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2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 5 2 INTRODUÇÃO A TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL ............... 6 2.1 O contexto histórico da terapia cognitiva .............................................. 8 2.2 Origens da terapia cognitiva ............................................................... 13 2.3 A revolução cognitiva ......................................................................... 15 2.4 A natureza da cognição ...................................................................... 17 2.5 A terapia cognitivo-comportamental (TCC) ........................................ 18 2.6 Fundamentos ..................................................................................... 19 3 PENSAMENTOS AUTOMÁTICOS ........................................................... 21 3.1 Erros cognitivos: pensamentos automáticos distorcidos .................... 23 4 AS CRENÇAS CENTRAIS ........................................................................ 25 4.1 Crenças intermediárias ....................................................................... 27 4.2 Princípios da terapia cognitiva para todos os pacientes ..................... 29 4.3 Características básicas ...................................................................... 30 4.4 Intervenção clínica em terapia cognitiva............................................. 32 4.5 O princípio básico da terapia cognitiva e o modelo cognitivo de psicopatologia ........................................................................................................ 33 4.6 Princípios, técnicas e estratégias de intervenção clínica.................... 36 4.7 Técnica do questionamento socrático ................................................ 38 4.8 Estratégias para a formulação de perguntas no questionamento socrático 39 4.9 Observações clínicas do fenômeno cognitivo .................................... 40 4.10 Esquemas ....................................................................................... 46 4.11 Tipos de esquemas ......................................................................... 50 4.12 O modelo cognitivo em uma versão inicial ...................................... 51 4.13 A teoria de modos ........................................................................... 53 3 5 RELAÇÃO TERAPÊUTICA ....................................................................... 58 5.1 Características e habilidades fundamentais do terapeuta .................. 59 5.2 O funcionamento da relação terapêutica ............................................ 61 5.3 Fim da relação .................................................................................... 66 6 CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA RELAÇÃO TERAPÊUTICA ............. 67 6.1 Aliança em geral ................................................................................. 67 6.2 Aliança terapêutica ............................................................................. 67 6.3 Aliança na terapia cognitivo-comportamental ..................................... 69 6.4 Vinculação .......................................................................................... 71 6.5 Resistência ......................................................................................... 73 6.6 Resistência de validação .................................................................... 73 6.7 Resistência da vítima ......................................................................... 74 6.8 Resistência moral ............................................................................... 74 6.9 Resistência esquemática .................................................................... 75 6.10 Autoconsciência .............................................................................. 75 6.11 Risco aversão ................................................................................. 76 6.12 Autosistema de desvantagens ........................................................ 77 6.13 Competências do terapeuta ............................................................ 78 6.14 Micro competências ........................................................................ 82 6.15 Capacidades ................................................................................... 83 6.16 Competências terapêuticas na condução da terapia cognitiva ....... 86 6.17 Sequência interpessoal ................................................................... 87 6.18 A empatia como facilitador da relação terapêutica .......................... 90 7 NO PROCESSO TERAPÊUTICO ............................................................. 95 7.1 Evoluindo no processo terapêutico .................................................... 97 8 CHEGANDO ÀS CRENÇAS CENTRAIS ................................................ 100 9 FINALIZANDO O PROCESSO ............................................................... 103 4 10 AVALIAÇÃO COGNITIVO-COMPORTAMENTAL ............................... 103 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS .................................................... 106 12 BILBIOGRAFIA .................................................................................... 109 5 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI , esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 6 2 INTRODUÇÃO A TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL Fonte: actinstitute.org A Terapia Cognitiva é uma prática que pode ser considerada recente no universo terapêutico, tendo sido extensamente testada desde o primeiro estudo de resultado em 1977 (Beck, 1997b; apud GONÇALVES C; 2014). A partir dos primeiros movimentos exploratórios de Aaron Beck, e ao longo de todo o material já desenvolvido até a época atual, nota-se o foco de sua teoria e prática terapêutica voltado para os estudos da psicopatologia e elaboração de modelos psicoterapêuticos (Beck, Rush, Shaw, e Emery, G., 1997a; Knapp e Beck, 2008 apud GONÇALVES C; 2014). Como afirma Knapp (2004 apud GONÇALVES C; 2014), os primeiros estudos importantes e as primeiras abordagens cognitivo-comportamentais para o tratamento dos transtornos emocionais começaram a surgir na década de 60 com autores como Aaron Beck (1963, 1967, 1976; apud GONÇALVES C; 2014), Albert Ellis (1994; apud GONÇALVES C; 2014), Lazarus (1966; apud GONÇALVES C; 2014), Meichenbaum (1973; apud GONÇALVES C; 2014) e Mahoney (1974; apud GONÇALVES C; 2014), entre outros. http://actinstitute.org/ 7 Tal movimento se deu em prosseguimento a um período em que, para alguns pesquisadores e historiadores (Gardner, 1996; Baars, 1986; apud GONÇALVES C; 2014) ocorreu a chamada “revolução cognitiva”, a partir da qual processos cognitivos como pensamentos, percepções, crenças, memórias, etc., começaram a ser investigados cientificamente, em confronto com a hegemonia do movimento behaviorista,que considerava qualquer investigação com conteúdos mentais não científica. Segundo Dobson (2001; apud GONÇALVES C; 2014), todas as terapias cognitivo-comportamentais derivam de um modelo cognitivo prototípico e compartilham alguns pressupostos básicos, mesmo quando apresentam diferentes abordagens conceituais e estratégicas nos diversos transtornos. Sendo assim existem algumas proposições fundamentais que definiriam as características que estão no núcleo das terapias cognitivo-comportamentais: A atividade cognitiva influencia o comportamento; A atividade cognitiva pode ser monitorada e alterada e; O comportamento desejado pode ser influenciado mediante a mudança cognitiva. Pensamentos automáticos; Identifica comportamentos negativos e limitantes – especialmente por trás de doenças, sem olhar a doença em si, mas analisando os comportamentos da pessoa doente; Cria estratégias para trocar comportamentos disfuncionais por comportamentos benéficos; Identifica quais sentimentos, emoções e pensamentos estão relacionados a esses comportamentos; Busca uma reestruturação cognitiva, elaborando pensamentos alternativos e flexíveis; Identifica as distorções cognitivas, elaborando pensamentos alternativos e flexíveis; Identifica as distorções cognitivas que prejudicam a forma saudável de pensar (generalização, vitimização, personalização, catastrofização, entre outros); 8 Busca as crenças que fazem a pessoa pensar de determinadas maneiras, reformulando o sistema de esquemas e crenças; Busca a raiz das crenças, o evento ou experiência que gerou essa crença, resinificando essas memórias de dor e amenizando o impacto emocional. Em 1956, Aaron Beck (Beck e Alford, 2000; apud GONÇALVES C; 2014) dá início à história da Terapia Cognitiva na tentativa de fornecer apoio empírico para certas formulações psicodinâmicas de depressão, que Beck entendia como certas na época, encontrando alguns fenômenos inconsistentes com o modelo psicanalítico, especificamente a conceitualização psicanalítica de Freud que afirma que pacientes deprimidos manifestam hostilidade retrofletida, expressada como masoquismo, ou uma necessidade de sofrer. Entretanto, diante de respostas de sucesso em atribuições de tarefa graduada em ambiente controlado, os pacientes deprimidos pareciam melhorar em vez de resistir a tais experiências. Após novos estudos empíricos o resultado foi a reformulação da depressão como um transtorno caracterizado por uma profunda tendência negativa. A teoria cognitiva de psicopatologia e psicoterapia vai então considerar a cognição como a chave para os transtornos psicológicos. Dessa forma, segundo Beck (1964; apud GONÇALVES C; 2014) e Ellis (1994; apud GONÇALVES C; 2014), a Terapia Cognitiva baseia-se no modelo cognitivo, que levanta a hipótese de que as emoções e comportamentos das pessoas são influenciados por sua percepção de eventos. Não é uma situação por si só que determina o que as pessoas sentem, mas, antes, o modo como elas interpretam e pensam sobre a situação. A Psicologia Cognitivo-comportamental vem ganhando espaço entre as diversas abordagens teóricas, principalmente pela sua objetividade e eficácia terapêutica, o que pode ser considerado uma vantagem no tratamento de diversos problemas, bem como de alguns transtornos psiquiátricos (NEUFELD; CAVENAGE, 2010; apud Karbonara K; 2014). 2.1 O contexto histórico da terapia cognitiva A terapia cognitiva foi desenvolvida por Aaron T. Beck, na Universidade da Pensilvânia no início da década de 60, como uma psicoterapia breve, estruturada, orientada ao presente, para depressão, direcionada a resolver problemas atuais e a 9 modificar os pensamentos e os comportamentos e os comportamentos disfuncionais (Beck, 1964;). Desde aquela época, Beck e outros vêm adaptando com sucesso essa terapia para um conjunto surpreendentemente diverso de populações e desordens psiquiátricas (ver, por exemplo, Freeman & Beck, 1989;). Essas adaptações mudaram o foco, a tecnologia e a duração do tratamento, porém os pressupostos teóricos em si permaneceram constantes. Resumidamente, o modelo cognitivo propõe que o pensamento distorcido ou disfuncional (que influencia o humor e o comportamento do paciente) seja comum a todos os distúrbios psicológicos. A avaliação realista e a modificação no pensamento produzem uma melhora no humor e no comportamento. A melhora duradoura resulta da modificação das crenças disfuncionais básicas dos pacientes. Diversas formas de terapia cognitivo – comportamental foram desenvolvidas por outros teóricos importantes, notadamente a terapia racional – emotiva de Albert Ellis (Ellis, 1962), a modificação cognitiva – comportamental de Donald Meichenbaum (Meichenbaum, 1977) e a terapia multimodal de Arnold Lazarus (Lazarus, 1076). Contribuições importantes foram feitas por muitos outros, incluindo Michael Mahoney (1991), Vittorio Guidano e Giovanni Liotti (1983;). Panoramas históricos da área fornecem uma rica descrição de como as diferentes correntes da terapia cognitiva se originaram e cresceram (Arnkoff & Glass, 1992; Hollon & Beck, 1993;). A terapia cognitiva, conforme desenvolve e refinada por Aaron Beck, é enfatizada como singular no sentido de que é um sistema de psicoterapia com uma teoria da personalidade e da psicopatologia unificadas, apoiadas por evidências empíricas substanciais. Ela tem uma terapia operacionalizada com uma ampla gama de aplicações também apoiadas por dados empíricos, que são prontamente derivados da teoria. A terapia cognitiva foi extensamente testada desde a publicação do primeiro estudo de resultado, em 1977 (Rush, Beck, Kovacs & Hollon, 1977). 10 Estudos controlados demonstraram sua eficácia no tratamento do transtorno depressivo maior ( Ver Dobson, 1989 apud GONÇALVES C; 2014, para uma meta- análise), transtorno de ansiedade generalizada ( Butler, Fennell, Robson & Gelder, 1991;), transtorno do pânico (Barlow, Craske, Cerney & Klosko, 1989; Beck, Sokol, Clark, Berchick & Wright, 1992; Clarck, Salkovski, Hacmann, Middleton & Geider, 1992), fobia social ( Gelernter et al., Heimberg et al., 1990;), abuso de substância ( Woody et al, 1983), transtornos alimentares ( Agras et. Al., 1992; Fairburn, Jones, Peveler, Hope & Doll, 1991; Garner et al., 1993), problemas de casais (Baucom, Syers & Scher, 1990; apud GONÇALVES C; 2014) e depressão de pacientes internados (Bowers, 1990; Miller, Norman, Keitner, Bishop & Dow, 1989; Thase, Bowler & Harden, 1991). A terapia cognitiva está correntemente sendo aplicada no mundo inteiro como o único tratamento ou como um tratamento adjuntivo para outros transtornos. Alguns exemplos são transtorno obsessivo- compulsivo (Salkovskis & Kirk, 1989;), transtornos de estresse pós-traumático (Dancu & Foa1992; Parrot & Howes, 1991;), transtorno da personalidade (Beck et al.., 1990; Layden, Newman, Freeman & Morse, 1993; Youg, 1990), depressão recorrente (R. DeRubeis, comunicação pessoal, outubro 1993), dor crônica, (Miller, 1991; Turk, Meichenbaum & Genest 1983), Hipocondríase ( Warwick & Salkovskis, 1989) e esquizofrenia ( Chadwick & Lowe, 1990; Kingdon & Turknington, 1994; Perris, Ingelson & Johnson, 1993). A terapia cognitiva para populações diferentes de pacientes psiquiátricos está sendo estudada: internos em prisões, crianças escolares, pacientes médicos com uma ampla variedade de doenças, entre muitos outros. Persons, Burns e Perloff (1988) verificaram que a terapia cognitiva é efetiva para pacientes com diferentes níveis de educação, renda e background. Ela foi adaptada para trabalho com pacientes de todas as idades, da pré-escola (Knell,1993;) até os idosos (Casey & Grant, 1993; Thopson, Davies, Gallagher & Krantz, 1986;). A terapia cognitiva tem o tratamento individual, e também foi modificada para terapia de grupo(Beutler et al., 1987; Freeman, Schrodt, Gilson & Ludgate, 1993;), para problemas de casais (Baucom & Epstein, 1990; Dattilio & Padesky, 1990) e para a terapia familiar (Bedrosian & Bozicas, 1994; Epstein, Schlesinger & Dryden, 1988;). 11 Com tantas aplicações, como a terapia cognitiva permanece reconhecível? Em todas as formas de terapia cognitiva que fora derivada do modelo BECK, o tratamento baseia-se tanto em uma formulação cognitiva de um transtorno específico como em sua aplicação á conceituação ou entendimento do paciente individual. O terapeuta busca, de uma variedade de formas, produzir a mudança cognitiva- mudanças no pensamento e no sistema de crenças do paciente, visando promover mudança emocional e comportamental duradoura. Para um melhor entendimento do caminhar evolutivo da Terapia Cognitiva, faz-se necessário observar os estudos relacionados ao desenvolvimento na teoria e tratamento da depressão, iniciado por Beck na década de 60. O modelo cognitivo do tratamento da depressão surgiu como uma alternativa aos modelos psicanalítico e behaviorista, preponderantes na época (Beck, Clark e Alford, 1999 apud; Gonçalves Carlos 2014). Descontentamentos relacionados aos dois modelos surgiram por estes não se mostrarem mais suficientes para a tarefa de explicar o fenômeno da depressão. É neste contexto que a Terapia Cognitiva de Beck surge como uma abordagem alternativa de teoria e tratamento, observando-se a transição de uma teoria radical behaviorista estímulo-resposta para uma perspectiva cognitiva de processamento de informação. Entretanto, a Terapia Cognitiva não foi um mero resultado de um emergente zeitgeist cognitivo por volta dos anos 70. O fator de maior influência para o desenvolvimento do modelo cognitivo foram os experimentos de Beck e suas observações clínicas. Segundo Beck, Alford e Clark (1999ª), nos anos 60, a teoria e terapia psicanalítica dominavam a perspectiva psicológica da depressão. Esta era baseada na formulação psicanalítica freudiana publicada em Luto e Melancolia (Freud, 1917;), que caracterizava a depressão como raiva retrofletida resultado de perda de objetos próximos que se tornaram parte do ego da pessoa depressiva. A noção real ou imaginária de perda de um objeto amado junto com o conceito de raiva retrofletida formavam a pedra fundamental do entendimento psicanalítico da depressão, e os psicanalistas viam os sintomas como a autocrítica ou a auto discriminação, muito característicos na depressão, como confirmadores do conceito de hostilidade retrofletida. 12 Conceitos posteriores como a proeminência de características da fase anal (obsessividade) e oral (dependência) presentes na personalidade do depressivo, ou a perda da autoestima, onde o ego vê-se em uma situação sem esperança e desamparada, dentre outros, também tomaram lugar na perspectiva psicanalítica mais do que o conceito de processos intrapsíquicos como a depressão retrofletida. Apesar da influência dos conceitos psicanalíticos em evolução, havia uma considerável insatisfação com a teoria e tratamento psicanalíticos uma vez que muitos dos conceitos centrais do modelo não podiam ser operacionalmente definidos com suficiente precisão para permitir investigações empíricas. Além do mais, quando pesquisas experimentais eram realizadas, predições derivadas do modelo não eram validadas. Pelo lado behaviorista, o modelo de depressão nos anos de 1960 e início de 1970 era primariamente baseado no condicionamento operante da teoria da aprendizagem, que via a depressão como uma resposta super generalizada (perda de interesse e prazer em uma gama de atividades), acionada por um determinado estímulo ou evento, e teorias recentes consideram a redução na efetividade de reforço positivo como o problema central da depressão. Apesar da evolução de modelos da depressão, e da compatibilidade com o método experimental, a deficiência destas teorizações continuou a ser questionada com relação à validade como modelo clínico da depressão. Como era de se supor, as teorias e terapias behavioristas e psicanalistas da depressão sofreram intensas críticas em meados dos anos 70. A teoria mais influente adotada por behavioristas, a Teoria do Desamparo Aprendido de Martin Seligman (1975) era na verdade uma teoria que não se baseava exclusivamente em conceitos comportamentais, e usava construtos cognitivos para explicar os fenômenos da depressão ou da ansiedade. Foi durante este período de descontentamento que prevalecia nos modelos psicológicos da época, que a abordagem de Beck sobre a depressão como transtorno do pensamento, ganhou o interesse de clínicos e pesquisadores com orientação behaviorista (Beck et al., 1999ª). 13 2.2 Origens da terapia cognitiva De acordo com Sternberg (2010 apud GONÇALVES C; 2014), por mais longe que os registros possam ir na direção do passado, esses relatos documentados não registram os primeiros esforços para compreender como os seres humanos pensam. Entretanto de uma forma geral atribui-se as origens das bases mais antigas da psicologia cognitiva à filosofia e à fisiologia. Os problemas levantados nesses dois campos continuam a influenciar a maneira pela qual a psicologia cognitiva se desenvolve. Sternberg (2010 apud GONÇALVES C; 2014) acredita que a oposição entre as ideias de Platão e Aristóteles continuam a influenciar o modo de conceber a cognição. Aristóteles, um naturalista e biólogo tanto quanto um filósofo, acreditava que a adquirimos conhecimento pela evidência empírica, obtida por meio da observação. Por sua vez, Platão achava que métodos empíricos têm pouco mérito, pois a verdadeira realidade situa-se nas formas abstratas, e não nas cópias imperfeitas da realidade observáveis no mundo externo as nossas mentes. É uma discussão presente nos dias atuais entre psicólogos cognitivos, as capacidades e aptidões, como a habilidade linguística ou a inteligência, são inatas, como uma posição platônica sustenta, ou adquiridas por meio de interações com o ambiente, como sustenta Aristóteles. Muitos psicólogos cognitivos contemporâneos buscam uma síntese que permita uma combinação entre essas duas visões. Sternberg (2010 apud GONÇALVES C; 2014) acredita que esta oposição entre as ideias contrastantes do Racionalismo e Empirismo, se acentua a partir das obras do racionalista francês René Descartes (1596-1650 apud GONÇALVES C; 2014), que considerava o método introspectivo e reflexivo como superior aos métodos empíricos para se encontrar a verdade; e do empirista inglês John Locke (1632 – 1704 apud GONÇALVES C; 2014), adepto do método da observação empírica, acreditando que os seres humanos nasciam sem qualquer conhecimento e precisando busca-lo através da experiência empírica, cunhando o termo tábula rasa que se referiria à mente humana nascida vazia que seria preenchida pelos caracteres inscritos pela vida e a experiência. No século XVIII surge o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804 apud GONÇALVES C; 2014), que tenta sintetizar as posições do Racionalismo e do Empirismo. 14 Para Kant, inatas são as estruturas da mente, as do pensamento e as dos sentidos, e adquiridos são os dados captados pelos sentidos. Ou seja, para Kant a forma do conhecimento é inata, mas o conteúdo vem da experiência. Mais à frente, Wilhelm Wundt (1832-1920 apud GONÇALVES C; 2014) contribuiu com suas ideias para o desenvolvimento do Estruturalismo, considerado a primeira grande escola de pensamento na Psicologia, que tem como característica básica buscar entender a estrutura da mente e suas percepções pela análise dessas percepções em seus componentes construtivos. Wundt, considerado o fundador da Psicologia Experimental, utilizava uma grande variedade de métodos em suas pesquisas, sendo uma delas a introspecção experimental, que consiste em um olhar interior pelas informaçõesque passam pela consciência. Como alternativa ao Estruturalismo, surge o Funcionalismo, sugerindo que os psicólogos devessem se concentrar mais nos processos de pensamentos do que em seus conteúdos, buscando entender o que as pessoas fazem, e por que as pessoas fazem. Willian James (1842-1910 apud GONÇALVES C; 2014) foi personagem importante nesse processo. Assim como o Funcionalismo, o Associacionismo foi mais uma escola influente na Psicologia, e consistia em investigar como os eventos e as ideias podem se associar na mente propiciando a aprendizagem. Hermann Ebbinghaus (1850-1909 apud GONÇALVES C; 2014) foi o primeiro pesquisador a aplicar os princípios do associacionismo de maneira sistemática. Em rejeição ao behaviorismo radical que não via qualquer utilidade para os conteúdos ou mecanismos mentais e que orientava os psicólogos a se concentrar no estudo do comportamento observável, surgem alguns trabalhos de psicólogos chamados neobehavioristas, dentre eles Edward Tolman (1886-1959; apud GONÇALVES C; 2014), que acreditava que para entender o comportamento era necessário se levar em conta o propósito e o plano para o comportamento, sendo o comportamento dirigido a algum objetivo. Para alguns, Tolman é considerado como o precursor da Psicologia Cognitiva. 15 E por último nesse relato histórico, não se pode deixar de comentar o movimento da Gestalt, também crítica ao behaviorismo, pois em sua visão não se compreende totalmente um comportamento quando se desmembram os fenômenos em partes menores. Para a Gestalt, dentro de sua máxima: o todo é diferente da soma de suas partes, compreendem-se melhor os fenômenos psicológicos quando se olha para eles como todos organizados e estruturados. O Cognitivismo é uma abordagem mais recente, que acredita que grande parte do comportamento humano pode ser compreendida a partir de como as pessoas pensam, sendo o Cognitivismo, em parte, uma síntese das formas anteriores de análise como o Gestaltismo e o Behaviorismo (Sternberg, 2010 apud Gonçalves Carlos 2014). 2.3 A revolução cognitiva Por volta dos anos 20, 30 e 40, um intenso direcionamento de estudos voltados a cognição, possibilitou desafiar a hegemonia do movimento behaviorista, que não considerava como científica qualquer investigação que tivesse como objetos conteúdos mentalistas, tais como pensamentos, percepções, crenças, memórias, desejos etc. Avanços tecnológicos das ciências da informação e da computação, e novas pesquisas sobre o modelo neural do comportamento, levaram pesquisadores como o matemático e neurofisiologista Warren MacCulloch, o matemático John Von Newmann e o psicólogo Karl Lashley a se reunirem em um simpósio, em 1948, sobre Mecanismos Cerebrais do Comportamento, realizado no California Institute of Technology com o intuito de compartilhar suas pesquisas que tinham em comum o impacto sobre as concepções do funcionamento da mente. Outro simpósio ocorre em 1956 sobre a Teoria da Informação e reúne cientistas como Allen Newel, Herbert Simon, Noam Chomsky, George Miller, entre outros, constituindo-se como marco histórico do surgimento de uma nova ciência chamada Ciência Cognitiva (Gardner, 1996; apud GONÇALVES C; 2014). 16 A segunda metade dos anos cinquenta é um momento histórico que define com claridade a natureza da psicologia cognitiva, tendo como influência decisiva nesse processo a publicação de Noam Chomsky, em 1957, Syntactc Structures, e sua crítica, em 1957, com relação à posição de Skinner sobre a linguagem em Verbal Behavior (Rivière, 1991; apud GONÇALVES C; 2014). Castañon (2007; apud GONÇALVES C; 2014) defende a tese de que o surgimento do Racionalismo Crítico teve papel fundamental no surgimento da ciência cognitiva e do cognitivismo, afirmando que a aplicação do método científico ao estudo da mente só se tornou possível quando o próprio conceito da ciência sofreu alteração dramática, que começou a acontecer após o surgimento da obra de Karl Popper. Ainda de acordo com Castañon, a forma com que o Racionalismo Crítico critica o Positivismo Lógico e o método indutivo na ciência modificou a forma como se compreende o empreendimento científico, estabelecendo-se como posição central na Filosofia da Ciência contemporânea, e tornando evidente a conclusão de que o Racionalismo Crítico é a filosofia da ciência que melhor oferece suporte ao Cognitivismo e a psicologia cognitiva. Tal movimento teve início em 1934 com a publicação de A Lógica da Investigação Científica de Popper. Aaron Beck (Beck e Alford, 2000; apud GONÇALVES C; 2014) revela ser um dos cognitivistas que apoia o desenvolvimento de sua teoria nas ideias de Popper. Muito embora os primeiros textos centrais sobre modificação cognitiva tenham aparecido na década de 70, já na década de 60 uma atenção maior aos conteúdos cognitivos começa a emergir. O modelo comportamental tradicional, disponível até então, apontava limitações de uma abordagem comportamental não mediacional para explicar o comportamento humano. Um número crescente de teóricos e terapeutas começaram a se identificar como cognitivos ou cognitivo-comportamentais em termos de orientação, entre os quais podemos citar: Beck, Ellis, Cautela, Meichenbaum e Mahoney, surgindo, desde então, uma diversidade de abordagens cognitivo-comportamentais, atingindo vários graus de aplicação e sucesso (Knapp e Beck, 2008; apud GONÇALVES C; 2014). 17 Modelos terapêuticos derivam seus nomes dos seus objetos de estudo ou de sua metodologia. É o caso do Behaviorismo, que pelo aspecto prático consiste da análise e modificação do comportamento, e é também o caso das terapias cognitivas clássicas que analisam e visam modificar as estruturas cognitivas (Balbi, 2008; apud GONÇALVES C; 2014). 2.4 A natureza da cognição Para Beck e Alford (2000; apud GONÇALVES C; 2014), a teoria cognitiva tem a função de explicar o papel da cognição nos inter-relacionamentos entre variáveis clinicamente relevantes, como a emoção, o comportamento e os relacionamentos interpessoais. A teoria cognitiva forneceria então instrumentos conceituais para a ação ou prática efetiva em contextos clínicos que incluiriam sistemas interativos em muitos níveis, particularmente interpessoais e sociais (Beck et al., 1997a; apud GONÇALVES C; 2014). Beck e Alford (2000) fazem uma apresentação formal da teoria cognitiva e apresenta uma definição de cognição: A teoria cognitiva de psicopatologia e psicoterapia considera a cognição a chave para os transtornos psicológicos. “Cognição” é definida como aquela função que envolve deduções sobre nossas experiências e sobre a ocorrência e o controle de eventos futuros. A teoria cognitiva sugere a importância da percepção fenomenológica das relações entre os eventos; na teoria cognitiva clínica, a cognição inclui o processo de identificar e prever relações complexas entre eventos, de modo a facilitar a adaptação a ambientes passíveis de mudanças. Ainda segundo Beck e Alford (2000; apud GONÇALVES C; 2014), a cognição inclui todas as estruturas teóricas necessárias no apoio do processamento de informações, podendo incluir o processo metacognitivo de pensar sobre o pensamento, juntamente com os objetos ou eventos que constituem o conteúdo do pensamento, constituindo. 18 O organismo humano teria a propriedade de agir com a intenção e propósito de modificar seu ambiente ou a sua própria resposta a este ambiente, e nesse aspecto, a teoria cognitiva reconhece a cognição como mecanismo que pode, em parte, ser determinado ou controlado por variáveis externas, ao mesmo tempo, a natureza da consciência humana inclui o potencial para causalidades e criatividade. A teoria cognitiva, de acordo com Beck e Alford (2000; apud GONÇALVES C; 2014), não sugere que o aparato cognitivo seja capaz de captar, ou representardiretamente a realidade, ou seja, a experiência humana não construiria o mundo unilateralmente, mas consistiria de uma interação com o mundo ou o ambiente, onde fenômenos internos e externos invadiriam o sistema nervoso humano interagindo com o sistema cognitivo. Visto de outra perspectiva, a cognição faz a mediação entre o ambiente e o organismo humano, que Beck e Alford (2000; apud GONÇALVES C; 2014) presumem ser uma característica evolutiva resultado da seleção natural. Ao adaptar-se efetivamente ao mundo, o sistema cognitivo humano desenvolveu-se em transações com o ambiente natural, demonstrando que, diferente do “comportamento do computador”, a teoria cognitiva incorpora princípios ou características ecológicas bem como de processamento de informação. 2.5 A terapia cognitivo-comportamental (TCC) “Psicoterapia cognitivo-comportamental é uma prática de ajuda psicológica que se baseia em uma ciência e uma filosofia do comportamento caracterizada por uma concepção naturalista e determinista do comportamento humano, pela adesão a um empirismo e a uma metodologia experimental como suporte do conhecimento e por uma atitude pragmática quanto aos problemas psicológicos” (RANGÉ, 2001 apud SANTANA K; MARTINS M; 2015). A denominada "revolução cognitiva", como coloca CABALLO (1996 apud BARRETO J; TOBIAS J; 2001), iniciada dentre outros, com Mahoney e Beck, constituiu um grande marco na terapia comportamental, o que pode-se dizer por sua vez, que deu início à Terapia Cognitiva Comportamental (TCC), em certo sentido, uma junção entre a Terapia Comportamental e a Terapia Cognitiva. 19 Desde seu surgimento, a TCC evoluiu muito e, atualmente encontra-se como uma das abordagens centrais em diversas áreas de atuação da Psicologia, tendo conquistado sua aceitação e admiração pelas práticas e resultados que produz, e pela singularidade de seu enfoque. Basicamente a terapia cognitiva visa a identificação de pensamentos distorcidos, sua averiguação na realidade e a correção dos mesmos com um objetivo de maior magnitude, ou seja, a mudança de crenças disfuncionais que se encontram subjacentes a estes pensamentos distorcidos. Para isto ela utiliza-se de diversas técnicas cognitivas, como a reestruturação cognitiva, distração, parada do pensamento, etc. Já a terapia comportamental faz uso de princípios de aprendizagem, estabelecidos experimentalmente, para enfraquecer e eliminar comportamentos inapropriados e mal adaptativos. Diversas técnicas comportamentais são utilizadas, tais como, a exposição ao vivo, dessensibilização sistemática, exposição e prevenção de resposta, etc. Utiliza- se a expressão terapia cognitivo-comportamental (TCC), para se designar a junção da terapia cognitiva e da terapia comportamental. Segundo o modelo cognitivo- comportamental, a psicoterapia deverá atuar sobre os pensamentos deflagrados por uma dada situação estimulante, uma vez que tais pensamentos geram os sentimentos e os comportamentos que caracterizam a relação do indivíduo com o ambiente que o cerca. 2.6 Fundamentos Nessa atmosfera, Aaron Beck inicia movimentos exploratórios, que irão servir de início para o desenvolvimento da Terapia Cognitiva. Como ele próprio narra (Beck, 2006; apud GONÇALVES C; 2014), depois de sua pós-graduação em psicanálise, no Philadelphia Psychoanalytic Society, em 1956: Depois que me graduei no Instituto de Psicanálise, eu estava ansioso para validar os conceitos psicanalíticos para torná-los mais aceitáveis a sociedade científica. Como a depressão era o transtorno mais comum em minha prática, decidi focar nesse transtorno. De acordo com a psicanálise, indivíduos depressivos experimentam uma raiva inconsciente contra pessoas próximas, mas essa raiva é inaceitável, sendo reprimida e retornando contra seu self. 20 Então a questão era validar esse construto de hostilidade retrofletida. Como, segundo a teoria Freudiana, os sonhos são a “estrada real” para o inconsciente, Beck teve a ideia de procurar por material de hostilidade no conteúdo dos sonhos de pessoas deprimidas, utilizando-se de uma escala de hostilidade nos sonhos. Para a surpresa de Beck, ele descobriu que os sonhos de pessoas deprimidas continham menos hostilidade do que pessoas não deprimidas (Beck, 2006; apud GONÇALVES C; 2014). Essa descoberta inesperada, ainda segundo Beck (2006; apud GONÇALVES C; 2014) parecia contradizer o modelo motivacional da psicanálise que postulava que os sonhos, assim como os sintomas, eram expressões de desejos proibidos, porém inconscientes. Beck reexamina os sonhos e observa uma anomalia nos sonhos dos depressivos, longe de expressarem hostilidade, viam-se como vítimas da ação de outras pessoas ou circunstâncias; eram rejeitados, abandonados ou frustrados. Novamente, Beck volta-se às experiências com a hipótese de que os sonhos eram expressões de necessidade de sofrer, derivada de sentimento de culpa sobre a hostilidade inconsciente. Esta série de experimentos resultou no desenvolvimento de um instrumento para medição da profundidade e severidade da depressão, chamado Beck Depression Inventory (BDI), permitindo a ampliação dos experimentos, ainda sob a hipótese da autoagressão, não foi validada, fazendo com que Beck começasse a questionar a necessidade da existência de um profundo construto motivacional como necessidade de sofrer (Beck e Clark, 1988; apud GONÇALVES C; 2014). Como resultado conclusivo diante da série de experimentos realizados originou a seguinte questão: Poderiam o conteúdo manifesto dos sonhos, expectativas negativas, e sensibilidade ao fracasso simplesmente refletirem como os pacientes viam a si mesmos e suas experiências? (Beck et al., 1999a). O resultado dos estudos pode ser observado no relato de Beck (1967): ...levado à conclusão que certos padrões cognitivos podem ser responsáveis pela tendência dos pacientes em fazerem julgamentos com tendências negativas de si, do mundo e do futuro. Os padrões cognitivos, embora menos proeminentes em períodos de não depressão, se tornam ativados durante a depressão. 21 3 PENSAMENTOS AUTOMÁTICOS Pensamentos automáticos são um fluxo de pensamento que coexiste com um fluxo de pensamento mais manifesto (Beck, 1964). A maior parte do tempo mal estamos ciente destes pensamentos, embora com apenas um pouquinho de treinamento possamos facilmente trazer estes pensamentos à consciência (Judith S. Beck - Terapia Cognitiva). Exemplo: Ao atravessar a rua você, com certeza, olha para os dois lados, mesmo que esteja em rua de mão única. Isso porque, sem que você perceba, passa automaticamente a ideia que se deve olhar sempre para os dois lados antes de atravessar a rua. Muitos dos nossos pensamentos automáticos não causam problema algum, muito pelo contrário, precisamos de rapidez de raciocínio, e são os pensamentos automáticos que possibilitam isso. O problema aparece quando esses pensamentos automáticos não correspondem à realidade. Por exemplo, quando em depressão as pessoas costumam ter uma série de pensamentos automáticos negativos e falsos, como por exemplo: “Não adianta sair da cama, nada de bom pode acontecer na minha vida”. O modelo cognitivo afirma que a interpretação de uma situação (em vez da situação em si), frequentemente expressa em pensamentos automáticos, influencia as respostas emocional, comportamental, e fisiológica subsequentes. Evidentemente, determinados eventos são quase universalmente aflitivos: um ataque pessoal, rejeição ou fracasso. Pessoas com transtornos psicológicos, no entanto, com frequência interpretam erroneamente situações neutras ou até mesmo positivas e, desse modo, seus pensamentos automáticos são tendenciosos. Examinado criticamente e corrigindo erros de seu pensamento, muitas vezes os pacientes sentem – se melhor. Embora os pensamentos automáticos pareçam surgir espontaneamente,eles se tornam bastante previsíveis, uma vez que as crenças subjacentes do paciente sejam identificadas. O terapeuta cognitivo está preocupado em identificar os pensamentos que são disfuncionais, ou seja, os que distorcem a realidade, que são emocionalmente aflitivos e/ou interferem com a habilidade do paciente de atingir suas metas. 22 Pensamentos automáticos disfuncionais são quase sempre negativos, a menos que o paciente seja maníaco ou hipomaníaco, tenham um transtorno de personalidade narcisístico ou seja um viciado em drogas. Os pensamentos automáticos são usualmente breves, e o paciente com frequência está mais ciente da emoção que sente em decorrência do pensamento do que do pensamento em si. Sentando –se na sessão, por exemplo, um paciente pode estar um pouco ciente de sentir-se ansioso, triste, irritado ou embaraçado, porém inconsciente dos seus pensamentos automáticos até que o terapeuta o questione. A emoção que o paciente sente é logicamente conectada ao conteúdo do pensamento automático. Os pensamentos automáticos estão comumente em uma forma “ abreviada”, mas podem, com facilidade, ser soletrados quando o terapeuta pergunta pelo sentido do pensamento, os pensamentos podem estar em uma forma verbal, visual (imagem) ou em ambas as formas. Os pensamentos podem ser avaliados de acordo com a sua validade e a sua utilidade. O tipo mais comum de pensamento automático é distorcido de algum modo e ocorre apesar das evidências objetivas em contrário. O segundo tipo de pensamento automático é preciso, porém a conclusão que o paciente extrai pode ser distorcida. Por exemplo, “ Eu não fiz o que eu prometi para a minha colega de quarto” é um pensamento válido, mas a conclusão, “ Portanto, eu sou uma má pessoa” e não é. Um terceiro tipo de pensamento automático é também preciso, porém decididamente disfuncional. Então os pensamentos automáticos coexistem com um fluxo mais manifesto de pensamentos, surgem espontaneamente e não são embasados em reflexão ou deliberação. As pessoas estão usualmente mais cientes da emoção associada, porém, com um pouco de treinamento, podem tornar-se cientes do seu pensamento. Os pensamentos são relevantes a problemas pessoais estão associados a emoções específicas, dependendo de seu conteúdo e significado. Elas são frequentemente breve e fugazes, em forma abreviada e podem ocorrer em uma forma verbal e/ou imaginária. As pessoas com frequência aceitam seus pensamentos automáticos como verdadeiros, sem reflexão ou avaliação. Identificar, avaliar e responder a pensamentos automáticos (de uma forma mais adaptativa) usualmente produz uma mudança positiva em afeto. 23 3.1 Erros cognitivos: pensamentos automáticos distorcidos Ao longo da vida, o ser humano cria estratégias para provar para ele mesmo que seu sistema de crenças está correto, desenvolvendo pensamentos distorcidos e disfuncionais que viram automáticos. Os pacientes tendem a cometer erros em seu pensamento. Com frequência, há uma tendência sistemática negativa no processamento cognitivo dos pacientes que sofrem de um transtorno psiquiátrico (Beck, 1976). Quando o paciente expressa um pensamento automático, o terapeuta anota (mentalmente, verbalmente ou por escrito) o tipo de erro que ele parece estar cometendo. Embora alguns pensamentos automáticos sejam verdadeiros, muitos são falsos ou apenas possuem algumas parcelas de verdade. Erros típicos de pensamento incluem: Pensamento do tipo tudo – ou – nada (também chamado de pensamento preto – e – branco, polarizado ou dicotômico): você vê uma situação em apenas duas categorias em vez de em um contínuo. Exemplo: “ Se eu não for um sucesso total, eu sou um fracasso” Catastrofizando: (também denominado adivinhação): você prevê o futuro negativamente sem considerar outros resultados mais prováveis. Exemplo: “ Eu ficarei tão aborrecida que não serei capaz de agir direito” Desqualificando ou desconsiderando o positivo: você irrazoavelmente diz para si mesmo que experiências, atos ou qualidades positivas não contam. Exemplo: Eu fiz bem aquele projeto, mas isso não significa que eu seja competente; eu apenas tive sorte”. Argumentação emocional: Você pensa que algo deve ser verdade porque você “sente” (em realidade, acredita) isso de maneira tão convincente que acaba por ignorar ou desconsiderar evidências contrárias. Exemplo: “ Eu sei que faço muitas coisas certas no trabalho, mas eu ainda me sinto como se eu fosse um fracasso”. Rotulando: Você coloca um rótulo global e fixo sobre si mesmo ou sobre os outros sem considerar que as evidências poderiam ser mais razoavelmente conduzidas a uma conclusão menos desastrosa. Exemplo: “ Eu sou um perdedor. Ele não presta”. 24 Magnificação/minimização: quando você avalia a si mesmo, outra pessoa ou situação, você magnifica irracionalmente o negativo e/u minimiza o positivo. Exemplo: “ Receber uma nota medíocre prova quão inadequada eu sou. Obter notas altas não significa que eu sou inteligente”. Filtro mental (também denominado abstração seletiva): você presta atenção indevida a um detalhe negativo em vez de considerar o quadro geral. Exemplo: “ Porque eu tirei uma nota baixa na minha avaliação [ que também continha várias notas altas] isso significa que eu estou fazendo um trabalho deplorável”. Leitura mental: você acha que sabe o que os outros estão pensando, falhando assim ao considerar outras possibilidades mais prováveis. Exemplo: “ ele está pensando que eu não sei nada sobre esse projeto”. Supergeneralização: você tira uma conclusão negativa radical que vai muito além da situação atual. Exemplo: “ [ porque eu me senti desconfortável no encontro] eu não tenho o que é necessário para fazer amigos. ” Personalização: você acredita que os outros estão se comportando negativamente devido a você, sem considerar explicações mais plausíveis para o seu comportamento. Exemplo: “ o encanador foi rude comigo porque eu fiz algo errado”. Declarações do tipo “ eu deveria” e “ eu devo” (também chamadas imperativas): Você tem uma ideia exata estabelecida de como você ou os outros deveriam comportar – se você superestima quão ruim é que essas expectativas não sejam preenchidas. Exemplo: “ É terrível que eu tenha cometido um erro. Eu deveria sempre dá o melhor de mim”. Visão em túnel: você vê apenas os aspectos negativos de uma situação. Exemplo: “ O professor do meu filho não sabe fazer nada direito. Ele é crítico, insensível e ensina mal”. E uma outra opção é oferecer a lista de distorções para o paciente mas verificar apenas uns dois ou três erros mais comuns a esse paciente para que ele não se torne confuso tentando focalizar todos. 25 Quando o paciente pode determinar o tipo de distorção que está fazendo, ele pode amiúde avaliar mais objetivamente a validade do seu pensamento. 4 AS CRENÇAS CENTRAIS As crenças centrais, são ideias mais centrais da pessoa a respeito do self, e alguns autores referem-se a elas pela denominação de esquemas. Beck (1964) diferencia os dois conceitos sugerindo que os esquemas são estruturas cognitivas dentro do pensamento, cujo o conteúdo específico são as crenças centrais. Ademais, ele teoriza ainda que as crenças centrais negativas essencialmente se encaixam em duas categorias amplas; as associadas a desamparo e as associadas ao fato de não ser amado (Beck, no prelo). Alguns pacientes têm crenças centrais que se encaixam em uma das categorias, enquanto outros tem crenças centrais que se encaixam em ambas as classes. Essas crenças se desenvolvem na infância à medida que a criança interage com outras pessoas significativas e encontra uma série de situações que confirmem essa ideia. Durante grande parte de suas vidas, a maioria das pessoas pode manter as crenças centrais relativamente positivas (por exemplo,“ Eu estou substancialmente em controle”; “ Eu posso fazer a maioria das coisas de forma competente”; “ Eu sou um ser humano funcional “; “ Eu sou amável”; “ Eu sou digno”). As crenças centrais negativas podem vir à tona apenas durante momentos de aflição psicológica. (Alguns pacientes com transtorno de personalidade, no entanto, podem ter as crenças centrais negativas quase que continuamente ativadas). Frequentemente, ao contrário dos pensamentos automáticos, a crença central que os pacientes “ sabem” ser verdade sobre si mesmos não é totalmente percebida até que o terapeuta descasque as camadas, continuando a perguntar pelo sentido dos pensamentos do paciente como no exercício da flecha descendente. É importante também observar que os pacientes também podem ter as crenças centrais negativas sobre outras pessoas e seus mundos, como, por exemplo, “ As outras pessoas não são confiáveis”; “ As outras pessoas vão magoar-me”; “ O mundo é um lugar corrompido”. Ideias supergeneralizadas, estabelecidas, como essas, com frequência precisam ser avaliadas e modificadas além das crenças centrais sobre o eu. As crenças centrais negativas são usualmente globais, supergenarilzadas e 26 absolutistas. Quando uma crença central é ativada, o paciente é facilmente capaz de processar informações que apoiam, mas ele frequentemente falha em reconhecer distorce as informações que são contrárias à crença central. O terapeuta começa a formular uma conceituação (incluindo as crenças centrais) desde o início da terapia, fazendo isso a princípio mentalmente ou particularmente no papel. Em algum momento na terapia, ele partilha sua conceituação com o paciente, apresentando –a em forma de hipótese e perguntando se isso “ parece ser verdadeiro” para ele. A fim de decidir quando e quanto de sua conceituação partilha com um paciente, o terapeuta considera o seguinte: Quão forte é a sua aliança terapêutica, quão fortemente o paciente acredita no modelo cognitivo, quão ativadas estão suas crenças centrais na sessão, o quanto de insight ele já tem, quão concreto é o seu pensamento, e assim por diante. Então, embora o terapeuta tenha estado conceituando as crenças centrais do paciente desde o início, ele cuidadosamente escolhe quando e como tentará começar a modificar a crença central. Os terapeutas em geral ensinam os pacientes a aprender as ferramentas de identificar, avaliar e adaptativamente responder aos pensamentos automáticos e crenças intermediarias utilizando as mesmas ferramentas para as crenças centrais. Ás vezes, no entanto, o terapeuta e o paciente automaticamente tentam avaliar, no início da terapia, uma crença central pelo fato de ela ter sido expressa em forma de um pensamento automático, e tal avaliação frequentemente exerce pouco efeito. Em um outro caso, o terapeuta pode intencionalmente testar a modificabilidade de uma crença central mesmo antes que eles tenham feito muito trabalho em nível de pensamento automático e de crença intermediária. O grau de dificuldade para identificar e modificar as crenças centrais varia de paciente para paciente. Em geral, os pacientes que estão em aflição emocional significativa são os mais facilmente capazes (do que os outros) de expressar as suas crenças centrais pelo fato de essas crenças estarem ativadas na sessão. 27 4.1 Crenças intermediárias Composta por atitudes, regras, e suposições criadas para que o indivíduo consiga se adaptar e sobreviver à ideia absoluta e negativa que ele tem a respeito de si mesmo e também são mecanismos de sobrevivência para adaptação do indivíduo. As crenças intermediárias correspondem ao segundo nível de pensamento e não são diretamente relacionadas às situações, ocorrendo sob a forma de suposições ou regras, derivam e reforçam as crenças centrais. As crenças nucleares são nossas ideias e conceitos mais enraizados e cristalizados acerca de nós mesmo, dos outros e do mundo, são constituídas desde as nossas experiências ainda na infância e se solidificam e se fortalecem ao longo da vida, moldando desta maneira o jeito de ser e agir do ser humano. O que não é modificando ou corrigido em fase desadaptativa, tratando –se de crenças disfuncionais, pode chegar à fase adulta como verdades absolutas (KNAPP. 2004). Judith Beck (1997) propõe que, as crenças centrais disfuncionais podem ser divididas em três grupos: Crenças nucleares de desamparo (Helpless-ness): Crenças sobre impotente, frágil, vulnerável, carente, desamparado, necessitado. Crenças nucleares de desamor (Unlovability): Crenças sobre ser indesejável, incapaz de ser gostado, incapaz de ser amado, sem atrativos, rejeitado, abandonado, sozinho. Crenças nucleares de desvalor (Unworthness): Crenças sobre ser incapaz, incompetente, inadequado, ineficiente, falho, defeituoso, enganador, fracassado, sem valor. O modelo básico da TCC se baseia na premissa da inter-relação entre cognição, emoção e comportamento. Para cada situação diferente há um pensamento relacionado à mesma, para cada pensamento há uma emoção e subsequente um comportamento, o que justifica diferentes pessoas (WRIGHT, 2008). 28 Dessa forma, os eventos ativam os pensamentos, que geram como consequência, emoções e comportamento, como mostra a figura: Fonte: docplayer.com Os indivíduos também possuem crenças nucleares disfuncionais a respeito dos outros e do mundo. As crenças nucleares são absolutistas, generalistas e cristalizadas, podendo permanecer latente o tempo todo, e ativadas nos transtornos emocionais, com isso, o processo da informação torna –se tendencioso no sentido de extrair da realidade apenas informações que confirmam a crença disfuncional. (KNAPP, 2004). Por fim, segundo (CAMINHA, 2003) o sucesso da terapia começa quando o paciente torna-se capaz de anotar, perceber e responder aos pensamentos automáticos, realizando assim, exercícios de metacognição, pensar sobre o que se está pensando. Desta maneira se quebra a sequência do esquema, e em última instância, altera o sentido estrutural, fazendo com que haja diminuição de valência da crença central. O paciente aprende a questionar os pensamentos e chegar junto com o problema, se auto monitorando, para intervir antes de o problema se manifestar, tornando-se assim seu próprio terapeuta. Em suma, as crenças centrais requerem um trabalho sistemático consistente. Algumas técnicas, aplicáveis à reestruturação de pensamentos automáticos e crenças intermediárias, podem ser usadas em combinação com técnicas mais especializadas orientadas especificamente em direção a crenças centrais (beck, 1997, pg. 199, apud alvarenga r.2008). 29 4.2 Princípios da terapia cognitiva para todos os pacientes A terapia cognitiva se baseia em uma formulação em contínuo desenvolvimento do paciente e de seus problemas em termos cognitivos. A terapia requer uma aliança terapêutica segura, o terapeuta deve fazer com que o paciente tenha confiança, também tem que criar a cordialidade, empatia, atenção, respeito genuíno e tenha competência para com o paciente. A terapia cognitiva enfatiza colaboração e participação ativa. A princípio o terapeuta é mais ativo em sugerir uma direção para as sessões de terapia e em resumir o que o paciente e ele irão discuti durante uma sessão. O terapeuta tem a função de tornar-se crescentemente ativa na sessão de terapia: decidir sobre que tópicos falar, identificar as distorções de pensamentos no do paciente, resumir pontos importantes e projetar tarefas de casa. A terapia cognitiva é orientada em meta e focalizada em problemas. A terapia cognitiva inicialmente enfatiza o presente, o tratamento da maioria dos pacientes envolve um forte foco sobre problemas atuais e sobre situações específicas que são aflitivas para o paciente. A terapia cognitiva éeducativa, visa ensinar o paciente a ser seu próprio terapeuta e enfatiza prevenção de recaída. A terapia cognitiva visa ter um tempo limitado, no entanto nem todos os pacientes fazem progresso suficiente em apenas alguns meses. Alguns pacientes requerem um ou dois anos de terapia ou possivelmente mais, para modificar as crenças disfuncionais muito rígidas e os padrões de comportamento que contribuem para a sua angústia crônica As sessões de terapia cognitiva são estruturadas, não importa qual o diagnóstico ou estágio do tratamento, o terapeuta cognitivo tende a aderi, a uma estrutura estabelecida em cada sessão. A terapia cognitiva ensina os pacientes a identificar, avaliar e responder a seus pensamentos e crenças disfuncionais. O terapeuta ajuda focalizar um problema específico, identificar seu pensamento disfuncional, avaliar 30 a validade do pensamento, e projetar um plano de ação e ele faz isso através de questionamento socrático ou descoberta orientada, através de questionamento, ele também a orienta em avaliar a validade e a funcionalidade das suas crenças. A terapia cognitiva utiliza uma variedade de técnicas para mudar pensamento, humor e comportamento. Embora as estratégicas cognitivas como questionamento socrático e descoberta orientada sejam centrais a terapia cognitiva, técnicas de outras orientações (especialmente terapia comportamental e terapia Gestalt) são também usadas dentro de uma estrutura cognitiva. O terapeuta seleciona técnicas com base em sua formulação de caso e seus objetivos em sessões específicas. Esses princípios básicos se aplicam a todos os pacientes. A terapia, no, entanto, varia consideravelmente de acordo com o paciente individual, a natureza de suas dificuldades, suas metas, sua habilidade de formar um vínculo terapêutico forte, sua motivação para mudar, sua experiência prévia com terapia e suas preferências de tratamento. A ênfase no tratamento depende do transtorno (s) particular do paciente. A terapia cognitiva para transtorno de ansiedade generalizada, por exemplo, enfatiza a reavaliação de risco em situações particulares e os recursos de pessoa para lidar com ameaça (Beck & Emery, 1985). Tratamento para transtornos de pânico envolve a testagem das interpretações errôneas catastróficas do paciente (usualmente previsões errôneas ameaçadoras da sanidade ou a vida) de sensações corporais ou mentais (Clark, 1989). Anorexia requer uma modificação de crenças sobre valor pessoal e controle (Garner & Bemis, 1985). O tratamento para abuso de substância focaliza-se em crenças negativas sobre o eu e crenças facilitadoras ou permissivas em relação ao uso de substância (Beck, Wright, Newman & Liese, 1993). 4.3 Características básicas As principais características da Terapia Cognitiva, como um sistema de psicoterapia, são: 31 Constitui um sistema de psicoterapia integrado. Combina o modelo cognitivo de personalidade e de psicopatologia a um modelo aplicado, que reúne um conjunto de princípios, técnicas e estratégias terapêuticas fundamentado diretamente em seu modelo teórico. Conta, ainda, com comprovação empírica através de um volume respeitável de estudos controlados de eficácia. Em outras palavras, satisfaz os critérios básicos que lhe conferem o status de sistema de psicoterapia. Demonstra aplicabilidade eficaz, segundo estudos controlados, em várias áreas: na área tradicional da Psicologia Clínica, em que TCC é aplicada à depressão, aos transtornos de ansiedade (ansiedade generalizada, fobias, pânico, hipocondria, transtorno obsessivo- compulsivo), à dependência química, aos transtornos alimentares, aos transtornos de stress pós-traumático, aos transtornos de personalidade, à terapia com casais e em grupo etc., com adultos, crianças e adolescentes. A Terapia Cognitiva padrão, reunindo técnicas e estratégias terapêuticas destinadas à realização de seus objetivos básicos, é modificada para aplicação a diferentes áreas de especialidade, refletindo modelos teóricos e aplicados particulares para cada classe de transtorno. Aplica-se ainda às áreas de educação, esportes e organizações, sendo também utilizada com sucesso como coadjuvante no tratamento de distúrbios orgânicos, área em que conta com um grande volume de estudos científicos. E, no caso particular das psicoses, as publicações se avolumam nas áreas de esquizofrenia e transtorno bipolar, indicando resultados encorajadores. Representa um processo terapêutico diretivo e semiestruturado, orientado à resolução de problemas. É colaborativa, ou seja, reflete um processo em que ambos, terapeuta e paciente, têm um papel ativo e estabelecem colaborativamente metas terapêuticas, as agendas de cada sessão, tarefas entre sessões etc. Requer a socialização do paciente ao modelo, a fim de que ele possa desempenhar seu papel como colaborador ativo. Envolve uma relação genuína entre terapeuta e paciente, baseada em empatia terapêutica, em que o terapeuta é amigável, caloroso e genuíno. 32 As sessões, bem como o processo terapêutico, são semiestruturadas, envolvendo tarefas entre as sessões. É focal, requerendo uma definição concreta e específica dos problemas do paciente e das metas terapêuticas. Tem um caráter didático, em que o objetivo não é unicamente ajudar o paciente com seus problemas, mas dotá-lo de um novo instrumental cognitivo e comportamental, através de prática regular, a fim de que ele possa perceber e responder ao real de forma funcional, sendo o funcional definido como aquilo que concorre para a realização de suas metas. Nesse sentido, as intervenções são explícitas, envolvendo feedback recíproco entre o terapeuta e o paciente. É um processo terapêutico de tempo curto e limitado, podendo sua aplicação variar entre aproximadamente 12 e 24 sessões, tornando-a apropriada ao contexto socioeconômico atual, e possibilitando sua utilização pelo sistema de saúde público, bem como pelos convênios e seguros de saúde. Mostra-se eficaz para diferentes populações, independentemente de cultura e níveis socioeconômico e educacional (Serra et al., 2001 apud, 2014). A reunião de todas essas características seguramente nos permite afirmar que a terapia cognitiva representa uma mudança de paradigma no campo das psicoterapias. 4.4 Intervenção clínica em terapia cognitiva Destacamos diversas fases. Na primeira, enfatiza-se a definição da estratégia de intervenção, ou seja, a conceituação cognitiva do paciente e de seus problemas, a definição de metas terapêuticas e do planejamento do processo de intervenção. Na segunda fase, a terapeuta objetiva a normalização das emoções do paciente, a fim de promover a motivação do paciente para o trabalho terapêutico e sua vinculação ao processo. 33 Nesse sentido, o terapeuta prioriza o que podemos chamar de intervenção em nível funcional, concentrando-se no desafio de cognições disfuncionais, iniciando os primeiros esforços em resolução de problemas, e encorajando o desenvolvimento, pelo paciente, de habilidades próprias para a resolução de problemas. Na terceira fase, o terapeuta enfatiza a intervenção em nível estrutural, ou seja, o desafio de crenças e esquemas disfuncionais, objetivando promover a reestruturação cognitiva do paciente. Na quarta fase, de terminação, promove-se, através de várias técnicas, a assimilação e generalização dos ganhos terapêuticos bem como a prevenção de recaídas. O objetivo último dos esforços terapêuticos é dotar o paciente de estratégias cognitivas e comportamentais, a fim de capacitá-lo para a promoção e preservação continuadas de uma estrutura cognitiva funcional. 4.5 O princípio básico da terapia cognitiva e o modelo cognitivo de psicopatologia O princípio básico da Terapia Cognitiva pode ser resumido da seguinte forma: Nossas respostas emocionais e comportamentais,bem como nossa motivação, não são influenciadas diretamente por situações, mas sim pela forma como processamos essas situações, em outras palavras, pelas interpretações que fazemos dessas situações, por nossa representação dessas situações, ou pelo significado que atribuímos a elas. As nossas interpretações, representações ou atribuições de significado, por sua vez, refletem-se no conteúdo de nossos pensamentos automáticos, contidos em vários fluxos paralelos de processamento cognitivo que ocorrem em nível pré-consciente. O conteúdo de nossos pensamentos automáticos, pré-conscientes, reflete a ativação de estruturas básicas inconscientes, os esquemas e crenças, e o significado atribuído pelo sujeito ao real. Um exemplo simples para ilustrar esse princípio: Suponhamos que nos encontremos casualmente com um amigo que não nos cumprimenta. Se pensarmos “ele não quer mais ser meu amigo”, nossa emoção será tristeza e nosso comportamento será possivelmente afastarmo-nos do amigo. 34 Se, porém, pensarmos “oh, será que ele está aborrecido comigo? ”, nossa emoção será apreensão e nosso comportamento será procurar o amigo e perguntar o que está havendo. Ou ainda, se pensarmos “quem ele pensa que é para não me cumprimentar? Ele que me aguarde! ”, nossa emoção poderia ser raiva e o comportamento, confrontaríamos o amigo. Porém, diante da mesma situação, podemos ainda pensar “não me cumprimentou... acho que não me viu”; e, nesse caso, nossas emoções e comportamentos seguiriam inalterados. Este exemplo ilustra, portanto, que nossas interpretações, representações, ou atribuições de significado atuam como variável mediacional entre o real e as nossas respostas emocionais e comportamentais. Daí decorre que, para modificar emoções e comportamentos, intervimos sobre a forma do indivíduo processar informações, ou seja, interpretar, representar ou atribuir significado a eventos, em uma tentativa de promover mudanças em seu sistema de esquemas e crenças. Essas intervenções objetivariam uma reestruturação cognitiva do paciente, o que o levará a processar informação no futuro de novas formas. O modelo cognitivo de personalidade pode ser resumido como segue: Através de sua história, e com base em experiências relevantes desde a infância, desenvolvemos um sistema de esquemas, localizado em nível inconsciente ou, utilizando conceitos da Psicologia cognitiva, em nossa memória implícita. Esquemas, nesse sentido, podem ser definidos como superestruturas cognitivas, que refletem regularidades passadas, conforme percebidas pelo sujeito. Ao processarmos eventos, os esquemas implicitamente organizam os elementos da percepção sensorial, ao mesmo tempo em que são atualizados por eles, em uma relação circular. Os esquemas ainda dirigem o foco de nossa atenção, incorporadas aos esquemas, desenvolvemos crenças básicas e pressuposições intermediárias específicas para diferentes classes de eventos, as quais são ativadas em vista de eventos críticos elicitadores. A ativação dessas crenças reflete-se em nosso pré-consciente, nos conteúdos dos pensamentos automáticos, que representam nossa interpretação do evento, ou o significado atribuído a ele. 35 Estes, por sua vez, influenciam a qualidade e intensidade de nossa emoção e a forma de nosso comportamento, frente a essa determinada situação. Daí decorre que a teoria cognitiva básica reflete um paradigma de processamento de informação, baseado em esquemas, como um modelo de funcionamento humano. Quanto ao sistema de processamento de informação, este envolve estruturas, processos e produtos, envolvidos na representação e transformação de significado, com base em dados sensoriais derivados do ambiente interno e externo. As estruturas e processos do sistema atuariam a fim de selecionar, transformar, classificar, armazenar, evocar e regenerar informação, segundo uma forma que faça sentido para o indivíduo em sua adaptação e funcionamento. Central, portanto, para o modelo cognitivo é a capacidade para atribuição de significado. Quanto ao modelo cognitivo de psicopatologia, de forma semelhante, este propõe que, durante o desenvolvimento e em vista de regularidades do real interno e externo, indivíduos podem gradualmente perder sua flexibilidade cognitiva, isto é, a capacidade para atualizar continuamente seus esquemas em vista de novas regularidades. Estes esquemas enrijecendo-se se tornariam disfuncionais, predispondo o indivíduo a distorções cognitivas e à resistência ao reconhecimento de interpretações alternativas, que, em conjunto com fatores biológicos, motivacionais e sociais, originariam os transtornos emocionais. Fundamental, portanto, para o modelo cognitivo de psicopatologia e o modelo aplicado de intervenção clínica é a hipótese da vulnerabilidade cognitiva, segundo a qual indivíduos portadores de transtornos emocionais apresentam uma rigidez, ou uma tendência aumentada a distorcer eventos, no momento de processá-los. E, uma vez feita uma atribuição, resistem ao reconhecimento de interpretações alternativas. Outra hipótese básica para o modelo da Terapia Cognitiva refere-se à primazia das cognições, segundo a qual as cognições têm primazia sobre as emoções e comportamentos, embora não de uma forma rigidamente causal e temporal. 36 4.6 Princípios, técnicas e estratégias de intervenção clínica Para se promover o que classificamos anteriormente de intervenção funcional sobre o conteúdo das cognições, com o objetivo de possibilitar ao paciente a modulação de suas emoções, necessitamos primeiramente levá-lo a identificar as cognições pré-conscientes que representam a base das emoções adversas, as chamadas “cognições quentes”. As pessoas naturalmente não entram em contato com seus pensamentos automáticos negativos no momento em que experienciam emoções adversas. É, portanto, necessário treinar pacientes para identificar seus pensamentos automáticos, encorajando, através de questionamento, uma reencenação mental da situação, até finalmente fazermos a pergunta-chave: “o que estava passando por sua mente, pensamentos e imagens, no momento em que começou a sentir a emoção? ”. É importante identificarmos pensamentos ou imagens que correspondam à qualidade e intensidade da emoção relatada. Identificada a cognição, passamos ao seu desafio, avaliando inicialmente o nível de crença na cognição e a intensidade da emoção associada. Para desafiar a cognição, podemos buscar evidências que a apoiem ou a contrariem, interpretações alternativas, por exemplo, “de que forma alternativa você poderia pensar? ”, ou “como outro pensaria diante da mesma situação? ”, ou ainda “como aconselharia outro na mesma situação? ”. ” Podemos ainda recorrer a um desafio mais pragmático, perguntando “qual a sua meta nessa situação? ”, “a cognição ajuda ou atrapalha na realização de sua meta? ”, e “qual o efeito de se crer em uma interpretação alternativa? ”. Utilizamos enfim formas, apropriadas à situação, de questionamento socrático, ou seja, formas aparentemente imparciais, a fim de encorajar nosso paciente a resinificar ou reinterpretar a situação, utilizando outras linhas de raciocínio e outras perspectivas diante das mesmas classes de eventos. Ao final, solicitamos ao paciente que reavalie agora seus pensamentos e emoções originais, encorajando-o a definir planos de ação para lidar com os mesmos eventos no futuro: Como pensar, sentir e agir diferentemente? Além dessas técnicas de intervenção funcionais, podemos utilizar ainda técnicas de distanciamento ou deslocamento de atenção, visando a normalização das emoções, apenas mantendo 37 em mente que tais técnicas promovem apenas alívio emocional temporário, devendo ser utilizadas com parcimônia e em alternância com tentativas efetivas de reestruturação cognitiva. Inicialmente, conduzimos a identificação e osdesafios de cognições em sessão; gradualmente, porém, encorajamos o paciente a realizar o mesmo entre as sessões, utilizando inclusive formulários para registro e desafio de pensamentos automáticos negativos, encontrados em manuais de TCC. Na fase intermediária da terapia, ou seja, de intervenção sobre esquemas e crenças, objetivamos a reestruturação cognitiva do indivíduo, que o levará a processar o real de uma nova forma. Focalizamos, nessa fase, a identificação e desafio de crenças disfuncionais. Crenças representam os esquemas traduzidos em palavras. São consideradas disfuncionais quando predispõem a transtornos emocionais. Caracterizam-se por refletir rigidez, estarem associadas a emoções muito fortes, denotarem um caráter excessivo, supergeneralizado, extremo e irracional, podendo, muitas delas, ser culturalmente reforçadas. Podem ser inferidas por corresponder a temas recorrentes durante o tratamento, tipos de erros cognitivos frequentes, avaliações globais, por exemplo, “sou incapaz”, ou “ninguém me entende”, ou ainda “o mundo é cheio de perigos”, e memórias ou ditos familiares, por exemplo “tal pai, tal filho” ou “tirar 10 não é mais que obrigação”. A identificação de crenças requer um cuidado maior do que dos pensamentos automáticos, pois, se abordarmos uma crença precocemente, poderemos ativar a resistência do paciente, dificultando referências futuras à mesma crença. Necessitamos, portanto, através de esforços consistentes de conceituação cognitiva, baseados em toda a informação que conseguirmos coletar, refinar continuamente as nossas hipóteses de crenças disfuncionais, abordando-as apenas quando já se tornaram evidentes para o indivíduo. Em outras palavras, devemos abordar as crenças disfuncionais apenas quando já houver um volume considerável de evidências, que possibilitem ao paciente estar preparado para reconhecê-las como disfuncionais e estar motivados a substituí- las por crenças mais funcionais. 38 Na última fase, de terminação, conforme anteriormente indicado, empregamos uma variedade de técnicas para promover a generalização das estratégias adquiridas durante o processo clínico e das novas formas de perceber e responder ao real, reforçando-se o novo sistema de esquemas e crenças, em uma tentativa de se prevenir recaídas e garantir a preservação de uma estrutura cognitiva funcional. 4.7 Técnica do questionamento socrático Apontado como essencial para o andamento das sessões em terapia cognitivo- comportamental, o uso do questionamento socrático se destina a identificação de problemas e ao direcionamento de metas, que devem sempre ser planejadas e centradas firmemente na linha do questionamento. Os terapeutas cognitivistas costumeiramente usam algumas questões básicas ou suas variações para ajudar os pacientes no ponderamento de seus pensamentos. As perguntas realizadas são direcionadas ao paciente com propósito de estimular a curiosidade e o desejo de indagar, proporcionando que o mesmo seja envolvido no processo de aprendizagem. A utilização de tal técnica deve ser feita segundo a identificação e registro dos pensamentos disfuncionais e do encorajamento do paciente a avaliá-los, por meio de perguntas que o levem a pensar, e dessa forma, ter verdadeira compreensão na tomada de decisões racionais, segundo suas próprias conclusões. Desta forma, paciente e terapeuta fazem juntos um exame das evidências que apoiam seu pensamento e das evidências que são contrárias ao seu pensamento, de modo a encontrar novas possibilidades na interpretação de suas sensações físicas. Ao se utilizar o modo guiado do questionamento, o terapeuta maximiza o envolvimento do paciente nas sessões e em todo o processo terapêutico de modo a reduzir a possibilidade de o terapeuta impor suas ideias e conceitos. Ademais, essa formulação socrática pretende que o paciente aprenda a entender e solucionar seus problemas, equipando -se com as habilidades necessárias para lidar com eventuais problemas que possam vir a ocorrer. Entretanto, com o aumento das habilidades de solução de problemas por parte do paciente, o terapeuta se desvia mais ativamente em guiar o tratamento, proporcionando assim que paciente se torna seu próprio terapeuta. 39 Isso acontece devido ao processo colaborativo da descoberta guiada, em que o paciente sai da posição passiva e adota uma postura proativa. 4.8 Estratégias para a formulação de perguntas no questionamento socrático Ao utilizar o questionamento socrático para a modificação dos pensamentos automáticos, os terapeutas devem levar em consideração as seguintes estratégias abaixo na elaboração de perguntas (p.86). Faça perguntas que revelem oportunidades de mudança. As boas perguntas socráticas geralmente abrem um leque de possibilidades, desta forma, tente fazer perguntas que ajudem os pacientes a repararem no quanto a modificação do pensamento pode reduzir emoções dolorosas ou melhorar sua capacidade de enfrentamento. Faça perguntas que tragam resultados. As melhores perguntas socráticas ocorrem quando rompem um padrão de pensamento desadaptativo rígido e apresentam aos pacientes alternativas razoáveis e produtivas. Ou seja, quando são desenvolvidas novas percepções, e a modificação do pensamento institui uma mudança emocional positiva. Se seu questionamento socrático parecer não estar produzindo qualquer resultado emocional ou comportamental, deve-se revisar a formulação de caso e consequentemente sua estratégia. Faça perguntas que envolvam os pacientes no processo de aprendizagem. Como o propósito de ajudar os pacientes a se especializarem em “pensar sobre o pensamento”. As perguntas do questionamento socrático devem estimular a curiosidade dos pacientes e incentivá-los a olharem a partir de novas perspectivas. Possibilitando assim que o paciente possa fazer perguntas a si mesmos. Elabore perguntas de forma que seja produtivo para o paciente. Formule perguntas que sejam um desafio suficiente para fazer com que o paciente pense, mas que não o faça sentir-se pressionado ou intimidado, assim deve-se levar em consideração o nível de funcionamento cognitivo, os sintomas e a capacidade de concentração do paciente, com 40 o intuito de fazer com que o mesmo tenha boas chances de ser capaz de responder. Evite fazer perguntas de comando. Não se deve usar o questionamento socrático como um meio hierárquico entre paciente e terapeuta, mas sim como um método para aumentar a capacidade de o paciente pensar de maneira flexível e criativa. (Certamente, você terá alguma ideia sobre onde o questionamento socrático pode levar e quais resultados você espera obter, mas faça perguntas que respeite a capacidade de os pacientes pensarem por si mesmos. Deixe os pacientes responderem as perguntas sempre que possível). Use perguntas de múltipla escolha. O bom questionamento socrático é feito de perguntas abertas, de forma a permitir um grande número de respostas ou mudanças nas respostas. Embora as perguntas do tipo sim ou não ou de múltipla escolha possam ser eficazes em algumas ocasiões, a maioria das perguntas socráticas devem deixar espaço para várias respostas. Desta forma, o paciente inserido nesta abordagem terapêutica é constantemente estimulado a segmentar seu sofrimento psíquico para auto exploração, em consequência de seus aprendizados adquiridos. Assim sendo, a técnica do questionamento socrático apesar de simples e polivalente, abrange inúmeras vantagens nesse processo, compreendendo desde a intensificação da relação terapêutica, estimulação da indagação, maior entendimento das cognições e comportamentos importantes, bem como, a acessão do engajamento ativo do paciente na terapia. Além do mais, ao se utilizar essa técnica, os benefícios obtidos além de serem conservados, são acrescidos, de forma que o paciente tende a ganhar mais
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