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1 DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - AULA 4 Turma: 8º Período Professor: Leonardo Zanelato 1. DIREITO INTERTEMPORAL E DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO Inicialmente cabe ressaltar que acima das normas jurídicas destinadas a solucionar conflitos de interesses materiais, temos as regras sobre o campo de aplicação dessas normas. Assim, não basta a existência de uma lei; sendo imperioso saber o campo que ela deve ser aplicada. Essas são as regras do chamado sobredireito, o qual determina qual a norma a ser aplicada em caso de existirem duas diferentes para a mesma situação. Essa opção verificada entre duas normas para o mesmo caso pode ocorrer em relação ao tempo e em relação ao espaço. Em relação ao tempo temos a dúvida entre aplicar a lei nova ou a lei antiga. E em relação ao espaço temos a dúvida entre aplicar a lei do foro ou a lei estrangeira; ou ainda entre duas leis vigente no mesmo espaço, mas oriundas de sistemas jurídicos diversos. A primeira – em relação ao tempo, é regida pelo direito intertemporal, e a segunda pelo direito internacional privado. O direito intertemporal vem a ser o ramo da ciência jurídica que tenta responder às questões mais frequentes que envolvem a entrada em vigor de uma nova lei e o regramento das relações jurídicas passadas. INTERTEMPORAL = parte do direito que estabelece as normas para solucionar conflitos de leis no tempo. Assim, quais relações jurídicas iniciadas sob o pálio da lei anterior que serão reguladas pela lei posterior e quais delas permanecem regidas pela lei revogada? Surge então o conflito de leis, que decorre da existência de duas normas distintas regulando uma mesma relação jurídica a partir do momento em que são violados os limites temporais ou espaciais de aplicação de determinados preceitos jurídicos. Esses limites são dados, por um lado, pelo território, e de outro, pelo tempo. 2 Assim, é que normas procedentes de um determinado Estado soberano não podem disciplinar relações formadas no território de outro, enquanto que as relações jurídicas constituídas sob o manto de norma cuja vigência se expirou não poderão, em regra, sofrer os efeitos da lei nova. Esses limites não são absolutos, “exigindo as necessidades das relações internacionais que as relações formadas num Estado sejam às vezes disciplinadas pelas normas de outro, e as da vida interna que para as relações constituídas sob a vigência de uma lei se aplique retroativamente uma lei posterior”. Importante mencionar que o conflito de leis é uma situação presente em todos os ramos do direito, e ensejam dúvidas e interpretações divergentes na doutrina e jurisprudência. Sendo assim, não é possível esgotar o assunto, devendo o estudo cooperar para que se chegue a uma solução do conflito de acordo com o caso. Pois bem, da primeira ordem de conflitos se ocupa o Direito Internacional Privado, enquanto que o segundo tipo de conflito de leis constitui o móvel do Direito Intertemporal. E é no direito intertemporal que vamos encontrar os parâmetros definidores dos limites de vigência de duas normas que se sucedem. Sabemos então que as relações jurídicas evoluem com o tempo, e por isso acaba tornando as leis ultrapassadas e desprovidas de eficácia. Por essa razão, o legislador tem o dever de editar novas normas que se adequem as relações jurídicas atuais, adaptando o direito às necessidades do mundo concreto. Essa sucessão de diferentes normas sobre a mesma matéria pode ensejar dúvidas sobre qual norma aplicar em determinado caso. E é nesse momento que se deve recorrer ao direito intertemporal. Com o objetivo de solucionar o conflito de leis no tempo, a doutrina distingue os chamados “graus de retroatividade” em MÁXIMA, MÉDIA E MÍNIMA. A RETROATIVIDADE MÁXIMA ocorre quando a lei ataca a coisa julgada e os fatos já consumados. Neste caso a retroatividade atingiria relações de pagamentos, transações e compensações efetuados na vigência da lei anterior. Entende-se que essa retroatividade afronta o princípio da segurança jurídica e não deve ser admitida, salvo nos casos penais em que a lei retroage para beneficiar o réu. Na RETROATIVIDADE MÉDIA, a lei nova atinge os efeitos pendentes de atos consumados antes do início de sua vigência. 3 Por exemplo, uma lei nova que viesse a limitar a taxa de juros vencidos e não pagos. No entanto, entende a doutrina que, como a lei se volta para o passado, viola a segurança jurídica, a retroação também seria inviabilizada. E na RETROATIVIDADE MÍNIMA, a lei nova incide imediatamente sobre os efeitos futuros dos atos ou fatos praticados sob a vigência da lei anterior. Dá-se essa retroatividade mínima, quando, por exemplo, a nova lei que reduziu a taxa de juros somente se aplicar às prestações que irão vencer após a sua vigência (prestações vincendas). A aplicação imediata de uma lei, que atinge os efeitos futuros de atos ou fatos pretéritos, corresponde então a uma retroatividade mínima ou mitigada. 2. DIREITO INTERTEMPORAL INTERNACIONAL O conflito intertemporal entre as normas de direito internacional privado se dá em virtude da alteração das normas internas de um Estado em relação a conflitos de leis interpessoais (que envolvem mais de duas pessoas). Por exemplo: Na França, até 1804, vigia a regra conflitual do direito do domicílio pela qual as pessoas eram regidas quanto à sua capacidade pela lei do local em que estivessem domiciliadas. Esta norma foi alterada com o advento do Código de Napoleão, que determinou fosse aplicada às pessoas a lei do país de sua nacionalidade. O mesmo ocorreu na Alemanha com a entrada em vigor do Código Civil, que, igualmente, substituiu a regra domiciliar pela lei da nacionalidade. Já no Brasil ocorreu o inverso com a promulgação do Decreto-lei 4.657 de 4 de setembro de 1942 – Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (antiga Lei de Introdução ao Código Civil) - que firmou a regra domiciliar, substituindo a regra da nacionalidade que estava contida na Introdução ao Código Civil, de 1916. Estes conflitos são solucionados pelo Direito Intertemporal Internacional, ou seja, o direito que rege os conflitos temporais das regras do Direito Internacional Privado. 3. DIREITO INTERNACIONAL INTERTEMPORAL Aqui temos o conflito espacial de normas temporais, que se dá quando as regras de direito internacional privado de FORO indicam a aplicação de um determinado direito estrangeiro. 4 Nele vamos encontrar uma alteração temporal no direito interno. Isto é, uma lei antiga modificada por uma lei nova. A determinação então é a da regra do Direito Transitório, que manda atender a lei nova sobre fatos ocorridos na vigência da lei antiga. Pergunta: Neste caso, deve-se aceitar o direito estrangeiro como um todo, inclusive na regra retroativa, ou aplicar o direito estrangeiro material anterior, em respeito a regra do direito intertemporal do foro que determina a aplicação da norma vigente na época da ocorrência do fato? Pois bem, a Doutrina diz que deverá ser respeitada a regra de Direito Intertemporal do sistema jurídico declarado competente, ou seja, o Direito Transitório interno do Estado estrangeiro. Mas há uma hipótese em que esta regra será de difícil sustentação - quando o Direito Intertemporal estrangeiro não respeitar direitos adquiridos, que se constituam no foro em princípio fundamental. Então como aplicar uma regra nova do direito estrangeiro que, em conflito com regra anterior, não respeita direito adquirido sob a égide desta? A Doutrina, tanto estrangeira como a brasileira ressalvam que a aplicação integral do direito estrangeiro, inclusive suas regras de Direito Intertemporal, sofre restrição sempre que contiver norma que seja chocante à ordem pública do foro, comona hipótese em que não respeita os direitos adquiridos, que, no sistema jurídico brasileiro, são protegidos por regra constitucional, desde a Carta de 1946, atualmente, contida no artigo 5°, § XXXVI da Carta de 1988. 4. A JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA SOBRE DIREITO INTERNACIONAL INTERTEMPORAL Em termos de casos concretos, citaremos exemplo dado pelo professor Jacob Dolinger da seguinte forma: Um casal de alemães contraiu núpcias em 1943 no país de sua nacionalidade, onde eram domiciliados. O Código Civil alemão previa a separação de bens quando da extinção da sociedade conjugal. Em 1957 foi promulgada a lei sobre igualdade do homem e da mulher, que, dentre outras regras, dispõe que o regime comum é o da comunhão de aquestos, determinando, inclusive, que o novo regime se aplique aos matrimônios celebrados anteriormente. 5 O Código Civil de 2002 inovou ao introduzir o regime da participação final nos aquestos, que consiste num tipo de regime misto, em que, durante a vigência do casamento, aplicam-se as regras da separação total e, após sua dissolução, as da comunhão parcial. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, julgando questão entre um sobrevivente do casal contra o espólio do cônjuge falecido, aplicou o novo direito alemão sobre regime de bens, aceitando a retroatividade de sua norma ao casamento contraído antes da nova lei. Assim, o Tribunal aplicou a lei alemã, conforme determinado pelo artigo 7°, § 4°, da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro que remete a matéria de regime de bens à lei do domicílio dos nubentes, e, em havendo conflito temporal da lei material estrangeira, seguiu a regra do Direito Intertemporal alemão, que ordena a aplicação da lei nova, inclusive para casamentos celebrados anteriormente. Esta decisão obedeceu integralmente o direito estrangeiro, inclusive no ponto em que o mesmo determina a retroatividade da lei relativa ao regime de bens, o que não ocorre no Brasil, tanto que a Lei 6.515/77, que introduziu o divórcio no Brasil e substituiu o regime da comunhão universal pelo da comunhão parcial, só é aplicada aos matrimônios celebrados a partir da vigência da lei nova.
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