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Guilherme Hanna Turma 22 TBL 5: FRAGILIDADE E IATROGENIA ESTUDO DIRIGIDO – FRAGILIDADE 1. O QUE É SÍNDROME DE FRAGILIDADE? - Fragilidade seria decorrente do acúmulo de vários fatores: doenças potencialmente não relacionadas, disfunções subclínicas e deficiência em determinados órgãos, partes ou sistemas do organismo. Todos os déficits potenciais presentes em um indivíduo (sinais, sintomas, condições geriátricas, alterações laboratoriais, incapacidades) são listados e posteriormente somados. O somatório dos déficits acumulados em diferentes condições de saúde e em níveis distintos (clínico, fisiológico, funcional) seria preditor de mortalidade. - Nesta teoria, a fragilidade seria um constructo intermediário que surgiria como resultado do efeito dessa somatória nas reservas homeostáticas, ou seja, o número de déficits conduziria a um efeito dose resposta com relação à mortalidade, presumivelmente por meio desse mecanismo intermediário. - Fried et al. (2001; 2010), eFried e Walston (2003) descreveram fragilidade como processo fisiopatológico único, resultante de alterações em uma série de mecanismos biológicos, que leva a modificações de múltiplos sistemas e, eventualmente, ao rompimento do equilíbrio homeostático. Segundo os autores, os sistemas são inter-relacionados e formam uma rede de regulação homeostática que apresenta, quando íntegra, habilidade compensatória aos estressores graças a sua reserva e resiliência. A desregulação de múltiplos sistemas e a diminuição da efetividade dessas interconexões pode conduzir à perda dessas reservas e, consequentemente, comprometer a manutenção da homeostase diante dos estressores. 2. QUAIS OS CRITÉRIOS DE SÍNDROME DE FRAGILIDADE? - O resultado final da agregação dessas múltiplas perdas de reserva tem impacto na capacidade do organismo de responder aos estressores mantendo seu equilíbrio homeostático. A fragilidade surge quando a capacidade fisiológica para responder de maneira apropriada a situações dinâmicas estressoras (exercícios, temperaturas extremas, doenças agudas) mostra-se insuficiente ou inadequada, possivelmente associada ao intervalo e à complexidade de resposta ao estressor que, agora, o organismo é capaz de elaborar. Em decorrência de um estreitamento regulatório, ocorre a diminuição na efetividade das respostas compensatórias. De modo geral, a perda de reserva agregada em múltiplos sistemas pode conduzir a um declínio global na habilidade do organismo como um todo em tolerar estressores, aumentando, assim, o risco de ocorrência de desfechos adversos associados à fragilidade. - Em última análise, tais mudanças levariam a uma espiral negativa de declínio funcional. Os principais sistemas envolvidos incluiriam os que mantêm a estabilidade na produção, distribuição e utilização de energia, abrangendo os que envolvem processos hormonais, imunológicos, inflamatórios e neurológicos. A diminuição da energia disponível afetaria múltiplos sistemas fisiológicos, levando ao seu comprometimento funcional e, em última instância, desencadearia um progressivo declínio no funcionamento físico. Em um organismo saudável, a rede homeostática é complexa e adapta-se, rápida e flexivelmente, a diferentes tipos de perturbações internas e externas. O envelhecimento ocasionaria mudanças nessas estratégias adaptativas que, progressivamente, se tornariam limitadas. - A Figura 118.3 mostra o círculo vicioso ou espiral da síndrome de fragilidade que pode ter início em qualquer ponto como, por exemplo, na ingestão alimentar. Existem evidências mostrando a associação entre envelhecimento e diminuição na habilidade de modular, de maneira equilibrada, a ingestão alimentar com o total de gasto energético despendido, o que aumenta a probabilidade de consumo alimentar inadequado e/ou insuficiente. Essa anorexia do envelhecimento pode ser composta por muitos fatores capazes de diminuir a ingestão alimentar, incluindo diminuição do paladar e do olfato, problemas odontológicos, depressão, demência e outras doenças. A ingestão energética menor que as calorias necessárias para suprir o gasto energético despendido pode conduzir a um estado crônico de subnutrição proteico-energética que levaria à perda de massa muscular, resultando em sarcopenia. A sarcopenia contribui para a perda de força e para o declínio da tolerância máxima ao exercício (VO2 máx.), que, Guilherme Hanna Turma 22 juntos, levam à lentidão de velocidade de caminhada e, posteriormente, à incapacidade no desempenho de tarefas que exijam força e/ou tolerância ao exercício e, por fim, à diminuição da taxa metabólica latente que, concomitantemente a outros declínios, culmina com a queda no total de energia despendida. - Esse ciclo (Figura 118.3) teria manifestações clínicas como declínio de força, energia, velocidade de marcha, atividade física e perda de peso, todas inter-relacionadas. Essas manifestações seriam detectáveis por um fenótipo mensurável constituído por cinco componentes: Perda de peso não intencional (4,5 kg ou mais no último ano ou pelo menos 5% do peso corporal). Fadiga (obtida por autor-referência de exaustão a partir de duas questões do Center for Epidemiologic Studies – Depression). Diminuição da força (mensurada por dinamômetro em membro superior dominante ajustado por gênero e índice de massa corporal [IMC]). Baixo nível de atividade física (obtido pelo cálculo do dispêndio médio semanal de quilocalorias obtidos pelo relato das atividades físicas desenvolvidas no período ajustadas por gênero). Diminuição da velocidade da marcha (obtida pelo tempo despendido para caminhar um espaço de 4 m ajustado por gênero e altura). - Ou dois componentes do fenótipo seria indicativo de alto risco de desenvolver a síndrome (pré-frágeis), e três ou mais componentes estariam presentes em idosos frágeis. 3. QUAL O SIGNIFICADO DE IDOSO FRÁGIL DO PONTO DE VISTA CLÍNICO? - Com base nesse contructo, Fried et al. (2001) identificaram uma prevalência de 7% de idosos (≥ 65 anos) frágeis vivendo na comunidade, e tal condição acompanhava o avançar da idade (3% entre 65 e 74 anos e 25% entre os com idade ≥ 85 anos). Segundo os autores, fragilidade é uma condição progressiva, dinâmica e geralmente crônica, com uma transição, em 18 meses, de 43% evoluindo para a condição de frágil, 23% para a condição de pré-frágil. - Fragilidade pode, assim, ser considerada uma síndrome clínica geriátrica, com um conjunto de sintomas e sinais centrais ligados à fisiopatologia subjacente que são capazes de identificá-la. Nesse processo, o nível normal de mecanismos homeostáticos pode não ser mais suficiente para produzir uma resposta homeostática eficiente, sendo necessário selecionar outros estados de equilíbrio menos eficientes. Nessa perspectiva, o fenótipo de fragilidade ou sua condição fisiológica subjacente (fisiotipo) pode representar o melhor estado possível de equilíbrio de uma pessoa, em qualquer nível de função fisiológica, em uma tentativa de evitar a espiral de deterioração para o óbito. Como as respostas adaptativas teoricamente podem ser melhoradas, prevenção e tratamento tornam-se possíveis (Figura 118.5). Guilherme Hanna Turma 22 - A ideia de um processo fisiopatológico único envolvido na gênese de ambos – vulnerabilidade e fragilidade – enquanto apresentação clínica é particularmente atrativa, pois torna o diagnóstico de fragilidade possível com base em um número finito de critérios e permite atuar de forma proativa na identificação das pessoas que já mostram manifestações clínicas e na identificação daquelas em estágios subclínicos. - Sugere-se que o fenótipo descrito, com medidas padronizadas e critérios bem definidos, construído com base em uma teoria biológica e validado com critérios diagnósticos fortemente relacionados com a idade, pode ser utilizado como rastreamento diagnóstico fácil e confiável e servir como base para prevenção e tratamento da fragilidade. A principal desvantagem dessadefinição em particular é que sua avaliação requer aproximadamente 10 ou 15 min. - Segundo Fried et al. (2010), alguns idosos podem ser ativos e com boa funcionalidade; no entanto, diante de estressores como, por exemplo, uma fratura de fêmur, mostrariam pouca reserva funcional e apresentariam rápido declínio em múltiplos sistemas. Esses indivíduos podem estar em um estágio precoce do ciclo de fragilidade que ainda não é clinicamente aparente. Guilherme Hanna Turma 22 Aqueles com uma ou duas das características do fenótipo apresentam risco duas a cinco vezes maior de progredir para fragilidade (definida como três ou mais componentes presentes simultaneamente) quando comparados aos que não têm nenhuma característica, o que dá suporte à hipótese da existência de um estágio subclínico de fragilidade. - O ciclo de balanço energético negativo combina com o fenótipo clínico de fragilidade, mas não explica completamente a vulnerabilidade aos estressores e a diminuição da reserva que são centrais na definição da síndrome que, possivelmente, é mais complexa. - Fragilidade pode, portanto, ser compreendida como um continuum que avança de um estado latente de alterações fisiológicas para a síndrome clinicamente aparente (Quadro 118.1). Atualmente, defende-se que um “fisiotipo” de alterações básicas ocorre nos sistemas fisiológicos com consequente desenvolvimento de apresentações clínicas ou “fenótipo” passado certo nível de disfunção global. Esse “fisiotipo” pode tornar-se clínica ou fenotipicamente aparente quando sistemas vulneráveis descompensam diante dos estressores. - Três sistemas fisiológicos parecem ser componentes integrais da fragilidade e centrais na compreensão das causas relacionadas com a maior vulnerabilidade aos estressores associados à síndrome. São eles sarcopenia ou perda de massa muscular, disfunção imunológica e desregulação neuroendócrina. - A sarcopenia ou perda de massa muscular associada ao envelhecimento inicia-se aproximadamente aos 35 anos e avança de maneira regular, podendo alcançar uma perda de até 50% da massa muscular (musculoesquelético), que é reposta com tecido adiposo e fibrótico. Essa perda cumulativa resulta em diminuição de força e de tolerância ao exercício, fadiga, fraqueza e diminuição da capacidade de desempenhar muitas atividades de vida diária. O declínio na força constitui fator de risco para comprometimento de equilíbrio, velocidade de caminhada e quedas. - A perda musculoesquelética resulta em declínio da taxa metabólica de repouso com consequências metabólicas diretas que ainda não são claras. No entanto, a termorregulação parece constituir um elemento crítico nesse contexto e muito da intolerância ao frio e ao calor observada nos idosos está relacionada com esse fenômeno. A reposição gradual dessa perda tecidual com gordura e tecido fibroso é parcialmente responsável pelo aumento da resistência à insulina e da intolerância à glicose observada na meia- idade e nos idosos. Como a insulina é um dos mais importantes hormônios anabólicos, a diminuição, em nível tecidual, dos seus valores efetivos pode contribuir para um estado catabólico generalizado que caracteriza os indivíduos frágeis. 4. COMO PREVENIR E REABILITAR A FRAGILIDADE? - Prevenção, diagnóstico e intervenções terapêuticas acompanham a atual compreensão sobre fragilidade. Torna-se assim fundamental que as pessoas idosas vulneráveis e frágeis sejam identificadas antes que os desfechos adversos associados a tais condições ocorram. - A identificação da fragilidade secundária, decorrente de doenças latentes ou não tratadas, deve ser incluída na avaliação, uma vez que pode conduzir também a um estado catabólico com perda de peso ou diminuição da ingestão calórica. Boa parte das doenças consumptivas pode ser tratada, incluindo insuficiência cardíaca congestiva, doenças da tireoide, diabetes, tuberculose e outras infecções crônicas, câncer e condições inflamatórias e condições neuropsicológicas como depressão, demência, psicose e luto. - Nessa avaliação, devem-se ainda rastrear os fatores que podem exacerbar a vulnerabilidade, como medicações inadequadas ou polifarmácia, hospitalizações, cirurgias ou outras intervenções com potenciais efeitos iatrogênicos. Uma avaliação geriátrica global centrada na pessoa idosa envolvendo a família e/ou cuidador e monitoramento regular por equipe de saúde capacitada auxiliará na identificação proativa de tais condições e no estabelecimento de intervenções precoces. Evidências sugerem que o monitoramento e o cuidado contínuo são capazes de alentecer o declínio funcional e reduzir a ocorrência dos desfechos adversos associados à síndrome. - Se a fragilidade for uma condição primária, o objetivo do tratamento deve ser a instituição precoce de intervenções de suporte para prevenir a perda de massa muscular e melhorar a força e a energia. Essas intervenções visam controlar os fatores que podem desencadear ou acelerar as manifestações de fragilidade, especialmente baixa atividade, inadequação nutricional e uso de medicações com efeitos catabólicos. Devem-se considerar, se indicadas, a prescrição de exercícios regulares e a adição de suplementação nutricional. Existem evidências indicando que exercícios resistidos contribuem para o aumento da força nos idosos frágeis, além de atuar na prevenção da síndrome. Os melhores resultados foram obtidos entre os que apresentavam diminuição de força, mas não tinham atrofia muscular. A suplementação alimentar, no entanto, só se mostrou efetiva quando associada à realização de exercícios, pois, quando isolada, não levou a aumento da massa muscular, força ou melhora funcional. Guilherme Hanna Turma 22 - A manutenção da força auxilia na manutenção da tolerância ao exercício, o que contribui com o engajamento espontâneo dos idosos em outras atividades. Isso pode ser explicado pela associação entre o declínio da força e a tolerância ao exercício, o que faz com que os idosos nessas condições consumam maiores proporções de VO2 máx. para o desempenho de suas atividades de vida diária. Idosos sedentários, por exemplo, requerem cerca de 90% de seu VO2 máx. para conseguirem desempenhar suas atividades diárias. - Embora as várias modificações observadas no sistema endócrino com o avançar da idade sejam mensuráveis (queda nos níveis de estrógeno, testosterona, hormônio do crescimento e desidroepiandrosterona [DHEA]), as evidências ainda não são claras quanto à sua utilização para o diagnóstico da síndrome de fragilidade. Como tais hormônios são importantes na manutenção da massa magra e densidade mineral óssea, há vários estudos sendo desenvolvidos na busca de terapias de reposição eficientes que, prevenindo ou tratando o declínio hormonal, possam, em alguns casos, evitar o declínio da massa muscular. - A terapia hormonal mais conhecida e aceita é a reposição de estrógeno entre as mulheres. Há poucas evidências mostrando que ela prolongue a sobrevida ou aumente a massa magra, mas está associada à manutenção da densidade mineral óssea e, ainda, parece ter algum papel na prevenção de doença cardiovascular e nas demências. Nos homens, os níveis de testosterona não declinam tão acentuadamente quanto o estrogênio nas mulheres em menopausa, além de haver uma grande variabilidade nos níveis encontrados entre os homens. A terapia de reposição hormonal de testosterona em homens jovens com hipogonadismo leva ao aumento da massa muscular. No entanto, isso não ocorre, necessariamente, nas pessoas idosas. Por outro lado, essa suplementação costuma ser acompanhada pelo aumento do risco de desenvolvimento de hiperplasia benigna da próstata e do potencial efeito estimulatório do hormônio em câncer de próstata preexistente. CONCLUSÕES - Dada sua complexidade, lidar com a síndrome de fragilidade tanto em sua prevenção quanto nas intervenções propostas representa um grande desafio para todos. - Atualmente, o conhecimento sobre o tema propicia as seguintes considerações: Fragilidade é uma síndrome decorrente da interação de múltiplos fatores ao longo do curso de vida e pode ser precocemente identificada. Representa um continuum resultante do impacto de déficits em múltiplos sistemas, principalmente nos sistemas neuroendócrino, imunológico e musculoesquelético, provocando alteração na homeostase e desencadeando efeitos adversos (declínio da capacidade funcional, institucionalização, incapacidade e óbito). É considerada um fenômeno clínico em que há forte associação com a idade. Não é um fenômeno uniforme no envelhecimento. É uma condição progressiva, porém com forte potencial para prevenção e tratamento dos sintomas, o que pode resultar em reversibilidade do quadro. - Assim, tornam-se necessários ao desenvolvimento de mais estudos sobre a temática e a atualização constante dos diferentes profissionais que atuam com pessoas idosas a fim de torná-los agentes modificadores desse processo. ESTUDO DIRIGIDO – IATROGENIA 5. O QUE É IATROGENIA? - Os efeitos adversos das intervenções médicas (iatrogenia) constituem-se em eventos não intencionais que resultam em dano, complicações, incapacidade, aumento do tempo de internamento e morte, os quais resultam de cuidados e gerenciamento de saúde, e não da doença de base. 6. QUAIS OS TIPOS DE IATROGENIA? POR QUE IDOSOS SÃO MAIS PREDISPOSTOS A SOFREREM IATROGENIAS - O envelhecimento aumenta a prevalência de multimorbidade e, consequentemente, do aumento no consumo de fármacos. Torna-se lógica a expectativa de serem encontradas maiores reações adversas e/ou interações medicamentosas nessa faixa etária. Por isso, a iatrogenia passou a ser considerada uma das síndromes geriátricas. Outro fator predisponente é o fato de um paciente ser assistido por múltiplos profissionais, de diversas especialidades, que prescrevem intervenções e medicamentos e não se comunicam entre si. 7. O QUE É IATROGENIA MEDICAMENTOSA? QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS DE IATROGENIA PARA OS IDOSOS Guilherme Hanna Turma 22 - Todo sinal ou sintoma de instalação subsequente ao início de novo medicamento ou ao aumento de dose deve levantar a suspeita de ser de causa farmacológica. Anti-hipertensivos, diuréticos e hipnóticos podem, por exemplo, provocar hipotensão ortostática e/ou quedas e induzir à progressiva imobilidade. Outras circunstâncias, como o consumo excessivo ou a retirada abrupta de fármacos, contribuem constantemente para o desenvolvimento de estados confusionais agudos, como no caso dos benzodiazepínicos. - Deve-se pensar em efeito adverso de medicamentos quando o paciente idoso apresentar, de forma aguda ou subaguda, declínio funcional, confusão mental, déficit cognitivo, distúrbios comportamentais, sintomas depressivos, queixas de tonturas, alterações da marcha e do equilíbrio, quedas repetidas, incontinência urinária e/ou fecal. As síndromes extrapiramidais também estão relacionadas com o uso de medicamentos e a sua ocorrência é mais comum em idosos. - As reações adversas medicamentosas (RAM) são a forma mais comum de iatrogenia nos idosos e seu risco aumenta quando se utiliza fármacos inapropriados. O uso de medicamentos potencialmente inapropriados (MPI) para idosos levam a reações adversas potencialmente ameaçadoras à vida ou incapacitantes e está associado a problemas evitáveis nesses pacientes, como depressão, constipação, quedas, imobilidade, confusão mental e fraturas de quadril. Além de uma relação com a ocorrência de RAM, o uso de MPI está associado com um aumento do risco de hospitalização e mortalidade, tornando-se um relevante problema de saúde pública para a população idosa. 8. EXPLIQUE BASEANDO-SE NAS ALTERAÇÕES FARMACOCINÉTICAS, FARMACODINÂMICAS E MODIFICAÇÕES CORPORAIS ASSOCIADAS AO ENVELHECIMENTO QUE DEIXAM O IDOSO MAIS VULNERÁVEL À IATROGENIAS FARMACOLÓGICAS. - O declínio de funções fisiológicas se traduz por alterações em alguns parâmetros farmacocinéticos. ABSORÇÃO - As mudanças fisiológicas incluem diminuição da superfície de absorção, diminuição do volume sanguíneo esplâncnico, aumento do pH gástrico e alterações da motilidade do trato gastrintestinal. Observam-se diminuição do pico de concentração sérica e demora no início do efeito (aumento da latência). DISTRIBUIÇÃO - Diminui a proporção de água em relação ao peso corporal, com diminuição no volume de distribuição de fármacos, por exemplo, digoxina. - Reduz-se também a concentração plasmática proteica em pacientes debilitados ou desnutridos, reduzindo a forma conjugada e permitindo que a forma livre vá mais agilmente a sítio-alvo e emunctórios. Consequentemente, o efeito do fármaco aumenta em intensidade (intoxicação), e diminui sua duração. - Há também diminuição de massa corporal, levando a diminuição de fármacos que se ligam ao músculo. O mesmo ocorre com estoques de gorduras, fazendo com que fármacos lipossolúveis não se acumulem no tecido adiposo. BIOTRANSFORMAÇÃO - Diminuição de fluxo sanguíneo hepático a partir dos 65 anos acarreta alterações nas fases I e II do metabolismo de fármacos. Há consequências clínicas quando o metabolismo de fase II resulta em metabólitos ativos que se acumulam, como diazepam. Se os metabólitos são inativos, não há problemas. - Alterações no metabolismo acarretam prolongamento da meia-vida de alguns fármacos e podem alterar a biodisponibilidade daqueles que sofrem metabolismo de primeira passagem. EXCREÇÃO - É influenciada principalmente pela função renal. Nos idosos, há diminuição de fluxo renal e filtração glomerular. Fármacos com excreção renal preponderante, aumentam a meia-vida, o que pode resultar em acúmulo e toxicidade, o que ocorre com digoxina, vancomicina e lítio. 9. O QUE SÃO E PARA QUE SERVEM OS CRITÉRIOS DE BEERS - FICK? QUAIS SÃO ELES? - Os Critérios de Beers também conhecidos como a lista de Beers é uma listagem dos medicamentos considerados inapropriados e/ou pouco seguros para serem administrados em geriatria. Constitui uma referência para os profissionais de saúde acerca da segurança de administração medicamentosa na pessoa idosa. Baseia-se nas alterações fisiológicas próprias da idade e na fisiopatologia, que tornam estes pacientes mais suscetíveis aos efeitos secundários dos medicamentos. - A versão dos critérios de Beers-Fick de 2003 (Fick et al., 2003) permite identificar MPI, capacitar os prescritores e seguradoras para estabelecer planos de intervenção destinados a reduzir os custos com os medicamentos e gastos globais em cuidados de saúde, reduzindo também internações relacionadas com os problemas medicamentosos e melhoria dos cuidados. Além disso, essa versão permite identificar maior número de situações do que a versão de 1997. - A versão mais atual do critério de Beers-Fick foi publicada em 2012 (Campanelli, 2012) e é dividida em três listas. A primeira contém 34 medicamentos ou classes de medicamentos que devem ser evitados por idosos, seus potenciais riscos e algumas de suas dosagens. A segunda contém os medicamentos que devem ser evitados considerando o diagnóstico e a terceira contém 14 medicamentos ou classes de medicamentos que devem ser usados com cautela. Criterios de Beers-Fick A. Medicações que são potencialmente inadequadas - Evitar antagonistas de receptores H2 em pacientes com delirium; - Suspensão da recomendação de evitar antagonistas de receptores H2 para idosos com demência. B. Medicações a serem evitadas em contextos específicos - Inibidores de recaptação de serotonina e noradrenalina devem ser evitados em idosos com históricos de queda e/ou fraturas; - Antipsicóticos devem ser evitados em pacientes portadores de Parkinson (exceto quetiapina, clozapina e primavanserina; - Evitar bloqueadores de canais de cálcio não diidropiridinicos em pacientes com ICC de fração de ejeção reduzida; Guilherme Hanna Turma 22 - O uso de AINES, inibidores da cox-2 e tiazolidinedionas deve ser evitado nos pacientes idosos com ICC sintomáticos e utilizadoscom cautela naqueles pacientes idosos com ICC assintomáticos; - Evitar o uso de cilostazol em pacientes portadores de ICC de qualquer tipo. C. Medicações que demandam cautela no uso - Ácido acetilsalicílico não deve ser utilizado como prevenção primária em idosos acima de 70 anos (tanto para eventos cardiovasculares quanto para câncer de colo retal). Essa medida não se aplica para os casos de prevenção secundária; - Uso de rivaroxabana para o tratamento de tromboembolismo venoso ou fibrilação atrial em idosos com idade igual ou superior à 75 anos; - Uso de tramadol está associado ao tisco de hiponatremia ou síndrome de alteração de secreção de ADH; - Vasodilatadores foram excluídos da lista de medicações com manejo cauteloso, pois efeitos adversos se aplicam a todos os pacientes; - A combinação de sulfametoxazol-trimetropim (SMX/TMP) deve ser avaliada com cautela em pacientes com função renal diminuída e uso de IECA ou BRA por risco aumentado de hipercalemia. D. Medicações com atenção às interações medicamentosas - Evitar o uso de opioides em pacientes que utilizem benzodiazepínicos, gabapentina ou pregabalina por maior risco de sedação excessiva e depressão respiratória; - O uso de SMX/TMP deve ser avaliado com cautela em pacientes que utilizam varfarina (por aumento do risco de sangramento) e também entre os que utilizam fenitoína (por aumento do risco de toxicidade); - A utilização de macrolídeos (exceto azitromicina) e ciprofloxacino deve ser avaliada com cautela quando em concomitância com varfarina por aumentar o risco de sangramento; - A combinação de ciprofloxacino e teofilina aumenta o risco de toxicidade da teofilina; - O uso de agentes que atuam no SNC (antidepressivos, antipsicóticos, benzodiazepínicos, antagonistas dos receptores benzodiazepínicos, antiepilépticos e opioides) de modo simultâneo em mais de três drogas foi colocado em uma única recomendação de cautela por aumento do risco de queda (até então se considerava cada droga em separado); - Evitar o uso concomitante de medicações que aumentem potássio sérico (com ampliação de medicações incluídas a partir de 2019). E. Medicações com necessidade de ajuste pela função renal - Os antibióticos ciprofloxacino e SMX/TMP devem ser ajustados por riscos de efeitos sobre SNC e lesões tendíneas (para quinolonas) e piora de função renal e hipercalemia (para sulfa); - Evitar edoxabana para pessoas com clearance menor do que 15 L/min. 10. O QUE É POLIFARMÁCIA? QUAL A SUA CLASSIFICAÇÃO? POR QUE OS IDOSOS APRESENTAM ELEVADA PREVALÊNCIA DE POLIFARMÁCIA? - Considera-se haver polifarmácia quando há uso desnecessário de pelo menos um medicamento ou presença de cinco ou mais fármacos em associação. Alguns autores consideram também polifarmácia como tempo de consumo exagerado (pelo menos 60 a 90 dias). - A polifarmácia, praticada em grande escala, seja por prescrição médica ou automedicação, favorece a ocorrência de efeitos adversos e interações medicamentosas. - Cautela, pois, deve ocorrer em relação a associações de medicamentos, principalmente em doses fixas. - O uso de um medicamento para tratar o efeito adverso de outro (efeito corretivo) é exceção a esse contexto, como, por exemplo, suplementação de potássio para terapia diurética. 11. QUAIS PRINCÍPIOS DEVEM SER OBEDECIDOS PARA UMA BOA PRESCRIÇÃO MÉDICA PARA IDOSOS? - A tomada de medicamentos envolve sequência de etapas – prescrição, comunicação, dispensação, administração e acompanhamento clínico – o que a torna um ato complexo e vulnerável às iatrogenias, particularmente em idosos. Este processo pode ser prevenido já na etapa inicial da prescrição. - O número de medicamentos é o principal fator de risco para iatrogenia e reações adversas, havendo relação exponencial entre a polifarmácia e a probabilidade de reação adversa, interações medicamentosas e medicamentos inapropriados para idosos. - Os pacientes idosos estão especialmente sujeitos à ocorrência de eventos iatrogênicos. Muitas vezes são tratados como qualquer outro paciente adulto, sem que se leve em consideração a singularidade do processo de senescência e senilidade. Desta forma, a prevalência dos eventos iatrogênicos na população idosa pode ser elevada, posto que estas pessoas não estão recebendo um tratamento caracterizado para sua idade e assim ficam mais suscetíveis aos erros dos profissionais da saúde. - Diante do exposto, é possível constatar que a ocorrência de eventos iatrogênicos adquire maior importância nos idosos, uma vez que tanto a incidência quanto a intensidade das manifestações e complicações provocadas são maiores nessa população. - Na prática, a prescrição de um medicamento deve seguir alguns preceitos básicos. Diversos estudos internacionais trazem um famoso aforismo da Geriatria, start low and go slow (comece baixo e continue devagar), indicando que no idoso deve-se ter cuidado com doses iniciais muito altas, dando-se preferência para um início com doses menores e uma progressão gradual (Williams, 2002). Entretanto, cabe lembrar que isso não implica subdosagens ou omissão de medicamentos, prática infelizmente comum no idoso. - Uma outra ferramenta interessante para lembrar dos cuidados que devemos ter ao prescrever um medicamento é a ferramenta criada por Hanlon et al. (1992) chamada Medication Appropriateness Index (Índice de adequação medicamentosa). Essa ferramenta traz 10 perguntas que devem ser feitas quando se prescreve um medicamento: 1. “Existe indicação para esse medicamento? ” 2. “O medicamento é efetivo para essa condição? ” 3. “A dose está correta? ” 4. “A forma de tomada é correta? ” 5. “A forma de tomada é prática? ” 6. “Existem interações medicamentosas clinicamente significantes? ” 7. “Existem interações entre medicamentos e condições clínicas? ” Guilherme Hanna Turma 22 8. “Existem duplicações desnecessárias com outras drogas? ” 9. “A duração da terapia é aceitável? ” 10. “Existe algum outro medicamento de menor custo, porém com igual utilidade/eficácia? ”. - Os autores do livro sugerem o acréscimo de uma décima primeira pergunta na prescrição do idoso, que seria, “Existe algum medicamento inapropriado para o uso noidoso? ” - Levando em consideração essas premissas, uma prescrição medicamentosa mais segura pode ser obtida. 12. O QUE É CASCATA IATROGÊNICA? - Consideram-se como afecções iatrogênicas aquelas decorrentes da intervenção do médico e/ou de seus auxiliares, seja ela certa ou errada, justificada ou não, mas da qual resultam consequências prejudiciais para a saúde do paciente. - No Brasil, o processo conhecido como cascata iatrogênica é utilizado para descrever a situação em que o efeito adverso de um fármaco é interpretado incorretamente como nova condição médica que exige nova prescrição, sendo o paciente exposto ao risco de desenvolver efeitos prejudiciais adicionais relacionados ao tratamento potencialmente desnecessário (Secoli, 2010). - Entretanto, na literatura científica internacional temos dois termos que trazem dois conceitos diferentes e merecem ser destacados: Cascade iatrogenesis ou cascata iatrogênica que é “o desenvolvimento de complicações médicas múltiplas associadas com redução dos mecanismos para lidar com estressores externos”, tendo como exemplo um paciente com dor pós- operatória que é muito sedado, evoluindo para insuficiência respiratória, levando a necessidade de ventilação mecânica e que, subsequentemente, desenvolve uma pneumonia associada à ventilação mecânica. Prescribing iatrogenesis (Rochon e Gurwitz, 1997) ou iatrogenia prescritiva que “ocorre quando um evento adverso é interpretado incorretamente como nova condição médica que exige nova prescrição.
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