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Síndromes Demenciais – Neurologia – Ana Cláudia Neves MED 96 ❖ Conceito: demência pode ser compreendida como uma síndrome caracterizada por declínio cognitivo ou comportamental persistente que interfere com as atividades sociais ou profissionais do indivíduo e que independe de alterações do nível de consciência. o É necessário que exista um declínio em relação a um nível prévio. o Declínio exclusivo da memória não permite o diagnóstico sindrômico de demência. ❖ Distúrbios da memória: o Há início de perda da memória anterógrada (recente), podendo ocorrer imediatamente ou de fatos que ocorrem há pouco tempo. o Compromete a capacidade de adquirir ou evocar informações recentes. o Repete as mesmas perguntas, assuntos, frases e ideias. o Esquece compromissos, onde guardou os pertences. o Não é fundamental e não é a única queixa. ❖ Distúrbios de linguagem: o Dificuldades de nomeação. o Parafasias: paciente esquece o nome de objetos e coisas, trocando por nomes de objetos parecidos (ex.: chamar cadeira de poltrona); ocorre no início das síndromes demenciais. o Dificuldades na escrita. o Dificuldade na compreensão mais tardia. o Mutismo acinético: paciente não apresenta contato como meio, alteração mais tardia. o Muito comum na demência do lobo temporal. ❖ Distúrbios das funções executivas: o Praxia: sequência de ações que serão realizadas. o Há apraxia: o paciente não consegue realizar ações sequenciais. o Dificuldade em realizar tarefas complexas. o Cuidar das finanças. o Planejar atividades complexas ou sequenciais. ❖ Distúrbios das funções visuais-espaciais: o Desconhece trajetos corriqueiros: é o paciente que sempre passa pelo mesmo caminho e se perde por esse mesmo trajeto. o Prosopagnosia: perda do reconhecimento de faces antes conhecidas. ❖ Distúrbios de personalidade e comportamento: o Alteração do humor. o Agitação, apatia e desinteresse ou desinibição. o Comportamento obsessivo, compulsivo ou socialmente inaceitáveis. o A demência frontotemporal pode ser iniciada com alterações do comportamento, bem como a demência por corpúsculos de Lewy. ❖ Critérios para o diagnóstico de demência de qualquer etiologia: o Sintomas cognitivos ou comportamentais que: ▪ Interferem na habilidade do trabalho ou de atividades usuais. ▪ Declínio em relação a níveis prévios. ▪ Não são explicáveis por delirium (estado confusional agudo, de causa orgânica/metabólica) ou doença psiquiátrica maior, como a depressão (pode causar pseudodemência). o Comprometimento cognitivo detectado mediante: ▪ Anamnese. ▪ Avaliação cognitiva ou testagem neuropsicológica. o Comprometimentos cognitivos ou comportamentais afetam pelo menos dois dos seguintes domínios: ▪ Memória. ▪ Funções executivas. ▪ Habilidades visuais-espaciais. ▪ Linguagem. ▪ Comportamento ou personalidade. ❖ Epidemiologia: o Prevalência no mundo dobra a cada 5 anos após os 65 anos. o Varia entre 1,6 (África) a 6,4% (América do Norte). o As doenças neurodegenerativas e síndromes demenciais aparecem cada vez mais, devido ao envelhecimento populacional e maior expectativa de vida. o No mundo, um caso de demência é diagnosticado a cada 3 segundos. “As demências se tornaram uma epidemia mundial.” Síndromes Demenciais – Neurologia – Ana Cláudia Neves MED 96 o No SUS, somente o Alzheimer gerou 38,18 milhões de atendimentos ambulatoriais no ano de 2015. ❖ Classificação: o Demências com comprometimento estrutural do SNC: ▪ Demências primárias: • Demência é a principal manifestação clínica: Doença de Alzheimer, fronto-temporal, corpúsculos de Lewy. • Surgem no decorrer de uma doença degenerativa: doença de Parkinson (alterações motoras e sinais cardinais motores, em que o diagnóstico é feito clinicamente; tremor de repouso, hipocinesia/bradicinesia, rigidez plástica com movimentos em roda denteada e instabilidade postural; ao longo da doença, sinais não motores vão surgindo e 20% dos pacientes podem evoluir para demência em fase avançada), doença de Huntington (coreia e síndrome demencial) e paralisia supranuclear progressiva (alteração motora, paciente não consegue realizar o movimento da mirada vertical ao fazer o teste do H, ou seja, não olha para cima e nem para baixo, além de alteração motora e demência no curso da doença). ▪ Demências secundárias – DCV (segunda maior causa), tumores, hidrocefalia. o Sem comprometimento do SNC, como causas tóxico-metabólicas (10%): são reversíveis; é preciso excluir outras causas. ❖ Diagnóstico: o Anamnese: pesquisar início, evolução, história de intoxicação, infecção, anormalidades metabólicas, avaliação das funções cognitivas, alterações do comportamento, distúrbios do sono, medicamentos, comorbidades e hábitos de vida. o Exame físico neurológico: pesquisar sinais focais. Realiza-se ectoscopia, sinais vitais, estado mental, linguagem, alterações motoras, alterações sensitivas, alterações de coordenação e alterações de PC. o Avaliação cognitiva/testes de rastreio: ▪ Miniexame do estado mental: instrumento de avaliação do estado mental, sendo a primeira avaliação de síndrome demencial. • Parâmetros quantitativos: 0 a 30 pontos. • Indivíduos analfabetos: 18 pontos. • Escolaridade de 1 a 3 anos: 21 pontos. • Escolaridade de 4 a 7 anos: 24 pontos. • Escolaridade > 7 anos: 26 pontos (indica que o rastreamento pode ser feito, quando o score é inferior a esse valor). • Vantagens: administração rápida, mostra avaliação evolutiva do paciente, engloba funções cognitivas e amplamente validado (português, escolaridade e idade). • Desvantagens: falta de especificidade (muitos falsos-positivos – paciente sem demência, com score baixo, como pacientes de baixa escolaridade, paciente com desinteresse de realizar o teste, comum em pacientes com depressão), cooperação e normovigilância do paciente, ansiedade do paciente e aplicação impaciente do examinador podem prejudicar o resultado. • Durante a realização do exame é comum perceber que o paciente não sabe responder às perguntas e fica olhando para o acompanhante. • Avaliação de orientação temporo-espacial, atenção, cálculo, memória, linguagem e praxia. ▪ Teste do desenho do relógio: pede para o paciente desenhar o relógio, colocando os números e os ponteiros indicando determinada hora. • Pontuação: o Desenho do círculo correto = 1 ponto. o Números na posição correta = 1 ponto. o Inclui todos os 12 números = 1 ponto. o Os ponteiros estão na posição correta = 1 correto. • Interpretação: pontuação < 4 pontos = maior investigação. ▪ Teste da fluência verbal: 1 minuto é marcado pelo examinador e o paciente fala o maior número de animais que ele conhece. • Paciente com escolaridade > 8 anos deve falar pelo menos 13 animais. • Avalia linguagem, memória semântica e funções executivas. • É importante verificar como foi utilizado o tempo disponível para execução da tarefa. Síndromes Demenciais – Neurologia – Ana Cláudia Neves MED 96 • Pacientes com demência, além de produzirem escores baixos, tendem a interromper a geração de palavras após 20 segundos do teste. ▪ Se há suspeita de síndrome demencial com os testes de rastreio negativos, a testagem neuropsicológica pode ser realizada: é feita por psicóloga, durante vários dias, deixando o teste mais consistente. o Exames laboratoriais: são realizados para rastreamento de causas reversíveis de demência. ▪ HC, ureia e creatinina, proteínas totais e frações, enzimas hepáticas, TSH/T4 livre, ácido fólico, vitamina B12, cálcio sérico, sorologia para sífilis, sorologia para HIV (< 60 anos ou quando suspeitar). o Exames de imagem: TC, RNM (doença de Alzheimer com medida do volume dos hipocampos), SPECT/PET (exames de TC funcional) e LCR (exame específico, utilizado na suspeita de neuroinfecções ou doenças específicas, como doença de Creutzfield-Jacob há alteração na proteína príon que estará presente no exame de LCR, com demência rapidamente progressivae crises mioclônicas). ❖ Diagnóstico diferencial: delirium, depressão e encefalopatia hepática. Doença de Alzheimer: ❖ Doença neurodegenerativa cerebral primária, progressiva, irreversível, de curso fatal. ❖ Demência mais frequente (> 50%). ❖ Diagnóstico por exclusão de outras patologias. ❖ Não afeta apenas idosos, podendo ocorrer a forma pré-senil (apresenta menor expectativa de vida). ❖ Primeiro caso de Alzheimer documentado (1907 – Alois Alzheimer): paciente com 51 anos, Auguste Deker. Internada no hospital psiquiátrico de Frankfurt, onde Alois trabalhava. O marido de Auguste queixou-se ao médico que ela tinha alteração do comportamento, esquecimento progressivo para fatos recentes, desorientação no tempo e no espaço, além do ciúme mórbido. A paciente faleceu 3 anos depois. ❖ Epidemiologia e fator de risco: o Prevalência de 1% aos 60 anos, e 50% aos 85 anos. o Sexo feminino é mais acometido (3:2). o Base genética: ▪ PPA (proteína precursora de amiloide): cromossomo 21, predispõe a doença em indivíduos com 45-60 anos. ▪ PS1 (presenilina 1): cromossomo 14, pacientes de 28 a 50 anos. ▪ PS2 (presenilina 2): cromossomo 1, pacientes de 40 a 55 anos. ▪ APOE (Apolipoproteína E): cromossomo 19, predispõe a doença em 60-80 anos. ▪ Apenas os genes PPA, PS1 e PS2 podem desencadear a DA pré-senil. ❖ Patogenia: o Atrofia cerebral difusa: lobos frontal, parietal e temporal; a atrofia é iniciada nos hipocampos (ponta do lobo temporal), centro da memória (justifica o déficit de memória no início da doença). o Placas senis (depósito de proteína beta amiloide nessa placa) e emaranhados neurofibrilares: são normais de serem encontradas no envelhecimento fisiológico cerebral, no entanto, na DA elas se acentuam. o Acúmulo intraneural das proteínas Tau anormais: a proteína sofre hiperfosforilação, sendo depositada nos neurônios. ❖ Fisiopatogenia: o Há um eixo central da doença, com base genética e acúmulo de proteína beta-amiloide nos neurônios, os quais promovem a disfunção sináptica, ativação glial, emaranhados, morte neuronal e redução de aporte de acetilcolina na fenda sináptica – leva a declínio cognitivo. o Existem fatores que podem acelerar ou lentificar a progressão da doença. o Fatores de risco CBV, outras doenças cerebrais relacionadas à idade (DM, HAS, dislipidemia) também levam às mesmas disfunções supracitadas, acelerando o processo da doença. o A reserva cognitiva cerebral (adquirida ao longo da vida) e fatores ambientais podem acelerar ou retardar a evolução. o Não tem como modificar o eixo, devido à base genética. ❖ Diagnóstico: o Alterações da memória anterógrada/retrógrada; alterações do comportamento; transtornos de atenção; alucinações e delírios; transtorno da linguagem; alteração da função visuo-espacial – síndrome amnésico-apráxico-agnósica. o Estágios: Síndromes Demenciais – Neurologia – Ana Cláudia Neves MED 96 ▪ DA leve: independência, julgamento, higiene pessoal adequada, esquecimento, parafasias, apatia, isolamento e depressão (causa baixa cognitiva, podendo levar a uma pseudodemência; é um importante diagnóstico diferencial). ▪ DA moderada: alguma supervisão, déficit de memória recente, necessitam de ajuda para suas AVDs, apraxia, agitação e alterações do sono. ▪ DA grave: comprometimento significativo das AVDs, supervisão e cuidados constantes, mutismo acinético, restrito ao leito. o Evolução anátomo-clínica: inicia no hipocampo, indo em direção ao lobo frontal e região lateral do lobo temporal, se tornando uma alteração difusa. o TC crânio: atrofia lobo temporal e occipital. o RM crânio: redução de volume do hipocampo. A RM pode ser pedida com medida de volume dos hipocampos; na rede privada, o correto é realizar a RM a cada 6 meses. o PET SCAN: hipometabolismo glicolítico nas regiões temporoparietais. o SPECT – TC com emissão de fóton único: hipoperfusão em regiões temporoparietais bilaterais; mild cognitive imparment (DA leve, transição entre o normal e DA; não há nenhuma medicação liberada para esse estágio e o tratamento só é iniciado quando a doença é diagnosticada). ❖ Tratamento: o Anticolinesterásicos: donepezil, rivastigmina. ▪ Mesmo as doses baixas causam muitos efeitos colaterais, principalmente os TGI. o Antagonistas do receptor NMDA: memantina. o Manter atividade mental e física diária. o Orientação ao cuidador. Droga Dose Posologia Efeitos Colaterais Donezepila 5-10mg/dia 1x/dia GI, insônia Galantamina 15-24mg/dia 1x/dia GI Rivastigmina 6-12mg/dia 2x/dia GI, anorexia Rivastigmina adesivo 5-15cm Trocas 24h GI, anorexia Demência Vascular ❖ Segundo tipo de demência mais comum. ❖ Múltiplos infartos/infarto único/doença isquêmica de pequenos vasos: o déficit cognitivo pode surgir de uma determinada área muito acometida ou por soma de múltiplas áreas. ❖ Lentidão cognitiva. ❖ Alteração de memória, atenção e concentração. ❖ Efeito cumulativo de infartos cerebrais. ❖ Déficits neurológicos. ❖ Ocorre em degraus: paciente cursa com uma alteração e platô de estabilização; após algum tempo, ele cursa com outra alteração e assim por diante. ❖ Diagnóstico: quadro clínico e neuroimagem. Doença de Alzheimer Demência Vascular Início insindioso Início menos insindioso Lentamente progressivo Evolução em degrau Síndrome amnésico-afásico-apráxico-agnósica Evidência na história, exame físico e testes laboratoriais de DCV. Sem sinais focais Sinais focais Exclusão das outras formas Demência frontotemporal ❖ Forma progressiva de demência. Síndromes Demenciais – Neurologia – Ana Cláudia Neves MED 96 ❖ Início entre 50 e 70 anos, a pré-senil é mais comum. ❖ Paciente pode cursar com mais alterações comportamentais, personalidade, distúrbios da fala, desatenção e por vezes sinais extrapiramidais. ❖ Afasia progressiva primária: motora/sensitiva. ❖ RM de crânio: atrofia frontotemporal. ❖ FOTO TC: atrofia de lobo temporal. Demência de Corpúsculos de Lewy ❖ Flutuações de déficits cognitivos e alucinações. ❖ Parkinsonismo: síndrome rígido-acinética de distribuição simétrica (Parkinson é assimétrico, a rigidez e o tremor são assimétricos). ❖ Na doença de Parkinson os sinais motores surgem anteriormente à demência (20% dos pacientes evoluem), apesar de outras alterações poderem preceder a alteração motora, como a anosmia. ❖ Na demência de Lewy as alterações motoras surgem após a demência ou ao mesmo tempo, nunca antes dela. Outras doenças degenerativas que podem cursar com demência: doença de Parkinson, paralisia supranuclear progressiva, doença de Huntington e doença de Creutzfeldt-Jakob (rapidamente progressiva). Demências potencialmente reversíveis: ❖ Doenças vasculares cerebrais: quando identificados precocemente. ❖ Distúrbios metabólicos e carenciais: hipo/hipertireoidismo, deficiência de vitamina B12, doenças renais, paciente em hemodiálise. ❖ Doenças infecciosas e neoplasias. ❖ Hematoma subdural (alteração cognitiva após trauma). ❖ Hidrocefalia de pressão normal: doença de Hakim Adams o Tríade clássica: alteração na marcha (disbasia), incontinência urinária e déficit cognitivo; o TC de crânio e RNM de crânio: hidrocefalia, com aumento de ventrículos, sem atrofia cortical proporcional. o Ventriculografia: refluxo ventricular do radio-isótopo. o É preciso colocar uma válvula ventrículo-peritoneal; nem todo paciente melhora com esse dipositivo; o benefício da válvula é medido através de punções de repetição). Complexo demência-AIDS: ❖ Demência progressiva associada a sinais de disfunção motora e atrofia cortical. ❖ Apatia, distúrbios de memória e lentidão cognitiva. ❖ Há previsão de que 70% dos pacientes com AIDS apresentarão moderada ou grave demência no curso de sua doença. ❖ Com o tratamento otimizado da doença, o número de demência por AIDS vem sendo reduzido. Déficit cognitivo leve ❖ Queixas subjetivas de comprometimento de memória. ❖ Evidência objetiva de deficiênciade memória. ❖ Função normal nas atividades da vida diária. ❖ Função cognitiva geral preservada. ❖ Estado de transição entre a função cognitiva normal e a DA. ❖ FDA não aprovou nenhum tratamento específico. ❖ Pode ser detectada através do SPLECT. A demência mista (DA + demência vascular) é a terceira demência mais comum, antecedida pela DA e demência vascular. Encefalopatia traumática crônica: é uma doença neurodegenerativa progressiva, causada por traumas e golpes repetitivos na cabeça. Paciente cursa com declínio cognitivo, alterações de comportamento, problemas de memória e sinais parkinsonianos do tipo de tremores, falta de coordenação e problemas com a fala. Pacientes diagnosticados com esta enfermidade também estão propensos à irritabilidade. Amnésia anterógrada pós-TCE: perda de memória recente após trauma; incapacidade de criar novas memórias. Amnésia anterógrada por hipóxia neonatal, acarretando a uma lesão na região do hipocampo.