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NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO Coordenação Pedagógica – IBRA DISCIPLINA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA SUMÁRIO 1. A ORIGEM DA NOÇÃO DE NÚMERO ........................................................ 3 2. ORIGENS DA MATEMÁTICA .................................................................... 10 3. A MATEMÁTICA NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA ................................... 20 4. O NASCIMENTO DO MÉTODO DEDUTIVO E A GEOMETRIA DE EUCLIDES ....................................................................................................... 26 5. A MATEMÁTICA GREGA APÓS EUCLIDES ............................................ 34 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 42 1. A ORIGEM DA NOÇÃO DE NÚMERO Você já percebeu como os números são importantes em nossa vida? Diariamente, e a todo momento, estamos pensando em quantidades numéricas, seja para fazer uma medida, seja para fazer um pagamento, seja, até mesmo, para ver as horas. Este tópico conta um pouco da história dos números. Faça uma leitura atenta e comece a entender de que maneira diversos povos criaram seus símbolos para representar as quantidades. Você já parou para pensar em como surgiram os números? Em alguns momentos da história antiga, quando os seres humanos perceberam a necessidade de organizar seu dia a dia, surgiu também a necessidade de contar. Acredita-se que, bem antes da criação dos números, essa contagem era feita de forma rudimentar, com a utilização de objetos, como pedras. Conta a história que, no pastoreio, cada ovelha era representada por uma pedrinha que seu dono guardava em um recipiente, tal qual um saco de couro. Assim, ao final de um dia, o pastor conseguia identificar se estava faltando ou até mesmo sobrando alguma ovelha no seu rebanho, fazendo uma relação de um para um damos o nome de correspondência biunívoca. Caso houvesse uma ovelha a mais no rebanho, bastava acrescentar uma pedrinha no saco; quando uma ovelha morria, bastava retirar uma pedrinha do saco. Fonte: Superinteressante Outros tipos de marcação, entretanto, sugerem essa noção biunívoca, como no caso de desenhos em cavernas, cortes em pedaços de madeira ou ossos e mesmo nós em corda, os quais indicam a marcação de quantidades. O homem jamais parou de evoluir. No início, sua sobrevivência era garantida por aquilo que a natureza oferecia em quantidade e abundância, como frutas, peixes e caça. Levava, portanto, vida nômade. Depois, sentindo a necessidade de viver em sociedade, passou à vida sedentária e, tendo local fixo da moradia, percebeu que precisava produzir a própria alimentação. Surgiram, assim, os primeiros povoados e, com eles, a necessidade de registrar as quantidades de pessoas, de animais, de alimentos, entre outras. Cada povo passou, então, a representar essas quantidades com símbolos próprios, dando origem à escrita numérica e aos diferentes sistemas de numeração. Os egípcios, por exemplo, representavam os algarismos de 1 a 9 por traços verticais, com uma lógica representativa. A partir do número 10, as representações eram diferentes. Para representar o número 10, os egípcios utilizavam o símbolo ∩. Esse símbolo representa um calcanhar. Dez calcanhares, que valem 100, eram representados por uma espiral que significava um rolo de corda. Dez espirais, que valem 1000, eram representadas por um novo símbolo, que era a figura da flor de lótus. Resumidamente, os símbolos utilizados pelos egípcios para compor seu sistema de numeração estão indicados no quadro a seguir. Fonte: Teoria dos números e teoria dos conjuntos Cada sistema de numeração tem regras próprias, que permitem a representação de qualquer número. Os maias, por sua vez, tinham o ponto e o traço para a representação dos números. Trata-se de um sistema de numeração vigesimal, ou seja, sua base é 20. O zero é representado por uma concha. De 20 em diante os números têm seus algarismos escritos na vertical e são lidos de cima para baixo. Os romanos, por sua vez, utilizavam combinações de diferentes símbolos para a representação de seu sistema de numeração. Veja a tabela a seguir: Representação dos algarismos de 1 a 10 pelos romanos 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 I II III IV V VI VII VIII IX X O sistema de numeração romano, mais sofisticado, é composto pelas letras I, V, X, L, C, D, M, todas maiúsculas. O valor que cada uma das letras representa está indicado a seguir: I...............1 V...............5 X...............10 L...............50 C...............100 D...............500 M...............1000 Para a representação de números romanos, é necessário conhecer algumas regras: a. A letra que está à direita de outra de maior valor é somada. Exemplo: LX = 60 b. A letra que está à esquerda de outra de maior valor é subtraída. Exemplo: XL = 40 c. Somente três letras podem se repetir e no máximo três vezes. São elas: I, X, C. Exemplo: XXX = 30 d. As letras X, L, C, D, M são somadas quando colocadas lado a lado. Exemplo: MDCL = 1000 + 500 + 100 + 50 = 1650 e. A letra que está entre duas de maior valor tem o seu valor subtraído da letra que está à direita. Exemplo: CXL = 140. f. Quando há um traço acima de uma ou mais letras, o valor destas é multiplicado por mil. Exemplos: LX = 60000 M = 1000000 E nós, brasileiros, que sistema de numeração utilizamos? Nós representamos os números com a utilização do sistema indo-arábico. Por que tem esse nome? Porque foi um sistema inventado pelos hindus, no século V, com apenas nove símbolos: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9. Somente no final do século VI foi introduzido o décimo, o zero. Mais tarde, no século VIII, os árabes adotaram esse sistema e o difundiram pelo mundo, a partir da sua utilização pelos povos que dominaram. O sistema de numeração indo-arábico é também conhecido como sistema decimal de numeração, por constituir-se de dez símbolos para a representação de qualquer número. São eles: 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9. Há relatos de que a designação de decimal se dá pelo fato de nossas duas mãos, juntas, apresentarem dez dados e as pessoas fazerem uso deles para pequenas contagens. Lembra-se do sistema maia, com base 20? Acredita-se que a base dos maias era vigesimal pelo fato de utilizarem os dedos dos pés e os dedos das mãos para a contagem. O sistema de numeração usado no Brasil, o sistema decimal, é posicional. Isso significa que um mesmo algarismo pode assumir diferentes valores, dependendo da posição que ele ocupa no numeral. Cada posição ocupada por um algarismo é chamada de ordem. Assim dizemos que o algarismo de primeira ordem se denomina unidade simples, o de segunda, dezena simples e o de terceira, centena simples. Observe a representação dessas ordens a seguir: Organização dos algarismos em ordens 3º ordem 2ª ordem 1ª ordem Centenas simples Dezenas simples Unidades simples Preste bastante atenção: a primeira ordem é representada na posição mais à direita do número. Por exemplo, o número 839 tem 9 unidades simples, 3 dezenas simples e 8 centenas simples. A dezena é composta por 10 dez unidades, e cada centena é composta por 10 dezenas, ou seja, 100 unidades. Assim, o número 839 é igual a 800 + 30 + 9, que é o resultado das seguintes operações: 8 . 100 + 3 . 10 + 9. A cada três ordens, temos o que chamamos de classe. Assim, quando um número tem mais de três algarismos, temos mais de uma classe. A primeira classe é a das unidades simples, a segunda classe é a dos milhares, a terceira classe é a dos milhões, a quarta classe é a dos bilhões, a quinta classe é a dos trilhões e assim sucessivamente. Observe a tabela a seguir: Organização dos algarismos em classes e ordens 3ª classe (Milhões) 2ª classe(Milhares) 1ª classe (Unidades simples) 9ª ordem 8ª ordem 7ª ordem 6ª ordem 5ª ordem 4ª ordem 3ª ordem 2ª ordem 1ª ordem Centenas de milhão Dezenas de milhão Unidades de milhão Centenas de milhar Dezenas de milhar Unidades de milhar Centenas simples Dezenas simples Unidades simples Como exemplo, analisemos o número 47321108 (lê-se “quarenta e sete milhões, trezentos e vinte e um mil cento e oito”). Esse número tem 3 classes e 8 ordens. 2. ORIGENS DA MATEMÁTICA Fonte: Superinteressante No Mesolítico, pelo menos há 6000 anos antes da nossa era, existia já uma arte, que só podia resultar do conhecimento muito preciso da geometria. A partir de meados do IV milênio antes da nossa era, começou a florescer, em algumas regiões do mundo antigo, uma arquitetura monumental, constituída por grandes blocos de pedra conhecidos por magálitos. A palavra megálito deriva do grego, de mega, que significa grande e de lithos que significa pedras. Estas construções grandiosas vão de simples blocos compridos, implantados verticalmente no solo, aos designados menirs ou menhirs, aos alinhamentos e aos cromeleques, no último caso quando os blocos se agrupam em círculo. Outra família de megálitos são os dólmenes, antes ou orcas, que são túmulos coletivos. Outras sepulturas colossais são as pirâmides, e os zigurates também com a função de templos. Há presentemente referência a megálitos admiráveis, como as pirâmides do Egito, da China e da América Central, bem como grandes megálitos na Europa Ocidental. A idade de construção destes megálitos varia entre 3500 e 1500 anos antes da nossa era. Entre eles sobressai a Grande Pirâmide de Quéops, no Egito, e Stonehenge na Grã-Bretanha. A Pirâmide de Quéops ocupa uma área de cinco hectares, com cento e quarenta e seis metros de altura inicialmente, com duzentos e vinte e oito metros de lado e com seis milhões e meio de toneladas de pedra. Stonehenge é um megálito formado por círculos concêntricos de pedra, alguns com mais de vinte toneladas de peso, construído na planície de Salisbury. Foi construído em três etapas entre 2100 e 1600 anos a.C. Na opinião de vários cientistas, como o astrônomo Hawkins, as pedras encontram-se colocadas de modo tão sofisticado e engenhoso, que se torna possível a sua utilização como gigantescas calculadoras, verdadeiros computadores megalíticos, com o objetivo de prever o nascimento do Sol e da Lua, o que é de enorme utilidade para um povo de agricultores, e também fonte de prestígio para a classe dominante. Recentemente, arqueólogos descobriram o maior templo da Idade da Pedra na Europa, em Stanton Drew, de forma circular, com noventa e cinco metros de diâmetro, portanto, seis vezes maior que a construção de Stonehenge. Pense-se que o templo teria dez metros de altura e teria sido construído há cerca de 5.000 anos. Os cerca de cinquenta mil monumentos megalíticos agora conhecidos na Europa Ocidental são apenas uma parte dos que devem ter existido no apogeu da civilização megalítica. Sabe-se que muitos foram destruídos ao longo do tempo por tempestades, erosão, aluimentos de terras e também por atos deliberados, por questões religiosas. Muitos ainda apresentam cruzes e foram destruídos por cristãos por os considerarem obra do demônio e, por isso, a sua destruição seria meritória. Outros foram destruídos, para utilização das pedras, como alguns em Averbury, no sul da Inglaterra, para dar lugar às construções das povoações circundantes. Nas Américas, só no México calcula-se que existam cerca de cem mil pirâmides, ou melhor, pirâmides truncadas, idênticas aos zigurates da Suméria, por descobrir, cobertas por vegetação densa. Não há dúvida, contudo, de que tanto a construção destes megalíticos como das pirâmides exigia, já nesse tempo, medições cuidadas e precisas, e a construção de figuras geométricas, Era necessário a esses construtores um profundo conhecimento de Geometria. Estas construções da América Latina, Mesopotâmia, Ásia, Egito e Europa são testemunhos mais que evidentes que esta Geometria era praticada por todos estes povos na época. O lugar de origem da Matemática, muito provavelmente, foi o vale compreendido entre os rios Tigre e Eufrates, a terra dos sumérios e dos babilônios, que inventaram a escrita cuneiforme e desenvolveram uma das civilizações mais avançadas do nosso planeta. Pelas escavações arqueológicas, já que são escassos os documentos escritos, sabe-se que os sumérios dominavam uma cultura muito avançada, com a construção de um sistema de canais invejável. Quanto à urbanização, as casas eram planeadas, a construção obedecia a regras e eram rodeadas por jardins, onde a água era levada por um sistema de canais que assegurava a umidade. O sistema social e a organização do Estado eram um dos mais evoluídos. A legislação tem por funções fazer prevalecer a justiça, impedir que os fortes oprimam os fracos, fazer progredir o país e providenciar no sentido do bem-estar crescente do povo. Quem nunca ouviu falar do célebre Código de Hamurabi, rei dos babilônios? Quem poderá discordar de um dos seus princípios? Juntamente com estes princípios de ordem, justiça social e bem-estar, deu-se o desenvolvimento econômico e científico, o que levou a um grande avanço da civilização nesta parte do mundo. Com o estabelecimento da supremacia dos babilônios, durante a dinastia Hamurabi, cerca de 1950 anos antes da nossa era, a cidade transformou-se rapidamente num grande centro comercial e como resultado verificou-se, também, um melhoramento do sistema de numeração, que foi emergindo gradualmente. A Aritmética dos babilônios tinha duas bases: o 10 (dez) e o 60 (sessenta). A base 10 teve origem na observação dos dedos das mãos e a base 60 relaciona-se com as observações astronômicas. Os babilônios consideravam o ano dividido em 360 dias e, por isso, dividiam, também, a circunferência em 360 graus. Pensa-se que aprenderam a medir o tempo, medindo a sombra de um pauzinho, projetado no terreno. Dividiam a área que continha a sombra em ângulos iguais entre si. A partir daí, construíam triângulos equiláteros e obtinham, assim, ângulos de 60 graus. A escolha do 6, como divisor da circunferência e divisor do tempo, correspondente a um dia, foi rápida. Mas o número 6 foi considerado insuficiente e através da combinação com a base 10 chegou-se ao número 60. Este número, também combinado com o número 6, chegava de novo ao número 360. E estabeleceram que a circunferência do círculo é seis vezes o raio do círculo. Em 1889, foram encontradas em Nuffar cerca de cinquenta mil bronzes com tabelas de multiplicação dos números inteiros até 180.000. Foram também encontradas tabelas de divisão em caracteres cuneiformes até o número 12.960. Estes povos chegaram a escrever números enormes, tal como o que achegou até nós, 195.955.500.000.000. Os babilônios conheciam as séries geométricas e aritméticas e tinham já alguns conhecimentos no nível das proporções. O seu conhecimento de Geometria parece ter sido confinado a regras isoladas, úteis na Astronomia e na construção. Construíram canais eficientes para o controle das inundações, e foi pelos conhecimentos sobre Geometria Aplicada que este povo pôde construir a arquitetura espetacular do Palácio de Bel, com os seus jardins suspensos. De uma maneira geral, acredita-se que a Geometria Aplicada tenha nascido nas margens do Nilo. Alguns investigares referem que, no antigo Egito, que erigiu pirâmides colossais, esta ciência tivera também origem na Babilônia. Fonte: BBC Aristóteles, filósofo grego, dizia que o Egito era o local do nascimento das Matemáticas, porque, aí, a classe dos sacerdotes tinha tempo livre para se poder dedicar ao estudo e à investigação. A Geometria teria sido cultivada em solo egípcio. A inundação dasterras pelo Nilo obrigava a esse conhecimento. Os documentos matemáticos mais antigos datam de 1700 anos a.C., estão compilados em papiros de Ahmes. Mas o conhecimento egípcio sobre Geometria é certamente muito anterior. Nesses documentos podem já ver-se as regras para a construção de figuras planas e para a determinação das suas áreas. Os egípcios conseguiriam uma aproximação muito maior da razão da circunferência de um círculo, em relação ao seu diâmetro, do que os babilônios. Conheciam, o que era algo de enorme importância para a construção de pirâmides, que os triângulos, cujos lados têm razões de 3, 4 e 5, formam ângulos retos. Os papiros de Ahmes mostram também que os egípcios já conseguiram resolver problemas de equações simples. Os antigos chineses não tinham uma Álgebra literal, e todo o seu envolvimento com problemas algébricos era fundamentado numa notação e procedimentos apropriados, para a utilização de varetas de cálculo, instrumento que precedeu o conhecido suan pan, ou seja, o ábaco chinês. A dinastia Sung, fundada por um general chamado Chao Kuang-Yn, desenvolveu a ciência e a tecnologia e foi nesse tempo que foi inventado o ábaco chinês, antigo instrumento de cálculo, que ainda hoje é usado. Por volta do ano 100 a.C., usavam o triângulo aritmético para o cálculo aproximado de raízes quadradas, cúbicas, etc. Chamavam ao triângulo aritmético sistema de tabulação, que servia para descobrir coeficientes binomiais e encaixava-se muito bem nesse sistema. Num dos livros Chineses mais antigos o Jiuzhang Suanshu, escrito creca do ano 100 a.C., o seu quarto capítulo é dedicado ao ensino do procedimento da extração de raízes quadradas e cúbicas. Fonte: Revista Galileu Os espantosos conhecimentos adquiridos sobre Aritmética maia mostram uma capacidade enorme para um povo primitivo. Como acontece atualmente, a posição dos algarismos era fundamental na numeração. Os mais possuíam um sistema posicional mais sucinto do que é hoje utilizado. Usavam apenas três símbolos, que eram o ponto, o traço e a forma de uma espécie de concha, para representar o zero. Possuíam um sistema de base vinte e escreviam os números com vários algarismos em colunas que se leem verticalmente de baixo para cima. Um número até vinte era representado por um único hieróglifo, combinação de pontos e traços, correspondendo cada ponto ao algarismo um, e cada traço ao algarismo cinco. Para as datas, forma sob a qual surgem os números mais extensos dos maias, o sistema de base vinte foi ligeiramente alterado para tornar mais fácil a contagem dos anos. Todas as datações maias têm por base o número de dias decorridos a partir do início do seu calendário, data essa que, de acordo com alguns investigadores, corresponde a 11 de agosto de 3114 a.C. O sistema complexo matemático utilizado pelos mais teve como finalidade satisfazer o seu grande interesse pela cronologia. A importância dada ao calendário é uma característica das sociedades marcadas pelas festas de índole agrícola e religiosa, por meio das quais é necessário um conhecimento exato das estações e de período da máxima pluviosidade, para a determinação da época das sementeiras e das colheitas. O ano maia era constituído por dezoito meses de cinte dias cada um, mais cinco dias extras e designava-se por haab. O período de 360 dias ou tun era a base do calendário, existindo ainda uma série de múltiplos. A Matemática indiana poderá ter-se inciada por volta de 2000 a.C., na região da Harappa e Mohenjo Daro. Era muito rudimentar e só com a invasão Ariana, por volta de 1500 a.C. passou a resolver problemas de maior complexidade. A Matemática veda, era essencialmente geométrica, voltada para as construções de altares. Cerca do ano 600 a.C., o vedismo deixa de ser dominante e difundem-se outras religiões, o hinduísmo e o janaísmo, ambas evidenciando uma atuação contra os sacrifícios rituais védicos. A palavra jaina, que deriva do sânscrito significa vitorioso e aplica-se aos que obtiveram a vitória sobre os desejos mundanos e que conseguiram controlar, pela vontade, os sentidos. Para se atingir essa perfeição, os jainos passavam por um treino, sendo o estudo de Ganitanuyoga ou Matemática, o treino considerado mais adequado, mais nobre e mais eficaz. Nesse tempo, os livros eram feitos em folhas de palmeira, o que levou a que poucos deles chegassem aos nossos dias. Além disso, alguns não estavam escritos em sânscrito, nem se conhecia a sua autoria. Isso dificulta grandemente o nosso conhecimento quanto à Matemática utilizada pelos antigos indianos. 3. A MATEMÁTICA NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Fonte: Brasil escola Com o desenvolvimento comercial entre o Egito e a Grécia, por volta do século VI a.C., o conhecimento dos egípcios tornou-se acessível aos gregos e, nas suas mãos, a Matemática assumiu um novo desenvolvimento. Aparentemente os gregos foram os primeiros a conceber a ideia da formulação e demonstração de teoremas gerais em Geometria. Tales de Mileto, filósofo grego da cidade de Mileto, que viveu nos últimos decênios do séc. VII e primeira metade do século VI a.C., a os seus discípulos Anaximandro (614-550 a.C.), filósofo, geógrafo e engenheiro e Mileto e ainda Anaxímenes, filósofo grego de Mileto, que viveu na segunda metade do século VI a.C., conheceram muitas das propriedades dos triângulos e do círculo e também rudimentos das proporções. Não se conhece muito da vida de Tales. Sabe-se que, inicialmente, encaminhado para a vida de comerciante, pôde visitar o Egito. A ciência egípcia era exclusiva dos sacerdotes, mas sabe-se que Tales de Mileto esteve em contato com eles. Adquiriu os conhecimentos matemáticos, que eram patrimônio dos hitistas, dos assírios, dos babilônios e dos egípcios. Pode-se dizer que foi o primeiro grego a estudar Matemática entre outras ciências por interesse puramente científico. Foi o primeiro filósofo da escola Jônica, a escola mais antiga da Grécia. Anaxímenes, parece ter pretendido realizar uma síntese de todo o conhecimento dos seus predecessores. Anaximandro é o que se pode designar como um modelo universal de curiosidade do saber. Tal como Tales, perguntava-se quanto ao princípio originário e original de todas as coisas. Situando esse princípio no infinito, foi protagonista de um avanço de enorme importância na história do pensamento Ocidental. Elaborou o primeiro conceito científico do infinito e opera a passagem da observação à reflexão. Pitágoras, famoso filósofo e matemático grego que viveu no século VI e V a.C., fundou uma escola, onde, pela primeira vez, foram abertas as portas às mulheres, a Escola Pitagórica. É talvez oportuno recordar que Teano, mulher de Pitágoras, escreveu vários tratados sobre Matemática, Física, Medicina e Psicologia infantil. Após a morte do marido, Teano e as suas duas filhas continuaram a Escola Pitagórica. Pitágoras permaneceu longo período no Egito e, ao que parece, teria acesso à cultura sacerdotal do Antigo Egito, através de uma tormentosa e duradoura iniciação, à qual foi fiel toda a vida. Ao que se sabe, Pitágoras passou do Egito para a Babilônia, depois da invasão do Nilo por Cambises, rei dos persas e aí teria contato com as doutrinas caldaicas, com os costumes persas e as crenças monoteístas hebraicas. De regresso à Grécia, ter-se-á ficado em colênias estabelecidas pelos Gregos no sul da Itália, onde fundou em Crotona a Escola Pitagórica. Também chamada de Escola Itálica, os seus membros formavam uma espécie de grupo ou seita, onde se encontravam os intelectuais mais notáveis do tempo. Na concepção pitagórica, há várias curiosidades. Uma delas consistia na proibição de ingerir carne. Pitágoras e os seus discípulos acreditavam que todos os animais tinham direito à vida, e foram, poranto, talvez o primeiro núcleo dos vegetarianos.As lições ministradas eram de algum modo cópias do sistema do sacerdócio egípcio, no qual, em simultâneo, imperava a racionalidade grega, que veio a constituir a base da civilização Ocidental moderna. Mais tarde, a escola acabou por despertar suspeitas e inimizades, e a seita dispersou-se. Mas a ciência e os ensinamentos perduraram no tempo. Pitágoras libertou a antiga sabedoria Matemática egípcia e babilônica de outros interesses e conceberam princípios e generalizações válidos por si mesmos. Foi Pitágoras quem dividiu a Matemática em quatro ramos, a Aritmética, a Música, a Geometria e a Astronomia, que perdurou até depois da Idade Média. Foi Pitágoras quem definiu o ponto como unidade de posição e a classificação dos ângulos nas três categorias, que ainda hoje são ensinadas nas escolas. A concepção geométrica do espaço, como entidade homogênea, contínua e ilimitada, é de sua autoria. Para Pitágoras, o número é a essência de todas as coisas, pois existe uma ordem mensurável em todos os fenômenos do universo. Este conceito foi de grande importância para o desenvolvimento da civilização europeia. Ele mesmo tentou associar a Aritmética à Geometria. Distinguiu os números pares dos números ímpares. Os números pares eram considerados imperfeitos, já que eram divisíveis em duas partes exatamente iguais. Pitágoras e os seus discípulos foram os primeiros a desenhar poliedros regulares convexos, como o tetraedro, o cubo, o octaedro e o icosaedro. Alguns destes poliedros, como o dodecaedro, já eram conhecidos anteriormente por povos, como os etruscos, com os quais Pitágoras deve ter contatado na Itália. Estas construções exigiam o conhecimento do pentágono regular. No entanto, a realização mais conhecida, mais famosa de Pitágoras, é sem dúvida a do célebre teorema de Pitágoras que retrata: “a soma dos quadrados dos catetos de um triângulo retângulo é igual ao quadrado da hipotenusa”. Esta descoberta notável, que é um dos alicerces da Geometria, permitiu ao próprio Pitágoras fazer uma nova descoberta, mas que o perturbou profundamente. Pitágoras acreditava que tudo na Natureza tinha explicação pelos números e, para ele, os números eram inteiros ou fracionários. Mas no caso de um triângulo isósceles (com os lados iguais) em que o lado é a unidade, quanto medirá a hipotenusa? Terá que ser um número cujo quadrado é dois, e a sua demonstração é um dos mais belos raciocínios matemáticos. A lenda conta que Pitágoras ficou tão perturbado com sua descoberta, que fez prometer aos seus discípulos que a não divulgassem, para que os deuses não fossem irritados com a revelação de tal segredo escandaloso. O valor da raiz quadrada de dois pode calcular-se com tantas casas decimais quantas se queira, mas nunca se obtém uma dízima periódica. Ora as frações dão sempre origem a dízimas periódicas e reciprocamente, qualquer dízima periódica pode reduzir-se a uma fração. Então, considerando os inteiros e as dízimas finitas como dízimas de período zero, podem chamar-se racionais aos números correspondentes a dízimas periódicas, e números irracionais àqueles a que correspondem dízimas não periódicas. Os babilônios não deviam desconhecer as características de retângulos análogos aos da formulação do teorema de Pitágoras. De fato, alguns textos em escrita cuneiforme, da dinastia Hamurabi, apresentam cálculos da diagonal de um retângulo semelhante. Os egípcios deviam também conhecer o assunto, pois que a Câmara dos Reis, no interior da Pirâmide de Quéops, encontra-se dentro das proporções três- quatro-cinco, que segundo Plutarco, representa as divindades egípcias: Osíris, Ísis e Hórus. Também os sábios hindus conheciam as propriedades do triângulo retângulo, mas as relações entre os comprimentos dos lados eram cinco-doze- treze. É, no entanto, Pitágoras o autor a quem se tem atribuído o enunciado e a demonstração do teorema, cuja validade é indiscutível. Hipócrates de Quios, matemático grego que viveu no século V a.C., não confundir com Hipócrates de Cós, o lendário pai da Medicina, fez um em contributo importante para dois dos principais problemas da Geometria antiga: o da quadratura do círculo, por meio das chamadas Iunulae Hippocratis e o da duplicação do cubo. Com Platão (427 – 347 a.C.), os matemáticos começaram a verdadeira ciência. Desenvolveu o método analítico e insistiu no rigor lógico em todas as provas. Platão era filósofo e foi aluno de Sócrates, tinha feito escola em Atenas, que era o berço da civilização, da filosofia e da arte e fizera uma fabulosa viagem ao Egito, onde tomara contato direto com a “mística oriental dos números”, que tanto influência exercera sobre Pitágoras. Arquitas de Tarento, filósofo e matemático da Escola Pitagórica que viveu no século IV a.C., foi o primeiro matemático a entender a forma mecânica da duplicação do cubo. Arquitas ocupou-se também da política e conseguiu formar em Tarento um autêntico governo de filósofos tão poderosos, a ponto de poder fazer frente a Dionísio, jovem tirano de Siracusa. Quando Dionísio prendeu Platão para manda-lo matar, Arquitas interveio e conseguiu salvar o seu amigo filósofo. Eudoxo de Cnidos (408-355 a.C.) foi um dos maiores matemáticos e astrônomos de todos os tempos. Estudou Geometria e Matemática em Cnidos. Aos vinte e dois anos, foi para Atenas onde se tornou discípulo e amigo de Platão. Como matemático, inventou o método de exaustão, baseados numa rigorosa noção de limite, para medir e comparar as áreas de figuras planas, curvilíneas e os volumes de sólidos, como a pirâmide e o cone. Notabilizou-se, sobretudo, pela teoria geral das proporções, aplicável a grandezas comensuráveis e incomensuráveis, absolutamente necessária desde a descoberta dos números irracionais. No entanto, a teoria que o tornou celébre, foi a das esferas homocêntricas, com a qual pretendeu dar uma explicação matemática das posições dos corpos celestes, o que era difícil, sobretudo por causa dos astros errantes, os plantes. Aristóteles (384-322 a.C.), filósofo grego, interessou-se pelas Matemáticas como método de raciocínio, fez uma síntese organizada de todo o saber do seu tempo e formulou o primeiro sistema de lógica. 4. O NASCIMENTO DO MÉTODO DEDUTIVO E A GEOMETRIA DE EUCLIDES É muito comum ouvirmos que a geometria surgiu às bordas do Nilo, devido às enchentes e à necessidade de medir a área das terras a serem redistribuídas entre aqueles que haviam sofrido prejuízos. Esta hipótese tem sua origem nos escritos de Herôdoto: “[Quando das inundações do Nilo] o rei Sésostris enviava pessoas para inspecionar o terreno e medir a diminuição dos mesmos para atribuir ao homem uma redução proporcional de impostos. Aí está, creio eu, a origem da geometria que migrou, mais tarde, para a Grécia”. (Herôdoto, Oeuvres complètes II 109, p.183). Por outro lado, Aristóteles afirma que a Matemática surgiu: “[...] em lugares nos quais as pessoas dispunham de lazer. Esta é a razão de a Matemática ter surgido primeiro no Egito; pois aí a casta dos sacerdotes tinha permissão para desfrutar de lazer. ” (Aristóteles, Metafísica, 981b20-25, pp. 258-259.) A história tradicional nos conta que um dos primeiros matemáticos gregos foi Tales de Mileto, que teria vivido nos séculos VII e VI a. C. e sido influenciado pelos mesopotâmicos e egípcios. Diz-se que um de seus feitos teria sido, justamente, o cálculo da altura de uma das pirâmides do Egito, a partir da semelhança entre, por um lado, a relação desta altura com sua sombra e, por outro, a relação de sua própria altura com sua própria sombra. A Matemática pitagórica, datada da primeira metade do século V a. C., teria feito a transição entre as épocas de Tales e Euclides. É verdade que os povos mesopotâmicos e egípcios realizavam cálculos com medidas de comprimentos, áreas e volumes. Contudo, estas práticas são bem diferentesda geometria grega. Nas práticas de medida, os problemas geométricos são transformados em problemas numéricos. A escolha de uma unidade de medida basta para converter um comprimento, uma área ou um volume em um número. Sem dúvida, os primeiros matemáticos gregos praticavam uma geometria baseada em cálculos de medidas, como os povos antigos. Não há, contudo, uma documentação confiável que possa estabelecer a transição entre a Matemática mesopotâmica e egípcia e a Matemática grega. Também influenciado pela Matemática egípcia, Pitágoras teria introduzido um tipo de Matemática abstrata na Grécia. A narrativa histórica tradicional enfatiza a transição do tipo de Matemática realizada pelos babilônios e egípcios, profundamente marcada por cálculos e algoritmos, para a Matemática teórica, praticada pelos gregos, fundada em argumentações consistentes e demonstrações. O tipo de pensamento que se expressa nesta Matemática tem relação com o contexto grego da época, tal como se desenvolveu a partir do século V a. C. Por volta do século VII a. C., o crescimento populacional e a dispersão dos gregos pela bacia do Mediterrâneo deram origem à mais importante instituição da antiguidade grega, que foi determinante para a organização política, administrativa, religiosa e militar da Grécia durante os séculos V e IV a. C. Trata- se da polis – a cidade-estado grega. A polis surgiu ao mesmo tempo em que o cidadão passou a ter direito de reger sua cidade. Para isto, eram necessários parâmetros, o que alimentava um gosto pela discussão. A controvérsia movimentava a polis grega e, como contribuía para vencer o debate, a persuasão tornou-se uma habilidade bastante valorizada. Em seus estudos sobre as origens históricas da razão grega, Jean-Pierre Vernant mostra que este universo é marcado pela ligação íntima entre logos, razão e atividade política. Tratamos de um período no qual a vida pública adquiriu suma importância para os antigos gregos, o que se refletiu no debate político na ágora, nas trocas comerciais, na laicização e na expansão das formas de religiosidade ao espaço externo (até então assunto privado, restrito ao interior do templo) e na organização racional e geométrica do território. O pensamento racional foi se constituindo neste contexto e ganhou impulso neste novo tipo de organização. Surgiu então, na Grécia, a ideia de que quem soubesse persuadir sempre poderia convencer os outros de que sua tese era verdadeira. Em sentido oposto, no entanto, essa tentação ao ceticismo deu origem a um esforço para mostrar que verdade e verossimilhanças são coisas diversas. A partir do final do século V a. C., Platão e Aristóteles buscaram propor maneiras de selecionar os tipos de afirmação que alguém pode fazer, distinguindo os raciocínios falsos dos corretos e estabelecendo critérios de verdade. Em um mundo no qual as opiniões se multiplicavam, era necessário selecionar os argumentos, estabelecer critérios para decidir quem tinha razão. Este novo tipo de pensamento, para Platão, devia se fundar em definições claras, que distinguem os seres inteligíveis de suas cópias no mundo sensível. Nos discursos de Sócrates está presente este modo de argumentação, chamado “dialética”, que se servia das ideias para ultrapassar as opiniões. A distinção entre retórica e dialética irá marcar a educação do cidadão livre. Mais tarde, Aristóteles desenvolverá uma lógica, na qual os critérios de verdade estarão mais ligados à pura coerência, ao rigor da demonstração. Ou seja, em uma cadeia de conclusões, tudo deve decorrer daquilo que antes foi dito, sem que haja contradição no interior do raciocínio. Platão e Aristóteles se serviram da Matemática para constituir este novo ideal de pensamento. Mas, na verdade, que Matemática era esta? Grande parte do conhecimento de que dispomos hoje sobre a Matemática da época é indireto, proveniente de escritos como os de Platão, Aristóteles, Euclides e Proclus. Além destas obras, há outras evidências em alguns poucos fragmentos atribuídos a Eudemo de Rodes, que viveu no século IV. a. C. Presume-se que o “catálogo dos geômetras”, contido no comentário de Proclus, é proveniente dos escritos deste pupilo de Aristóteles, que mencionava proposições e construções que teriam sido realizadas por Tales. No final do século VII a. C., diversas realizações tecnológicas podem ter contribuído para o desenvolvimento da Matemática. Alguns termos de geometria já apareciam, por exemplo, na arquitetura. Há escritos técnicos do século VI a. C. tratando de problemas relacionados à astronomia e ao calendário. Neles intervinham alguns conceitos geométricos, como círculos e ângulos. Ao menos um destes livros ainda estava em circulação na época de Eudemo, e os enunciados geométricos aí contidos podem ter ficado conhecidos como sendo de Tales. No entanto, é difícil estabelecer as bases factuais destas afirmações. O papel de Tales foi objeto de algumas controvérsias históricas, descritas por W. Burkert. Parece ser fato que, por volta do século V. a. C., seu nome era empregado em conexão com resultados geométricos. Além disso, Aristóteles menciona Tales, na Metafísica, como o fundador da filosofia. Esta honra, somada à circulação da referência a seu nome como geômetra, pode ter levado a se atribuir ao filósofo de Mileto importantes descobertas geométricas. Entre Tales e Euclides, a historiografia da Matemática costuma analisar as contribuições da escola pitagórica do século V a. C. Além disso, é frequente encontrarmos referências a Pitágoras como um dos primeiros matemáticos gregos. Mas ambas as afirmações são hoje largamente questionadas. As evidências mostram que havia uma Matemática grega antes dos pitagóricos. Parecia ser comum a construção de soluções para problemas geométricos e a comparação de grandezas geométricas por meio de razões. Presume-se que no século V. a. C., em Atenas, a geometria era ensinada, apesar de não sabermos exatamente como. Podemos deduzir, das poucas evidências, uma intensa prática geométrica na primeira metade do século IV a. C. Não há sinais de que a Matemática desenvolvida na Grécia durante os séculos V e IV a. C. empregasse qualquer precaução no uso de procedimentos heurísticos e informais. Há evidências, todavia, de que no meio dos filósofos os m´todos usados pelos matemáticos eram questionados. Por volta do ano 375 a. C., Platão começa a criticar os geômetras por não empregarem critérios de rigor desejáveis nas práticas matemáticas. Não por acaso, o trabalho de Eudoxo se desenvolveu no seio da Academia platônica. Sendo assim, ainda que não possamos dizer que a transformação dos fundamentos da Matemática grega é devida a Platão, ele expressa o descontentamento dos filósofos com os métodos empregados e articula o trabalho dos pensadores à sua volta para que se dediquem a formalizar os conceitos e técnicas utilizadas indiscriminadamente na Matemática da época. Os membros da Academia debatiam o modo de descrever as disciplinas matemáticas, o que pode ter tido um papel na legitimação deste saber em sua forma abstrata e na consolidação da posição da Matemática como uma disciplina do pensamento puro. No século V a. C., o pensamento geométrico e técnico já estava desenvolvido, mas não temos como saber se os pitagóricos contribuíram para isto. A geometria grega começou antes deles e continuou depois; como mostra Burkert, esta escola não parece ter tido um papel significativo na transformação da Matemática de seu tempo. Quase todos os livros de história da Matemática a que temos acesso em português reproduzem a lenda de que a descoberta dos incomensuráveis provocou uma crise nos fundamentos da Matemática grega. Alguns chegam a afirmar que esta crise só foi resolvida com a definição rigorosa dos números reais, proposta por Cantor e Dedekind no século XIX. Este mito possui consequênciasimportantes para o modo como a história da geometria grega se estrutura. A descoberta das grandezas incomensuráveis, frequentemente atribuída a um pitagórico, deve ter tido outras origens. Esta descoberta contribuiu para a separação entre a geometria e a aritmética, a primeira devendo se dedicar as grandezas geométricas e a segunda, aos números. Esta separação é um dos traços marcantes da geometria grega, ao menos na maneira como ela se disseminou com Euclides. Apesar de questionarmos a validade da tese historiográfica a respeito da crise dos incomensuráveis, é inegável que a descoberta de que duas grandezas podem não possuir uma medida comum teve consequências importantes. Uma delas pode ajudar a explicar o caráter formal e abstrato da geometria, tal como exposta nos Elementos de Euclides. O fato de que duas grandezas podem ser incomensuráveis desafia o testemunho dos sentidos e foi, talvez, o que motivou um novo modo de fazer geometria. A necessidade de demonstração surge com os gregos a partir deste momento chave da história da geometria. A descoberta dos incomensuráveis nos leva a desconfiar dos sentidos, uma vez que eles não permitem “enxergar” a possibilidade de dois segmentos não serem comensuráveis. E necessário, portanto, demonstrar, fundar a geometria sobre bases mais sólidas do que aquelas que podem ser fornecidas pela intuição. Com esta transformação, ganha destaque o espaço abstrato sobre o qual fundamos, até hoje, a Matemática. Com Euclides, a Matemática na Grécia parece ter adquirido uma configuração particular, passando a empregar enunciados geométricos gerais, que não envolvem somente procedimentos de medida. Os Elementos de Euclides representam, neste contexto, o resultado dos esforços de formalização da Matemática para apresentar uma geometria consistente e unificada que valesse para grandezas quaisquer, fossem elas comensuráveis ou incomensuráveis. Trataremos a seguir de alguns resultados, dentre os mais significativos que se encontram nos Elementos. O papel desta obra na Matemática não pode ser superestimado. Em primeiro lugar, ela expõe, de maneira organizada, a Matemática elementar que os gregos da época clássica tinham criado e desenvolvido. Assim, muito do que sabemos da Matemática grega deve-se a esta obra de Euclides. Em segundo lugar, como os Elementos constituem a mais antiga exposição organizada de Matemática que nos chegou, eles muito influenciaram seu desenvolvimento posterior. Antes de analisar os Elementos com mais detalhes, começaremos por descrever a concepção particular de número da escola pitagórica, bem como alguns princípios básicos de sua filosofia. Nosso objetivo será mostrar que, se existiu uma “Matemática pitagórica”, tratava-se de uma prática bastante concreta. Mesmo o famoso teorema “de Pitágoras”, em sua compreensão geométrica como relação entre medidas dos lados de um triângulo retângulo, não parece ter sido particularmente estudado por Pitágoras e sua escola. 5. A MATEMÁTICA GREGA APÓS EUCLIDES É comum afirmarmos que as figuras geométricas aceitas na geometria grega deviam ser construídas com régua e compasso. De fato, isto é verdade se temos em mente as construções realizadas nos Elementos de Euclides. Dizer que o mesmo é verdade para toda a geometria grega significa considerar que o conjunto das práticas gregas seguia o padrão de rigor estabelecido por Euclides, o que não acontecia. As construções com régua e compasso não permitem resolver todos os problemas tratados pelos matemáticos gregos antes e depois de Euclides, os quais não se furtavam a utilizar outros métodos de construção, ou a empregar outras curvas. Com o auxílio destas curvas, foram resolvidos os problemas clássicos: a trissecção do ângulo, a quadratura do círculo e a duplicação do cubo. Pappus, um dos maiores comentadores dos trabalhos matemáticos de seus antecessores gregos, e que viveu no século III d. C., classificou os problemas geométricos do seguinte modo: “Os antigos consideravam três classes de problemas geométricos, chamados ‘planos’, ‘sólidos’ e ‘lineares’. Aqueles que podem ser resolvidos por meio de retas e circunferências de círculos são chamados de ‘problemas planos’, uma vez que as retas e curvas que os resolvem tem origem no plano. Mas problemas cujas soluções são obtidas por meio de uma ou mais seções cônicas são denominados ‘problemas sólidos’, uma vez que superfícies de figuras sólidas (superfícies cônicas) precisam ser utilizadas. Resta uma terceira classe, que é chamada ‘linear’ porque outras ‘linhas’, envolvendo origens diversas, além daquelas que acabei de descrever, são requeridas para sua construção. Tais linhas são as espirais, a quadratriz, a conchóide, a cissóide, todas com muitas propriedades surpreendentes. ” ([147], pp. 38-39). O livro no qual encontramos este comentário, A Coleção matemática, é uma das fontes principais que nos permite conhecer muitos trabalhos gregos cujas fontes originais se perderam. O critério usado nesta classificação dos problemas baseia-se nos tipos de linhas necessárias à construção, uma vez que os problemas envolvem sempre construção. Por exemplo, a conchóide é uma curva construída de modo mecânico pelos gregos, da seguinte maneira. Sejam um ponto fixo, K, e uma reta AB, também fixa. A conchóide é o lugar geométrico dos pontos P tais que o comprimento entre P e S, ponto de intersecção de KP com a reta AB, é constante, conforme mostra a figura a seguir: No entanto, a divisão dos problemas em três tipos só foi explicitada no comentário de Pappus, no terceiro século da Era Comum, e podia ser de ordem descritiva, mais do que normativa. A partir de Arquimedes, podemos estudar m´métodos que marcaram a geometria grega e se distinguem dos procedimentos euclidianos. Ele nasceu mais ou menos no momento em que Euclides morreu, em torno da segunda década do século III a. C. Era de se esperar, portanto, que o trabalho de Euclides tivesse uma influência marcante em sua obra. Mas não foi bem assim, mostraremos que Arquimedes não pode ser visto como um sucessor de Euclides; e seu trabalho não se inscreve, por assim dizer, em uma tradição euclidiana. Um exemplo disso é a utilização de métodos mecânicos de construção. Arquimedes exprimiria uma tradição alternativa aos Elementos de Euclides, ligada aos métodos desenvolvidos por Eudoxo. Arquimedes, um dos mais conhecidos matemáticos gregos, chegou a defender um método que permitisse entender certas realidades matemáticas usando a mecânica, ainda que este método possibilitasse apenas a descoberta de propriedades que deveriam ser, em seguida, demonstradas geometricamente. Sabemos hoje que alguns dos resultados demonstrados dessa maneira por Arquimedes eram obtidos de modo puramente mecânico. Haveria, portanto, uma distinção entre métodos de descoberta, que poderiam ser mecânicos, e métodos de demonstração, que deveriam ser puramente geométricos. No início de sua obra sobre a Quadratura da Parábola (pp. 233 - 252), em uma carta a Dositeu, Arquimedes afirma que pretende comunicar: “[U]m certo teorema geométrico que não foi investigado antes e que foi agora investigado por mim e que eu descobri, primeiramente, por meio da mecânica e que exibi, em seguida, por meio da geometria. ” Este tipo de procedimento fica ainda mais claro na obra, encontrada apenas em 1899, O Método dos Teoremas Mecânicos, carta escrita a Eratóstenes, na qual Arquimedes explica: “ (...) [P]ensei que seria apropriado escrever-lhe neste livro sobre um certo método por meio do qual você poderá reconhecer certas questões matemáticas com ajuda da mecânica. Estou convencido de que ele não é menos útil para encontrar provas para os mesmos teoremas. Algumas coisas, que se tornaram claras para mim, em primeiro lugar, pelo método mecânico, foram provadas geometricamente em seguida, umavez que a investigação pelo referido método não fornece de fato uma demonstração. No entanto, é mais fácil encontrar a prova quando adquirimos previamente, pelo método, algum conhecimento das questões, do que encontrá-la sem nenhum conhecimento prévio. ” O final do século III a. C. foi o período de maior popularidade dos três problemas clássicos. Estes problemas constituem o ponto comum dos trabalhos de diversos geômetras da época, como Eratóstenes, Nicomedes, Híppias, Diocles, Dionisodorus, Perseus e Zenodorus. Apesar da maioria das fontes que contêm estes trabalhos não ter sido preservada, há evidências de aplicações da geometria a problemas de astronomia, ótica, geografia e mecânica. Além disso, estes geômetras parecem ter sofrido influência direta de Arquimedes, o que pode ser constatado pelo uso de métodos mecânicos, como a espiral (e outras curvas geradas por movimentos mecânicos) e diversos tipos de neuses. Contudo, nota- se também que estes matemáticos se distanciaram um pouco do estilo de Arquimedes, uma vez que se dedicaram à procura de métodos alternativos em suas construções. Esta busca poderia indicar uma necessidade de ir além dos procedimentos disponíveis na época. Os escritos de Euclides ofereciam uma alternativa, mas sua exploração demandava técnicas de natureza muito distinta, o que talvez ultrapassasse as possibilidades desta geração imediatamente posterior a Arquimedes. Na verdade, a busca de novos métodos de construção, inspirados no paradigma euclidiano serviu de motivação para os trabalhos de Apolônio, desenvolvidos na virada do século III para o século II a. C. Acredita-se que ele tenha começado a redigir seu livro mais conhecido, o Cônicas, por volta do ano 200 a. C. Nesta obra, Apolônio define as seções cônicas do modo mais geral possível, como seções de cones, usando métodos muito característicos dos Elementos de Euclides. Em particular, aqueles que dizem respeito à aplicação de áreas, que deram origem aos nomes dos diferentes tipos de cônicas: parábola, hipérbole e elipse. O estilo deste livro também é muito similar ao de Euclides, pois Apolônio segue o estilo formal dos Elementos até nos detalhes do enunciado de certas proposições. Seus resultados parecem exprimir a tentativa de estender e tornar rigorosos os métodos antigos empregados no estudo de cônicas, desenvolvidos por Euclides (em sua obra sobre as cônicas) e Arquimedes. Uma das preocupações de Apolônio era apresentar soluções por meio de cônicas para os problemas clássicos, como a duplicação do cubo e a trissecção do ângulo, a fim de eliminar as soluções por neuses e por curvas especiais usadas por Arquimedes e outros. A diversidade de métodos empregados na resolução de problemas geométricos até o século III a. C. mostra que, neste estágio do desenvolvimento da Matemática, o importante era resolver os problemas por qualquer técnica disponível. Este leitmotiv marca a tradição grega de resolução de problemas geométricos. Com Apolônio, este panorama começa a se transformar. Mesmo que tenha fornecido, ele mesmo, uma construção da duplicação do cubo por meio da neusis, Apolônio preferia claramente soluções usando cônicas, com um estilo bem euclidiano, e que dependiam de resultados centrais dos Elementos. Por exemplo, as soluções da trissecção do ângulo por meio da espiral de Arquimedes e da neusis não eram consideradas satisfatórias, e Apolônio propôs uma construção com a hipérbole. Os trabalhos de Arquimedes apresentam uma diversidade de aplicações do método da neusis em construções que também podiam ser realizadas com régua e compasso. A popularidade destas construções por neuses demonstra a vasta presença de métodos não-euclidianos nos trabalhos de Arquimedes e seus seguidores. Além destas técnicas, a ênfase de Arquimedes na investigação dos procedimentos de Eudoxo contrasta com o tipo de pesquisa característico de Euclides e Apolônio, marcado pelo estudo de lugares geométricos e pelo uso de cônicas. Os métodos de resolução de problemas usados por Euclides foram consolidados por Apolônio no período seguinte, ao passo que os procedimentos de Arquimedes só encontrariam seguidores bem mais tarde, por volta dos séculos XVI e XVII. Pode datar da transição entre os séculos III e II a. C. a tentativa de regularização dos métodos para resolver problemas geométricos, quando os matemáticos teriam buscado construir, somente por métodos planos (ou seja, com régua e o compasso), ou por métodos sólidos (usando seções cônicas) construções já efetuadas por outros meios. Na época de Apolônio, o campo da geometria estava desenvolvido a tal ponto que pode ter se tornado interessante regularizar os métodos de resolução de problemas e tornar as técnicas de construção mais formais. A consideração de classes distintas de problemas – como a dos problemas planos, sólidos e lineares – ajudava a compreender o escopo dos métodos usados para tratá-los. Isso explicaria o esforço para reduzir outros tipos de construção a um destes três. Assim, descrever os tipos de problema existentes podia ser conveniente para organizar a pesquisa. O início do século II a. C. foi marcado por um declínio na atenção dos matemáticos aos problemas geométricos avançados, o que não representou uma decadência do campo matemático, mas um deslocamento de interesse em direção a outras áreas, como a trigonometria e os métodos numéricos. W. Knorr taxa a escola de Alexandria, nos tempos de Arquimedes, de “academicista”. Mesmo a composição dos Elementos de Euclides, para ele, se relaciona aos ideais da época e, sobretudo, aos seus objetivos pedagógicos. Esta abordagem privilegiava uma exposição sintética, que torna inacessível o procedimento heurístico da descoberta e menosprezava toda consideração concreta ou prática. Ele contrasta esta tendência com outras obras alexandrinas mais tardias, como as Métricas de Hierão, o Almagesto de Ptolomeu, e a Aritm´etica de Diofanto. A exposição de Euclides não dá nenhuma pista sobre a aplicação de seus teoremas a problemas práticos. A abordagem teórica, de inspiração euclidiana, seria característica do ensino nas escolas filosóficas, pois o estudante devia aprender Matemática por meio da contemplação, e não pela prática. Knorr chega a atribuir a paralisação do trabalho produtivo da geometria grega aos efeitos esclerosantes desta pedagogia, típica da orientação escolástica dos pensadores da Alexandria antes do início da era comum. Logo, a divisão, proposta por Pappus, entre problemas planos (construídos com régua e compasso) e outros, sólidos ou mecânicos, não provém do tempo de Euclides. A resolução de problemas era a parte essencial da atividade geométrica na época de Euclides, Arquimedes e Apolônio, e a compilação do saber na forma de um conjunto de teoremas, uma atividade auxiliar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ______. O Romance das Equações Algébricas. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2010. ______. Uma crítica aos fundamentos do ensino autoritário e reprodutivo da matemática. Salvador: Faculdade de Educação – UFBA, 1994 (Dissertação de Mestrado). _______. História da Matemática e Educação. Cadernos CEDES. Campinas, n. 40, 1. ed. p. 7-17. 1996. ARAGÃO, M. J. História da Matemática, Rio de Janeiro – RJ, Editoria Interciência Ltda, p. 9-15, 19-23, 2009. BICUDO, Irineu. Sobre a História da Matemática. Bolema, Rio Claro, Especial n. 2, p. 7-25, 1992. BOYER C. B. “História da Matemática”. 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