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Professor(a), a Neurociência é um campo de estudo multidisciplinar do conhecimento que busca investigar o funcionamento do sistema nervoso a fim de compreender as bases biológicas do comportamento. Interessa-se por questões que perpassam o desenvolvimento deste sistema nervoso, suas principais estruturas e a forma pela qual é possível relacionar tais aspectos com a expressão dos nossos comportamentos e emoções, nosso funcionamento cognitivo, tanto em condições normais quanto em condições patológicas. O sistema nervoso central (SNC), em especial, nosso cérebro, representa uma das estruturas que mais fascina e intriga os neurocientistas e pesquisadores da área. Desvendar questões relacionadas a como o cérebro funciona, se desenvolve e se organiza a fim de possibilitar processos cognitivos complexos e expressões emocionais e comportamentais ainda representa um dos grandes mistérios da atualidade. Considera-se, assim, que uma das últimas fronteiras no campo das Neurociências a serem superadas refere-se às investigações do cérebro, desde seus aspectos estruturais e funcionais até os processos que perpassam o funcionamento da mente humana. Tudo isso nos leva, consequentemente, a uma melhor compreensão acerca da manifestação dos nossos comportamentos e, entre eles, o desenvolvimento das nossas aprendizagens, tornando possível ligar o que ocorre em níveis genéticos e biológicos com aquilo que fazemos, sentimos, pensamos ou aprendemos. A denominada “genética do comportamento” apresenta-se como uma das revoluções da Neurociência moderna. A chamada Neuroeducação é um subcampo das neurociências que irá buscar integrar tais conhecimentos a fim de melhor compreender os processos que perpassam o aprendizado, a memória e o próprio neurodesenvolvimento. Diferentes áreas do conhecimento contribuem para o campo da Neuroeducação, como a Psicologia, a Pedagogia, a Psicopedagogia, a Educação e a própria Neurociência. Portanto, um dos principais objetivos a serem alcançados por esta área de estudo é o de proporcionar conhecimento e base científica aos educadores para que possam desenvolver métodos de ensino e aprendizagem, assim como estruturar planos pedagógicos e currículos mais eficientes e capazes de estimular as potencialidades dos indivíduos, sejam eles crianças, adolescentes ou adultos. Isso inclui indivíduos com condições típicas e atípicas do desenvolvimento do cérebro. Neste sentido, a interface que se constrói entre a neurociência e a Educação oferece fundamentos para as práticas pedagógicas, incentivando investigações e proposições de estratégias de ensino-aprendizagem que possam ser mais eficientes de acordo com a maneira pela qual o nosso cérebro funciona e aprende. Como aprendizagem, podemos entender todos os processos pelos quais competências, habilidades e conhecimentos, comportamentos e valores são adquiridos ou modificados como resultado de estudo, experiência, formação, raciocínio e observação. Podemos considerar que o processo educacional perpassa aquilo que ocorre em nosso cérebro, mais especificamente, nos nossos neurônios, os quais representam o principal componente do SNC. São os processos e o funcionamento dos nossos neurônios que dão base para o aprendizado, a memória e as capacidades de raciocínio, resolução de problemas e tomada de decisão. Essa representa uma das descobertas mais fascinantes do campo das neurociências aplicadas aos diferentes contextos, como a educação. A forma como as alterações bioquímicas que ocorrem internamente nos nossos neurônios estão associadas à aprendizagem e ao armazenamento. Segundo o pesquisador Eric Kandel, vencedor do prêmio Nobel de Medicina, no livro de referência de sua coautoria, “Principles of Neural Science” ([1981]2021) Isto nos leva a pensar que estamos diante de um momento importante de avanço dos conhecimentos sobre o cérebro humano que permite repensarmos práticas aplicadas à educação. O avanço científico e tecnológico da área tem tornado possível estabelecer relações entre processos biológicos e a expressão dos nossos comportamentos, sendo capaz, inclusive, de explicar as origens dos transtornos neuropsiquiátricos e do seu desenvolvimento por meio de atividades intrínsecas ou de base genética, compreendendo sua interação com experiências e influências ambientais. Sabe-se que, para a Neurociência, o ambiente possui um papel importante para a estimulação e o desenvolvimento dos indivíduos. A interação das nossas bases genética e biológica, ou seja, aquilo que é programado e esperado para manifestarmos com base no nosso DNA, em combinação com estímulos ambientais e experiências ao longo da vida revela-se determinante para a nossa trajetória de desenvolvimento. Fatores como experiências parentais, educacionais, nutricionais e sociais são sugeridos como fortes preditores de um adequado desenvolvimento do cérebro. A falha ou o não atendimento de necessidades básicas em períodos iniciais do desenvolvimento — como por exemplo afeto, carinho, segurança e estabilidade — pode reprogramar o curso e os processos de formação do nosso cérebro (alterando estruturas e seu funcionamento) e conduzir a prejuízos psicológicos e cognitivos significativos. Evidências já indicam que exposição a experiências adversas e estressoras na infância e, também, na adolescência estão associadas a baixos níveis de inteligência (avaliado através de testes de QI), problemas escolares de aprendizagem e desempenho, além de aumentarem o risco de manifestação de distúrbios emocionais e comportamentais. Vamos ter a oportunidade de aprender um pouco mais sobre isso quando falarmos em estresse e neurodesenvolvimento, abordando de que forma tal relação interfere nos processos de aprendizagem e memória. Neste sentido, dentro de uma perspectiva da Neuroeducação, podemos considerar que vocês, educadores, formam um dos pilares ambientais mais importantes para o desenvolvimento humano. Isto faz com que se apresente uma crescente demanda de integração do conhecimento a fim de planejar estratégias pedagógicas que possam estar alinhadas com as experiências e a trajetória de vida dos indivíduos ao longo do seu processo de formação e desenvolvimento. Possuímos um papel central para este cérebro em desenvolvimento, especialmente durante os primeiros anos de vida. Para que isso ocorra, precisamos pensar que as nossas práticas do futuro devem ser capazes de construir estratégias que se alinhem ao funcionamento do cérebro na busca de melhores resultados. No entanto, vocês devem estar se perguntando: ● Como é possível que nossas aprendizagens tenham como base o funcionamento dos nossos neurônios? ● Será que é possível que nossas memórias estejam armazenadas em padrões de atividade neuronal? ● O que faz com que crianças e adolescentes tenham diferenças em relação à facilidade com que aprendem ● certos conteúdos em comparação com outros, para os quais apresentam maiores dificuldades? ● Quais seriam as estratégias de aprendizagem adequadas a fim de facilitar os processos de ensino e aprendizagem, considerando-se o funcionamento do cérebro? ● Qual é a influência de fatores psicossociais e parentais em tais processos, para além da atuação do educador? Estas são algumas questões da rotina do professor em sala de aula, várias delas ainda sem, necessariamente, uma resposta única ou concreta. Porém, o caminho do conhecimento para a busca de tais entendimentos está sendo cada vez mais bem explorado pelo campo da Neurociência. Denota-se uma grande necessidade do estabelecimento de uma via de mão dupla na comunicação entre neurocientistas e educadores, pois os primeiros possuem um conhecimento sobre o funcionamento do cérebro e os mecanismos subjacentes aos processos cognitivos, enquanto os últimos estão envolvidos nos problemas práticos do dia a dia que se relacionam diretamente com os processos de ensino-aprendizagem. Isso tem atraído diversos educadores a buscarem formações continuadas na área das Neurociências. Percebe-se um crescente interesse por parte deste público e uma maior participaçãoem cursos da área, incluindo formações de extensão e pós-graduação. A proposta deste curso formativo é exatamente esta: ser capaz de conduzir os educadores de diferentes etapas do ensino básico nacional (Ensino Infantil, Fundamental I e II, Médio e Educação de Jovens e Adultos) na aquisição de conhecimentos sobre o funcionamento do SNC e das diferentes regiões que o compõem e, finalmente, no reconhecimento de como os processos cognitivos que permitem o desenvolvimento das nossas aprendizagens podem ser aplicados em condições reais do cotidiano a fim de alinhar novas estratégias e práticas educacionais. Assim, espera-se que tais respostas possam ser, ao menos em parte, respondidas ao longo do curso, ainda que se saiba, hoje, que nem mesmo a Neurociência é capaz de oferecer todas as respostas. Muitos questionamentos acerca do funcionamento do cérebro humano ainda precisam ser respondidos. Isso demanda um maior número de pesquisas nas diferentes áreas de estudo do cérebro, assim como na própria educação. O papel do educador em levantar questionamentos e elucidar demandas e problemas práticos de sala de aula, a partir de suas observações empíricas no campo, torna-se essencial para o desenvolvimento das pesquisas que buscam melhor compreender como nossos cérebros se organizam e respondem aos estímulos e desafios apresentados, contribuindo na construção das nossas aprendizagens. Para iniciarmos nossa reflexão sobre a importância de conhecermos mais sobre a relação entre neurociência e Educação, sugerimos que você assista a dois vídeos. O primeiro deles da neuroeducadora belga Veerle Ponnet apresenta e traz algumas considerações a respeito de como o conhecimento básico da Neurociência aplicada à Educação deve fazer parte de todas as etapas do desenvolvimento escolar e educacional. https://www.youtube.com/watch?v=NmAuawoYnUk O segundo vídeo refere-se a uma live gravada pelo professor e neurocientista Dr. Ramon M. Consenza acerca da compreensão da Neurociência e da Educação para o mundo contemporâneo: https://www.youtube.com/watch?v=jetBAJdYe8I É importante considerar que este não é um curso com o intuito de responder de forma única e concreta todos os questionamentos levantados pela área da Educação e nem de oferecer respostas prontas e limitadas apenas a determinadas estratégias de aplicação, no que se refere às práticas de sala de aula. Isso porque vamos passar a compreender que os nossos cérebros são únicos e distintos, ou seja, nem sempre estratégias que se mostrem eficientes para alguns cérebros em desenvolvimento serão para os demais. Desenvolver uma visão ampliada, que contemple mais que os aspectos que envolvem a aprendizagem e aquisição de conhecimentos nas diferentes disciplinas, torna-se fundamental para o adequado desenvolvimento psicossocial das crianças e adolescentes, minimizando possíveis desfechos negativos na vida adulta. Cada vez mais se mostra importante atentar para aspectos emocionais que podem interferir significativamente no curso das aprendizagens nos anos escolares. O conteúdo aqui apresentado, portanto, irá introduzir você, educador(a), em conceitos básicos da área da Neurociência a partir de evidências científicas de estudos nacionais e internacionais que contribuem para https://www.youtube.com/watch?v=NmAuawoYnUk https://www.youtube.com/watch?v=jetBAJdYe8I estimular reflexões sobre as práticas educacionais em nosso país. A formação integral do indivíduo é parte das responsabilidades e objetivos que a escola possui, não estando limitada apenas ao ensino e desenvolvimento de conhecimentos de materiais como língua portuguesa, matemática, história e geografia. A própria Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018) sugere que possam ser trabalhados na educação aspectos cognitivos, emocionais e sociais. Aliás, muito se fala hoje no desenvolvimento das capacidades socioemocionais das crianças e adolescentes. Fazer com que a educação contribua para além da aquisição de conhecimentos a partir das disciplinas básicas passa a ser uma das missões de professores e educadores. Formar jovens cidadãos com habilidades sociais, inteligência emocional, pensamento criativo, educação financeira, capacidade de raciocínio, resolução de problemas e tomada de decisão passa a ser um dos grandes desafios da educação na contemporaneidade. Para atender estas demandas, preocupamo-nos com a formação dos educadores e em prepará-los para melhor compreender e lidar com as necessidades das crianças e adolescentes. É importante retornarmos a propostas e ideias de autores expoentes e estudiosos do desenvolvimento humano que, em suas teorias e propostas, contribuíram significativamente para a formação das práticas educacionais. Pode-se citar aqui Piaget, Montessori, Steiner, Erikson, Dewey, Elkind, Freud, Gardner, entre outros. As proposições teóricas e práticas de tais autores, aliadas ao entendimento de como o cérebro funciona e se desenvolve ao longo da infância e adolescência, serão fundamentais para a renovação de discursos e práticas educacionais. Prestar uma maior atenção nas necessidades básicas dos indivíduos ao longo de sua formação e considerar diferenças existentes entre os aspectos biopsicossociais das crianças, adolescentes, jovens e adultos conduzirá a adequação de práticas educacionais mais sensíveis e eficazes. Conceitos básicos em Neurociência: a estrutura do Sistema Nervoso Central (SNC) e seu funcionamento Professor(a), para iniciarmos nosso processo de formação nas Neurociências, precisamos entender melhor como nosso cérebro funciona e como, a partir disso, torna-se possível a ocorrência dos nossos comportamentos e aprendizagens. Assim, iniciaremos esse subtópico do Módulo I com uma visão geral do nosso cérebro, suas divisões e respectivas funções e, por fim, aumentaremos o “zoom” a fim de visualizarmos e compreendermos as propriedades dos nossos neurônios, a unidade básica do sistema nervoso central. Além disso, iremos entender de que forma nossos neurônios se comunicam e integram toda a informação que é processada em nosso cérebro. Nossa viagem na história do estudo do cérebro parte da descoberta do neurônio, na metade final do século XIX, principalmente a partir dos trabalhos de dois importantes nomes para a Neurociência: Camillo Golgi e Santiago Ramón y Cajal. Ambos tinham em comum o interesse em estudar a célula nervosa e, por meio do desenvolvimento e utilização de uma técnica específica — coloração por nitrato de prata —, foram capazes de representar nossos neurônios, bem como ilustrar como seriam formadas as redes neurais. Figura 1. À direita, duas células piramidais do córtex cerebral de um gato, coradas pelo método de Golgi; à esquerda, células piramidais corticais coradas pelo azul de metileno, usado por Cajal para demonstrar a presença das espinhas dendríticas Fonte: Sallet (2009). Golgi, inicialmente, identificou que os neurônios são constituídos de pelo menos duas partes: da região central (corpo celular) e de prolongamentos que irradiam a partir desta, os neuritos. Em suas representações, Golgi defendia que os neurônios se comunicavam continuamente, formando uma rede nervosa, o que ficou conhecido como Teoria Reticular. Santiago Ramón y Cajal, embora fizesse uso da técnica de coloração de Golgi para estudar o neurônio, defendia algumas ideias um pouco diferentes. Ele concordava em relação à constituição geral dos neurônios, porém acreditava que a maneira como os neurônios se organizavam era distinta. Defendia que não havia ligações contínuas, mas que os neurônios deveriam se comunicar através de um contato descontínuo, ficando esta ideia conhecida como Doutrina Neuronal. De toda forma, ainda que ambos discordassem no que diz respeito à sua visão da estrutura do sistema nervoso central, foram agraciados com o prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 1906 por suas descobertas. Algum tempo depois, outro estudioso, Sherrington, foi capaz de desvendar o motivo de desacordo entre ambos os pesquisadores, sugerindo que o espaço vazio existente entre os neurôniosse referia à sinapse, que seria uma espécie de separação funcional contribuindo para o funcionamento e comunicação dos neurônios, exercendo atividades regulatórias para o processo de transmissão de estímulos no sistema nervoso. Foi também Sherrington que propôs que as sinapses poderiam apresentar funções excitatórias ou inibitórias, o que discutiremos em mais detalhes mais adiante neste módulo. Percorrendo essa contextualização histórica acerca da descoberta dos neurônios e de suas divisões anatômicas e funcionais, chegamos aos dias de hoje. Atualmente, entende-se que os neurônios correspondem à unidade básica do SNC. São células excitáveis de comunicação, com propriedades químicas e elétricas. Possuem diferentes formatos e tamanhos e estão localizados em diferentes regiões do nosso cérebro. Essas características distintas definem suas funções, bem como representam importantes aspectos a serem considerados para o entendimento dos nossos comportamentos, como, por exemplo, a maneira como nossas aprendizagens e memórias são formadas ou como controlamos nossos movimentos e ações. A seguir, você pode visualizar uma representação geral de um neurônio. Figura 2. Representação geral de um neurônio Fonte: Nossa autoria (2023). Como vocês podem observar na Figura 2, existem três regiões principais nas quais podemos dividir o neurônio: os dendritos, o corpo celular (ou soma) e o axônio. Os dendritos juntamente ao corpo celular compõem a chamada zona somatodendrítica, que possui a função de receber a informação ou o estímulo neuroquímico. Na zona somática, logo abaixo, temos o corpo celular ou soma, o qual é responsável por integrar e codificar os sinais neuroquímicos, processo que ocorre principalmente no núcleo da célula do neurônio, onde está localizado o DNA da célula. Por fim, a zona axônica representa a região na qual ocorre a codificação, propagação e vazão do sinal eletroquímico. São células excitáveis do SNC responsáveis por receber e transmitir estímulos (impulsos nervosos) por meio de modificações entre os potenciais elétricos da membrana celular. São capazes de estabelecer conexões entre si, formando redes neurais. Estima-se que cada neurônio é capaz de estabelecer entre cem e dez mil conexões. Os neurônios caracterizam-se por uma divisão estrutural composta por três principais partes: os dendritos, o soma e o axônio. A célula do neurônio é separada do meio externo por meio de uma membrana, chamada de membrana neuronal. Cada uma das regiões apresenta funções específicas que se encontram descritas abaixo: compreendem a região do neurônio que possui função de recepção do estímulo, como uma espécie de antena receptora. Os dendritos recebem sinais de outros neurônios, processando e codificando estas informações para, então, serem conduzidas até o corpo celular. Formam verdadeiras árvores dendríticas, pois apresentam várias ramificações, sendo cobertos por espinhos dendríticos que funcionam como uma espécie de ponto de recepção e contato do neurônio. Interessantemente, esses espinhos respondem aos estímulos ambientais, podendo aparecer ou desaparecer, conforme a intensidade da atividade naquela região. Isso confere uma capacidade neuroplástica (que discutiremos mais à frente) a esta região, tornando-a responsiva às influências ambientais, como por exemplo os estímulos e desafios gerados durante os processos de aprendizagem. refere-se à região central do corpo celular, sendo composta pelo citosol e envolta pela membrana neuronal. É no soma que se encontram as estruturas denominadas de organelas, sendo a principal delas — e de maior interesse para os estudos no campo da Neurociência — o núcleo. No núcleo é que está localizado o material genético — o DNA — da célula do neurônio. É nessa região que ocorrem diversos processos biomoleculares que envolvem a transcrição da informação gênica que, posteriormente, será utilizada para a síntese e produção de proteínas. compreende a região do neurônio que possui a função de propagação e transmissão do impulso nervoso, ou seja, é o local onde ocorre a transferência da informação. O axônio inicia-se no chamado cone de implantação, localizado na sequência do soma. Assemelha-se a um fio (como uma espécie de prolongamento) condutor, percorrendo, em alguns casos, longas distâncias no sistema nervoso. Ele possui ramificações, formando os denominados colaterais axonais. Nas suas terminações, os axônios formam a região pré-sináptica, conectando-se a outros neurônios (ou outras células que não nervosas). Nesta região são liberados os neurotransmissores, os quais se ligam a receptores específicos localizados nos neurônios ou células adjacentes. O formato do neurônio, finalmente, é definido pelo seu citoesqueleto. O citoesqueleto tem função de manter a estrutura do neurônio, além de ser responsável por mediar o trânsito intracelular das substâncias existentes ou produzidas pelo próprio neurônio. O citoesqueleto é composto por proteínas filamentosas: os microtúbulos, a actina e os neurofilamentos. A degeneração ou perda desta estrutura é capaz de causar danos irreparáveis no funcionamento dos neurônios, como ocorre nos processos neurodegenerativos, a exemplo das demências, tais qual a doença de Alzheimer. O local onde ocorre o ponto de contato entre dois neurônios chama-se sinapse (Figura 3). É na sinapse que serão liberadas as substâncias também conhecidas como neurotransmissores. Esses neurotransmissores são produzidos e sintetizados pelos próprios neurônios, por meio da atividade genética que ocorre a partir da ativação e desativação dos nossos genes em resposta aos estímulos gerados. Vamos discutir mais sobre o que ocorre nas sinapses e, também, conhecer mais a respeito dos neurotransmissores a seguir. Figura 3. Representação da sinapse A sinapse refere-se ao ponto de ligação — contato — entre dois neurônios. É nesta região que ocorre a chamada transmissão sináptica, que nada mais é do que a propagação do estímulo (impulso) nervoso de uma célula para outra. Esta comunicação ocorre através de processos eletroquímicos. Existem pontos de comunicação entre os neurônios que são estritamente elétricos, porém a grande maioria das sinapses são químicas, uma vez que liberam substâncias químicas, os neurotransmissores. Vale destacar aqui que a atividade do SNC é algo complexo e que requer o adequado funcionamento de inúmeras proteínas e moléculas. Qualquer problema ou disfunção na atividade destas proteínas e moléculas pode interferir significativamente nos processos de neurotransmissão, resultando em manifestações de distúrbios emocionais, comportamentais e, até mesmo, de aprendizagem. A sinapse caracteriza-se por ser o ponto de contato entre dois tipos de neurônios, os chamados neurônio pré-sináptico e neurônio pós-sináptico. Eles são assim denominados porque normalmente o fluxo de propagação do impulso nervoso, ou seja, a transferência dos estímulos, ocorre unidirecionalmente, na direção anterógrada. A direção, portanto, é do neurônio pré-sináptico para o neurônio pós-sináptico. Algumas poucas exceções nesse direcionamento referem-se às neurotransmissões retrógradas, nas quais a direção da transmissão dos sinais se dá no sentido contrário, ou seja, do neurônio pós-sináptico para o neurônio pré-sináptico. A região pré-sináptica consiste no terminal axônico, enquanto a região pós-sináptica consiste, predominantemente, nos dendritos do outro neurônio. Considerando a forma como ocorre todo o processo, o sinal elétrico propagado pelo neurônio percorre todo prolongamento axônico, até o terminal, onde então é convertido em sinal químico. A liberação deste sinal químico, composto pelos neurotransmissores, se dá através do rompimento de vesículas que contêm as substâncias químicas junto à parede da membrana do neurônio pré-sináptico. Ao serem liberados na fenda sináptica, os neurotransmissores vão se ligar aos receptores conforme sua afinidade. Esses receptores se encontram presentes nas membranas dos neurônios pós-sinápticos. Os neurotransmissores que tiverem sidoliberados em excesso, por sua vez, serão recaptados por meio de transportadores que ativamente recuperam as substâncias excedentes, em uma espécie de reciclagem, a fim de serem novamente utilizadas pelo neurônio pré-sináptico em uma transmissão futura. Figura 4. Representações de sinapses a) elétrica e b) química Fonte: Purves et al. (2010). A imagem ilustrada acima representa duas sinapses, uma denominada de sinapse elétrica e a outra, de sinapse química. A sinapse elétrica não possui ação de nenhum tipo de neurotransmissão: a propagação da informação através do impulso nervoso ocorre apenas pelo fluxo de íons (cargas elétricas) por um espaço quase invisível, chamado de junção comunicante. Neste tipo de sinapse, percebe-se que os neurônios se encontram praticamente conectados, como se não houvesse uma separação física entre ambos. A transmissão ocorre de maneira mais rápida em comparação às sinapses químicas e não há possibilidade de bloqueio ou inibição da atividade. Já nas sinapses químicas, percebe-se a existência de um espaço vazio entre os neurônios pré e pós-sinápticos, denominado de fenda sináptica. É na fenda sináptica que ocorre a liberação dos neurotransmissores e, consequentemente, sua ação sobre receptores específicos que se encontram na membrana do neurônio pós-sináptico. Por esta razão, estas sinapses tendem a ter uma transferência de informações mais lenta em comparação às sinapses elétricas. Os neurotransmissores são os elementos-chave do processo de comunicação neuronal. Eles podem ser de diferentes tipos, como nos casos das aminas, dos aminoácidos e dos neuropeptídeos. Os neurotransmissores mais clássicos e reconhecidos por sua atuação na regulação de processos emocionais, comportamentais e cognitivos são os do grupo das aminas, como, por exemplo, a serotonina, a noradrenalina, a dopamina e a acetilcolina. Além desses, o glutamato e o Ácido gama-aminobutírico (Gaba) também são importantes mediadores das atividades neuronais, refletindo seus efeitos nos nossos comportamentos e ações. A ação dos neurotransmissores ocorre através da sua difusão na fenda sináptica. Ao serem liberados, eles se ligam a receptores específicos na membrana neuronal pós-sináptica. A ligação dos neurotransmissores causa uma mudança na conformidade deste, ou seja, faz com que canais localizados na membrana pós-sináptica se abram ou se fechem, possibilitando ou não o livre fluxo das cargas elétricas que orbitam os espaços extracelulares. Desta forma, os receptores, ao serem estimulados pelos neurotransmissores, alteram sua permeabilidade, ocasionando um efeito que pode ser excitatório ou inibitório, dependendo do tipo de canal e de sua permeabilidade a determinado íon. Assim, por meio da estimulação dos receptores pelos neurotransmissores, tem início uma sequência de eventos moleculares dentro da célula do neurônio pós-sináptico, a fim de ativar ou inativar o funcionamento dos nossos genes. Neste sentido, para que uma neurotransmissão química ocorra, necessariamente precisamos de: um sinal molecular, transmitindo a informação de uma célula neuronal para outra; uma molécula receptora para traduzir a informação sinalizada; e uma molécula-alvo, que irá eliciar a resposta celular final. A importância do adequado funcionamento de todos os processos referidos já é reconhecida, devido ao fato de que, cada vez mais, se tem clareza de que qualquer alteração ou desregulação nestes processos pode interferir na forma como nossos genes se expressam e, consequentemente, resultar na manifestação de transtornos neuropsiquiátricos ou transtornos relacionados ao desenvolvimento. Neurotransmissores são substâncias químicas endógenas, produzidas e sintetizadas no sistema nervoso central e que possuem a função de atuar como mensageiros do processo de transmissão sináptica. Estima-se que existam mais de 100 substâncias que possuem propriedades de neurotransmissores. Os neurotransmissores podem ser classificados em duas amplas categorias: as moléculas pequenas e os neuropeptídeos. Eles podem ser da classe das aminas, dos aminoácidos ou dos neuropeptídeos. É importante explicar que, para que uma determinada molécula seja considerada um neurotransmissor, é preciso que esta: ● esteja presente no interior do neurônio pré-sináptico; ● seja liberada em resposta à despolarização do neurônio pré-sináptico, em outras palavras, que ela possa responder aos estímulos propagados pelo neurônio; e ● possua afinidade com receptores específicos localizados na membrana pós-sináptica. Apesar de serem produzidos endogenamente, os neurotransmissores podem ser induzidos de forma exógena, ou seja, através do uso de diferentes substâncias que têm como função modificarem o funcionamento do sistema nervoso central. Exemplos destas substâncias poderiam ser os medicamentos psicofármacos, utilizados no tratamento de disfunções de ordem emocional, cognitiva ou comportamental, ou também as drogas (como álcool, tabaco, maconha e cocaína). Independente de qual tipo de substância estamos falando, elas são capazes de interferir no funcionamento do nosso cérebro, provocando alterações nas concentrações dos neurotransmissores ou na ação destes sobre os receptores. Tais modificações influenciam e alteram o funcionamento dos neurônios e, por consequência, induzem mudanças emocionais, cognitivas e comportamentais. Podemos citar alguns exemplos de neurotransmissores clássicos que são alvo da ação de vários psicofármacos, muitos deles utilizados em crianças e adolescentes a fim de tratar diferentes questões de aprendizagem, comportamento e regulação emocional. Entre eles, destacam-se a serotonina, a noradrenalina, a dopamina, o glutamato e o Gaba. Estes últimos, glutamato e Gaba, representam os principais neurotransmissores excitatórios e inibitórios do nosso sistema nervoso. Conceitos básicos em Neurociência: neurodesenvolvimento e neuroplasticidade O processo do neurodesenvolvimento inicia-se desde as primeiras semanas de gestação, estendendo-se até a idade adulta. Diversos processos neuroquímicos coordenados pela expressão de nossos genes ocorrem durante o curso desse desenvolvimento, sendo estes genes os responsáveis por desenvolver, diferenciar e maturar as estruturas cerebrais que compõem nosso SNC. Somente a partir do término destes processos é que podemos dizer que há uma adequada formação estrutural e funcional das diferentes regiões do nosso cérebro. Isso contribui para o surgimento e para variabilidade e diferenciação entre os indivíduos no que se refere aos seus repertórios comportamentais, ao seu funcionamento cognitivo e à expressão de suas respostas emocionais. As etapas do neurodesenvolvimento, no entanto, ocorrem de modo progressivo e conforme cada região do nosso cérebro. Sendo assim, a etapa que abrange desde o período gestacional até a adultez é considerada crítica, promovendo as mais distintas mudanças nos indivíduos, sejam elas físicas, comportamentais ou emocionais. O processo de desenvolvimento do nosso cérebro é único, porém, durante sua formação, os neurônios necessariamente passam por algumas etapas antes de terem sua estrutura e função completas. Embora tais processos sejam em sua maioria geneticamente determinados, conforme comentado, reconhece-se que algumas destas conexões respondem às influências do ambiente no qual os indivíduos estão inseridos. Mesmo que os processos do neurodesenvolvimento tenham atingido seu estágio final, ou seja, ainda que conexões tenham sido estabelecidas, os padrões de atividade neuronal é que moldarão os circuitos sinápticos. Em outras palavras, é a atividade neuronal, em resposta aos estímulos e à interação com o ambiente, que possibilita a estruturação e o funcionamento dos nossos circuitos cerebrais. Assim, a estimulação adequada desde os primeiros anos de vida pode ser responsável por reforçar e promover a formação de novas conexões. Em contrapartida, a ausência ou a inadequação dessa estimulação seriam responsáveis por empobrecer e causar prejuízos nesta formação, podendo, inclusive,interromper ou eliminar o estabelecimento de determinadas conexões, seja por falta de uso, ausência de estímulo ou exposição a estímulos excessivos. Justamente por se estenderem por diferentes períodos da trajetória do nosso desenvolvimento é que tais processos tornam-se suscetíveis às influências, positivas ou negativas, do ambiente. Determinadas estruturas cerebrais possuem um desenvolvimento mais acelerado, já em períodos gestacionais ou logo cedo nos primeiros meses de vida, atingindo sua maturação durante a primeira infância. Um exemplo de região que possui tal característica em sua trajetória de desenvolvimento é o hipocampo. Outras regiões cerebrais, como por exemplo o córtex pré-frontal e a amígdala, apresentam um desenvolvimento mais lento e progressivo, estendendo-se ao longo de toda a infância e adolescência. Discute-se que sua possível maturação somente esteja completa no início da vida adulta. Até aqui fomos capazes de identificar que nosso cérebro passa por múltiplos processos durante seu desenvolvimento e reflete as experiências vividas por cada indivíduo ao longo de sua trajetória de desenvolvimento. Portanto, podemos considerar que o SNC é adaptável, sofrendo influência do ambiente e passando por mudanças e transformações. Esta capacidade de se modificar por meio das experiências é denominada de neuroplasticidade. A neuroplasticidade refere-se à propriedade que o sistema nervoso central tem de alterar sua função ou estrutura em resposta às influências ambientais ou demandas internas do organismo. Isto é, nossos neurônios possuem a capacidade de formar ou restabelecer conexões entre eles a partir das constantes interações com o ambiente, como uma espécie de resposta e mudança neuronal frente aos estímulos ambientais aos quais os indivíduos são expostos durante sua vida. Neste sentido, entende-se que as nossas aprendizagens são uma das consequências destas capacidades de modificação das estruturas e conexões dos neurônios. Professor(a), desde o início do período pós-natal, denota-se uma responsividade do cérebro por estímulos, os quais serão determinantes para todo desenvolvimento cognitivo subsequente. Muitas das mudanças, portanto, ocorrerão na infância a partir das experiências que este cérebro em desenvolvimento terá com seu ambiente. Este representa o primeiro período de modificações plásticas, sendo responsável por organizar e estruturar a arquitetura do nosso cérebro. A partir disso, torna-se mais difícil a ocorrência de mudanças significativas nesse cérebro no futuro, uma vez que as conexões já estão mais bem consolidadas e estabelecidas (o que não significa que não seja possível existirem tais modificações na vida adulta). A adolescência, também, representa um período de transformações, sejam elas biológicas, hormonais ou comportamentais. O cérebro adolescente, neste sentido, passa por uma reorganização, aproximando-se da sua forma adulta. Ambos os períodos, da infância e da adolescência, são tidos como críticos em razão das diversas transformações que estão ocorrendo no cérebro, aumentando a potencialidade do desenvolvimento e do aprendizado, mas, ao mesmo tempo, conferindo riscos a partir da influência de estressores. Compreendemos agora que o cérebro é uma estrutura em constante construção e mudança, assim como percebemos que os indivíduos aprendem diferentes comportamentos e expressam suas emoções de formas distintas ao longo de sua vida. Diversas evidências científicas sugerem que tal variabilidade no repertório comportamental e nas expressões emocionais se deva aos fenômenos plásticos do SNC. A aquisição de conhecimentos e aprendizagens também é fruto destas mudanças cerebrais, através de alterações bioquímicas que ocorrem nos nossos neurônios e nas suas conexões. Reconhecer e explorar tais capacidades do nosso cérebro e os momentos em que as aprendizagens e modificações são favorecidas torna-se fundamental, não só para neurocientistas e profissionais da saúde, como também para vocês, educadores, que compartilham boa parte dessa trajetória de desenvolvimento do cérebro em sala de aula com seus respectivos alunos. Conceitos básicos em Neurociência: como se divide nosso sistema nervoso e quais as funções das diferentes regiões cerebrais Nosso sistema nervoso é dividido, de forma geral, no SNC e no Sistema Nervoso Periférico (SNP). O SNC é composto pelo encéfalo, nosso cérebro, e pela medula espinhal, enquanto o SNP é subdividido em SNP Somático e SNP Autônomo, este último correspondendo aos sistemas simpáticos e parassimpáticos, coordenando as respostas dos indivíduos aos diferentes estímulos ambientais. O SNP é composto por nervos e gânglios, os quais têm a função de conectar o SNC ao restante do corpo. Os nervos são formados por dendritos e axônios que se projetam pelo corpo, recebendo e conduzindo informações para as diferentes partes. Esses nervos podem ser classificados como nervos sensoriais ou motores. Já os gânglios são formados por pequenas dilatações contendo grupos de corpos celulares de neurônios, no caso deste sistema dos nervos que se projetam pelo corpo. Figura 05. Representação da divisão do sistema nervoso Fonte: Adaptada de Bear, Connors e Paradiso (2017). É importante saber que esta divisão mais geral do SNP pode ser definida a partir do que se denomina divisão sensitiva (ou aferente) e divisão motora (ou eferente). O sistema nervoso somático é responsável pelo primeiro estágio de processamento das informações sensoriais que chegam ao nosso corpo. É este sistema que integra e ativa os comandos para que os diferentes tipos de músculos (esqueléticos, lisos viscerais e glandulares) presentes em nosso corpo respondam frente à estimulação. As respostas coordenadas podem ser desde simples reflexos, comandados pela medula, como, por exemplo, o reflexo de flexão do joelho frente ao toque de um martelo neurológico (Figura 6); até respostas mais complexas coordenadas por diferentes regiões do nosso cérebro. Assim, nem todas as informações necessariamente precisam chegar até nosso cérebro para serem processadas e haver uma resposta motora. Tal mecanismo mostra-se adaptativo a fim de conferir rápidas respostas dos organismos, auxiliando na nossa sobrevivência. Figura 06. Representação ilustrativa do reflexo patelar Fonte: Nossa autoria (2023). O sistema nervoso autônomo consiste nas projeções neuronais que inervam órgãos internos, vasos sanguíneos e glândulas secretoras. Refere-se a um sistema que não é de controle voluntário do indivíduo, sendo suas respostas regulatórias automáticas, razão pela qual também é conhecido como sistema vegetativo. Esse sistema é, portanto, o responsável por dar início a uma série de respostas fisiológicas (como aumento da frequência cardíaca e pressão arterial, aumento da atividade metabólica, dilatação da pupila, secreção de suor ou secreção de hormônios como adrenalina e noradrenalina). A partir de uma resposta simpática, esse mesmo sistema procura restabelecer o equilíbrio e a homeostase do organismo, estimulando a ativação das funções da outra divisão, parassimpática, o que faz com que todas as mudanças fisiológicas transitórias anteriores se restabeleçam. Desta forma, o sistema nervoso autônomo funciona mediante um balanço entre excitação e inibição sináptica, a fim de manter a homeostase do organismo. Para além das divisões detalhadas acima, podemos compreender nosso cérebro através de algumas proposições de divisões anatômicas bem como através das funções associadas a cada uma destas regiões. Embora tais afirmações possam remeter a paradigmas localizacionistas sobre o entendimento do funcionamento do cérebro, não mais vigentes em nossa compreensão atual, sabemos que existem regiões que são centrais para determinados processos cognitivos. Nosso cérebro apresenta dobraduras chamadas de giros e separadas por fissuras, também conhecidas como sulcos. Acredita-se que o nosso cérebro, em seu formato atual, tenha sido fruto de um crescimento exponencial no número de células durante a evolução, tendo estecrescimento superado a capacidade de crescimento evolutivo da caixa craniana, o que fez com que houvesse a necessidade da presença de dobras, os giros e sulcos. Figura 07. Representação ilustrativa do cérebro humano Fonte: Nossa autoria (2023). A primeira divisão, mais geral, é a hemisférica, que separa o cérebro em dois hemisférios, esquerdo e direito. Os dois hemisférios estão integrados por uma região chamada de corpo caloso. Algumas funções podem ser consideradas lateralizadas, ou seja, determinada função presente em um hemisfério não é compartilhada pelo outro. Desta forma, sugere-se que o hemisfério esquerdo tenha um papel predominante para análise linear de raciocínio lógico e matemático e para tarefas que envolvam símbolos abstratos, especialmente aqueles relacionados ao pensamento verbal; enquanto o hemisfério direito parece estar mais relacionado à análise holística (percepção de estruturas e formas globais), ao pensamento intuitivo, à orientação espacial e à expressão não verbal. Figura 08. Divisão hemisférica do cérebro Fonte: Nossa autoria (2023). Pode-se também adotar uma classificação embriológica que segue o processo de neurodesenvolvimento desde o período gestacional. Esta divisão estabelece uma divisão encefálica em: telencéfalo (região cortical), diencéfalo (região subcortical), tronco encefálico (composto pelo mesencéfalo, ponte e o bulbo), cerebelo e a medula espinhal. Nos aprofundaremos mais sobre as funções do telencéfalo e do diencéfalo ao longo do curso, uma vez que são nestas regiões que a maioria das nossas funções cognitivas têm seu processamento, assim como nossas aprendizagens, linguagem e emoções. Figura 9. Divisão encefálica Fonte: Nossa autoria (2023). Aqui, apenas como informação complementar, cabe destacar que o tronco encefálico corresponde ao pequeno talo que liga a medula ao SNC. Praticamente todas as projeções sensoriais passam por esta região, que é uma espécie de ponte de ligação entre o cérebro e a medula. Entre suas funções, podemos dizer que o tronco encefálico é responsável pelo controle da atividade elétrica cortical, pela regulação do ciclo sono-vigília, pelo controle de sensibilidade à dor, pelo controle do sistema nervoso autônomo, pelo controle endócrino e pela integração de reflexos, como nos centros respiratórios e vasomotores. É também no tronco encefálico que estão localizados núcleos formados por conglomerados de neurônios, como os núcleos da rafe, o locus coeruleus e a área tegmental ventral, com a importante função de síntese e produção dos principais neurotransmissores, a exemplo da serotonina, noradrenalina e dopamina. Lesões profundas na região do tronco encefálico podem ocasionar sérias complicações e até levar a óbito, uma vez que nesta região se encontram aglomerados de neurônios que regulam batimentos cardíacos, respiração e várias outras funções vitais do nosso organismo. O cerebelo é outra região referida da qual, até pouco tempo atrás, se conhecia pouco a respeito, mas que vem sendo cada vez mais foco das investigações nos estudos do cérebro. Participa do controle dos movimentos voluntários, que envolvem planejamento, controle do tônus muscular, equilíbrio e postura, além de ter uma importante função nas aprendizagens motoras (referidas como aprendizagens e memórias implícitas, em outras palavras, as aprendizagens de “como” fazer). Ele recebe informações dos neurônios envolvidos com funcionamento motor, na parte anterior, vindos da medula espinhal e, em sua parte posterior, do córtex cerebral motor. Outra divisão importante, bastante referida nos livros de Neurociência e Neuropsicologia e que nos ajuda muito a entender a relação de diferentes porções do nosso cérebro com os processos cognitivos e com os comportamentos associados é a divisão em lobos. Esta divisão, mostrada na Figura 10, compreende os lobos frontal, temporal, parietal e occipital; além dos córtex motor e sensório (os dois últimos correspondentes às funções de integração e processamento das informações relacionadas a movimentos e sensações). Figura 10. Divisão dos lobos cerebrais Fonte: Nossa autoria (2023). Uma última divisão que nos auxilia a “navegar” pelo nosso cérebro é aquela baseada na direcionalidade. Esta subdivisão separa o cérebro em suas porções anterior (rostral) e posterior (caudal), as quais podemos chamar leigamente de porção “da frente” e “de trás” a partir de uma perspectiva de visão frontal do encéfalo; superior (dorsal) e inferior (ventral), ou seja, considerando a mesma visão frontal, a “parte de cima” e a “parte de baixo”; e lateral e medial, que se referem às partes mais externas e às mais internas, respectivamente. Esses eixos tornam-se importantes quando analisamos imagens do cérebro com cortes em diferentes sentidos, como cortes sagitais (dividindo o corpo em lados esquerdo e direito), cortes coronais (dividindo o corpo em partes da frente e de trás) e cortes transversais (dividindo o corpo em porções superiores e inferiores). Figura 11. Planos anatômicos Fonte: Nossa autoria (2023). Conceitos básicos em Neurociência: as principais regiões do cérebro responsáveis pelas funções cognitivas, aprendizagens e expressão dos comportamentos Caro(a) Professor(a), neste subtópico do Módulo I, vamos detalhar as principais regiões do nosso cérebro que são responsáveis pela expressão dos nossos comportamentos, pensamentos e emoções. O funcionamento destas regiões, por exemplo, contribui diretamente para que nossas aprendizagens ocorram e, também, para que nossas memórias sejam formadas, servindo de base para a construção do nosso conhecimento ao longo da vida. Você, educador(a), ao conhecer melhor as respectivas funções associadas à atividade de cada uma destas regiões, vai ser capaz de não somente melhor entender como nosso cérebro processa todas as informações que chegam até ele, como também de compreender que, em casos de desenvolvimento atípico, a exemplo das síndromes e dos transtornos do neurodesenvolvimento, podemos ter um comprometimento importante de seu funcionamento e, consequentemente, observamos alterações significativas nas capacidades de aprendizagens, habilidades de leitura e escrita, habilidades matemáticas, habilidades sociais e habilidades de regulação emocional. Começaremos discutindo uma das regiões-chave para os processos de aprendizagem e memória: o hipocampo. Trata-se da estrutura bilateral que está localizada nos lobos temporais, com formato similar ao de um cavalo marinho (Figura 12). Figura 12. Representação de um cérebro humano com o hipocampo em destaque, comparado a um cavalo marinho Fonte: Nossa autoria (2023). O hipocampo possui papel específico nos processos de aquisição e consolidação das nossas memórias, embora tal participação seja de certo modo complexa de se compreender, considerando todos os processos de base biológica envolvidos. O hipocampo contribui para a transferência de informações da nossa chamada memória de curto prazo para a memória de longo prazo. Também é a região responsável por criar um mapa cognitivo do nosso ambiente, relacionando características visuais com características espaciais, o que possibilita a adequação das nossas respostas conforme variações do ambiente. Mais especificamente, em sua porção posterior, o hipocampo está envolvido nos processos cognitivos da aprendizagem e memória, particularmente naqueles associados ao desenvolvimento da capacidade de orientação, exploração do ambiente e locomoção. Já em sua porção anterior, ele tem envolvimento com as emoções e o comportamento motivado. Lesões no hipocampo podem trazer significativos prejuízos em nossa memória, resultando em amnésias anterógradas, ou seja, na perda da capacidade de armazenar e reter novas informações a partir de um evento. Esse tipo de prejuízo indica a participação do hipocampo na formação das memórias declarativas e tem como um exemplo clássico dos estudos da Neurociência o caso do paciente Henry Molaison, mais conhecido como H. M. Henry Molaison, cientificamente conhecido como H.M., foi um jovem de 27 anos que sofria de epilepsia grave. Tinha várias crises convulsivas em um mesmo dia, impossibilitando-o de ter funcionalidade na vida. Os tratamentos da época se mostraram ineficazes para conter as crises e permitir que H. M. vivesse uma vida normal. As crises tinham origem em uma região do cérebro localizada nos lobos temporais e se espalhavam ao longo do cérebro. Um dos tratamentos para casos refratários e graves de epilepsia, à época, era através da cirurgia de remoção da região de origem das crises. Considerando a gravidade do caso, decidiu-se na época que a intervenção cirúrgica era o mais adequado para H. M. Assim, cirurgicamente, foram removidas partes da região de seu lobo temporal medial, incluindo uma região denominada hipocampo. Aparentemente a cirurgia havia sido um sucesso, uma vez que H. M. se recuperou bem e, ao que parecia, havia parado de ter crises convulsivas recorrentes. Figura 13. Comparação entre um cérebro comum e o cérebro de H. M. (hipocampo removido) Fonte: Nossa autoria (2023). No entanto, com o passar dos dias, descobriu-se um efeito inesperado do procedimento cirúrgico realizado. H. M. era incapaz de se lembrar das informações a ele apresentadas por períodos superiores a alguns minutos. Apesar de ser capaz de lembrar de episódios de sua vida anteriores à cirurgia, ter um funcionamento cognitivo global preservado e acima da média, com habilidade de raciocínio lógico também preservada, H. M. parecia não reter mais quaisquer informações que lhe fossem apresentadas. Ele fora acompanhado ao longo de muitos anos por alguns pesquisadores, entre eles uma psicóloga, Branda Milner, a fim de se obter um entendimento do que lhe havia ocorrido a partir da remoção cirúrgica daquela região. Para H. M., todos os dias eram novidade, ele apresentava um caso clássico de amnesia anterógrada, ou seja, não era capaz de recordar nenhuma informação após um evento, passado um período curto de tempo. Porém, todo restante das suas capacidades cognitivas parecia preservado e, ainda, descobriu-se que H. M. era capaz de aprender novas tarefas motoras, mesmo sem ter consciência ou a lembrança de que havia sido exposto ao estímulo. Por exemplo, H. M. conseguiu melhorar seu desempenho em uma tarefa na qual era requerido que se traçasse o contorno de uma estrela, observando apenas sua mão em um espelho. Esta é uma tarefa que requer treino e prática, sendo o desempenho dependente da repetição. O desempenho de H. M. foi capaz de evoluir ao longo dos dias de treino, sugerindo que ele estava retendo informações sobre o desenvolvimento da tarefa, muito embora ele fosse incapaz de recordar que havia realizado a tarefa anteriormente. Tais descobertas permitiram posteriormente compreender o funcionamento da memória dividido em dois sistemas distintos: as memórias declarativas e as memórias de procedimento. Figura 14. Representação da atividade prescrita para o jovem H. M. Fonte: Nossa autoria (2023). Sabemos ainda que ao longo da vida o hipocampo é uma região que pode ser afetada pelos processos do envelhecimento. Embora tanto no envelhecimento típico como no envelhecimento atípico exista uma perda de neurônios no hipocampo, nos processos neurodegenerativos, como na doença de Alzheimer, ocorre a perda acentuada e acelerada dos neurônios na formação hipocampal, provocando os esquecimentos e a diminuição da capacidade de aprendizagem de novas informações. Figura 15. Principais regiões do cérebro que são responsáveis pela expressão dos nossos comportamentos, pensamentos e emoções Fonte: Purves et al. (2010). A amígdala é outra região que faz parte do chamado sistema límbico, assim como o hipocampo, e que tem participação no armazenamento de nossas memórias com conteúdos emocionais, especialmente as memórias relacionadas ao medo. Sua principal função, no entanto, envolve o processamento dos estímulos ameaçadores, sendo responsável por integrar as informações que chegam ao nosso cérebro e mediar as respostas do organismo. Exerce um papel primário na avaliação do ambiente, analisando perigos em potencial, ou seja, dando significado emocional aos estímulos externos. Além disso, a amígdala foi reconhecida como uma região importante no processamento de faces e sinais sociais, auxiliando na identificação de determinadas expressões emocionais. Lesões na amígdala podem causar grandes prejuízos aos indivíduos, como por exemplo a incapacidade de reconhecer faces ameaçadoras, não confiáveis ou que expressem medo. É comum que indivíduos com lesão na amígdala apresentem comportamentos impulsivos e de risco, tendo dificuldade de modular respostas de medo frente a situações potencialmente perigosas. A síndrome de Kluver e Bucy (Figura 16), por exemplo, é uma condição em que disfunções na amígdala levam a uma desconexão entre processos sensoriais e emocionais. Figura 16. Representação ilustrativa dos principais sintomas da síndrome de Kluver e Bucy. Fonte: Nossa autoria (2023). O hipotálamo é um importante centro do nosso cérebro que conecta nosso SNC a diferentes outros sistemas biológicos do corpo, como o sistema endócrino. Embora represente uma parcela muito pequena do nosso cérebro, menos de 1% do volume total, integra diversos circuitos neuronais e que regulam funções vitais do organismo. É a região que regula as respostas do sistema nervoso autônomo por meio do controle das ativações simpáticas e parassimpáticas. Sabe-se que o organismo procura manter sua constância (homeostase) equilibrando as variações internas e adequando as respostas às demandas externas. Os mecanismos responsáveis por tal manutenção estão localizados no hipotálamo, incluindo os sistemas responsáveis por dar início às cascatas de liberação de hormônios que irão atuar em diferentes órgãos e sistemas do nosso corpo. O hormônio cortisol, que é liberado a partir da resposta do organismo a um estímulo estressor, é um exemplo da atividade regulatória que busca preparar o organismo para responder frente às demandas do ambiente. Para além destas funções, o hipotálamo participa da regulação da temperatura corporal, do ciclo sono-vigília, da ingestão de alimentos e água, da diurese e de ritmos circadianos. O córtex frontal, especificamente a região denominada de pré-frontal, é uma parte importante do nosso cérebro, sendo uma das últimas a serem completamente formadas durante o curso do neurodesenvolvimento. O córtex pré-frontal é comumente subdividido em pequenas porções, especialmente por suas distintas funções, sendo as sub-regiões mais importantes para o nosso conhecimento: Cada uma dessas regiões desempenha um papel importante para nosso funcionamento cognitivo, expressão dos nossos comportamentos e regulação de respostas emocionais e motivacionais. É na região do córtex pré-frontal que estão localizadas as chamadas Funções Executivas (que aprofundaremos melhor nos módulos aplicados). Tais funções cerebrais controlam a atenção, as nossas emoções e os nossos comportamentos direcionados a objetivos e metas. Essas funções são responsáveis pelo controle cognitivo, pela autorregulação e pela iniciação do comportamento. É importante destacar que tais funções possuem um desenvolvimento lento e progressivo, com maior influência no início dos anos pré-escolares e somente com uma completa formação no início da vida adulta. Figura 17. Representação ilustrativa do córtex pré-frontal Fonte: Adaptada de Ferreira (2021). O córtex pré-frontal dorsolateral está envolvido no planejamento de ações e comportamentos, sendo responsável pela nossa capacidade de flexibilidade cognitiva, ou seja, por conseguirmos analisar e ponderar situações a partir de diferentes perspectivas ou, ainda, modificar uma ação ou comportamento frente a mudanças nas demandas do ambiente. Ele ainda participa do processo de aquisição de informações, necessário, por exemplo, para que os indivíduos mantenham uma sequência de informações a fim de adequar respostas para alcançar determinado objetivo. Essa relação revela a importante participação da porçãodorsolateral na memória de trabalho. A sub-região do córtex pré-frontal orbitofrontal, por sua vez, possui importante função na representação de nossas emoções e sentidos e no valor da recompensa para tomada de decisão. É a região responsável por codificar os valores, avaliando riscos e benefícios frente à necessidade de uma tomada de decisão. Por possuir conexões com a amígdala, a região também é reconhecida por sua participação na inibição de impulsos e regulação das respostas emocionais. Está envolvida na aprendizagem de mudanças nas contingências ambientais, auxiliando a adequar os comportamentos ao contexto. A sub-região medial, que compreende o córtex pré-frontal ventromedial, possui uma distinção ainda não tão bem estabelecida com a sub-região orbitofrontal, porém é reconhecida também por desempenhar funções de regulação das respostas emocionais e na adequada tomada de decisão. Revela-se como importante para o automonitoramento das ações ou respostas e para a correção de erros durante os processos de tomada de decisão, ou seja, para a aprendizagem pela experiência e a partir do feedback do contexto. Portanto, essa região mostra-se importante para a capacidade decisória, nos comportamentos perseverativos, e, também, para a interação social, através da adequação das respostas às normas de conduta social e da capacidade de uso da nossa cognição social, inclusive sendo sugerida como envolvida na função de avaliação moral. Phineas Gage era um jovem rapaz que trabalhava na construção de ferrovias no século XIX, em Vermont. Entre suas tarefas diárias convencionais estava a explosão de rochas a fim de assentar os trilhos da ferrovia. A tarefa, embora simples, necessitava destreza e atenção para sua execução, pois o modo de causar tal explosão na época requeria socar pólvora dentro de um buraco com uma barra de ferro. Em um fatídico dia, em 1848, ao realizar sua tarefa, Gage, por descuido, acabou criando uma faísca ao socar a barra de ferro contra a rocha, o que causou uma explosão e arremessou, como um projétil, a barra de ferro em sua direção. A barra atravessou de baixo para cima o olho esquerdo de Gage, saindo pela parte superior do seu crânio. O acidente levou à destruição de parte do seu lobo frontal esquerdo, ainda que Gage não tenha perdido sua consciência. Gage levou vários meses para se recuperar do acidente, ao menos de forma aparente. Ao se recuperar, Gage parecia ter se transformado: pessoas próximas a ele tinham dificuldade de o reconhecer como o “mesmo” Gage. Gage, que antes era responsável, trabalhador e moderado, agora apresentava-se instável, agressivo, inadequado e de difícil convívio social. Sua personalidade mudara, dificultando que Gage se relacionasse e retomasse suas atividades laborais. Ele viveu mais 12 anos e, ao falecer, seu crânio e a barra de ferro foram preservados na Escola de Medicina de Harvard. Hanna e Antonio Damásio, em 1994, usaram técnicas modernas para estudar o crânio e reconstituir as regiões que haviam sido afetadas pelo acidente. A passagem da barra de ferro causou uma lesão grave e extensa sobre o córtex pré-frontal nos dois hemisférios. Essas regiões frontais são hoje reconhecidas pela sua participação em funções cognitivas relacionadas ao planejamento, controle dos impulsos e à adequação de comportamento às normais sociais, o que, na época, explicava sua significativa e abrupta mudança de personalidade. Duas outras regiões, por fim, que são merecedoras de destaque se referem às áreas de Broca e Wernicke. Ambas as regiões foram descobertas a partir de casos clínicos de pacientes que haviam perdido suas capacidades de expressão ou compreensão da linguagem, sem que isso necessariamente estivesse implicado em perda de capacidades cognitivas ou motoras para mover músculos utilizados na fala. Devido à característica motora da produção da fala, a afasia de Broca passou a ser denominada de afasia motora. Por outro lado, a afasia de Wernick consiste na capacidade de produção da fala, embora, por vezes, sem sentido, sugerindo assim déficits na forma como processamos os sons e os relacionamos com seus significados, passando ela a ser conhecida como afasia sensorial. Figura 18. Representação ilustrativa de um cérebro humano com as áreas das afasias de Broca e Wernicke destacadas Fonte: Bear, Connors e Paradiso (2017). Conceitos básicos em Neurociência: as funções cognitivas Na seção anterior, foi apresentado e discutido, de forma geral, um pouco sobre cada uma das regiões do nosso cérebro responsáveis por mediar processos cognitivos essenciais para o desenvolvimento das nossas aprendizagens e desempenho escolar. Agora, conheceremos de forma detalhada mais sobre essas principais funções cognitivas. O estudo da Psicologia Cognitiva, um campo de estudo que integra também as chamadas Neurociências, nos auxilia na compreensão dos fenômenos que ocorrem “dentro” do nosso cérebro e da relação que eles possuem com nossos comportamentos. Busca estudar, por exemplo, como as pessoas percebem, aprendem, sentem, lembram, criam, planejam e tomam decisões. Todas essas habilidades devem-se às nossas capacidades cognitivas de sensação e percepção; atenção e memória; resolução de problemas; linguagem; e planejamento e tomada de decisão. São esses processos ou funções cognitivas que iremos discutir neste subtópico. Iniciaremos falando sobre os processos de memória e como eles possibilitam a aquisição das nossas aprendizagens. Sabemos que as informações que são aprendidas passam por um processo no qual ocorre a codificação, o armazenamento e, posteriormente, a recuperação deste conteúdo aprendido. Entende-se que as informações — ou input sensoriais — primeiramente são codificadas, ou seja, o estímulo ou informação recebidos são processados e transformados em um padrão de atividade neuronal. Pensem em uma analogia simples do funcionamento de um computador: Figura 19. Infográfico da analogia entre o funcionamento do armazenamento de informações por um computador e pela memória humana Fonte: Nossa autoria (2023). O psicólogo Donald Hebb, um dos pioneiros nos estudos sobre as bases de nossa memória, propôs inicialmente que esta resulta das várias alterações em conexões sinápticas, estando nossas memórias armazenadas em diferentes regiões do cérebro conforme a especificidade da informação. Por exemplo: nossas memórias espaciais teriam uma relação com hipocampo; nossas declarativas dos conhecimentos semânticos e episódicos adquiridos ao longo da vida teriam seu armazenamento em sub-regiões do lobo temporal; nossas aprendizagens de medo e a memória emocional teriam uma relação com a amígdala; aquelas memórias e aprendizagens motoras estariam ligadas ao funcionamento do cerebelo; e a ativação e manipulação das informações em um determinado momento teria relação com a chamada memória de trabalho, por meio da atividade do córtex pré-frontal. Estas regiões estariam conectadas formando uma rede neural da memória. Assim, quando um neurônio responde a determinado estímulo e ativa outro, ocorrem mudanças na conectividade entre os dois, resultando em um fortalecimento desta ligação. Em situações futuras, o disparo deste mesmo neurônio aumentará a chance de conduzir a uma resposta do segundo neurônio. Essa seria uma reconhecida ideia de que neurônios que disparam juntos se tornam mais conectados. Outra ideia interessante que nos ajuda a compreender como nossa memória funciona refere-se à forma pela qual as memórias são reconsolidadas. Karim Nader e Joseph LeDoux propuseram que ao ativarmos uma informação ou uma memória, teremos que novamente consolidá-la para que esta seja novamente armazenada. Ou seja, seguindo a analogia anterior do computador, ao abrirmos um determinado documento ou arquivo salvo, precisaremos salvá-lo novamente. Durante este processo, a nova versão salva daquele documento ou arquivo será distinta da anteriormente recuperada. Portanto, quando recuperamos determinadas informações armazenadas, estas serão afetadas e modificadas pelas informações que estãosendo processadas naquele momento. Isso influenciará nas características desta nova memória a ser reconsolidada (novamente armazenada), que inclusive poderá diferir daquela memória original. Neste sentido, pode-se dizer que a memória se divide em três sistemas, Memória Sensorial; Memória de Curto Prazo e Memória de Longo Prazo, segundo teoria proposta por Atkinson e Shiffrin. Figura 20. Representação dos três tipos de memória Fonte: Nossa autoria (2023). Existe um sistema de memória denominado sensorial, o qual processa os estímulos sensoriais que recebemos do ambiente. Nem todos estes estímulos serão processados pelos demais sistemas, ou seja, a maior parte destas informações se perde. Algumas informações, no entanto, para as quais direcionamos nosso foco atencional (aqui vemos a importância da atenção que falaremos mais adiante para os processos mnemônicos), serão processadas e alcançarão o sistema da memória de curto prazo. A memória de curto prazo apresenta como características ser um sistema temporário, limitado em relação à sua capacidade e consciente. Ela é acessível a nossa consciência, porém o tempo de duração ou armazenamento é de apenas segundos ou minutos. Aqui é onde as informações adquirem pela primeira vez um significado. Comumente, usamos de recursos para manter o desempenho deste sistema de curto prazo a fim de que as informações fiquem disponíveis pelo maior tempo possível e possam ser adequadamente transferidas e armazenadas na memória de longo prazo. Os principais recursos utilizados são os ensaios para manutenção, aqueles nos quais ficamos mentalmente ou até mesmo verbalmente repetindo as informações para melhorar nossa capacidade de retenção. Podemos usar essa estratégia de forma simplificada, apenas repetindo a informação; ou podemos elaborar este ensaio através de organizações e associações destas informações, por exemplo usando alguma relação lógica, associações a imagens ou até mesmo associações a possíveis funções para aquelas informações. Um exemplo disto seria associar itens a serem recordados em uma lista de supermercado a determinadas receitas que necessitam de tais itens para sua produção. Outra estratégia interessante é o agrupamento das informações em unidades, como quando ao invés de decorarmos um número de telefone ou a forma pela qual se escreve determinada palavra utilizando-nos dos itens ou unidades isoladas (número a número ou letra por letra), organizamos estas informações em blocos ou sílabas. Figura 21. Representações de estratégias de memorização Fonte: Nossa autoria (2023). O último dos três sistemas refere-se à memória de longo prazo, na qual as informações armazenadas são mantidas por períodos prolongados de tempo, algumas delas supostamente pela vida toda. Discute-se, inclusive, se tal sistema teria uma capacidade ilimitada de armazenamento (como se fosse um disco rígido infinito) ou se existe uma limitação desta capacidade. A memória de longo prazo, diferentemente da memória de curto prazo, não é consciente, porém, ao ser ativada (recuperada), ela passa a se tornar consciente e pode ser utilizada para atender determinada demanda do ambiente. Pode-se dizer que este é o processo que ocorre quando se exige que os alunos apliquem seus conhecimentos (como utilizar do conhecimento adquirido em determinada matéria) para responderem um exercício ou resolverem um problema matemático ou uma prova. Figura 22. Representação de estudantes mobilizando memória de longo prazo para responderem avaliações em sala de aula Fonte: Nossa autoria (2023). Interessante destacar que pesquisas têm indicado que o armazenamento de longo prazo é potencializado quando o material codificado possui um significado. Em outras palavras, a codificação semântica é aquela que apresenta melhor recordação posteriormente, sugerindo que quanto mais aprofundada for a codificação dos conteúdos, melhor eles serão lembrados. Estas pesquisas normalmente comparam processamento semântico com outras estratégias utilizadas, como o processamento visual, no qual a estratégia se baseia na recordação pela aparência ou imagem, e o processamento acústico, estratégia baseada na rima. A nossa memória de longo prazo pode ser compreendida através de uma divisão que define que os conteúdos armazenados no longo prazo podem se referir às memórias explícitas ou declarativas e às memórias implícitas ou não declarativas. Esta divisão é bem importante para que possamos entender os correlatos neurais, ou seja, as regiões do cérebro envolvidas em cada um dos tipos de aprendizagem. A recuperação é um ato importante para que possamos trazer as informações armazenadas na memória de longo prazo novamente para um estado ativo. Quando lembramos de determinada informação, podemos fazer isso através de uma recordação livre, ou seja, espontaneamente nos recordamos de uma informação específica e que deve ser recuperada frente a uma demanda. Ao realizarmos uma avaliação, por exemplo, pedimos ao aluno que explique determinado conceito aprendido e que exemplifique ou relacione este conceito a partir de determinado contexto. Esta é uma situação que requer uma recordação livre das informações sobre aquele determinado conceito que foram armazenadas durante o processo de aprendizagem. A recordação pode ser facilitada quando se oferece pistas, ou seja, conteúdos e informações que sirvam como gatilhos para a busca da informação a ser recuperada. Outra estratégia de recuperação de informações armazenadas na memória de longo prazo é através do reconhecimento. O reconhecimento ocorre quando somos apresentados a determinado estímulo (informação) e precisamos dizer se aquele estímulo é algo a que já fomos expostos, ou seja, se aquela informação já nos foi apresentada anteriormente — no caso, se fez parte dos conteúdos que nos foram ensinados. Pode-se fazer o reconhecimento, também, por meio da identificação de um estímulo em uma lista de alternativas, como ocorre muitas vezes em avaliações objetivas dos conteúdos aprendidos utilizando-se de questões de múltipla escolha. Até o momento, compreendemos melhor como as informações que chegam através dos diferentes estímulos são codificadas, armazenadas e retidas em nosso sistema de memória; porém, uma parte importante do processo que nos permite aprender e armazenar novos conteúdos refere-se ao esquecimento. O esquecimento é parte do processo e é através dele que somos capazes de renovar nossa capacidade de armazenamento. Informações que deixam de ser relevantes ou que não são mais utilizadas tendem a se enfraquecerem enquanto traço de memória e serem esquecidas. Esse processo é denominado decomposição. O esquecimento pode se dar também por uma falha no processo inicial de entrada da informação, a chamada falha de codificação, ou seja, quando não há um adequado direcionamento do foco atencional para o material-alvo e, por esta razão, a informação não fica disponível tempo suficiente para ser codificada pela nossa memória de curto prazo. Ainda, existem alterações na memória, as chamadas amnésias, que conduzem ao esquecimento e perda de informações. As amnésias são classificadas em anterógrada e retrógrada. O modelo da Memória de Trabalho (MT) foi proposto por Baddeley e Hitch inicialmente na década de 1970, com o propósito de substituir o entendimento proposto sobre o funcionamento da memória de curto prazo. No modelo da MT, discute-se que este sistema não apenas seria responsável por armazenar temporariamente a informação, como também por processá-la de forma ativa, isto é, por manipular os conteúdos durante um período limitado de tempo. A ideia da existência de uma MT operacional representa uma mudança de perspectiva quanto à função do sistema de memória de curto prazo, passando esta a desempenhar um papel ativo no processamento das informações, integrando e manipulando um conjunto limitado de informações, como se fosse uma memória on-line. A MT, portanto, refere-se à capacidade de manter as informações em um estado ativo para que possamos desempenhar tarefas aomesmo tempo. Inclui também a capacidade de ativar memórias do sistema de longo prazo a fim de integrar experiências anteriores com as demandas atuais. Assim, este sistema de armazenamento retém as informações somente durante a execução de determinada atividade. Além disso, o sistema inclui o papel do controle atencional como um sistema que desempenha a função de alocar os recursos atencionais para o adequado funcionamento da MT. No vídeo a seguir, um psicólogo educacional, professor Peter Doolittle, exemplifica de maneira objetiva os conceitos relacionados à MT, sugerindo a importância desta função para nossa vida através da compreensão do que ocorre em cada momento das experiências. https://youtu.be/UWKvpFZJwcE Conseguimos compreender, a partir da exposição do professor Peter, como a MT nos possibilita trabalhar com conteúdos e informações para alcançar nossos objetivos, incluindo o de aprender. Ele refere como indivíduos com alto desempenho de memória de trabalho conseguem obter melhores resultados em diferentes contextos, o que inclui habilidades de escrita e raciocínio lógico. O professor fala também de estratégias que podem melhorar o desempenho da MT, através da repetição, integração dos novos conhecimentos, estruturação e organização das informações, isto é, precisamos processar adequadamente as informações para que consigamos aprender. Esta seria a peça-chave da aprendizagem: se utilizar de estratégias que otimizem e possibilitem nosso melhor processamento das informações e conteúdos. https://youtu.be/UWKvpFZJwcE Em seu modelo atual, a MT divide-se em quatro subcomponentes: Alça Fonológica; Esboço Visuoespacial; Buffer Episódico; e Executivo Central. Os dois primeiros subsistemas são responsáveis pelo armazenamento e processamento de informações codificadas verbalmente e visualmente, respectivamente. Em conjunto, os quatro componentes parecem estar implicados nas nossas atividades cognitivas superiores, sendo fundamentais para a aquisição das aprendizagens, compreensão da linguagem, leitura, aritmética, resolução de problemas e produção da consciência. Discute-se atualmente que a MT talvez seja um dos processos cognitivos mais importantes e que nos permite responder às várias demandas do ambiente, desempenhando nossas atividades diárias. Sabe-se que a MT possui uma relação bastante próxima com as medidas de inteligência, sendo um preditor importante do desempenho escolar e acadêmico, assim como, na vida adulta, do desempenho e sucesso profissional. Atenção refere-se a outra função cognitiva importante a ser mais bem compreendida, pois possui relação direta com os processos de aprendizagem e memória. Em poucas palavras, a definição de atenção poderia ser resumida a nossa capacidade de focar seletivamente em determinados estímulos enquanto somos capazes de evitar outros (distratores). Estes estímulos se referem a todas as informações que são capturadas pelos nossos sentidos, nossas memórias armazenadas e outros processos cognitivos. Assim, pode ser compreendido também como a capacidade que temos de direcionar nossos recursos cognitivos para processar informações que estão sendo recebidas pelo nosso cérebro. Figura 23. Representação de uma pessoa concentrada Fonte: Nossa autoria (2023). A natureza seletiva da nossa atenção faz com que tenhamos uma capacidade limitada de processamento das informações captadas pelos nossos sentidos. Pode-se dizer que a atenção funciona como uma espécie de porta de entrada que se abre para aquelas informações mais importantes que chegam ao nosso cérebro enquanto fecha-se para informações irrelevantes e que seriam responsáveis por consumir nosso recurso cognitivo sem maior necessidade. Considerando isso, sabe-se que existem limites para nossos recursos atencionais. A quantidade de informações que precisamos processar é algo que influencia nossa capacidade atencional, representando um destes limites. A capacidade de foco, ou seja, de reduzir o direcionamento dos nossos recursos atencionais para estímulos, sejam eles internos ou externos, aumenta a probabilidade de emitir respostas rápidas, precisas e adequadas frente aos estímulos importantes do ambiente. Ainda, os limites do direcionamento dos recursos atencionais fazem com que tenhamos uma maior capacidade de recordar e aprender a partir de informações para as quais conseguimos ter sucesso na alocação da nossa atenção, ou seja, daquelas informações nas quais estamos prestando atenção. Já se sabe também que fatores motivacionais (como interesse específico em determinado conteúdo ou informação), emocionais (como ansiedade e humor), além da prática em relação a determinada tarefa que exige nossa atenção são capazes de alterar o desempenho da nossa atenção. Nos tópicos anteriores entendemos mais a respeito dos processos que nos permitem direcionar, alternar, manter ou dividir o foco atencional e, também, discutimos a respeito do funcionamento da nossa memória e como a memória possui relação com a nossa capacidade de aprendizagem. A partir de agora conheceremos mais sobre uma das mais debatidas funções cognitivas, as chamadas funções executivas. Diversos processos são referidos como associados ao funcionamento executivo, mas podemos destacar que os principais incluem: De certo modo, as funções executivas formam um conjunto de ações deliberadas, isto é, controladas pelo próprio indivíduo, com objetivo de alterar os resultados futuros. Assim, é através das funções executivas que somos capazes de perceber o ambiente, responder de forma adequada e adaptativa e antecipar cenários futuros considerando os possíveis desfechos e consequências. As funções executivas podem ser vistas como um termo “guarda-chuva” para diferentes processos cognitivos que atuam de forma conjunta, como por exemplo: atenção alternada e seletiva, memória de trabalho, flexibilidade cognitiva, controle inibitório, julgamento e tomada de decisão, iniciação, organização, autorregulação e resolução de problemas. No geral, estas funções se desenvolvem nos primeiros anos escolares e estendem-se até a vida adulta, ainda que processos como o controle atencional mature primeiro em comparação às capacidades de flexibilidade cognitiva ou de estabelecimento de metas. Aprofundaremos algumas dessas funções que possuem direta relação com o processo de aprendizagem e de desenvolvimento da criança ao longo dos anos escolares. O controle inibitório envolve a capacidade de resistir ao impulso de alguma ação ou atitude, adequando o comportamento ao que é esperado para aquela situação ou ao que é necessário. É a resistência ao agir/reagir por impulso. Pensar antes de agir, resistir às tentações ou distrações e evitar tirar conclusões precipitadas frente às situações. Envolve também a capacidade de sustentar a atenção no que é importante, apesar das várias distrações presentes no ambiente. Entende-se que o controle inibitório é fundamental para termos disciplina frente às demandas e desafios do ambiente, persistência mesmo quando a tarefa é tediosa ou complexa e para sermos capazes de trabalhar embora a recompensa esteja somente no longo prazo. Figura 24. Crianças em sala de aula tentando resistir às distrações ao seu redor Fonte: Nossa autoria (2023). Em contrapartida, diversos experimentos já foram realizados para avaliar controle inibitório em crianças pequenas, aproximadamente de 4 anos de idade, revelando que a capacidade de postergar gratificações e recompensas está relacionada com o melhor desenvolvimento do controle inibitório e, futuramente, com desempenho acadêmico e de enfrentamento de adversidades. Por exemplo, crianças de 4 anos testadas através da famosa tarefa do marshmallow que conseguiram esperar e postergar o ganho da recompensa apresentaram melhor desempenho e sucesso acadêmico na adolescência, além de melhor desempenho em tarefas de controle inibitório na idade adulta. Figura 25. Criança olhando atentamente para um marshmallow Fonte: Nossa autoria (2023). O desenvolvimento do autocontrole é importante para que a criança
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