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1 Brenda Araújo (@brendaraujo____) – Odontologia, UFPE P A R A S I T O L O G I A Tricomoníase Considerada a infecção sexualmente transmissível (IST) não-viral mais comum no mundo, a tricomoníase é transmitida pela espécie Trichomonas vaginalis. Esta faz parte do gênero Trichomonas, que abrange também as espécies Trichomonas tenax (cavidade bucal) e Trichomonas hominis (trato intestinal). Apesar das três parasitarem o homem, apenas a T. vaginalis é patogênica. O T. vaginalis não possui forma cística1, caracterizando-se apenas como trofozoíto2. 1Forma inativa e de resistência, na qual o protozoário desenvolve uma parede resistente (parede cística) que o protegerá quando estiver em meio impróprio ou em fase de latência 2Forma ativa do protozoário, na qual ele se alimenta e se reproduz, por diferentes processos As espécies de Trichomonas são morfologicamente idênticas, e para diferenciar uma da outra, é necessário tomar conhecimento da procedência do material: do trato genital (T. vaginalis), da mucosa oral (T. tenax) e da mucosa intestinal (T. hominis). É um protozoário unicelular polimorfo que, quando vivo, é elipsoide ou oval e, algumas vezes, esférico. Ele possui alta plasticidade, tendo a capacidade de formar pseudópodes, os quais são usados para capturar os alimentos e se fixar em partículas sólidas. Como todos os tricomonadídeos, apresenta-se só como trofozoíto. As principais estruturas que caracterizam o T. vaginalis são: ∙ Quatro flagelos anteriores, de tamanhos desiguais, e um flagelo posterior/recorrente, que se adere por toda a extensão do corpo celular através de uma prega que constitui a membrana ondulante; ∙ Um axóstilo, estrutura rígida e hialina que se projeta através do centro do organismo, prolongando-se até a extremidade posterior; ∙ Um aparelho parabasal que consiste num corpo em forma de "V", associado a dois filamentos parabasais, onde se dispõe o aparelho de Golgi composto por vesículas paralelas achatadas; ∙ O blefaroplasto que está situado antes do axóstilo, sobre o qual se inserem os flagelos, e coordena os seus movimentos; ∙ Não possui mitocôndrias, mas apresenta grânulos densos paraxostilares dispostos em fileiras, os hidrogenossomos. Estes apresentam enzimas responsáveis pela síntese de ATP. → Habitat e local de infecção: habita o trato geniturinário do homem e da mulher, no qual produz a infecção e não sobrevive fora dele. → Locomoção: flagelos. → Reprodução: divisão binária longitudinal e a divisão nuclear é do tipo criptopleuromitótica. Contrariando o que ocorre na maioria dos protozoários, não há formação de cistos. → Fisiologia: organismo anaeróbio facultativo, que cresce perfeitamente na ausência de oxigênio, na faixa de pH compreendida entre 5 e 7,5 e em temperaturas entre 20 e 40ºC. Usa como vias para produção de ATP: ciclo de Krebs e a via d’Embden-Meyerhof. Seus hidrogenossomos portam piruvato ferredoxina- oxidorredutase (PFOR), enzima capaz de 2 Brenda Araújo (@brendaraujo____) – Odontologia, UFPE transformar o piruvato em acetato e de liberar ATP e hidrogênio molecular (H2). Desenvolve-se melhor na presença de bactérias e sua fonte de energia se baseia em glicose, frutose, maltose, glicogênio e amido. É capaz de manter em reserva o glicogênio e realiza síntese de apenas um certo número de aminoácidos, possuindo uma fraca atividade de transaminação3. → Transmissão principal e ciclo biológico: ocorre através da relação sexual e pode sobreviver por mais de uma semana sob o prepúcio do homem sadio, após o coito com a mulher infectada. O homem (que na maioria das vezes, é assintomático) representa o principal vetor da doença: com a ejaculação, os Trichomonas, presentes na mucosa da uretra, são levados à vagina pelo esperma. Resumindo, quando o protozoário atinge o hospedeiro e encontra condições favoráveis ao seu crescimento, ele coloniza a vagina ou a uretra. → Transmissão não sexual: mães podem infectar os filhos durante o parto (tricomoníase neonatal, 5% dos casos); água ou fômites4 (roupas íntimas, sanitários) e materiais ginecológicos mal esterilizados (ex.: espéculo). Esses mecanismos de transmissão são muito questionados, já que o protozoário possui apenas a forma de trofozoíto e esta não apresenta tanta resistência como a cística. → Sobrevivência: várias horas numa gota de secreção vaginal; na água, 2h à 40°C; 3h em urina coletada; e 6h no sêmen ejaculado. 3reação caracterizada pela transferência de um grupo amina de um aminoácido para um cetoácido, para formar um novo aminoácido e um novo ácido α-cetônico 4qualquer objeto inanimado ou substância capaz de absorver, reter e transportar organismos contagiantes ou infecciosos, de um indivíduo a outro Colonização das células epiteliais vaginais pela interação e ligação à mucina Alteração morfológica do Trichomonas da forma elipsoide para a ameboide Interação do tipo ligante-receptor entre o T. vaginalis e as células epiteliais Cinco proteínas são mediadores da citoaderência (AP120, 65, 51, 33, 23) Essas proteínas são secretadas no meio extracelular e ligam-se a um sítio específico na superfície do parasito O processo de citoaderência do T. vaginalis às células epiteliais modula a expressão gênica de proteínas funcionais da célula hospedeira associadas à manutenção da estrutura celular O T. vaginalis desempenha um papel obrigatório de parasito extracelular na mucosa urogenital e não invade células, como fazem os do gênero Leishmania ou Trypanossoma. Seu principal aspecto patológico, no homem, é a inflamação da uretra e da próstata e, na mulher, do epitélio vaginal e da exocérvice (região do colo uterino), dificilmente na uretra. A entrada desse protozoário na vagina ocorre quando há um aumento do pH, já que o normal é ácido (3,8-4,5) e o T. vaginalis cresce em pH maior que 5. Normalmente, essa elevação do pH é concomitante à redução de Lactobacillus acidophilus (bactérias comensais que secretam fatores ácidos que inibem a ocorrência de infecções oportunistas do trato geniturinário) e ao aumento na proporção de bactérias anaeróbias. O contato inicial entre T. vaginalis e leucócitos leva a formação de pseudópodes, incorporação e degradação das células imunes nos vacúolos fagocíticos do parasito. 3 Brenda Araújo (@brendaraujo____) – Odontologia, UFPE → Obs.: os bacilos de Dodeilein são microrganismos comensais da mucosa vaginal que, fisiologicamente, quebram o glicogênio liberado pelas células da mucosa, formando ácido láctico, o que diminui o pH vaginal da mulher. Esse mecanismo representa um meio de defesa da mucosa vaginal que é ameaçado pelo T. vaginalis, fazendo com que o pH da vagina tenda à alcalinização. O parasito também tem a função de promover a morte de hemácias para a aquisição de ferro da hemoglobina e também como fonte de ácidos graxos. A hemólise pode ser mediada pela inserção de poros na membrana da hemácia, formados pela liberação de proteínas do tipo perforinas (possivelmente cisteína-proteinases) ou através da interação entre receptores eritrocitários e adesinas do parasito, provocando aderência entre essas células e a nutrição do protozoário a partir dos componentes do eritrócito. Os principais mecanismos patológicos do T. vaginalis são: → Problemas relacionados com a gravidez: relaciona-se com a ruptura prematura de membrana e parto prematuro – relação com o baixo peso do recém-nascido – endometrite pós-parto, natimorto e morte neonatal. A resposta imune inflamatória gerada pela infecção pode conduzir direta ou indiretamente alterações na membrana fetal ou decídua, uma vez que a liberação de diversas citocinas (dentre elas a TGF-β2) que possuem uma maior afinidade pelo tecido muscular liso irão atuar noútero (miométrio), promovendo, assim, contrações e podendo ocasionar um parto prematuro. → Problemas relacionados com a fertilidade: o risco de infertilidade e câncer do colo do útero é quase duas vezes maior em mulheres com histórico de tricomoníase quando comparado com as que nunca tiveram. O T. vaginalis está relacionado com doença inflamatória pélvica, pois infecta o trato urinário superior, causando resposta inflamatória que destrói a estrutura tubária e danifica as células ciliadas da mucosa tubária, inibindo a passagem de espermatozoides ou óvulos através da tuba uterina. Quanto maior o número de episódios de tricomoníase, maior o risco de infertilidade. Há evidências, ainda, que este parasito, dentre outras alterações que comprometem a fertilidade masculina, reduz a motilidade e a vitalidade espermática, a quantidade de espermatozoides morfologicamente normais e causam hiperviscosidade seminal. → Transmissão do HIV: o T. vaginalis é um importante cofator e pode ter um papel crítico na amplificação da transmissão do HIV. Esse risco aumenta na presença de doença ulcerativa genital e de doença não-ulcerativa, como a tricomoníase. A infecção por T. vaginalis tipicamente faz surgir uma agressiva resposta imune celular local que induz uma grande infiltração de leucócitos, como linfócitos TCD4+ e macrófagos (células-alvo do HIV), aos quais o HIV pode se ligar e ganhar acesso. Além disso, o T. vaginalis frequentemente causa pontos hemorrágicos na mucosa, permitindo o acesso direto do vírus à corrente sanguínea. Desse modo, há um aumento na porta de entrada para o vírus em indivíduos HIV-negativos. Similarmente, em uma pessoa infectada pelo HIV, os pontos hemorrágicos e a inflamação podem aumentar os níveis de vírus nos fluidos corporais e o número de linfócitos e macrófagos infectados pelo HIV presentes na região genital. Isso resulta no aumento de vírus livres e ligados aos leucócitos, expandindo a porta de saída do HIV, e da probabilidade de exposição e transmissão em parceiro sexual não- infectado. Ademais, o aumento da carga viral na secreção uretral tem sido documentado em indivíduos com tricomoníase. O aumento na secreção de citocinas (interleucinas 1, 6, 8 e 10), conhecidas por aumentar a suscetibilidade ao HIV, está sendo agora demonstrado durante a tricomoníase. O T. vaginalis tem capacidade de degradar o inibidor de protease leucocitária secretória, um produto conhecido por bloquear o ataque do HIV às células, e este fenômeno também pode promover a transmissão do vírus. → Mecanismos patogênicos: 4 Brenda Araújo (@brendaraujo____) – Odontologia, UFPE ∙ O reconhecimento das células-específicas do T. vaginalis é realizado por um conjunto de proteínas chamadas delectinas; ∙ A aderência e a citotoxicidade exercidas pelo parasito sobre as células do hospedeiro podem ser ditadas pelos fatores de virulência, como adesinas, cisteína-proteinases, integrinas, fator de escamação celular (cell-detachingfactor – CDF) e glicosidases (substâncias responsáveis por inibir a produção dos fatores de morte dos fagócitos e destruir outras células do hospedeiro, além de promover a entrada na célula como é o caso das adesinas e integrinas); ∙ Sua citotoxicidade e destruição celular dependem de proteases; ∙ Embora os mecanismos contato- dependentes tenham um papel significativo na patogênese da tricomoníase, mecanismos contatos-independentes estão também envolvidos, já que produtos secretados pelo parasito, como glicosidases e CDF são altamente tóxicos a células epiteliais. → Mulher Na mulher, o T. vaginalis infecta principalmente o epitélio escamoso do trato genital. Das mulheres infectadas, entre 25% e 50% são assintomáticas, têm pH e flora vaginal normais. 1/3 das pacientes se torna sintomático dentro de 6 meses. No exame físico, tem-se: ∙ Período de incubação variável (3 a 20 dias); ∙ Corrimento abundante (amarelo-esverdeado e ocorre devido a infiltração por leucócitos), odor fétido, aspecto bolhoso ou espumoso; ∙ Prurido e irritação de vagina, com odor anormal, e a cérvice podem ser edematosas e eritematosas, com erosão e pontos hemorrágicos na parede cervical conhecidos como colpitis macularis ou cérvice com aspecto de morango vulva; ∙ Disúria (dificuldade ao urinar), estrangúria (dor ao urinar) e dispaurenia (dor durante o sexo); ∙ Cervicite, vaginite, vulvite, dor. → Homem Diferentemente da mulher, homens infectados pelo contato com parceira sexual infectada, por razão desconhecida, podem ter somente infecção autolimitada. No sexo masculino, classifica-se a parasitose em três grupos: estado assintomático; estado agudo, caracterizado por uretrite purulenta abundante; e doença assintomática leve, clinicamente indistinguível de outras causas de uretrite. No homem, os aspectos clínicos são: ∙ Maioria assintomática, principalmente devido à concentração de zinco no líquido prostático. O zinco é altamente tóxico para T. vaginalis; ∙ Uretrite, desconforto ao urinar e leve sensação de prurido; ∙ Às vezes, hiperemia (aumento do fluxo sanguíneo na região) do meato uretral; ∙ Prostatite e balanopostite; ∙ Pode se localizar na bexiga e vesícula seminal; ∙ Pela manhã, observa-se secreção clara, viscosa. Durante o dia é escasso. Não deve se basear somente na parte clínica, pois a infecção poderia ser confundida com outras ISTs. A investigação laboratorial é necessária e essencial para o diagnóstico da tricomoníase, levando ao tratamento apropriado e facilitando o controle da propagação da infecção. → Diagnóstico clínico: anamnese, corrimento. No homem, história da secreção uretral; → Diagnóstico laboratorial: na mulher, exame do esfregaço do conteúdo vaginal; cultura (padrão-ouro). No homem, exame do líquido prostático, exame do sedimento urinário. Pode ser feito através da utilização dos antibióticos nitroimidazólicos (metronidazol, secnidazol, tinidazol), pois oferecem terapia curativa para a tricomoníase.
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