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FENÔMENOS CADAVÉRICOS “Talvez a morte tenha mais segredos a nos revelar que a vida.” Gustave Flaubert Escritor Francês CONCEITOS • A vida é, em essência, uma sucessão de ocorrências, imagens, sensações e fenômenos de marcada relatividade que flui vagarosamente a inevitável verdade que é morte; • Como o nascimento a morte faz parte do processo biológico e cotidiano do seres vivos; • Com o passar do tempo e os avanços da ciência da saúde é possível estabelecer certos parâmetros no que tange ao diagnóstico da morte. CONCEITOS • Foi possível estabelecer parâmetros e vincula-los à suspensão irreversível das funções vitais, cardiorrespiratórias e neurológicas, ou seja, os fenômenos abióticos ou negativos de vida; • Uma vez consumado o óbito ingressa-se no campo da Tanatologia; • Compreende tudo o que se relacione a morte, desde do diagnóstico e etiologia (causa mortis médica), ao mecanismo pelo qual foi produzida (causa mortis jurídica) e os acontecimentos relacionados a ela (os fenômenos cadavéricos). UM BREVE HISTÓRICO DA MORTE ➢ No Séc XVIII surgem dúvidas sobre o momento exato da morte; ➢ Relatos de pessoas enterradas vivas assustavam a Europa; ➢ Em 1740 o anatomista francês Jacques- Bénigne Winslow publicou um artigo levantando dúvidas sobre como comprovar que alguém estava de fato morto; ➢ Em 1785 o médico britânico William Tossach descreveu a técnica de respiração boca a boca; ➢ Métodos bizarros foram inventados para verificar o óbito; ➢ Um dos métodos consistia em puxar a língua do defunto por três horas com ajuda de uma máquina a manivela! • A principal técnica de verificação consistia na putrefação; • Câmaras mortuárias foram construídas nas cidades da Alemanha para colocar os cadáveres sob observação até os sinais de putrefação; • Em 1846 começam a ser estabelecidos os critérios para determinar o fim da vida. Eugene Bouchut ganhou um prêmio da Academia de Ciências de Paris pelo seu trabalho sobre os sinais da morte e as formas de prevenir sepultamentos prematuros. A proposta de Bouchut se resumia em observar durante 10 minutos os três sinais da morte que são: Ausência de respiração Ausência de respiração Ausência de batimentos cardíacos Ausência de batimentos cardíacos Ausência de circulação sanguínea Ausência de circulação sanguínea No final do Séc XIX Paul Camille Hippolyte Brouardel médico patologista francês e um dos principais autores da medicina legal. Verificou que o coração de decapitados continuava a bater; Concluiu então que a morte não era uma questão de coração e pulmão, mas de sistema nervoso central! Mortos Vivos • O último suspiro do batimento cardíaco como critério de vida aconteceu nos anos 50 com a fabricação dos respiradores artificiais; • A mortalidade infantil foi reduzida de 70% para 10%; • Foi o primeiro passo para a criação de UTIs; 7/3/2021 Adicionar um rodapé 14 • Aparelhos de diálise substituíram os rins, aspiradores deram conta das secreções, marcapassos mantem os corações batendo bagunçando ainda mais o conceito de morte; • Os indivíduos podem ser mantidos vivos por um maior período. • 1957, ao perceberem o conflito ético referente a preservação da vida indefinidamente por meio de aparelhos modernos, um grupo de médicos foi pedir ajudo no Vaticano; • O papa Pio XII respondeu que “a morte não é território da Igreja cabe aos médicos dar sua definição”; 17 • 1968 um comitê foi formado na Universidade de Harvard para estabelecer critérios mínimos de morte; • O grupo determinou que a parada total e irreversível das funções encefálicas equivale a morte total. • O padrão de Harvard vem sendo adotado pela maioria dos países inclusive o Brasil; • A formação do comitê não foi por acaso; • Evolução dos aparelhos de suporte de vida; • Transplante de rins estavam sendo realizados com sucesso e meses antes foi realizada o primeiro transplante cardíaco; • Hoje a Biologia Molecular tem focado também na área da gerontologia em uma tentativa de prolongar a vida. 1903/07/2021 Adicionar um rodapé MORTE • Cessação total e permanente das funções vitais (cerebral, circulatória e respiratória); • Está indissoluvelmente ligado ao conceito de cronotanatodiagnóstico; • É estabelecida por conceitos mutáveis definidos cientificamente. OS FENÔMENOS CADAVÉRICOSOS FENÔMENOS CADAVÉRICOS CONCEITOS • Como regra geral a estrutura do corpo começa a sofrer uma sucessão de alterações físicas, químicas e biológicas conhecidas tecnicamente como fenômenos cadavéricos; • Esses fenômenos são de extrema serventia para estimar a cronotanatognose, ou seja, o tempo transcorrido entre os dois momentos: o da morte e o do exame necroscópico; • A cronotanatognose possibilita cálculos unicamente de caráter aproximativo. A tanatomorfose sofre influências dos fatores mesológicos ou ecológicos, geográficos como: a temperatura, umidade, ventilação e o meio físico em que foi deixado o cadáver (enterrado, à intempérie, na água etc); Sofre influências também das características do próprio corpo tais como: causa mortis, idade e condições biológicas da pessoa (estado de hidratação, nutrição, obesidade, edemas, doenças infecciosas, substâncias químicas etc); Todas essas variáveis podem agir acelerando, retardando, distorcendo e até impedindo o curso dos fenômenos cadavéricos. CLASSIFICAÇÃO DOS FÉNOMENOS CADAVÉRICOS FENÔMENOS POST-MORTEM • Devem ser conhecidos por todos os profissionais envolvidos em um processo investigatório; • Todos devem possuir entendimento básico, mas preciso, sobre as principais sequências fenomenológicas da evolução do cadáver. Temos dois grandes grupos fenomenológicos: • Abióticos • Transformativos • Após a morte absoluta, que se caracteriza pelo desaparecimento definitivo de toda atividade biológica do organismo, sinais cadavéricos começam a se manifestar; • Fenômenos Abióticos que são subdivididos em Imediatos e Consecutivos; • Fenômenos Transformativos que são subdivididos em Destrutivos e Conservadores. Abióticos 1- Imediatos a) Perda da consciência b) Cessação da respiração c) Cessação da circulação d) Insensibilidade e) Imobilidade f) Abolição do tônus muscular g) Palidez midríase Abióticos 2- Consecutivos a) Desidratação tegumentar b) Esfriamento do corpo c) Livores hipostáticos Transformativos 1- Destrutivos a) Autólise b) Maceração c) Putrefação Transformativos 2- Conservadores a) Saponificação b) Mumificação c) Petrificação d) Coreificação Sinais Imediatos de Morte São os que permitem o diagnóstico clínico do óbito, caracterizando a interrupção das funções da tríade vital, através da: • Parada respiratória • Parada cardiovascular • Cessação da atividade do sistema neural central Todos os outros sinais abióticos imediatos são consequências da interrupção da tríade vital. Na mesma esteira, encontramos alguns fenômenos que se relacionam com a interrupção da respiração/circulação; Assim mecanismos endoergônicos que dependem exclusivamente da liberação de energia pelo ATP e que mantém a estabilidade do organismo são atingido de maneira fulminante. Observa-se a perda do tônus muscular que leva a flacidez inicial e que é substituída pela rigidez cadavérica; Essa flacidez muscular leva ao desaparecimento das tensões de expressão da musculatura facial, dando como consequência o denominado Facies hipocrático. Midríase é a dilatação das pupilas devido a flacidez muscular Sinais Consecutivos de Morte Os sinais consecutivos vão se instalando progressivamente, de maneira paulatina, podendo ser verificados pelo exame Perinecroscópico. São evidentes a olho nu. São eles: • Desidratação • Livores hipostáticos • Rigidez cadavérica Desidratação cadavérica ocorre por que o mecanismo fisiológico que permite a hidratação dos tecidos cessam com a saída letal; O cadáver começa a perder água por simples evaporação, pode ser verificado por meio da perda de peso que o corpo acabaexibindo; A desidratação é obra do aumento de permeabilidade do corpo e da simples evaporação dos tecidos. Fetos perdem 8,0 g/Kilo e adutos 10 a 18 g/Kilo de peso por dia; A desidratação pode ser observada pelas modificações que sofre a pele onde se observa apergaminhamento, nos locais em que apresenta escoriações, podendo estas formar até mesmo uma crosta; Outros intergumentos específicos, mucosas, glande peniana e vulva quando atingidos pelo mesmo processo de desidratação, acabam por dessecar-se. O homem de Tollund, descoberto em 1950, é o corpo excepcionalmente bem preservado de um homem enforcado e atirado ao pântano. A múmia natural dataria do IV século a.e.C., na era do ferro escandinava e encontra-se preservada no Museu de Silkeborg, na Dinamarca. Podemos observar as manifestações de desidratação também no globo ocular como: Turvação e opacificação da córnea; Aparecimento de tela viscosa (albuminosa), corneal de Winslow que gera perda de brilho e transparência naturais dessa membrana; Queda de tensão ou da turgência do globo ocular, com a possibilidade de deformar a pupila pela dupla pressão digital (Sinal de Stenon-Louis). • Aparecimento de mancha azul enegrecida esclerótica, chamada de mancha negra esclerótica ou “livor scleroticae nigres” (resultado da desidratação da esclerótica). Sinal de Sommer e Larcher (visível de três a cinco horas depois do fim da vida). Esfriamento do Cadáver Como regra geral o cadáver perde calor progressivamente, até igualar-se a temperatura do ambiente onde se encontra; O esfriamento cadavérico ou algor mortis é uma consequência da interrupção da atividade metabólica (termogênese); Esse esfriamento ocorre de forma paulatina diferente do esfriamento de outros corpos sólidos. QUAIS OS FATORES QUE PODEM INTERVIR NA VELOCIDADE DE ESFRIAMENTO? O livor de hipóstase (livor mortis) e a lividez são dois fenômenos que ocorrem concomitantemente, pois com o óbito a circulação é cessada. • Os livores hipostáticos são resultado da ausência da impulsão pela bomba aspirante- impelente cardíaca, cujo funcionamento cessa como parte das manifestações da interrupção; • O sangue não mais circula, mas flui através dos vasos, preencher as vênulas, ingurgitar os capilares se movimentando apenas pelos efeitos da força da gravidade; • Uma vez que o cadáver se encontre deitado em decúbito as hipóstases se formarão na região dorsal do corpo • O acúmulo passivo e progressivo do sangue nas regiões mais declives se evidencia no exame externo, inicialmente de 20 a 30 minutos após a morte; • Um fino pontilhado arroxeado (“sugilação hipostática”), ao poucos e por coalescência se transforma em manchas maiores de coloração cada vez mais escura; • Atinge o máximo de intensidade e extensão por volta das 12 a 15 horas após o óbito. HIPÓSTASES EQUIMOSES Só nos locais mais declives Em qualquer local Podem migrar ao mudar a posição do cadáver Não migram, nem mudam de posição Desaparecem pela pressão digital Não desaparecem pele pressão digital Intensidade de cor pode variar segundo a causa mortis Intensidade de cor não varia segundo a causa mortis Tonalidade de cor pode variar em razão da causa mortis Tonalidade de cor não varia em razão da causa mortis Na incisão sangue flui Na incisão o sangue não flui O sangue não infiltra os tecidos O sangue infiltra os tecidos Nunca há coágulos Pode haver coágulos O lavado do corte arrasta o sangue O lavado do corte não arrasta o sangue A rigidez cadavérica (rigor mortis) consiste num tipo específico de contração muscular do cadáver que surge dentro de uma a três horas após a morte Integrando o rol dos fenômenos abióticos imediatos, a flacidez muscular inicial do corpo, é um elemento constante para caracterização da cessação da vida; Com o passar das horas, após o óbito, e na medida em que se instalam as primeiras modificações moleculares sobre os tecidos do cadáver, surge a rigidez muscular; O tempo transcorrido entre o decesso e o aparecimento das primeiras manifestações de rigidez cadavérica é de aproximadamente duas horas. • Espasmos cadavérico caso particular de rigidez cadavérica, de instalação instantânea e ainda em vida; • A principal característica é uma contratura muscular que faz persistir, após a morte, a posição ou a atitude que a vítima apresentava no momento do óbito Gravura de Piedelievre mostrando caso de espasmo cadavérico em soldado que tomava chá antes de ter a cabeça decepada! ATENÇÃO A rigidez cadavérica ou “rigor mortis” é um fenômeno que se instala sempre após um relaxamento prévio. Contrariamente, o espasmo cadavérico, sem qualquer relaxamento precedente, perpetua no cadáver uma posição, um gesto ou uma atitude assumida pela pessoa no instante logo antes do óbito. Fenômenos destrutivos Ocorrendo a cessação da vida, desde logo começa a produzir-se a lise celular, seguida da decomposição dos tecidos e das transformações morfológicas do próprio corpo. a) Autólise É um processo autodestrutivo das células e tecidos, que se opera sem interferência externa. A acidez que resulta da autólise celular é um indicativo da morte real; Ele é de curta duração, pois rapidamente se instala no cadáver os processos putrefativos com a proteólise bacteriana onde começa a ocorrer há descarboxilação dos aminoácidos com liberação de CO2. b) Maceração É o processo de transformação destrutiva em que ocorre o amolecimento dos tecidos e órgãos, quando os mesmos ficam imersos em um meio líquido e nele se embebem. c) Putrefação É o processo biológico de decomposição da matéria orgânica por bactérias, bem como a fauna macroscópica (animais) e a flora (fungos). O que devolve o corpo a condição de matéria inorgânica. FATORES PARA PUTREFAÇÃO Inúmeros fatores podem interferir na velocidade com que se processam os fenômenos putrefativos, ora acelerando-os, ora retardando-os. Assim: Meio físico em que é deixado o cadáver (enterrado, exposto ao ar livre, submergido na água); A ventilação do local; A temperatura; A umidade relativa do ar. Características próprias do corpo como: “causa mortis”; Idade; Estado de hidratação; Estado de nutrição; FASES DA PUTREFAÇÃO A putrefação se desenvolve em quatro fases ou períodos distintos e consecutivos a saber: • Período Cromático (período de coloração, período das manchas) • Período Enfisematoso (período gasoso, período deformativo) • Período Coliquativo (Período de redução dos tecidos) • Período de Esqueletização PERÍODO CROMÁTICO • É o período de coloração, período das manchas; • Tem início, em geral, de 8 a 24 horas após o óbito, com uma duração de aproximadamente de 7 a 12 dias, dependendo das condições climáticas que poderão tanto acelerá-lo quanto retardá-lo; • O período cromático se caracteriza pelas sucessivas cores diferentes, como o verde, o vermelho arroxeado e o castanho. PERÍODO ENFISEMATOSO • É o período de formação de gases, período deformativo; • Tem início na primeira semana e se estende, aproximadamente, por 30 dias; • Os gases produzidos pela putrefação (notadamente gás sulfídrico, hidrogênio fosforado e amônia); • Penetram no tecido celular subcutâneo, modificando progressivamente a fisionomia e a forma externa do corpo. PERÍODO COLIQUATIVO • Inicia-se no fim do primeiro mês e pode estender-se de 6 a 8 meses em média e eventualmente por 2 ou 3 anos; • Caracteriza-se pela desintegração da estrutura do corpo; • Os tecidos amolecem, reduzem os seus volumes e, aos poucos, se transformam, de maneira paulatina, em uma massa pastosa, semilíquida escura e de intenso mau cheiro recebendo o nome de putrilagem ou necrochorume. PERÍODO DE ESQUELETIZAÇÃO • No final do período, coliquativo, a putrilagem escorrendo lentamente se infiltra no solo ou seca por evaporação. Mostra seus últimos restos até desfazer em pó. Fenômenos Conservadores Nem sempre o destino do cadáver é sua transformação destrutiva.Muitas vezes as formas anatômicas podem ser relativamente conservadas pela ocorrência de processos biológicos ou físico químicos, naturais ou artificiais a) Saponificação Ocorre em ambientes muito úmidos e sem ar circulante. b) Mumificação Dessecação rápida em virtude da desidratação e o corpo fica preservado do aparecimento dos fenômenos putrefativos que se quer chegam-se a instalar-se. c) Petrificação Fenômeno caracterizado pela incorporação dos tecidos e células por sais de cálcio denominado de calcificação. d) Corificação Se apresenta em corpos mantidos em urnas metálicas, sobretudo de zinco galvanizado, soldadas ou fechadas hermeticamente.
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