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Leticia Alves Queiroz Resumo do Capítulo Alterações na Circulação- Livro: Robbins Patologia básica 8ª edição Aspectos da normalidade O sistema circulatório é conjunto fechado de tubos interligados que conduz o sangue impulsionado por um mecanismo de bombas. Tal sistema é formado por uma bomba (coração), por tubos de distribuição e coletores (artérias, veias e vasos linfáticos) e por uma grande rede de tubos de paredes finas, denominada microcirculação (arteríolas, vênulas e capilares), que permite a troca de substâncias entre o sangue, o interstício e as células. Estrutura do sistema circulatório Possui estrutura comum nos seus diferentes territórios composto por três camadas: A camada interna, em contato com o sangue, é revestida pelo endotélio; no coração, nas artérias e nas veias, o endotélio está apoiado em tecido fibroelástico que constitui, respectivamente, o endocárdio e a intima. Nas arteríolas e em vênulas maiores, o endotélio está separado da camada média por uma lâmina de tecido elástico que se adelgaça progressivamente até desaparecer nas arteríolas pré-capilares e vênulas pós-capilares. Nos capilares, o endotélio e sua membrana basal estão em contato direto com a matriz extracelular (MEC). A camada média é formada, no coração, por músculo estriado cardíaco, nas artérias e veias por músculo liso e fibras elásticas e, em alguns capilares, por pericitos. A camada externa no coração é o epicárdio; nas artérias e veias, constitui a adventícia; na microcirculação, ela confunde-se com o tecido conjuntivo adjacente. A resistência periférica ao fluxo sanguíneo é controlada especialmente pelas arteríolas, cujas paredes são mais espessas em relação à luz, de modo que contrações ou relaxamentos fazem variar muito seu diâmetro. Quanto menor é o somatório das secções transversais dos vasos, maior é a resistência periférica. O sistema circulatório tem também capacidade de se adaptar a variações de volemia, por três mecanismos: a distensibilidade dos vasos acomoda maiores volumes, a constrição vascular reduz o compartimento para menores volumes, alternância dos territórios de perfusão na microcirculação (circulação intermitente nos capilares). A capacidade volumétrica do sistema circulatório é muito maior do que o volume de sangue circulante. O maior compartimento no sistema circulatório é o território venoso (veias e vênulas). Fluxo Sanguíneo A movimentação do sangue no interior do sistema circulatório depende principalmente da ejeção produzida pela força contrátil do miocárdio. A quantidade de sangue bombeada por cada ventrículo, na unidade de tempo, recebe o nome de débito cardíaco (DC), o qual depende da frequência cardíaca (FC) e do volume de sangue ejetado na sístole ( DC=FC*volume sistólico).O sangue flui pelo sistema arterial, passa pela rede capilar e retorna aos átrios (retorno venoso). Os músculos esqueléticos e a pulsação arterial pressionam o sangue contido nas veias em direção ao coração, como verdadeira ordenha das veias profundas, fazendo o sangue fluir em direção aos átrios. O fluxo unidirecional do sangue é favorecido ainda pela existência de valvas atrioventriculares, ventriculoarteriais e venosas, que impedem o fluxo retrógrado dentro do sistema. O sangue é uma suspensão em que células ficam dispersas em uma parte líquida, o plasma, no qual existem muitas moléculas que, junto com as células, determinam a viscosidade sanguínea e, consequentemente, as suas fluidez e velocidade dentro dos vasos. Leticia Alves Queiroz O fluxo laminar é caracterizado por estratos (lâminas) concêntricas que movimentam-se um dentro do outro de maneira telescópica, evitando um movimento helicoidal da coluna de sangue. A sístole ventricular e a curvatura natural da aorta determinam torção do fluxo sanguíneo e imprimem movimento helicoidal à massa sanguínea, sendo este mais um fator que reduz o atrito com a parede vascular, a chamada força de cisalhamento. A vasoconstrição arteriolar aumenta a resistência vascular periférica e a pressão arterial. Vasodilatação arteriolar aumenta o fluxo de sangue para os tecidos, aumentando o aporte de nutrientes e oxigênio. Portanto, a microcirculação reage a estímulos para compensar alterações sistêmicas de pressão e volume e responde a estímulos locais gerados quando aumenta a demanda de sangue. O controle da microcirculação é feito por mecanismos neurais (inervação), humorais, endoteliais e metabólicos. A regulação nervosa depende da inervação autonômica; as células musculares lisas das arteríolas têm receptores α ou β em proporções diferentes: os vasos periféricos têm mais receptores alfa-adrenérgicos; enquanto nos viscerais predominam receptores beta-adrenérgicos. A regulação hormonal ou humoral é feita por receptores para vasopressina e angiotensinas I e II (vasoconstritores) e receptores para histamina, bradicinina, prostaglandinas E2 e I2 e opioides endógenos (vasodilatadores). A regulação endotelial é mediada pela produção, pelas células endoteliais, de substâncias vasodilatadoras (óxido nítrico e PGI2 ou prostaciclina) e vasoconstritoras (endotelinas e tromboxano). A regulação metabólica vem de produtos do metabolismo que atuam no músculo liso arteriolar e nos esfíncteres pré- capilares. ADP e adenosina atuam em receptores purinérgicos do músculo liso arteriolar produzindo vasodilatação, aumento de íons hidrogênio reduz a sensibilidade do músculo liso aos vasoconstritores e favorece a abertura dos esfíncteres pré-capilares. A regulação metabólica é a que mantém, na microcirculação, um fluxo sanguíneo adequado para atender às necessidades dos diferentes tecidos nos diferentes momentos funcionais. O funcionamento do coração e dos vasos é regulado por centros nervosos no sistema nervoso central (centros cardiorreguladores no tronco cerebral), os quais recebem estímulos aferentes de sensores no sistema circulatório que podem ser estimulados por variações de pressão e volume (presso e volume receptores) ou por variações de pH ou na tensão de CO2 (quimiorreceptores). Tais estímulos chegam aos centros cardiorreguladores, que integram e enviam estímulos eferentes via sistema nervoso autônomo: inervação simpática e parassimpática e inervação predominantemente simpática nas arteríolas periféricas. As veias recebem inervação simpática e têm, no músculo liso, receptores alfas, venoconstritores. Sensores de pressão e volume existem também nas arteríolas aferentes dos glomérulos, estímulo deles controla a liberação de renina, que atua no angiotensinogênio produzido no Leticia Alves Queiroz fígado e gera angiotensina I. Esta por ação da enzima conversora de angiotensina (ECA), é convertida em angiotensina II, que é vasoconstritora e estimula a liberação de aldosterona na cortical da suprarrenal. O fluxo de substâncias do sangue para a matriz extracelular e daí para as células e destas de volta ao sangue é feito principalmente na rede capilar. Sistema linfático O sistema linfático é formado por um conjunto de vasos que se iniciam na matriz extracelular como capilares em fundo cego, cuja parede é muito fina e revestida por células endoteliais com bordas interdigitadas ou parcialmente sobrepostas e ligadas entre si por complexos juncionais descontínuos; tal conformação permite a passagem do liquido tecidual de forma unidirecional e intermitente para o interior do vaso linfático. A superfície externa dessas células está fixa às fibras da matriz extracelular que, quando distendidas, fazem tração nas paredes capilares favorecendo o mecanismo de drenagem, já que a sobreposição das células funciona como mecanismo de báscula que só permite a passagem do líquido tecidual para dentro do vaso. Distensão da parede provoca dilatação dos vasos linfáticos iniciais e, consequentemente, sucção do líquido para o interior do vaso. Tal mecanismo dos vasos linfáticos possuírem válvulas. Quando expandido porlinfa, o segmento capilar entre uma válvula e outra sofre bombeamento pelas células ao seu redor (sístole linfática), impulsionando a linfa para os linfonodos regionais ou satélites (cadeia linfática locorregional). Os vasos linfáticos penetram nos linfonodos pela face convexa destes e desaguam no seio subcapsular; a linfa passa através das áreas cortical e paracortical do linfonodo e é lançada nos seios linfáticos da medula, de onde sai pelos vasos linfáticos eferentes; estes confluem para formar o ducto torácico e o ducto linfático direito, que coletam a linfa de todo o corpo e lançam nas veias braquiocefálicas. A linfa é formada a partir da reabsorção do líquido intersticial filtrado dos capilares sanguíneos; contém água e moléculas pequenas, mas também macromoléculas e células migradoras. Hiperemia Depleção sanguínea do leito capilar consequente à vasodilatação arterial ou arteriolar. Pode depender de mecanismo central, por meio de reflexos originados nos centros vasomotores, ou de mecanismo periférico localizado, regulado por substâncias vasoativas circulantes ou originadas nos próprios tecidos lesados. O exemplo mais importante de hiperemia patológica observa-se na inflamação aguda associada a aumento da permeabilidade vascular. Congestão Depende de distúrbio na circulação venosa ou de retorno. O mecanismo pode estar relacionado a a alteração do órgão central da circulação (insuficiência cardíaca congestiva); mecanismo localizado, com perturbação da circulação venosa por causas intrínsecas do vaso (trombose, varizes etc.); ou por compressão extrínseca das veias. O aspecto macroscópico dos órgãos com congestão passiva caracteriza-se por alteração da cor, que passa a ser vermelho-azulada, sendo que a intensidade do azul (cianose) dependerá da quantidade de hemoglobina reduzida. A congestão passiva é frequentemente acompanhada de aumento do líquido intersticial (edema), o que confere aos órgãos aspecto úmido. No caso da falência do ventrículo esquerdo, são os pulmões que ficarão hiperêmicos, encharcados e de coloração vermelho azulada. Quando a falência é à direita, o primeiro órgão afetado é o fígado, que Leticia Alves Queiroz aumenta de volume e se torna também vermelho-escuro, e nele se acentua a lobulação por causa do acúmulo de sangue em volta da veia centrolobular, o aspecto desses fígados foi comparado ao da noz- moscada. Nas congestões passivas crônicas, ocorrem fagocitose local de hemácias e digestão da hemoglobina, o que acarreta acúmulo local de pigmentação derivada da hemoglobina e, principalmente, de hemossiderina, tendo como resultado uma tonalidade ferruginosa. Hemorragia Hemorragia ou sangramento caracteriza-se pela saída de sangue dos vasos ou coração para o meio externo, para o interstício ou para as cavidades pré-formadas. Hemorragias podem ser internas ou externas e recebem nomes particulares. Hemorragias puntiformes ou petéquias são diminutas áreas hemorrágicas (até 3 mm de diâmetro), geralmente múltiplas. Na maioria das vezes, resultam de defeitos qualitativos ou quantitativos de plaquetas. Púrpura é a lesão superficial um pouco maior do que as petéquias, geralmente na pele, múltipla, plana, discretamente elevada, podendo atingir até 1 cm de diâmetro. Equimose é a hemorragia que aparece como mancha azulada ou arroxeada, mais extensa do que a púrpura e que pode provocar aumento discreto do volume local. Equimoses são frequentes em traumatismos. Hematoma consiste em hemorragia em que o sangue se acumula e forma uma tumoração. Como a equimose, hematoma é frequente após traumatismo. Hemorragias em cavidades pré-formadas são denominadas de acordo com a topografia. Hematro ou hemartrose para a cavidade articular, hemipericárdio, hemotórax e hemoperitônio para as respectivas cavidades serosas. Hemosalpinge, hematométrio e hematocolpo são coleções sanguíneas na luz da tuba uterina, na cavidade uterina e na cavidade vaginal, respectivamente. Hemobilia é a hemorragia no interior da vesícula biliar ou dos ductos biliares. A exteriorização de hemorragias por orifícios corpóreos recebe nomes específicos. A eliminação de sangue pelas narinas é denominada epistaxe. Pela tosse e oriunda do sistema respiratório, é chamada hemoptise quando em maior volume e escarro hemoptoico quando discreta. Hematêmese é a eliminação de sangue pela boca oriundo do sistema digestório e eliminado por vômito. A eliminação de sangue pelo ânus pode ocorrer de duas maneiras: sangue digerido, que confere cor escura às fezes (semelhantes a borra de café), recebe o nome de melena; sangue não digerido, de cor vermelha, constitui a hematoquezia. Otorragia é a perda de sangue pelo meato acústico externo. Hematúria é a eliminação de sangue com urina, podendo ser macroscópica ou microscópica. Metorragia é a perda de sangue originado do útero pela menstruação; a perda excessiva de sangue na menstruação chama-se menorragia ou hipermenorreia; se a frequência e/ou o tempo de duração da menstruação aumentam, trata-se de polimenorreia. Etiopatogênese Leticia Alves Queiroz Hemorragias podem ser causadas por: perda da integridade da parede vascular; alterações dos mecanismos de coagulação sanguínea; modificações qualitativas ou quantitativas das plaquetas; mecanismos complexos e ainda mal definidos. Hemorragia por lesão da parede vascular Sangramento por lesão na parede do vaso ocorre por ruptura ou diapedese. A causa mais comum de hemorragia por lesão da parede vascular é traumatismo que provoca ruptura do vaso- hemorragia por rexe. O agente mecânico pode ser causa isolada, mas em muitos casos associa-se a defeitos na resistência vascular ou na coagulação do sangue. Quando há fragilidade vascular, traumatismos mínimos podem romper os vasos, como na ruptura de aneurismas. Traumatismo mecânico (por exemplo, bolo alimentar fecal) pode associar-se a ruptura de veias varicosas no esôfago e em hemorroidas. Gengivorragia durante a escovação de dentes pode ser o primeiro sinal de trombocitopenia; neste caso, traumatismo pequeno, habitual, é capaz de provocar hemorragia quando associada a redução do número de plaquetas. Em vasculites, o sangramento pode ser atribuído à destruição segmentar da parede vascular pelo exsudato inflamatório. Inflamações parenquimatosas com supuração (necrose liquefativa em inflamação purulenta), granulomatosas e necrosantes (necrose caseosa na tuberculose, inflamação hemorrágica em pancreatite) e infiltração neoplásica podem corroer e perfurar a parede vascular (hemorragia é frequente em cavernas da tuberculose pulmonar). O mesmo acontece na luz de órgãos ocos cujas mucosas podem ter úlceras, como na úlcera péptica do esôfago, do estômago ou do duodeno e em ulcerações do sistema urinário por cálculos ou inflamações ulcerativas; a necrose que provoca úlceras atinge também a parede de vasos e causa rompimento. Hemorragia por diapedese é a que ocorre pela saída de sangue através de espaços entre as células endoteliais por causa de alteração nas junções intercelulares (diapedese paracelular); formação de poros nas células endoteliais (diapedese transcelular), possivelmente em locais com citoplasma mais delgado. Hemorragia por diapedese ocorre em vênulas ou capilares nos casos de hiperemia passiva e resulta de aumento da pressão intravascular. Hematoma intrapericárdico secundário a ruptura de aneurisma dissecante da aorta torácica que progrediu retrogradamente até a aorta ascendente. O pericárdio parietal foi retirado na face anterior para mostrar que o espaço pericárdico ficou totalmente ocupado por sangue (coagulado após a morte), impedindo a movimentação do coração (tamponamento cardíaco). Leticia Alves Queiroz Hemorragia por alterações na coagulação sanguínea Quase sempre, a hemorragia é causada por traumatismos pequenos, sendo o sangramento desproporcional à intensidade da lesão. Exemplos clássicossão pequenos cortes que sangram por muito tempo, sangramento menstrual prolongado (menorragia), hemorragia excessiva durante extrações dentárias ou grande hematoma após pequeno traumatismo. As principais hemorragias por alterações nos mecanismos da coagulação sanguínea estão relacionadas com a deficiência congênita ou adquirida de fatores de coagulação; excesso de anticoagulantes, endógenos ou exógenos. As deficiências congênitas de fatores de coagulação mais importantes são a hemofilia A (deficiência de fator VIII), a hemofilia B (deficiência de fator IX) e a doença de von Willebrand (deficiência do fator de Willebrand), está mais frequente entre as hemorragias hereditárias. Deficiências adquiridas de fatores de coagulação são mais frequentes do que as congênitas e estão associadas a doenças carenciais (deficiência de vitamina K), doenças hepáticas (deficiência na síntese dos fatores II, VII, IX e X e das proteínas C e S) ou à depleção desses fatores quando há ativação sistêmica da coagulação (coagulopatia de consumo). A vitamina K é cofator na síntese hepática de fatores de coagulação. Na carência de vitamina e na insuficiência hepática, hemorragias são comuns por redução na síntese de fatores de coagulação. Hemorragias por excesso de anticoagulantes endógenos ou exógenos resultam da ação de inibidores dos fatores de coagulação, de fibrinólise exagerada (ativação excessiva do plasminogênio) ou de inibição de inativadores naturais deste. Hemorragias por ação de anticoagulantes exógenos são comuns em pacientes em tratamento com anticoagulante (heparinização) ou em intoxicações com substâncias com ação anticoagulante (por exemplo, varfarina, usado como medicamento ou raticida). Tratamento trombolítico com ativadores do plasminogênio pote ter como complicação hemorragias variadas, às vezes graves. Hemorragias por alterações quantitativas ou qualitativas O tempo de sangramento começa a ficar alterado quando as plaquetas caem abaixo de 100.000 por mm3 de sangue, embora hemorragias espontâneas tornem-se evidentes quando o número de plaquetas é inferior a 20.000/mm3, hemorragias graves acontecem quando esse número está abaixo de 10.000 plaquetas/mm3. As causas mais comuns de trombocitopenia são aplasia e infiltração neoplásica da medula óssea, síndrome mielodisplásica, hiperesplenismo, medicamentos (a-metildopa, sulfadiazinicos) e autoanticorpos, estes especialmente na púrpura trombocitopênica idiopática. Próteses valvares podem aumentar a destruição de plaquetas (por lise mecânica), reduzindo o seu número na circulação. Na trombocitopenia causada por medicamentos, a substância fica adsorvida à plaqueta e induz a síntese de anticorpos, os quais causam lise plaquetária por ativação do complemento. Disfunção plaquetária é encontrada na uremia, na cirrose hepática e em pacientes submetidos a circulação extracorpórea. Nessas condições, o número de plaquetas circulantes é pouco reduzido, mas o tempo de sangramento é alterado por causa de defeitos mal conhecidos nos mecanismos de ativação de plaquetas. Causa menos frequente de disfunção plaquetária é a adsorção de substâncias sobre as plaquetas, como no uso de penicilina. Consequências da Hemorragia Perdas pequenas, mas contínuas podem causar espoliação de ferro e, consequentemente, anemia; sangramentos digestivos por úlceras benignas ou por neoplasias manifestam-se por anemia. Perdas Leticia Alves Queiroz volumosas de sangue causam anemia aguda e, nos casos mais graves, choque hipovolêmico. Hemorragia nos ventrículos cerebrais ou hemorragia no tecido nervoso encefálico aumenta a pressão intracraniana e pode levar a óbito. Durante reabsorção e reparo, hemorragia subaracnóidea pode bloquear a reabsorção liquórica e resultar em hidrocefalia. Sangue no espaço subaracnóideo pode também induzir espasmos arteriais e causar isquemia no tecido nervoso. Quando ocorre em centros vitais (ex: centro cardiorrespiratório), hemorragia mesmo pequena pode ser fatal. Quando súbito, sangramento no espaço pericárdico (hemopericárdio) impede a movimentação cardíaca (tamponamento cardíaco) por compressão extrínseca do coração, enquanto hematoma paratraqueal causa asfixia por obstrução da via respiratória, podendo levar ao óbito. Hemorragia pode produzir cegueira por turvação do corpo vítreo, deslocamento da retina ou glaucoma. Distúrbios da dinâmica e distribuição de líquidos Choque Outro tipo de perturbação circulatória periférica, bem mais complexo que os anteriores, é o quadro de choque ou colapso circulatório, que implica alterações progressivas na perfusão sanguínea dos tecidos. Essas alterações circulatórias iniciais atuam desencadeando complexas reações homeostáticas, envolvendo hiperatividade simpática e redistribuição do sangue circulante, com o que o quadro hipotensivo pode ser compensado ou não, dependendo de variados fatores. A falha, ou mesmo persistência desses mecanismos compensadores, conduz à deficiência da perfusão e /ou do retorno sanguíneo dos tecidos para o coração, a qual, se mantida, determina o progressivo estado de hipóxia tecidual, com consequente acidose metabólica e uma possível agressão irreversível da fisiologia celular. O choque tem como principais causas: a) diminuição do volume sanguíneo (choque hipovolêmico): A hipovolemia pode decorrer de hemorragia interna ou externa ou da perda excessiva de líquidos, como acontece nas queimaduras, diarreias e vômitos ou em qualquer outra condição que conduza à desidratação. b) Vasodilatação periférica: A vasodilatação generalizada de pequenos vasos condiciona a redução do volume sanguíneo efetivo, a diminuição do retorno venoso e, consequentemente, a diminuição do débito cardíaco (insuficiência circulatória periférica). A vasodilatação periférica é o mecanismo básico do choque endotóxico (choque séptico da bacteremia gram-negativa, do choque anafilático e do choque neurogênico) c) Diminuição acentuada do débito cardíaco (choque cardiogênico): Ocorre caracteristicamente no infarto agudo do miocárdio, na miocardite aguda, na ruptura do coração e nas arritmias. d) Obstrução aguda do fluxo sanguíneo: Ocorre na obstrução do cone pulmonar e dos ramos principais da artéria pulmonar por êmbolos maciços e na obstrução súbita do orifício da valva mitral por trombos atriais. Lesões produzidas pelo choque Alguns órgãos são particularmente comprometidos pelo choque: Coração: As necroses e hemorragias subendocárdicas e subpericárdicas e as lesões zonais ou em faixa do miocárdio. A necrose vai desde lesões isquêmicas de fibras miocárdicas isoladas até áreas de micro e macroinfartos. As lesões zonais ao microscópio eletrônico correspondem a faixas transversas opacas do miócito (bandas de contração), geralmente próximas a um disco intercalar. Leticia Alves Queiroz Pulmões: São frequentemente afetados quando ocorre trauma ou septicemia, constituindo o chamado “pulmão de choque”, uma condição equivalente à síndrome de angústia respiratória de adulto (SARA) ou “lesão alveolar difusa” .O quadro se caracteriza por acentuado edema intrasseptal, seguido de coleção de líquido de edema e exsudato proteico nos espaços alveolares, além da presença ocasional de membranas hialianas. Rins: As lesões localizam-se nos túbulos de todos os níveis. O padrão mais característico é o de necrose tubular aguda. Suprarrenais: Apresentam as alterações comuns a todos os tipos de estresse, como exaustão lipídica e necrose das células corticais a partir da zona reticular. Tubo digestório: Podem ocorrer necrose e hemorragia focais da mucosa, designada “gastrenteropatia hemorrágica”. Fígado: Nos casos mais graves pode ser observada necrose centrolobular. A esteatose é frequentemente observada. Cérebro: As lesões cerebrais variam com a sensibilidade das células atingidas, constituindo no conjunto a encefalopatia hipóxica. Hemostasia O extravasamento do sanguede um vaso lesado é detido pela ação integrada de três elementos: vasoconstrição, a agregação plaquetária e a coagulação sanguínea. O fenômeno da hemostasia é bem mais visto em vasos de pequeno calibre. Logo após a lesão vascular há hemorragia que o vaso tenta debelar, geralmente sem resultados, pela vasoconstrição. As plaquetas aderem ao tecido conjuntivo do anel de abertura do vaso e, em minutos, é visível massa plaquetária frouxa que preenche a abertura do vaso à maneira de rolha. Assim que a “rolha” de plaqueta é formada, o escape de sangue diminui e o vaso se contrai em torno da massa, aumentando o efeito obstrutivo. O sangramento cessa em cerca de 3 minutos, mas pode ser intermitente durante algum tempo, antes de cessar de maneira total (hemostasia primária). Á microscopia eletrônica, na fase em que cessa o sangramento, observa-se que a “rolha” está formada principalmente por plaquetas agregadas. Percebe-se também, na porção central, a presença de alguns agrupamentos de hemácias sugerindo fluxo sanguíneo nessa região. Pouca fibrina é visível nas margens da lesão e as plaquetas conservam individualmente sua morfologia. Com o passar do tempo (5 a 30 minutos), a rolha torna-se mais compacta e coesiva. As plaquetas começam a exibir alteração de forma e apresentar degranulação. A fibrina, então, é mais evidente tanto na periferia da “rolha” como nos interstícios do agregado plaquetário. Em fase ainda mais tardia (24 horas), a rolha está constituída em grande parte por fibrina, tendo de mistura restos plaquetários. O estágio final do processo é o de reparação. O processo descrito aplica-se a vasos de pequeno e médio calibres, particularmente às veias. Nas artérias maiores, a força da corrente sanguínea impede a formação de “rolha” plaquetária adequada. As plaquetas são capazes de, individualmente ou em pequenos grupos, obliterar as aberturas capilares. Alguns autores ainda assinalam a possibilidade de contração de células endoteliais que fazem proeminência para a luz e reduzem de maneira acentuada o lúmen capilar diminuindo, assim, o fluxo sanguíneo. Leticia Alves Queiroz Tampão Plaquetário Quando ocorre lesão endotelial, o fator von Willebrand, que existe normalmente na matriz subendotelial ou vem do plasma e é fixado na matriz extracelular, fica exposto na região afetada. Plaquetas que possuem receptores para várias moléculas aderem ao local lesado por meio de ligação ao colágeno e, sobretudo, ao fator von Willebrand (adesão plaquetária). Adesão de plaquetas e estímulos mecânicos por aceleração do seu movimento na região lesada e pelo choque delas contra as arestas da lesão vascular promovem ativação plaquetária. (hemostasia primária) Ativação plaquetária é reforçada pela trombina gerada no processo de coagulação sanguínea, ADP originado no endotélio e tromboxano A2 (TXA2) produzido nas próprias plaquetas, fortalecendo a adesividade delas. Logo a seguir, ocorre a degranulação das plaquetas e liberação dos produtos dos seus grânulos (ADP, TXA2, Ca2+, fosfolípideos etc.), que são importantes no processo de coagulação sanguínea. Plaquetas ativadas a sua forma. Seu citoesqueleto sofre rearranjos, e a superfície delas ganha projeções filamentares que ampliam a área de contato entre elas mesmas e com a superfície tecidual exposta. ((hemostasia secundária) A agregação de plaquetas promove a contração delas e as torna mais aderidas entre si, formando uma massa mais sólida e mais resistente. A estabilização do tampão completa-se com a deposição de fibrina gerada pela coagulação sanguínea. A estabilização do tampão plaquetário completa-se com a deposição de fibrina do tampão plaquetário: 1-Adesão de plaquetas ao estroma subendotelial, por meio da ligação ao colágeno e ao fator von Willebrand; 2- Deformação mecânica induz as plaquetas a emitirem pseudópodes finos; 3- Amplificação do tampão plaquetário; 4- Estabilização do tampão plaquetário por fibrina. Leticia Alves Queiroz Mecanismo da coagulação sanguínea A base do fenômeno da coagulação sanguínea é essencialmente uma série de conversões de proenzimas inativas em enzimas ativas, culminando com a passagem de protrombina (alfa-2-globulina presente no plasma) para trombina. Essa última age sobre o fibrinogênio, uma proteína solúvel do plasma, em fibrina, um polímero insolúvel que se deposita sob a forma de uma rede. A coagulação do sangue é o fenômeno de gelificação de um suspensóide (plasma e células), no qual uma cascata de ativação sequencial de pré- proteases induz a polimerização do fibrinogênio, resultando em uma proteína fibrilar e insolúvel, a fibrina, que forma uma rede molecular que aprisiona hemácias, leucócitos e plaquetas, originando o coágulo. A retração do coágulo, por ação de plaquetas, separa o sangue após a coagulação in vitro em duas fases: soro (plasma sem fibrinogênio) e coágulo. Existem duas vias possíveis, uma extrínseca e outra intrínseca, capazes de ativar a coagulação sanguínea e que confluem ativando o fator X (10) e liberando os fosfolipídios complexos. Esse conjunto, unindo-se ao fator V (5) e na presença de íons cálcio, leva a passagem de protrombina para trombina. O processo de ativação e transformação dessas proteínas que é bastante complexo e caracterizado por uma série de reações, é conhecido como cascata coagulativa: a polimerização do fibrinogênio em fibrina é feita pela trombina. A geração desta se faz por dois caminhos: via intrínseca e via extrínseca Leticia Alves Queiroz A via extrínseca, que é a mais importante, inicia-se após lesão vascular, o que leva à exposição do chamado fator tecidual (fator II ou tromboplastina, uma glicoproteína existente na superfície das células agredidas), o qual ativa o fator VII. O fator VII ativado (VIIa) é capaz de ativar o fator X. A via intrínseca é desencadeada pela formação do complexo ativável pelo contato, o que acontece após contato do sangue com uma superfície alterada ou diferente (ex:colágeno). O processo envolve vários componentes como a calicreina (ativada a partir da pré-calicreina), cininogênio de alto peso molecular a fator XII (fator Hageman). A calicreina ativa o fator XII, o qual, ativado (XIIa), ativa o fator XI; o fator XI ativado (XIa) ativa o fator IX. O fator IXa junto com o fator VIIa ativam o fator X. Essa distinção em duas vias, no entanto, é algo artificial, pois bem documentada apenas in vitro; in vivo, ambas as vias atuam de forma integrada. In vivo, a coagulação inicia-se pela via tecidual, gerando trombina; a trombina formada ativa o fator IX e amplifica a ativação do fator X. A ativação do fator X, portanto, pode ocorrer pelas duas vias. A partir daí, segue-se uma via comum de ativação, na qual o fator Xa, junto com o fator Va (complexo protrombinase), atua sobre a protrombina, transformando-a em trombina. Esta atua sobre o fibrinogênio, promovendo sua polimerização e formação de fibrina. Por ação do fator XIIa, formam-se ligações cruzadas entre moléculas de fibrina, tornando-a estável. Íons cálcio são necessários em vários pontos da cascata de reações. Existe interação entre componentes das vias intrínseca e extrínseca: trombina formada na via extrínseca por exemplo, pode ativar a pré-calicreína e os fatores V, VII e VIII; pré-calicreína pode ser ativada também pelo fator XII ativado. Mecanismos anticoagulantes A reação em cadeia que levaria à coagulação total do sangue é impedida por complexo mecanismo, do qual participam: a eliminação dos fatores de coagulação ativados, inibição de certos fatores, como a exercida pela antitrombina III na presença de heparina e trombina e a proteína C, na preservação da trombomodulina e da proteína S, inativando os fatores Va e VIIIa. Fibrinólise O desencadeamento da coagulação sanguínea propicia o aparecimento de mecanismos fibrinolíticos. São estes representados pela ativação do plasminogênio plasmático, que passaà plasmina, a qual age degradando o fibrinogênio e a fibrina e, portanto, dissolvendo o coágulo. A ativação do plasminogênio na via extrínseca surge mediante a liberação de fatores de células endoteliais, capilares e dos leucócitos. Na via extrínseca, o fator XII (Hageman) e o XI são os responsáveis pela ativação do plasminogênio. Cinina Tanto no decurso dos fenômenos de coagulação quanto no de fibrinólise, pode atuar o mecanismo de liberação de cininas, que são importantes mediadores da inflamação e propiciam vasodilatação e aumento da permeabilidade capilar. Tanto o fator XII (Hageman) da coagulação como a plasmina formada no mecanismo de fibrinólise agem na passagem de calicreinogênio para calicreína. Esta age sobre cianogênios, que são alfa-2-globulinas do plasma, que passam então a cininas. Morfologia do coágulo O que se vê após a coagulação sanguínea são agregados de plaquetas com filamentos de fibrina na periferia. À microscopia eletrônica, observam-se plaquetas agregadas que se apresentam degranuladas Leticia Alves Queiroz e de contornos irregulares. As plaquetas são ricas em ATP e possuem todos os elementos necessários para a respiração aeróbica. Uma proteína particular, isolada das plaquetas, tem propriedades próximas de actomiosina, vista no músculo. É denominada tromboastenina e, aparentemente, tem como função a retração do coágulo. As plaquetas contêm a maior parte da serotonina do sangue. Ela não é sintetizada pelas plaquetas ou megacariócitos, mas é agregada por meio de um mecanismo de transporte ativo, contra gradiente de concentração. A adrenalina e a noradrenalina também podem ser estocadas nas plaquetas por mecanismo semelhante.
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