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ORGANIZAÇÃO E LEGISLAÇÃO DA EDUCAÇÃO Pablo Rodrigo Bes Relações étnico-raciais no Brasil Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar históricas desigualdades sociais e raciais na educação brasileira. Relacionar políticas e práticas de superação do racismo e da desigual- dade racial na educação. Debater sobre inclusão, diversidade e equidade na educação. Introdução A inclusão escolar tem sido discutida e fomentada nas últimas décadas no Brasil, ao encontro do entendimento de que deve ser garantido a todos os grupos culturais o acesso a uma educação igualitária e de qualidade. Como o Brasil historicamente produziu muitas diferenças e distancia- mentos entre alguns grupos étnicos, é necessário o estudo a respeito das relações étnico-raciais dentro e fora da escola. Neste capítulo, você vai ler sobre os aspectos históricos que en- volvem as questões étnico-raciais e a geração de desigualdades em âmbito nacional. Também vai ler sobre algumas das políticas públicas e práticas que visam combater o racismo e proporcionar maior equi- dade na área da educação. Você vai ler, ainda, sobre as questões que envolvem a inclusão escolar e os conceitos de diversidade e equidade, em discussão na esfera acadêmica, que procuram construir uma escola que contemple a todos. Desigualdades sociais e raciais na educação brasileira Para estabelecer um histórico a respeito da produção de desigualdades no Brasil, devemos abordar os processos de colonização, uma vez que o País foi conquistado por Portugal, fazendo parte de todo um planejamento de expansão territorial de nações europeias no século XVI. Nessa época, predominava a ideia de levar a essas novas colônias um jeito de pensar e viver que se aliasse aos preceitos europeus, com a cultura dos povos conquistadores — vista sempre como a de maior valor — como o caminho correto e como a norma comportamental a ser seguida. Essa imposição dos padrões europeus, que chegou ao Brasil com os portugueses, é o primeiro ponto para entendermos como as desigualdades sociais e raciais, em um primeiro momento manifes- tadas contra os índios e negros escravizados da África, tiveram lastro para acontecer em nosso País. Os mecanismos coloniais estabeleceram uma relação entre cor e raça, a qual, além de classificar as populações, também servia para operar a “[...] infe- riorização de grupos humanos não europeus, do ponto de vista da produção da divisão racial do trabalho, do salário, da produção cultural e dos conhecimentos” (OLIVEIRA; CANDAU, 2010, documento on-line). Ou seja, a colonização não ocorreu somente no território, na materialidade dos recursos e na exploração do trabalho do colonizado, mas também na colonização de saberes, impondo novas formas de pensar e, consequentemente, agir em sociedade. Ao analisarmos a história dos negros no Brasil — principalmente no período pós-escravatura, com a Lei Áurea, sancionada em 13 de maio de 1888 — e as suas inúmeras dificuldades de inserção na vida social e laboral, Pesavento (1989, p. 83) comenta que “[...] os egressos da escravidão, como negros, agregavam a este quadro o estigma do qual eram portadores: eram visualizados ideolo- gicamente como uma força de trabalho inadequada para o trabalho regular, avessos à nova ordem que se impunha”. A marca deixada pela escravidão nas populações negras somente foi minimizada, segundo a autora, na segunda metade do século XIX, período recente em termos históricos. Essa desigualdade, o racismo e a discriminação que se estendem aos que se distinguem dos padrões estabelecidos são produzidos histórica e cultural- mente, como resultado da assimetria de poder entre grupos identitários mais privilegiados e grupos identitários discriminados. A problemática que envolve os processos coloniais brasileiros, que evidencia a emergência de uma etnia mais poderosa e que possui uma visão monoculturalista sobre o mundo, tem impactos na área educacional. Relações étnico-raciais no Brasil2 Oliveira e Candau (2010, documento on-line) asseveram que a exclusão social pode ser observada também no interior das escolas e pode ser mais bem compreendida pelo “[...] crescimento das lutas dos movimentos negros e da emergência de novas produções acadêmicas sobre questões relativas à diferença étnica, ao multiculturalismo e às identidades culturais”. Partindo da citação dos autores, percebemos a importância da participação dos movimentos sociais de cunho identitário para que se possa garantir o direito a uma educação mais igualitária e que inclua a todos, sem exceção. Como alguns grupos de origens étnicas distintas foram privilegiados em detrimento de outros, também nos aspectos que envolvem a educação, como, por exemplo, o acesso a escolas de maior qualidade, devem ser criados meca- nismos que possam reparar essas discriminações históricas que prejudicaram alguns grupos bem específicos, como os negros e os índios. Banton (2000, p. 457) define o processo de racialização como o “[...] processo ou situação em que a ideia de raça é introduzida para definir e qualificar uma população específica, suas características e suas ações”. Dessa forma, as pessoas são convencidas de que certas características são intrínsecas de alguma raça ou etnia, o que se confirma por expressões como “ele é italiano, por isso é mão fechada”, “o alemão é melhor com planejamento” e “os índios são preguiçosos”. Essas frases são manifestações dessa racialização, que acaba marcando e estereotipando uma etnia e/ou raça a partir de aspectos relacionados a questões biológicas e fenotípicas (cor da pele, cabelo, formato do nariz, espessura dos lábios, tamanho do crânio, etc.). Ao analisar essa estratificação social a partir de aspectos étnico-raciais nos sujeitos, podemos identificar uma pedagogia que: [...] educou o olhar deste sujeito branco que julga; ela educou seu modo de compreensão sobre a pertença racial. Ela o educou para pensar que ele, branco, não tem raça nem cor e, portanto, pode, do alto de seu estatuto de incolor, julgar quem são, afinal, os “de cor” (KAERCHER, 2010, p. 87). Ao estudarmos a história mundial e brasileira, observamos, por exemplo, como as práticas da eugenia — considerada ciência — propunham saberes que relacionavam as características físicas, raciais e fenotípicas do ser humano com as suas capacidades (ou falta delas) em relação a uma ideia de raça humana superior. 3Relações étnico-raciais no Brasil As práticas eugênicas no Brasil se associaram às correntes higienistas e sanitaristas no início do século XX, a fim de buscar o aprimoramento de uma raça nacional, o que envolvia inclusive o branqueamento da po- pulação. Segundo Souza (2005, p. 6), “[...] os eugenistas entendiam que atitudes radicais como a esterilização, pena de morte, controle rigoroso da entrada de imigrantes, obrigatoriedade do exame pré-nupcial, proibição do casamento inter-racial e de portadores de doenças contagiosas” levariam a esse objetivo. É importante que os professores evitem agir reforçando os discursos raciais históricos, mas procurem produzir alunos reflexivos e capazes de entender que deve existir igualdade, respeito, acesso e oportunidades para todos, independentemente dos grupos étnico-raciais. A desigualdade social — embora muito relacionada aos aspectos econô- micos, que dividem a sociedade em classes, de acordo com as suas posses ou propriedades — também atinge outros campos, como o de gênero, o religioso e as questões de orientação sexual diversas, que fazem parte daqueles que são diferentes do construído como normal e socialmente aceito. O fato é que esses grupos identitários diversos se encontram no interior da escola e fazem parte cotidiana dos afazeres de professores — assim, as aulas devem ser desenvolvidas de forma harmônica, intercultural e igualitária, procurando mediar conflitos e propor reflexões aos alunos. Para aprofundar os conceitos de preconceito, racismoe discriminação, acesse o link abaixo. https://goo.gl/Go6Kse Relações étnico-raciais no Brasil4 Políticas e práticas de superação do racismo/ desigualdade racial na educação brasileira O País — embora tenha, nas últimas décadas, promovido inúmeras discussões em torno da diversidade cultural e dos processos de hibridismo ou mestiçagem das várias etnias que compõem a identidade nacional — ainda apresenta traços de racismo que acabam por produzir situações de desigualdade na sociedade. Uma das principais conquistas das lutas do Movimento Negro em busca de positivação da sua identidade afro-brasileira foi a inserção dos estudos sobre história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares a partir da Lei nº. 10.639, de 9 de janeiro de 2003 (BRASIL, 2003). Com relação ao currículo escolar, é evidente a existência de um jogo de poder na seleção do que deve ser ensinado. A esse respeito, Passos (2008, p. 17) argumenta que “[...] o currículo escolar, tal qual a sociedade brasileira, está pautado numa compreensão de que apenas a cultura do colonizador — branca, masculina, heterossexual e cristã — tem legitimidade para ser estudada”. Todos aqueles saberes que não se enquadram nesses termos acabam excluídos da escola. Muitas vezes, alguns grupos — cujos saberes não são considerados le- gítimos para estudo nas escolas — são privados do acesso a uma educação de qualidade e, consequentemente, das mesmas oportunidades que outros têm. Devido a esses aspectos socioculturais enraizados na nossa história, cabe à escola dar visibilidade e tornar positiva a maneira de pensar e agir em relação aos afro-brasileiros, que representam a maioria da nossa população na atualidade. Mesmo que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) vigente — art. 26, § 4º, da Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 — de- termine que o ensino da história do Brasil deveria considerar a contribuição de diferentes culturas e etnias (negra, indígena e europeia) para a formação do povo brasileiro, foi necessária uma lei que estabelecesse a obrigatoriedade de inclusão no currículo, em todo o sistema de ensino (público e privado), do ensino da história e cultura afro-brasileira (BRASIL, 1996). Carneiro (2006, p. 99) esclarece que “[...] mais do que um acréscimo ao texto legal, o legislador resgata uma dimensão calculadamente esquecida do currículo escolar em todos os níveis: a influência da cultura africana na formação da sociedade brasileira”. Dessa forma, o autor admite que ainda existe nas escolas “[...] uma cultura travada e preconceituosa, impermeável a aceitar o diferente e a conviver com o 5Relações étnico-raciais no Brasil desigual” (CARNEIRO, 2006, p. 99). Talvez por esse fato tenhamos percebido a movimentação de muitos grupos identitários em busca do seu espaço de aceitação e igualdade na sociedade nas primeiras décadas do século XXI, no Brasil, enten- dendo que fazer parte das discussões que ocorrem na escola é uma das formas mais potentes de modificar o modo como se pensam os temas e os jeitos de viver. Embora a Lei nº. 10.639/2003 ainda seja referenciada devido à sua importância para os movimentos sociais associados aos grupos identitários afrodescendentes, em especial o Movimento Negro, ela foi alterada novamente pela Lei nº. 11.645, de 10 de março de 2008, que incorporou ao texto da LDB também a questão indígena, antes negligenciada. Em resumo, temos a seguinte cronologia das alterações e modificações das leis sobre raça e etnia na educação brasileira: LDB — Lei nº. 9.394/1996, art. 26, §4º; Lei nº. 10.639/2003, que alterou a LDB e acrescentou os arts. 26-A e 79-B; Lei nº. 11.645/2008, que alterou a LDB, modificada anteriormente pela Lei nº. 10.639/2003, no art. 26-A. A Lei nº. 11.645/2008, em vigência, propõe a seguinte redação para o art.26-A da LDB (BRASIL, 2008, documento on-line): “Art. 26-A Nos estabelecimen- tos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”. Assim, é obrigatório para todas as instituições do sistema de ensino nacional também o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira. É importante perceber que o art. 79-B, acrescido à LDB pela Lei nº. 10.639/2003, não foi alterado, permanecendo o dia 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra. Reforçando a importância de o respeito à diversidade ser considerado nos currículos, de modo a ampliar o escopo da educação escolar que considera as relações étnico-raciais, Silva (2007, p. 490) refere que: [...] a educação das relações étnico-raciais tem por alvo a formação de cidadãos, mulheres e homens empenhados em promover condições de igualdade no exercício de direitos sociais, políticos, econômicos, dos di- reitos de ser, viver, pensar, próprios aos diferentes pertencimentos étnico- -raciais e sociais. Relações étnico-raciais no Brasil6 Para que as escolas possam organizar as suas práticas curriculares em torno do ensino dessas temáticas étnicas negras e indígenas, a Lei nº. 11.645/2008 propõe os seguintes conteúdos programáticos: história da África e dos africanos; luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil; cultura negra e indígena brasileira; negro e o índio na formação da sociedade nacional. Ao analisarmos os conteúdos programáticos propostos, podemos verificar as possibilidades para os professores alinharem os seus planos de aula e pro- porem práticas, durante todo o ano escolar, que possam envolver discussões referentes à aprendizagem sobre as contribuições dessas etnias na formação e no enriquecimento cultural da nossa sociedade, deslocando-se da visão única das culturas europeias. Não estamos propondo substituição ou esquecimento das demais etnias europeias, mas uma educação visando à valorização das diferentes etnias. Só assim uma efetiva mudança social será promovida. Ações afirmativas No que concerne às práticas que objetivam minimizar desigualdades sociais, é essencial que você domine o conceito de ações afi rmativas. Para isso, vamos nos valer do que prevê o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº. 12.288, de 20 de julho de 2010), o qual defi ne ações afi rmativas como “[...] os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades” (BRASIL, 2010, documento on-line). As políticas de ações afirmativas são consideradas recentes no Brasil e no mundo. A esse respeito, Munanga (2001, p. 31) destaca que “[...] visam ofe- recer aos grupos discriminados e excluídos um tratamento diferenciado para compensar as desvantagens devidas à sua situação de vítimas do racismo e de outras formas de discriminação”. Mesmo tendo se tornado lei por conquista do Movimento Negro, o Estatuto da Igualdade Racial explicita, no art. 2º, que: [...] é dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais (BRASIL, 2010, documento on-line). 7Relações étnico-raciais no Brasil Dessa maneira, ao criar o Estatuto da Igualdade Racial, Paulo Paim (BRA- SIL, 2009) já propunha uma reparação dos prejuízos históricos relativos aos negros em território nacional e que geravam discriminações para tal etnia, sugerindo o sistema de cotas como alternativa para essa correção. Portanto, o sistema de cotas proposto pelo Ministério da Educação é um exemplo de ação afirmativa que procura combater as desigualdades sociais. Por meio da Lei nº. 12.711, de 25 de maio de 2012, o Ministério da Educação: [...] garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 univer- sidades federais e 38 institutos federais de educação, ciência etecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos (BRASIL, 2012, documento on-line). Por meio dessa medida, os jovens que foram prejudicados pela falta de qualidade da educação pública podem competir em igualdade de condições para o ingresso no ensino superior nas instituições federais de ensino. Para o cálculo e a distribuição do percentual de vagas (50%), são utilizados critérios econômicos de classe: 25% das vagas são distribuídas para alunos com renda per capita menor ou igual a 1,5 salário-mínimo e os outros 25% são distribuídos para rendas superiores a 1,5 salário-mínimo. Além disso, essas vagas são distribuídas equitativamente entre pretos, pardos e indígenas (de acordo com a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]) e demais etnias, com garantia de vagas a pessoas com deficiência. Os alunos das redes públicas de ensino podem realizar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou ainda o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) e, por meio do seu desempenho nessas avaliações, pleitear a sua vaga no ensino superior em qualquer uni- versidade. Antes dessas políticas públicas, isso era muito difícil, devido à concorrência com alunos oriundos de escolas privadas e que podiam frequentar cursos preparatórios para o vestibular. Relações étnico-raciais no Brasil8 As discussões sobre as relações étnico-raciais são importantes e atuais. Segundo dados da Agência de Notícias do IBGE (IBGE..., 2018, documento on-line): As estatísticas de cor ou raça produzidas pelo IBGE mostram que o Brasil ainda está muito longe de se tornar uma democracia racial. Em média, os brancos têm os maiores salários, sofrem menos com o desemprego e são maioria entre os que frequentam o ensino superior, por exemplo. Já os indicadores socioeconômicos da população preta e parda, assim como os dos indígenas, costumam ser bem mais desvantajosos. Inclusão escolar Antes iniciarmos o debate a respeito da inclusão escolar, vamos retomar alguns pontos importantes já comentados. O primeiro diz respeito ao conceito de cultura, aqui entendida como um termo utilizado “[...] para se referir a tudo o que seja característico sobre o ‘modo de vida’ de um povo, de uma comunidade, de uma nação ou de um grupo social” (HALL, 2016, p. 19). Essa defi nição do autor é importante para nos fazer pensar nos aspectos antropológicos e sociológicos da cultura, uma vez que não se restringe somente a um conjunto de coisas — literatura, arte ou programas de TV — mas, principalmente, engloba um conjunto de práticas (HALL, 2016). Logo, os indivíduos que partilham da mesma cultura tendem a apresentar uma interpretação do mundo similar, pois foram ensinados, no interior das práticas cotidianas da sua sociedade, a se comportar e a pensar de acordo com determinados valores. O problema aqui é quando uma cultura se define de forma monocultu- ralista, como aquela detentora de saberes e como o caminho mais correto ou único a ser seguido, servindo para orientar sobre tudo e todos. Assim, todos aqueles que não se enquadram nos padrões por ela estabelecidos são marginalizados de alguma forma. O que se busca com a ideia da inclusão escolar é justamente estender àqueles que possam ser considerados diferentes um espaço garantido nas escolas, para que desfrutem com equidade o seu processo de escolarização. “O conceito de diferença, considerando a escola e o currículo, é, geralmente, traduzido como diversidade ou identidade” (LOPES; DAL’IGNA,2007, p. 13). 9Relações étnico-raciais no Brasil Salientamos que as diferenças de qualquer ordem não deveriam intervir no juízo de valor sobre as pessoas, uma vez que “[...] temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades” (SANTOS, 2003, p. 56). Nas escolas brasileiras, é possível perceber essa pluralidade de identi- dades, essa variedade de indivíduos que se distinguem culturalmente por vários aspectos, sejam eles étnicos, religiosos, de gênero, de classe social (pobres e ricos), geracional, deficiências de todas as ordens, orientações sexuais distintas, etc. A todos deve ser garantido o direito à educação que promova uma aprendizagem de qualidade, mas não se resume a isso. Walsh (2001) propõe que — além do simples reconhecimento de grupos diversos, do respeito e da tolerância — é necessário reparar e compensar os prejuízos decorrentes da assimetria de poder existentes entre os grupos culturais durante o seu processo histórico de constituição. Ou seja, a escola deve ser um espaço onde as desigualdades sociais, econômicas e políticas não são ocultadas, mas reconhecidas e confrontadas (WALSH, 2001). Dessa forma, a inclusão escolar emerge como movimento de luta por direitos de igualdade entre os diversos e de afirmação das suas diferenças como marcadores da sua identidade. Deve-se cuidar, no entanto, para que as práticas inclusivas sejam natu- ralmente engendradas no cotidiano escolar, não forçadas. Nesse sentido, o professor precisa entender que “[...] os diferentes não possuem déficits de aprendizagem, mas aprendem de uma forma peculiar e que mais do que diagnósticos precisamos problematizar e negociar outras representações para esses sujeitos” (LOPES; FABRIS, 2000, p. 3). Isto é, devemos deixar de olhar para um aluno com ênfase naquilo que lhe falta, no que o torna incapaz em relação aos demais — devemos focar nas suas possibilidades de aprender visando potencializá-lo de forma particular. Considerando alunos com deficiência, por exemplo, devemos promover políticas públicas e programas educacionais visando à sua inclusão nas redes regulares de ensino, compreendidos dentro do conceito da educa- ção inclusiva. Destacamos que, na Constituição Federal, art. 205, existe a garantia da educação como direito de todos, reforçado ainda na LDB (BRASIL, 1996, documento on-line), que traz, no art. 4º, III, o dever do Relações étnico-raciais no Brasil10 Estado quanto à garantia de “[...] atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino”. O reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais (Libras) como língua oficial brasileira, junto com a língua portuguesa, é uma importante ação de inclusão da população com deficiência auditiva. Também merece destaque a emergência do Atendimento Educacional Especializado (AEE), das salas de recursos e da inserção de professores de apoio para alunos com deficiência junto às escolas regulares. Outro destaque é a criação do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº. 13.146, de 6 de julho de 2015), que determina a obrigatoriedade das condições de acessibilidade em todos os níveis, etapas e modalidades de ensino. O processo de inclusão de alunos com deficiências nas escolas regulares não é fácil ou simples, pois demanda investimentos em recursos materiais e humanos. Mesmo em meio às dificuldades durante esse período adaptação que vivemos, incluir todos os alunos na escola é um grande passo adiante. Finalizando nossa discussão sobre os aspectos que envolvem a inclusão escolar, devemos considerar as diferenças entre os mais variados grupos culturais que frequentam a escola, de forma a reconhecer os seus direitos à educação equitativa, entendendo que existem muitos processos nas inte- rações entre esses grupos no cotidiano escolar. Logo, devem ser encarados com o olhar da alteridade e da participação do outro na constituição das suas identidades. Ao falarmos sobre equidade na educação, entendemos, acompanhando as ideias de Franco (2007, documento on-line), que deve haver simetria, igualdade no interior da escola quanto aos aspectos dos “[...] recursos escolares,organiza- ção e gestão da escola, clima acadêmico, formação e salário docente e ênfase pedagógica”. A pesquisa realizada pelos autores analisa como esses itens da equidade intraescolar vão refletir diretamente na eficácia dessa instituição de ensino, muitas vezes indo além do desempenho esperado. Como podemos perceber, a busca por equidade, além de ser pensada sobre o campo social do qual o aluno se insere, também deve ser analisada do ponto de vista do que as escolas oferecem para os seus alunos, uma vez que a falta ou a carência desses itens acabaria por reforçar as desigualdades sociais existentes. 11Relações étnico-raciais no Brasil Para aprofundar o entendimento sobre o significado das ações afirmativas, acesse o link abaixo. Essa animação, proposta por Hugo da Costa, apresenta alguns dos principais fundamentos da construção de tais ações, proporcionando reflexões sobre elas. https://goo.gl/yystW8 BANTON, M. Dicionário das relações étnicas e raciais. São Paulo: Selo Negro, 2000. BRASIL, Lei Federal nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996); LDB (1996); Lei Darcy Ribeiro. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 19963. 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