado, parte dessa evolução pode estar associada à presença da comorbidade com transtorno de conduta, e não só ao TDAH. 20 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS
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