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Samara Pires – MED25 Bases da Parasitologia Humana Enterobiose 1. Introdução à parasitose A Enterobiose ou Oxiurose é a doença causada pela espécie Enterobius vermicularis, também denominada Ascaris vermicularis e Oxyurus vermicularis. A quantidade distinta de sinônimos se justifica pelos nomes dados ao parasito ao longo do tempo. O E. vermicularis é descrito há séculos como parasita humano, pois se encontra nos escritos de Aristóteles e de Hipócrates. Ele é o único Enterobius que parasita os humanos, o que é uma característica geral das espécies do gênero ao qual ele pertence: são distinguíveis entre si e acometem diferentes hospedeiros. A Enterobiose é ainda bastante prevalente e amplamente distribuída no mundo, cujo parasita é também chamado oxiúro. 2. Morfobiologia do parasito O E. vermicularis possui dimorfismo sexual, mas algumas características estão nos indivíduos de ambos os sexos: cor branca, corpo filiforme e cutícula finamente estriada em sentido transversal. As asas cefálicas são expansões vesiculares da cutícula que se localizam anteriormente e lateralmente à boca. Esta, por sua vez, é pequena, com três pequenos lábios retráteis. Segue um esôfago também característico, claviforme e relativamente musculoso, o qual termina em um bulbo cardíaco. a) Macho: é menor que a fêmea e apresenta a cauda curvada no sentido ventral. Possui apenas um testículo, um canal deferente e um canal ejaculador, o qual alcança a cloaca. O espículo é projetado no momento da cópula. b) Fêmea: possui a parte posterior bastante afilada, com a cauda reta, longa e pontiaguda. A vulva abre-se no terço médio anterior, a qual é seguida por uma vagina que se comunica com dois úteros; cada ramo uterino se continua com o oviduto e ovário que apresentam aspecto enovelado. Quando a fêmea está em seu estado gravídico, seu corpo se distende e por ele se distribuem os ovos, podendo chegar a 16 mil em um só organismo. c) Ovo: é côncavo em um lado e convexo no outro, o que lembra a forma de um D. O ovo sai da fêmea já alojando a larva já formada e em desenvolvimento. É liso, translúcido e apresenta uma dupla camada. A substância viscosa de sua superfície facilita a aderência nos ambientes. O parasito encontrou no apêndice o seu habitat natural, mas pode ser verificado também no íleo do intestino delgado. Frequentemente, a fêmea gravídica migra para a região cecal e perianal para a deposição dos ovos e, nas mulheres, eventualmente é encontrada na vagina e na uretra (localizações ectópicas). Samara Pires – MED25 3. Ciclo biológico Tipo monoxênico. A cópula entre o macho e a fêmea de E. vermicularis resulta em ovos férteis, que, ao invés de serem depositados no lúmen do tubo digestivo, sua postura é realizada na região perianal, pois a fêmea migra para esse local. Assim, com o dessecamento da fêmea gravídica que já apresenta pouca motilidade e com a ruptura de seu corpo facilitada pelo ato de coçar do hospedeiro, por exemplo, os ovos são liberados para o meio externo, provavelmente estando também nas fezes. Além desses mecanismos, a oviposição pode ocorrer. O macho, por sua vez, é liberado nas fezes logo após a cópula e acaba morrendo. Os ovos são infectantes no corpo do hospedeiro por 6 horas e, no ambiente, esse tempo aumenta, podendo os ovos resistir até três semanas. Assim, após a ingestão dos ovos por um novo hospedeiro ou até pelo mesmo por meio da reinfecção, estes eclodem e formam larvas rabditoides que atravessam o intestino delgado e atingem o ceco, sofrendo duas mudas no trajeto e, posteriormente, tornam-se adultas. Cerca de 45 a 60 dias após a infecção, as fêmeas aparecem na região perianal. 4. Transmissão a) Heteroinfecção ou primoinfecção: um novo hospedeiro é infectado por meio de poeira ou de alimentos contaminados. b) Autoinfecção indireta: os ovos que saíram de um hospedeiro o reinfectam por meio da poeira, do lençol contaminado, de alimentos etc. c) Autoinfecção direta ou externa: exemplo o hospedeiro coça a região perianal, leva a mão à boca e acaba ingerindo os ovos que estavam em seu próprio corpo. Como a infecção de um ciclo termina após a eliminação dos ovos pela fêmea, nesses casos, ocorre infecção mais duradoura. d) Autoinfecção interna: as larvas eclodem ainda dentro do reto e migram para o ceco, tornando-se vermes adultos (caso excepcional). No caso da retroinfecção, as larvas eclodem na região perianal e sobem pelo sistema digestivo até atingir o ceco, onde se transformam em vermes adultos. 5. Patogenia e sintomatologia Os efeitos diretos do parasito sobre a mucosa intestinal não resultam em sintomatologia importante, uma vez que não há alterações histológicas relevantes e, geralmente, ocorre apenas uma pequena irritação. Na maior parte dos infectados, não há manifestação dos sintomas ou eles são leves e inespecíficos. Ulcerações de mucosa e abscessos de submucosa são resultantes, na maior parte das vezes, de infecções bacterianas secundárias. No entanto, quando a carga parasitária é intensa, pode-se observar uma inflamação catarral na região ileocecal aliada às manifestações intestinais comuns em outras helmintoses, como dores abdominais, náuseas, vômitos, alterações nas fezes, entre outros. O prurido anal também é característico dessa parasitose, o que pode ser resultado da reação inflamatória do hospedeiro pela presença de antígenos, como fêmeas do parasito mortas, ou pela maior ativação noturna do nematódeo devido à maior temperatura desse período. Assim, principalmente as crianças sofrem com intensa coceira anal noturna, resultando em insônia e em Samara Pires – MED25 inquietação, agitação e em olheiras atípicas durante o dia. Isso pode acarretar problemas de rendimento escolar e alterações neurocomportamentais. Outra complicação da enterobiose é a migração de parasitos para regiões ectópicas, como fígado, baço e pulmões. Isso acontece especialmente com vermes machos menores. As lesões ectópicas, em geral, caracterizam -se por infiltrado inflamatório rico em linfócitos, com eosinófilos e formação de reações encapsulantes (igranulomas) ao redor de ovos, larvas e/ou vermes adultos, além da possibilidade de necrose eventual. A migração dos vermes para o trato geniturinário é mais frequente na mulher do que no homem e, nesse caso, o nematódeo vai da região anal para a vaginal, gerando prurido vulvar e corrimento. As complicações incluem metrite, vaginite, salpingite e ooforite. Em cirurgias de apendicite, foram verificados vermes de E. vermicularis também, sugerindo que eles podem estar relacionados à inflamação dessa região. Observou-se que pacientes com apêndices sem alterações histológicas significativas, mas contendo o parasito, podem desenvolver representação clínica que simula apendicite aguda. 6. Diagnóstico a) Clínico: para ser realizado o diagnóstico clínico, devem ser analisados alguns aspectos, como o prurido anal associado à coceira noturna e a alterações neurocomportamentais, como irritabilidade. Deve-se aprofundar a anamnese a fim de verificar potenciais fontes de infecção e de coletar outros sintomas inespecíficos, como dores abdominais e náuseas, que podem estar associados a outras parasitoses. Frequentemente, no atendimento às crianças, seus responsáveis afirmam ter encontrado os parasitos na roupa íntima ou no papel higiênico, o que pode ser uma evidência de confirmação do diagnóstico. As complicações devem ser verificadas também, principalmente a respeito da localização ectópica do verme em mulheres. b) Complementar: o método mais empregado para diagnosticar a enterobiose é a fita adesiva ou método de Graham, pois o exame de fezes pode resultar em falsos negativos e, nele, os ovos são pouco observados. No método citado, utiliza-se uma fita adesiva em ambas as faces e cola-se à região perianal do paciente. Posteriormente, ela é colada a uma lâmina de vidro e submetida à observação no microscópio.Caso a lâmina não puder ser observada imediatamente, deve-se acondicionar o material na geladeira envolto em papel alumínio. Pelo método de Graham, busca-se encontrar os ovos das fêmeas gravídicas. O exame deve ser feito pela manhã antes que o paciente faça a higienização. 7. Epidemiologia A enterobiose apresenta distribuição mundial e acomete pessoas de diferentes países e faixas etárias. Nos Estados Unidos, na Austrália e na Europa, o E. vermicularis é o helminto de maior prevalência. No Brasil, os dados são imprecisos devido à ausência de estudos com metodologia específica para o diagnóstico, mas estudos anteriores verificaram uma prevalência de 22,3 a 65% em crianças. Aliás, esse é o grupo mais acometido, pois os estudos comprovaram que o número de casos em crianças é pelo menos o dobro do que ocorre em adultos. Além disso, ambientes coletivos, como enfermarias, asilos, orfanatos e creches, especialmente os que apresentam superlotação, são fontes frequentes de infecção de um grupo, porque tanto os cuidadores dos indivíduos que os frequentam podem se tornar doentes, quanto os próprios indivíduos. Em uma família, todos ou quase a totalidade dos membros pode ser atingida pelo parasito. Samara Pires – MED25 A oxiurose está mais relacionada aos hábitos de higiene das pessoas do que propriamente à faixa etária, à classe social e ao gênero. Embora contestado, um estudo evidenciou maior prevalência da enterobiose em países temperados devido aos hábitos distintos de higiene e à menor frequência de banhos. 8. Profilaxia • Manejo adequado de vestes, roupas íntimas e de cama usadas pelo indivíduo infectado, as quais não devem ser “sacudidas” pela manhã, mas enroladas e lavadas diariamente em água fervente; • Corte rente das unhas e lavagem frequente das mãos, sobretudo após o uso do banheiro e antes das refeições; • Banho diário, preferencialmente em chuveiro, ao levantar-se; • Combate a alguns hábitos, como o de levar a mão à boca e o de roer unhas; • Buscar o diagnóstico e o tratamento dos doentes, tanto do paciente que já apresenta sintomas claros e de que já se sabe da sua infecção, quanto das pessoas que convivem próximas a ele, seja no núcleo familiar, seja em uma instituição. 9. Tratamento Os fármacos não apresentam efeito sobre os ovos do parasito. O tratamento anti-helmíntico deve ser repetido por no mínimo duas vezes, com intervalo de 14 dias entre as doses até que nenhuma pessoa da família ou instituição esteja parasitada. Os medicamentos mais indicados são: pamoato de pirantel, ivermectina e albendazol. Todos possuem efeitos colaterais, como náusea, vômitos e cefaleia, são contraindicados para grávidas e apresentam eficácia de até 100%.
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