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REFLUXO GASTROESOFÁGICO NA PEDIATRIA O refluxo gastroesofágico pode ser conceituado como um fluxo retrógrado e repetido de conteúdo gástrico para o esôfago. É muito frequente em crianças, em sua maioria das vezes a evolução é benigna e caracterizada pela presença de regurgitações. A maior parte dos casos corresponde ao refluxo fisiológico, resultante da imaturidade dos mecanismos de barreira anti-refluxo. Classificação - Fisiológico: Ocorre devido ao relaxamento transitório do esfíncter esofágico inferior (EEI) no período pós-prandial. As regurgitações têm início no nascimento e comumente vão até os 4 meses de idade, apresentando resolução espontânea uma vez que as regurgitações diminuem por volta dos 6 meses quando há troca dos hábitos alimentares e adoção de postura mais ereta. - Patológico: Quando os vômitos e regurgitações não melhoram após os 6 meses, não apresenta fator de melhora com novas medidas posturais e alimentares. Há repercussões clínicas como parada do crescimento, sinais e sintomas de esofagite. - Primário: Resultante de disfunção da junção esofagogástrica. - Secundário: Quando associado à condições específicas como estenose congênita do esôfago, atresia, distúrbios de deglutição, fístula traqueo-esofágica, estenose hipertrófica do piloro, úlcera gástrica ou duodenal, pâncreas anular, pseudo-obstrução intestinal, alergia alimentar (PLV), infecção urinária, parasitoses, doença genética-metabólica, asma, fibrose cística e alterações do SNC. - Oculto: A criança apresenta manifestações clínicas características no sistema respiratório, otorrinolaringológicas, indicativos de esofagite (irritabilidade, choro constante) mesmo na ausência de vômitos e regurgitações. Etiopatogenia EEI – esfíncter esofageano inferior PGE – prostaglandina E PVI – peptídeo vasoativo intestinal. A etiologia da DRGE é multifatorial com mecanismos intrínsecos (envolvendo glicoproteínas produzidas pelas células parietais do estômago), fatores anatômicos que prejudicam a contração e relaxamento do esfíncter esofagiano inferior, fatores genéticos, postura, alterações da deglutição, e resistência da mucosa esofagiana. Fisiologicamente há mecanismos anti-refluxo, tais como os apresentados na figura acima (o esfíncter esofágico inferior (EEI), o ângulo de His, o ligamento frenoesofágico, o diafragma crural e a roseta gástrica.) O relaxamento do esfíncter esofagiano inferior ocorre fisiologicamente após uma deglutição, reflexo normal após a distensão do estômago através de estímulos vagais, sua maturação se inicia nas primeiras semanas de vida intrauterina e apresenta mudanças anatômicas (aumento de aproximadamente 2 cm) com 2-3 meses de vida, chegando em sua maturação final no fim do primeiro ano da criança. O ligamento frenoesofágico tem como função impedir que o EEI seja submetido a pressão intratorácica negativa. O hiato diafragmático se contrai aumentando a pressão intraluminal da junção esofagogástrica, impedindo o refluxo. O ângulo de his, é formado pelo esôfago abdominal e o fungo gástrico. Em condições normais esse ângulo é agudo e dessa forma o volume do conteúdo gástrico aumenta a pressão no esôfago abdominal por compressão extrínseca, decorrente de distensão do fundo do estômago. No recém-nascido, por questões anatômicas de desenvolvimento esse ângulo é obtuso. A roseta gástrica, formada pelas pregas concêntricas da mucosa gástrica, na transição entre o esôfago e o estômago, ajuda na contenção do conteúdo gástrico evitando sua passagem para o estômago. Nas crianças pequenas essas estruturas estão imaturas anatomicamente, assim é mais comum ocorrer vômitos e regurgitações que tendem a melhorar com a idade, sem repercussões clínicas. O aumento do volume do estômago (função motora anormal do fundo gástrico) e retardo do seu esvaziamento podem estar envolvidos na etiopatogênese do refluxo. A distensão gástrica gasosa é importante desencadeante do RTEEI provavelmente após estímulo vagal. O retardo do esvaziamento do esôfago, possivelmente associado à ineficácia da salivação e do peristaltismo parece ter importância no desenvolvimento da esofagite de refluxo. A presença de ácido gástrico altera defesas do esôfago e consequentemente promove lesão da mucosa. Pepsina e sais biliares aumentam a gravidade dos danos. Hérnias hiatais parecem ter relação com a gravidade refratariedade ao tratamento clínico da esofagite de refluxo. Aumento da pressão intra-abdominal permanente (como obesidade) ou transitória (inspiração profunda, tosse, exercício, manobra de Valsalva, constipação e outros) postural predominantemente em decúbito são fatores que predispõem ao refluxo. Avaliação clínica A decisão pela investigação diagnóstica depende do julgamento da gravidade e repercussão do conjunto de sinais e sintomas da criança, o pediatra deverá avaliar: - Idade do aparecimento dos primeiros sintomas, sendo que na criança tem início nos primeiros meses de vida e melhoram até 12 ou 24 meses em 80% dos casos. - Manifestações clínicas específicas, tais como ruminação, vômitos, regurgitações, eructação; relacionadas à esofagite (dor, anemia e sangramentos); respiratórias (broncoespasmo, pneumonia de repetição); otorrinolaringológicas (laringites, sinusites, otites). - Diferenciar vômitos (náusea prévia, dor, desconforto abdominal, contração da musculatura torácica, ou seja, sintomas autônomos) e regurgitações (retorno de pequena quantidade do conteúdo gástrico e esofágico para a faringe e boca, sem esforços). - Presença de esofagite: Em lactantes são observadas choro excessivo, irritabilidade, distúrbios do sono, agitação e recusa da dieta. Síndrome de sandifer: caracterizada pela associação de esofagite, anemia e postura típica da cabeça em resposta ao refluxo, sendo identificada em crianças pequenas. - Hematêmese, melena, sangue oculto nas fezes e anemia ferropriva podem estar presentes em qualquer idade, porém necessitam de identificação também. - As crianças mais velhas podem se queixar de: Disfagia, pirose, dor torácica do tipo angina, dor e queimação na região epigástrica, odinofagia, sialorréia e dor abdominal recorrente. - Comprometimento do crescimento: Resultante da perda de nutrientes pela presença de esofagite; gasto energético aumentado devido broncoespasmos; manifestações respiratórias; e dificuldade de se alimentar. - Broncoespasmos (muitas vezes é o único sinal em RGE oculta), tosse noturna, resposta inadequada ao tratamento medicamentoso para asma, ausência de histórico familiar de atopia e início precoce da hiper-reatividade de brônquica podem levantar a suspeita de RGE. - Soluço, rouquidão e erosão dentária. - Nos pacientes com pneumonia recorrente inexplicável o RGE oculto deve ser excluído. Diagnóstico O diagnóstico do RGE deve começar pela elaboração da história clínica completa. A história clínica de regurgitações em crianças de baixa idade, sem outras queixas e sem alterações ao exame físico, sugere o diagnóstico de RGE fisiológico. Nesses casos não há necessidade de qualquer exame complementar, sendo recomendado o acompanhamento clínico. Sintomas e sinais como ganho insuficiente de peso, irritabilidade, choro constante, sangramentos digestivos evidentes ou ocultos, acompanhados de anemia de difícil controle, broncoespasmo persistente, pneumonias de repetição e sintomas otorrinolaringológicos recorrentes podem ser manifestações do refluxo gastroesofágico patológico. Para a confirmação existem vários exames complementares disponíveis, cada qual com sua especificidade, porém não existe um teste isolado, e sim um arsenal de exames investigatórios. - Endoscopia digestiva alta associada com biópsia esofágica É um exame invasivo que requer sedação ou anestesia para ser realizado, não diagnostica o refluxo e sim identifica zonas de estenose, esôfago de Barrett (caracterizado pela presença de metaplasia intestinal no esôfago); esofagite a ele associada por estar diretamente ligada a mucosa esofágica. As ulcerações esofágicas confirmam o diagnóstico endoscópico de esofagite. Em pediatria devesempre estar associada à biópsia do esôfago distal. - pHmetria Fisiologicamente o pH varia de 5-7 e quando cai para 4 sugere refluxo ácido. A monitoração do pH esofágico documenta a acidificação do esôfago durante períodos prolongados, mede o RGE ácido. Sua sensibilidade varia de 87-93%, a especificidade é de 92,9-97% É considerado de grande importância em quase todos os casos, estando relacionado à esofagite e aos quadros de apnéia, não só especificamente para DRGE. - Impedanciometria intraluminal Permite a determinação de episódios de refluxo de pH fisiológico, sendo, junto com a phmetria, de valor na avaliação das manifestações respiratórias do refluxo gastroesofágico. - Radiografia de esôfago/estômago/duodeno (REED) É o exame mais utilizado em virtude da menor disponibilidade de procedimentos mais sensíveis e específicos. Tem sensibilidade de 50-65%, pode ser falso positivo em decorrência do relaxamento transitório de EEI que ocorre após a deglutição ou distensão gástrica e a técnica do exame por ter curto período de observação. Pode ser contrastado, e é importante para diagnosticar anormalidades estruturais anatômicas que podem causar sintomas similares ao da DRGE como hérnia, estenose e volvo; detecção de má rotação intestinal, obstrução intestinal, fístula traqueo-esofágica, hérnia de hiato e distúrbios de motilidade, e presença de espasmos do esôfago. Sendo útil também na avaliação do esvaziamento gástrico. - US abdominal Tem baixa sensibilidade e especificidade para o diagnóstico da DRGE. Avalia apenas o refluxo pós-prandial, sob pressão da parede abdominal, não diferenciando o refluxo da própria doença em si sendo mais útil para o diagnóstico de estenose hipertrófica de piloro e má-rotação intestinal. - US do esôfago Exame não invasivo que tem sido preconizado para o diagnóstico de RGE oculto, de refluxos neutros e para determinação do tempo de esvaziamento gástrico, permite ainda o estudo da motilidade do esôfago. O único inconveniente é o curto período de observação utilizado pela técnica. - Cintilografia Realizada após administração oral de tecnécio com obtenção de imagens através de controlador gama. Não é invasiva, causa baixa exposição à radiação, sendo adequada para avaliar o esvaziamento gástrico e presença de aspiração pulmonar em imagens tardias. - Manometria A manometria esofágica é de dificil realização na criança, pois requer sua colaboração. Não diagnostica a presença de RGE, pois uma zona de alta pressão no EEI não assegura a ausência de refluxo. A pressão do EEI é maior que 15mmHg, valores menores que 6mmHg podem estar relacionados ao RGE. Diagnóstico diferencial Extenso e inclui obstruções mecânicas do trato digestivo alto, alergias alimentares (PLV), doenças infecciosas e neurológicas, hiper-reatividade brônquica, úlcera péptica, cólicas do lactente e outras causas de irritabilidade. Tratamento O refluxo depende da forma de apresentação predominante, pode requerer medidas gerais, tratamento medicamentoso ou cirúrgico. Os objetivos do tratamento são alívio dos sintomas, cicatrização das lesões esofágicas estabelecidas e prevenção de complicações. Medidas gerais devem ser recomendadas em todos os casos. Medicamentos são indicados para pacientes com doença do refluxo patológico, ou com terapêutica de prova em algumas situações específicas por curtos períodos. A cirurgia deve ser reservada para os casos refratários aos tratamento clínico ou para situações que envolvem risco de vida. Orientações para os pais Após escutar as preocupações dos pais, sem desvalorizar suas queixas, deve-se orientar sobre a natureza simples desses sinais e sintomas, principalmente nos primeiros meses de vida do lactente. Recomendar também modificações dietéticas, mas sempre respeitando as necessidades nutricionais da criança e considerando sua faixa etária. Sempre evitar alimentos gordurosos, frutas cítricas, tomates, café, álcool, fumo, bloqueadores de canais de cálcio e prostaglandinas. Um ponto importante também é a postura da criança, após 6-8 meses o lactente começa a deixar o pescoço mais ereto o que colabora para a diminuição do refluxo, porém se a criança for menor o adulto pode auxiliá-lo a manter a postura ereta no período pós prandial. No adulto é recomendado a cabeceira elevada a 30 graus. Tratamento medicamentoso É reservado para o refluxo patológico, podendo ser de uso empírico por curtos períodos. - Procinéticos Combinado com medidas dietéticas e posturais, determinam o aumento da pressão do EEI, estimulam o peristaltismo esofágico e esvaziamento gástrico. A) CISAPRIDA, por exemplo, atua como agonista pós-gangliônico da serotonina. Deriva da benzamida e sua ação pode parecer resultar da liberação de acetilcolina no plexo mioentérico. Melhora a motilidade do TGI, facilita a coordenação antro-duodenal, acelera o esvaziamento gástrico e aumenta a pressão do EEI. Efeitos colaterais são em geral transitórios e incluem cólica, diarréia e cefaléia. Por apresentarem alguns efeitos cardiovasculares adversos recomenda-se para sua utilização as seguintes doses: não devem ultrapassar 0,8 mg/kg/dia (máximo de 40mg/dia) divididas em 3 ou 4 administrações diárias. B) DOMPERIDONA é um antagonista dopaminérgico periférico, sem efeitos colinérgicos. Não causa reações extrapiramidais pois tem baixa penetração na barreira hematoencefálica. Concentrações máximas ocorrem 10 minutos após a administração intramuscular e trinta minutos após oral. Tem metabolismo hepático e intestinal, excreção renal e intestinal com meia vida de aproximadamente 7 horas. Aumenta o peristaltismo esofágico, acelera o esvaziamento gástrico com melhora da motilidade antroduodenal. Raramente causa efeitos colaterais como boca seca, erupção cutânea, diarréia, prurido transitório. Pode desencadear potente efeito secretor de prolactina, causando aumento das mamas, galactorréia e amenorréia. Eficar como a metoclopramida, porém com menos efeitos colaterais. A dose recomendada é de 0,2 a 0,6 mg/kg/dose, três a quatro vezes ao dia antes das refeições e ao deitar. Sua maior eficácia é atingida após a quarta semana de uso. C) METOCLOPRAMIDA atua perifericamente aumentando a ação da acetilcolina nas sinapses muscarínicas e antagonizando a dopamina no SNC. Aumenta a pressã do EEI, facilita o esvaziamento gástrico, melhora o peristaltismo esofágico, acelera o tempo de trânsito do duodeno até a válvula ileocecal, mas não aumenta a salivação ou provoca broncoespasmos. Tem diversos efeitos colaterais, havendo pequena margem de segurança entre doses terapeuticas e tóxicas. Entre eles temos, sonolência, nervosismo, tremores, pesadelos, ansiedade e depressão. Foram relatadas também reações distônicas e neurológicas bem como aumento do nível de prolactina e ginecomastias. A dose recomendada é de 0,1 mg/kg, quatro vezes ao dia, trinta minutos antes de refeições. D) REDUTORES DA ACIDEZ GÁSTRICA Antiácidos são compostos que neutralizam a acidez do conteúdo gástrico e consequentemente aumentam a motilidade gástrica mediante ação da gastrina. Aumentam pressão na porção inferior do esôfago e depuração esofágica por mecanismos independente da gastrina. São recomendados para o ALÍVIO sintomático em pacientes com esofagite leve e moderada. E) ANTAGONISTAS DOS RECEPTORES H2 DA HISTAMINA competem com a histamina por receptores H2, inibindo a secreção gástrica de ácido induzida pela histamina ou outros agonistas H2 (agonistas muscarínicos e gastrina) Os antagonistas de receptores H2 disponíveis para uso são CIMETIDINA, RANITIDINA, FAMOTIDINA, NIZATIDINA. Essas drogas são quase totalmente absorvidas por via oral. As doses recomendadas são Cimetidina: 5-10mg/kg quatro vezes ao dia antes das refeições e antes de deitar. Ranitidina: 5 mg/kg duas vezes ao dia Ainda não há experiência suficiente para o uso prolongado de Famotidina. F) BLOQUEADORES DOS CANAIS DE H + representam uma classe de drogas tão seguras quanto os antagonistas de receptores de H2, são os mais potentes inibidores de secreção ácida. O omeprazol é um benzimidazol queinibe a enzima responsável pelo transporte de íons de hidrogênio para a luz do estômago. Tem ação prolongada mesmo quando níveis sanguíneos não detectáveis e uma única dose pode suprir mais de 90% da secreção ácida em vinte e quatro horas. A dose recomendada é de 0,7 mg/kg/dia. É uma droga lábil, composta de grânulos de absorção entérica. Sua concentração plasmática máxima ocorre de 1 a 3 horas após medicação oral, sendo recomendada administração antes da primeira refeição pela manhã. Em uso pediátrico deve ser administrado com sucos de fruta ácida. Tratamento cirúrgico A técnica de Nissen (ou fundoplicatura) é a mais usada em todo o mundo e, mais recentemente, a via videolaparoscópica vem ganhando adesões, especialmente em virtude do menor risco de complicações e menor tempo de recuperação. A cirurgia anti-refluxo deve ser reservada aos pacientes que não respondem ao tratamento clínico e/ou que apresentem condições ameaçadoras à vida. Depois do surgimento de agentes procinéticos e inibidores da secreção ácida mais potentes, o papel da cirurgia como arma terapêutica definitiva para o refluxo complicado vem sendo questionado. A melhor opção para o tratamento a longo prazo das crianças com esofagite, se cirurgia ou tratamento clínico, ainda está por ser definida. A cirurgia apresenta, além do custo elevado, altas taxas de recidiva. Por outro lado, o tratamento clínico exige adesão e compreensão da família, além de ter efeitos colaterais associados. Com a finalidade de prevenir complicações, a opção terapêutica deve ser sempre individualizada e o acompanhamento clínico prolongado.
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