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UNIAMÉRICA A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA: ANÁLISE DO NOVO PARADIGMA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA Nome do Aluno: Carlos Henrique Alves Almeida Professor(a) Orientador(a): Tamires Jesus Junho/2021 RESUMO O presente trabalho tem por objetivo estudar a real finalidade do princípio constitucional da presunção de inocência e da possível incompatibilidade entre o que estabelece a constituição federal e a decisão do Supremo Tribunal Federal a partir do HC/126.292/SP, onde firmou o entendimento em permitir a prisão do condenado após a decisão da 2° instância. Para isso, livros e artigos publicados foram utilizados mostrando todos os lados da discussão para uma melhor compreensão sobre o tema. O artigo também dialoga com várias vertentes do campo doutrinário para compreender se aplicações já consolidadas do direito, como prisão preventiva e o uso de algemas, violam o princípio. Ao longo do estudo, surge uma grande indagação sobre o antigo paradigma da presunção de inocência adotado pelo STF. Contudo, por meio de julgamento recente dos Adcs 43, 44 e 54, o Supremo Tribunal Federal voltou ao entendimento da impossibilidade de execução da pena após a segunda instância. Palavras-chave: Presunção, STF, Constituição, Incompatibilidade, ADC. ABSTRACT The present work aims to study the real purpose of the constitutional principle of the presumption of innocence and the possible incompatibility between what establishes the federal constitution and the decision of the Supreme Federal Court from HC / 126.292 / SP, where it confirmed the understanding to allow the arrest of the convict after the decision of the 2nd instance. For this, books and published articles were used showing all sides of the discussion for a better understanding of the topic. The article also dialogues with various aspects of the doctrinal field to understand whether already consolidated applications of the law, such as preventive detention and the use of handcuffs, violate the principle. Throughout the study, a great question arises about the old paradigm of the presumption of innocence adopted by the STF. However, through the recent judgment of Adcs 43, 44 and 54, the Federal Supreme Court returned to the understanding of the impossibility of carrying out the sentence after the second instance. Keywords: Presumption, STF, Constitution, Incompatibility, ADC. LISTA DE SIGLAS ADC Ação Declaratória de Constitucionalidade CF Constituição Federal CP Código Penal CPP Código de Processo Penal DJE Diário de Justiça Eletrônico HC Habeas Corpus ONU Organizações das Nações Unidas RE Recurso Extraordinário STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça TJ/SP Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 3 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................... 5 2.1 HISTÓRICO LEGISLATIVO E JURISPRUDENCIAL SOBRE A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA NO BRASIL................................................................................. 5 2.2 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL ............................................................................................................. 9 3 2.3 PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA: DIREITO FUNDAMENTAL E PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL NO BRASIL ...................................................................................... 11 2.4 A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NAS DECLARAÇÕES, TRATADOS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS ................................................................................. 13 2.5 ASPECTOS JURÍDICOS DA PRISÃO PREVENTIVA E PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ....................................................................................................................... 16 3 METODOLOGIA ....................................................................................................... 18 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................. 18 4.1 PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA OU DE NÃO CULPABILIDADE: A DISCUSSÃO DAS ESCOLAS PENAIS ITALIANAS ............................................................................... 19 4.2 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O NOVO PARADIGMA DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ....................................................................................................................... 22 4.3 STF DERRUBA PRISÃO APÓS A 2° INSTÂNCIA COM O JULGAMENTO DAS AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE 43, 44 E 54 ....................... 25 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 28 REFÊRENCIAS ................................................................................................................. 29 1. INTRODUÇÃO No dia 17 de fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal tomou uma de suas decisões mais importantes acerca do Direito Penal-Constitucional e do Direito Processual Penal da sua história. Ao examinar o Habeas Corpus no 126.292, a mais alta Corte entendeu que uma condenação em segundo grau de jurisdição pode ser executada de imediato modificando seu anterior entendimento, no sentido de que apenas com o trânsito em julgado de uma sentença penal é que se poderia dar início à sua execução. O mencionado HC 126.292, julgado na ocasião com repercussão geral, versava sobre a legalidade de ato do Tribunal de Justiça de São Paulo que, ao negar provimento ao recurso exclusivo da defesa, determinou o início da execução da pena a partir daquela decisão. Desse modo, apreciando o referido caso concreto e por maioria de votos, sete votos a quatro, o plenário do STF alterou sua posição. Para o melhor entendimento do que veio a ser essa mudança substancial na jurisprudência da mais alta Corte, é preciso compreender que havia no Brasil uma 4 interpretação de que era inconstitucional a execução provisória (ou antecipada) da pena. Esse entendimento, estabelecido em 2009 a partir da análise do HC 84.078, de relatoria do ministro Eros Grau, teve por fundamento o princípio da presunção de inocência. Com fulcro no art. 5°, LVII, da Carta Magna, o pleno do STF entendeu, à época, que enquanto pendente qualquer recurso da defesa, existia uma presunção de que o réu era inocente. Dessa maneira, nos termos do entendimento superado, enquanto não houvesse o trânsito em julgado para a acusação e para a defesa, o réu não podia ser obrigado a iniciar o cumprimento da pena, pelo motivo dele ser teoricamente inocente. A guinada histórica se deu a partir de nova interpretação constitucional, quanto ao referido princípio. Efetivamente, tratou-se do retorno à jurisprudência original, admitindo-se que condenados em segunda instância, ou seja, respeitando-se o duplo grau de jurisdição, deverão, via de regra, dar início de imediato ao cumprimento de suas penas, ainda que a decisão seja objeto de recurso especial e/ou recurso extraordinário. O assunto envolve, assim, alto grau de complexidade, mormente considerando-se a garantida fundamental conferida pela Constituição Federal que materializa o princípio da presunção de inocência. Nessa perspectiva, a nova interpretação dada pelo STF altera a exegese dada ao referido princípio, sob a justificativa de coaduná-lo com outros princípios do nosso ordenamento jurídico, a exemplo da efetividade da prestação jurisdicional. A mencionada decisão, confirmando sua complexidade, teve o voto de sete ministros a favor da mudança no entendimento e de quatro contra. A questão transcende a mera hermenêutica constitucional,possuindo efeitos práticos, levando-se em consideração as garantias fundamentais amparadas pela Constituição e também na vida de operadores do direito e das pessoas, eis que a decisão teve efeitos imediatos. O propósito central deste trabalho é analisar a decisão do HC 126.292 nos termos dos votos dos Ministros do STF, bem como as razões que levaram à modificação do entendimento anterior e os fundamentos que levaram quatro dos Ministros a irem de encontro ao voto da maioria, bem como a compatibilidade da referida decisão com o texto constitucional e da nova decisão da Corte em 2019. Para tanto, será analisado como o princípio da inocência é entendido no nosso ordenamento jurídico, além de identificar a posição da doutrina, tanto majoritária quanto minoritária acerca do tema abordado, em que pese sua contemporaneidade. Ainda será feita uma abordagem histórica da jurisprudência do STF sobre a constitucionalidade ou não da execução provisória da pena e, por último, analisando se o STF extrapolou seu poder jurisdicional, tendo atuado como legislador positivo e os problemas que poderão repercutir a partir dessa decisão. 5 A relevância desse trabalho se reflete em que a análise do HC 126.292 e dos ADCs 43, 44 e 54 são temas recentíssimos, sendo pontos de conflitos não apenas dentro dos tribunais pátrios, mas também dentro da doutrina especializada. Tem-se, de um lado, os defensores da mudança na jurisprudência e, de outro, importante corrente que entende que a decisão do STF feriu de morte as garantias fundamentais estabelecidas pelo texto constitucional, demonstrando a importância da celeuma em questão. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1. Histórico Legislativo e jurisprudencial sobre a execução provisória da pena no Brasil O Código de Processo Penal de 1941 (Decreto-lei no 3.689/1941), em sua redação inicial, foi realizado e construído a partir de um juízo de antecipação de culpabilidade, conforme acentuado por Eugênio Pacelli de Oliveira, tendo em vista que, em seu artigo 393, estava disposto o seguinte: Art. 393: são efeitos da sentença condenatória recorrível: I -ser o réu preso ou conservado na prisão, assim nas infrações inafiançáveis, como nas afiançáveis enquanto não prestar fiança Outro dispositivo desta lei que autorizava a execução provisória da pena estava previsto no art. 594: “o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se condenado por crime que se livre solto”. Antes das reformas do Código de Processo Penal, ocorridas no ano de 2008, dominava o entendimento que recurso especial ou extraordinário não tinha efeito suspensivo, além do que estes recursos analisavam matéria de direito, já que a análise da matéria fática já havia sido esgotada nas instâncias de 1° e 2° graus. Por isso, os desembargadores julgavam a apelação e expediam mandados de prisão para a execução provisória da pena. Este entendimento estava elencado no artigo 637 do CPP, que prevê o seguinte: “o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo e, uma vez arrazoados pelo recorrido, os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença”. Assim, 6 mesmo que o acusado tivesse interposto recurso extraordinário ou especial, estaria sujeito à prisão, mesmo que inexistentes os pressupostos da prisão preventiva. Ainda a respeito deste entendimento, antes vigente, temos o HC 91.675: STF: “ (...) A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de ser possível a execução provisória da pena privativa de liberdade, quando os recursos pendentes de julgamento não tem efeito suspensivo. (...)”. (STF, 1ª TURMA, HC 91.675/PR, Rel. Min. Carmém Lúcia, j. 04/09/2007, Dje 06/12/2007). Porém, com a promulgação da Constituição Federal em 1988, passou-se a examinar a necessidade de uma reforma do Processo Penal brasileiro, que não podia mais ser aplicado com base na estrutura do ainda vigente, haja vista o rol de garantias asseguradas no art. 5º da Carta Magna, demonstrar que muitos dos institutos previstos no Código de Processo Penal de 1941 não haviam sido admitidos pelo texto constitucional. A CF de 1988 lançou novas luzes sobre a matéria, realizando profundas alterações, e, entre elas, consagrou a presunção de não culpabilidade, tendo como marco temporal o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, conforme se abstrai dos termos do art. 5°, LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Além de tudo, a presunção de inocência também está garantida na Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, em seu art. 8, §2°: “Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma a inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”. Cabe aqui salientar que, anos antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, a Lei no 7.210/84, Lei de Execuções Penais, já assinalava a necessidade do trânsito em julgado da condenação para a expedição de guia de recolhimento e, portanto, para o início da execução da pena, como podemos vislumbrar na redação dos artigos. 105 e 106, III, do mencionado diploma legal, ainda em vigor. No ano seguinte ao HC 91.675, já mencionado nestes, a Lei no 11.719/2008 revogou o artigo 594 do Código de Processo Penal, e com ele, a necessidade de o condenado recolher-se ao cárcere para apelar. Na presença deste contexto, observou-se, a partir do ano de 2008, uma mudança no entendimento então reinante nos tribunais pátrios, que começou a perder aceitação quanto à possibilidade de execução provisória da pena. 7 Estabeleceu-se o entendimento, portanto, acerca da impossibilidade da execução provisória da sentença penal condenatória, salvo quando presente uma das hipóteses do art. 312 do Código de Processo Penal. No ano de 2009, através do julgamento do HC 84.078, numa votação de sete votos a quatro, o STF altera a orientação jurisprudencial até então dominante, para concluir que a execução da pena só poderia ocorrer com o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, sob a justificativa de que a hermenêutica não permite alterar o texto constitucional. Logo, a despeito de os recursos extraordinários não serem dotados de efeito suspensivo, enquanto não houvesse o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, não seria possível a execução da pena privativa de liberdade, ressalvada a hipótese de prisão cautelar do réu, cuja decretação estaria condicionada à presença dos pressupostos do art. 312 do CPP: HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5°, LVII, DA CONSITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1°, III, DA CONSITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que “o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos de traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da pena”. (...) A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado de sentença condenatória.”. 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado de condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da pena após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando o desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquercontemplação, nos "crimes hediondos" exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: "Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinquente". 6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados --- não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subsequentes agravos e embargos, além do que "ninguém mais será preso". Eis o que poderia ser apontado como incitação à "jurisprudência defensiva", que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. 7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe 8 a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional [art. 2o da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52], o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVI do art. 5o da Constituição do Brasil. Isso porque -- - disse o relator --- "a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição". Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1o, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual. Ordem concedida. (STF, Pleno, HC 84.078, Rel. Min. Eros Grau, j. 05/02/2009). Em conformidade com esta orientação, surge a Lei no 12.403/2011, tendo suas normas reforçado o entendimento da impossibilidade da execução antecipada da pena, já que, com a referida lei, foi revogado o art. 393, I, do CPP, além de ter sido promovida alteração no caput do art. 283, do mesmo código, que passou a ter a seguinte redação: Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. Segundo Renato Brasileiro de Lima, em seu caderno de atualização do Manual de Processo Penal e do CPP comentado, publicado no 1° semestre de 2016, mesmo que de o art. 637 do CPP autorize a execução provisória de acórdão condenatório pelo fato de os recursos extraordinários não serem dotados de efeito suspensivo, este dispositivo foi tacitamente revogado pela Lei n. 12.403/11, por se tratar de norma posterior que tratou da matéria em sentido diverso, que conferiu nova redação ao art. 283 do CPP. Afirmando ainda que, por mais que a Lei n. 12.403/11, responsável pela nova redação do art. 283 do CPP, não tenha feito qualquer referência ao art. 637 do CPP, é no mínimo estranho admitir que um 9 dispositivo legal autorize a execução da pena tão somente com o trânsito em julgado de sentença condenatória, enquanto outro a autoriza pelo fato de não outorgar efeito suspensivo aos recursos extraordinários. Contudo, no dia 17 de Fevereiro de 2016, no julgamento do Habeas Corpus n. 126.292, por maioria dos votos, sete votos a quatro, o Plenário do STF, adotou um posicionamento diametralmente oposto ao então construído, entendendo que a possibilidade do início da execução da pena condenatória, após a confirmação da sentença em duplo grau, não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência, uma vez que a manutenção da sentença condenatória, pela segunda instância, encerra a análise dos fatos e provas que analisam a culpa no acusado, portanto, é possível o início da execução da pena, já que os recursos extraordinários ao STF e ao STJ compreendem, exclusivamente, discussão acerca de matéria de direito. 2.2. Princípio da Presunção de Inocência como garantia constitucional O princípio da presunção de inocência está estabelecido no artigo 5°, inciso LVII da Constituição Federal, considerado como resultado de uma ação protetiva do legislador, por prever que ninguém deverá ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória, o que levou a muitos juristas e doutrinadores intensificarem o debate sobre o tema após a decisão de o Supremo Tribunal Federal admitir a prisão do condenado em segunda instância. Desse modo, o que a Constituição Federal estabelece é uma presunção de inocência ou de não culpabilidade? No Brasil, juristas como Aury Lopes Jr e André Nicollit afirmam que a presunção de inocência se trata de um princípio reitor do processo penal, e mesmo que recaiam suspeitas sobre o acusado, no trânsito do processo deve-se ser tratado como inocente, não podendo ser diminuído na esfera moral, social e nem física diante dos outros. A presunção de inocência funciona como um harmonizador de expectativas, na medida em que proíbe o juiz de realizar qualquer diligência em caso de dúvida sobre a matéria de juízo, torna-se um instrumento pronto para atuar se, ao final do processo, permanecer na falta de comprovação legítima da tese acusatória. Mesmo que a Constituição Federal considere este princípio como um dos basilares do processo penal, não significa que medidas acautelatórias não poderão ser tomadas, a fim se assegurar o devido processo legal. 10 Porém, há uma significativa incompatibilidade entre o que estabelece a Constituição Federal e a decisão do STF diante deste princípio, pois foi viabilizada pela corte a prisão do condenado após as decisões de segunda instância, conhecida como execução provisória de pena. Desde 2009 o assunto é debatido pelo Supremo Tribunal Federal e a jurisprudência mudou drasticamente entre a primeira e a última votação. As decisões mais recentes, tomadas entre 2016 e 2018, permitem que a prisão do condenado em segunda instância aconteça imediatamente, mesmo existindo recursos pendentes. Em seu voto, em favor da prisão após a segunda instância, o ministro Luís Roberto Barroso deu como exemplo o caso de um homicídio cometido em 1991 cuja condenação ainda não havia transitado em julgado neste ano, quando o processo chegou ao STF. Onde sustentou que punir em 2016 um crime cometido em 1991 não atende a nenhuma demanda de justiça da sociedade brasileira […] considerando que sistema de justiça brasileiro como era frustra na maior medida o sentimento de justiça e senso comum de qualquer pessoa que tenha esses juízos em conta. O ministro LuísRoberto Barroso expõe fundamentos resolutos para o novo entendimento da Corte. Para ele, a impossibilidade de execução da pena após o julgamento final pelas instâncias ordinárias produziu três consequências negativas para o sistema de justiça criminal: reforçou a seletividade do sistema penal, contribuiu significativamente para agravar o descrédito do sistema de justiça penal junto à sociedade e funcionou como um poderoso incentivo à infindável interposição de recursos protelatórios. De acordo com o ministro, as impugnações movimentam a máquina do Poder Judiciário, com considerável gasto de tempo e de recursos escassos, sem o real aproveitamento para a efetivação da justiça ou para o respeito às garantias processuais penais dos réus, uma vez que o percentual de recursos extraordinários providos em favor do réu é ínfimo, inferior a 1,5%. O ministro traz mais um dado importante, de 1/1/09 a 19/4/16, em 25.707 decisões de mérito proferidas em recursos criminais pelo STF (REs e agravos), as decisões absolutórias não chegaram a representar 0,1% do total de decisões. O modelo de prisão antes do trânsito em julgado não é exclusivo do Brasil. Entre os países que o adotam estão Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Portugal, Espanha e Argentina. Em contrário, o ministro Marco Aurélio Mello, defendeu a libertação de todos os presos que ainda tinham recursos pendentes em tribunais superiores. Afirmando que a literalidade do preceito não deixa margens para dúvidas: a culpa é pressuposto da reprimenda 11 e a constatação ocorre apenas com a preclusão maior, o dispositivo não abre campo a controvérsias semânticas. O Direito Penal Brasileiro tinha suas raízes voltadas para uma execução rápida e uma imposição imediata da pena privativa de liberdade como uma resposta à agressão sofrida pela sociedade. A partir da Constituição Federal de 1988, mudanças ocorreram no sentido de dar mais estruturação a um sistema de direitos e garantias individuais, com isso consagrou-se o princípio da não culpabilidade no artigo 5º, inciso LVII. A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica) destaca expressamente a presunção de inocência enquanto não comprovada a culpa do acusado, de modo diverso da redação dada ao art. 5º, LVII, da CF/88, que consagra a necessidade do trânsito em julgado da condenação para o reconhecimento da culpa. Porém, no meio doutrinário e jurisprudencial, o princípio da presunção de inocência é utilizado como sinônimo do princípio da presunção de não culpabilidade. Sobre o tema, evidencia-se o posicionamento adotado, entre outros, por Renato Brasileiro de Lima, segundo o qual a Convenção Americana de Direitos Humanos não exige o trânsito em julgado, mas, sim, a comprovação da culpa para ser afastada a dita presunção de inocência. Por meio de uma interpretação sistemática, extrai-se que restaria comprovada a culpa após o exercício do duplo grau de jurisdição. Em outro lado, a Constituição Federal de 1988, exige o trânsito em julgado da condenação para o afastamento da presunção de não culpabilidade. 2.3. Presunção de Inocência: Direito Fundamental e Princípio Constitucional no Brasil Toda pessoa humana tem o direito de ser presumida inocente. Esse é um princípio fundamental de direito, expressamente referido no artigo XI da Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela ONU em 1948. A partir daí esse princípio foi sendo incorporado ao sistema jurídico dos Estados, tendo hoje a sua aplicabilidade universal. No sistema jurídico brasileiro, o princípio da presunção de inocência está expressamente afirmado na Constituição, em seu artigo 5º, inciso LVII, onde claramente está proclamado que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença 12 penal condenatória”, ou seja, todos serão presumidos inocentes até que ocorra o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória. Encontra-se então a consagração constitucional do princípio da presunção de inocência, cuja essência é de fundamental importância para a efetiva garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana. Esse princípio, que atualmente vem sendo referido com frequência pelos meios de comunicação, tem sido objeto de comentários e debates por eminentes juristas. Observe-se, que essas referências decorrem do fato de que se trata de uma temática que vai muito além das especulações de natureza teórica, mas é de interesse de todas as pessoas por sua preponderância na vida prática. Tratando especificamente do princípio da presunção de inocência, o notável constitucionalista, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, José Afonso da Silva, em sua obra “Comentário Contextual à Constituição” (Ed. Malheiros, 2014), observa que “a norma constitucional do artigo 5º, inciso LVII, garante a presunção de inocência por meio de um enunciado negativo universal: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória”. Esclarece, em seguida, que o trânsito em julgado se dá quando a decisão não comporta mais recurso ordinário, especial ou extraordinário”. Essa menção expressa que o recurso extraordinário tem especial importância neste momento, pois até entre os membros da magistratura encontram-se alguns que defendem que uma decisão que só possa ser contestada por meio de recurso extraordinário já transitou em julgado, afastando, assim, a aplicação do princípio constitucional da presunção de inocência quando ainda couber esse recurso. De acordo com Dalmo de Abreu Dallari, jurista e professor aposentado da USP, o que vem acontecendo com grande frequência, é o desprezo de princípios e normas constitucionais, inclusive nas práticas judiciais, levando a denúncias e decisões sem fundamento jurídico, contrariando princípios e normas da Constituição, entre os quais o da “presunção de inocência”. O que se tem verificado, em várias situações, é que a interferência de fatores não jurídicos na formulação e apuração de denúncias, sem que haja fundamentação jurídica, acarretando, em alguns casos, condenações carentes de fundamentos jurídicos. Salienta ainda que essa absurda e grave agressão a princípios e normas constitucionais tem levado a que, em lugar da presunção de inocência o que tem sido utilizado é precisamente o oposto, ou seja, a “presunção de culpa”, sem qualquer fundamento jurídico, com ofensa ostensiva aos princípios e normas constitucionais. 13 Conclui o jurista evidenciando que é de interesse público a punição dos que, no exercício de cargos e funções públicas, ou associadas a estes, praticarem ilegalidades ou favorecerem sua prática. Entretanto, a ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência, como toda agressão aos princípios e normas constitucionais, deve ser denunciada e rejeitada, para que se dê efetividade a um dos preceitos constitucionais que constituem a base do Estado Democrático de Direito. 2.4. A Presunção de Inocência nas Declarações, Tratados e Convenções Internacionais Ao discutir uma medida jurídica, é comum examinar seu histórico e a forma de sua existência em outros ordenamentos. Constituem o método de estudo a busca por relações e comparações entre as várias legislações no sentido de se estabelecer uma possível universalização ou mesmo um sentido comum, sem deixar de lado as características sociais, legais e institucionais de cada país. Se tratando de uma garantia fundamental bastante consolidada, a tarefa comparativa é facilitada, pois sua caracterização redacional antes de ingressar nos ordenamentos dos países surge nas declarações chamadas universais, ou diplomas internacionais. No presente tópico, procura-se alcançar um exame global da presunção de inocência desde a sua primeira anotação na declaração dos homens, no final do século XVIII, até sua reverência nos textosconstitucionais de vários países. Segundo alguns doutrinadores, há estudos que apontam segmentos do que viria a ser considerado como a garantia da presunção de inocência ainda na legislação da Grécia antiga e também no direito Romano. No entanto, a presunção de inocência, para a maioria da doutrina, “nasceu com a Revolução Francesa”, quando mencionada expressamente no art. 9º da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, o documento máximo do movimento que fortaleceu os ideais do Iluminismo. A redação do que se tornou um dogma universal prevê: “Todo homem deve ser presumido inocente, e se for indispensável detê-lo, todo rigor que não seja necessário (para submeter a pessoa), deve ser severamente reprimido por lei”. 14 Depois dessa primeira positivação, a garantia passou a integrar a todos os diplomas jurídicos que vieram a ser produzidos pelos principais organismos internacionais. Observa-se, nessa escoteira redação sobre a presunção da inocência, o claro reconhecimento da situação de inocência sem qualquer condicionamento temporal. A presunção de inocência modificava a então existente presunção de culpabilidade quando era o próprio acusado quem tinha que comprovar sua inocência. Perante os abusos e exageros comuns a essa inominada exigência à época, foi um avanço expressivo. Após duas sangrentas guerras mundiais, a Declaração Universal dos Direitos dos Homens de 1948 da Organização das Nações Unidas (ONU) também assegurou a garantia da presunção de inocência. É evidente que a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 foi a inspiração para a redação de seu art. XI, 1: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”. Como observa Batisti (2009): Houve alteração na apresentação da presunção de inocência entre 1789 e 1948. A Declaração de 1789 centrou a presunção de inocência na punição do rigor desnecessário, mantendo um isolamento referencial do princípio, enquanto que, na Declaração de 1948, o princípio se fez acompanhar de um parâmetro temporal e de duas especificidades que antes dizem respeito ao processo do que ao princípio de inocência. Pode-se dizer que a presunção de inocência, como equilíbrio entre a garantia social e liberdade individual assumiu logo o que veio a ser reconhecido como princípio político do processo. (BATISTI, 2009, p.57) Na Declaração da ONU, foram introduzidas, junto à presunção de inocência, duas outras garantias processuais como a “publicidade” e como consequência da consolidação do sistema acusatório a necessidade de apresentação de “defesa”. Acrescenta-se, igualmente, um representativo condicionante. Predomina a inocência (presumida) do imputado “até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei”. Na Convenção Europeia, a previsão da presunção de inocência, surge como consequência de um processo de partes (“um processo equitativo”, nos termos do art. 6º), pelo qual “qualquer pessoa acusada de uma infração presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada” (art. 6º, 2). Enquanto a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, como o próprio nome encerra, trata-se de “declaração” sem força coercitiva, a formalização de um pacto, 15 cujos enunciados poderiam ser exigidos de seus signatários, era bem-vista pela comunidade internacional. Por consequência, em um novo encontro planetário, entendeu-se, em 16 de dezembro de 1966, estabelecer o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. O documento também abriga a garantia da presunção de inocência, em seu art. 14: “toda pessoa acusada de um delito terá o direito a que presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”. O Pacto de San José da Costa Rica de 1969, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos também concedeu a garantia da presunção de inocência, no art. 8º, 2, 1ª parte: “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se demonstre legalmente sua culpa”. O Congresso Nacional brasileiro aprovou referido pacto pelo Decreto Legislativo n. 27, de 26 de maio de 1992 e o Decreto n. 678, de 6 de maio de 1992, determinou sua vigência no Brasil. Em razão do disposto no art. 5º, § 2º, da Constituição Federal brasileira, que confere status de norma constitucional para os direitos e garantias derivados de “tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, não foram poucos os doutrinadores a afirmar que inquestionavelmente, a presunção de inocência passou a integrar o sistema jurídico brasileiro. Conforme afirmou Bento (2007): O princípio da presunção de inocência está contemplado em toda sua amplitude em nosso Ordenamento Jurídico, ressalte-se, em nível constitucional, tendo sofrido uma contribuição fundamental pelo Pacto de São José da Costa Rica. (BENTO, 2007, p.48) O mesmo autor destaca ser: “Inegável que a presunção de inocência passou a ter uma amplitude maior com a ratificação do Estado brasileiro à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em vigência internacionalmente desde 18 de julho de 1978, tendo sido ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992”. A “Constituição Europeia”, ao determinar a presunção de inocência em seu art. II – 108, praticamente reproduz a redação da Declaração dos Direito Humanos, afirmando: “Todo acusado se presume inocente, enquanto sua culpabilidade não for declarada legalmente”. Oficialmente a Constituição Europeia é consolidada em um Tratado, assinado em Roma no recente ano de 2004. Centro de várias críticas, decorrentes da sua forma de aprovação por tratado mediante referendo posterior dos Estados. 16 2.5. Aspectos jurídicos da prisão preventiva e presunção de inocência A prisão preventiva é um dos tipos de prisão cautelar a ser fixada pela autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento das partes, com a representação do Ministério Público ou da autoridade policial em qualquer etapa da persecução penal, mesmo não existindo a instauração do inquérito policial, sendo esta uma novidade disposta pela Lei 12.403/11 e bastante discutida perante os doutrinadores se este instituto viola ou não o caráter da presunção de inocência. O respaldo jurídico para a decretação da prisão preventiva concebe aspecto que a CF/88 outorgou ao legislador infraconstitucional no momento em que estabeleceu apenas uma maneira genérica que é a indispensabilidade de fundamentação judicial conforme art. 5º, LXI, CF. De acordo com Fernando Capez (2007), a prisão preventiva é prisão cautelar de natureza processual decretada pelo juiz durante o inquérito policial ou processo criminal. Sendo realizada antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, sempre que estiverem preenchidos os requisitos legais e ocorrerem os motivos autorizadores. Os fundamentos ou requisitos exigidos para a decretação da prisão preventiva do acusado pela prática de uma infração penal, garantindo todos os direitos constitucionais, em especial a presunção de inocência, estão previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal que foi ampliado com o advento da Lei 12.403/11: Art. 312: A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). Nessa perspectiva, observa-se o entendimento de Pereira em artigo publicado em data de vinte de setembro de 2010 que se mostra bastante atual mesmo com a mudança no texto normativo: Assim, embora sem trânsito em julgado dasentença condenatória, há compatibilidade entre a prisão preventiva e o estado de inocência, devendo, entretanto, ficar comprovada a presença dos pressupostos (prova da existência do crime e indício suficiente de autoria) e requisitos (garantia da 17 ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal) que a autorizam. (PEREIRA, 2010) Com base nesse entendimento, Pereira ressaltou que o legislador preservou na nova redação do artigo 312 do CPP dada pela lei 12.403/11 a garantia da ordem pública como um dos fundamentos para a prisão preventiva. Muitos doutrinadores tentaram conceituar o que seria garantia da ordem pública, mas não tiveram êxito, pois a justiça não pode punir de forma antecipada, com base nos sentimentos de revolta da população nos crimes de grande repercussão, sob pena de abuso de poder e violação das garantias constitucionais. Pedro Lenza (2011), ainda explica o fato de a prisão do acusado, antes do trânsito de sentença penal condenatória, contrariar o princípio constitucional da presunção de inocência. No entanto, existem hipóteses expressamente previstas em lei que permitem a prisão cautelar conforme podemos perceber nos preceitos já mencionados. Noutro sentido, em conformidade com o pensamento de Magalhães Noronha (1983), a prisão do acusado antes de ter sido realizado um julgamento só pode se inspirar em uma razão de necessidade, pois a restrição do cidadão de sua liberdade faz pesar sobre ele à privação do crime, causando ao mesmo e sua família despesas, perdas e sacrifícios. Embora, pode-se afirmar o fato de o instituto da prisão preventiva não ferir a garantia constitucional da inocência presumida. Uma vez que seja realizada de acordo com as formalidades e requisitos expressos em nosso ordenamento jurídico em concordância com os preceitos constitucionais. A redação da norma legal em estudo pode esquentar o debate acerca de um possível desrespeito à presunção de inocência do réu no que tange ao instituto da prisão preventiva. Nesse rumo, a decisão de uma prisão não fundamentada conforme a nova lei infringe a CF/88. Considerando que cumpre à autoridade competente examinar definitivamente a necessidade de aplicação de alguma medida cautelar, preferindo, dentre elas, as restritivas de direitos e, somente último caso, após justificar a impertinência das outras, decretar a prisão preventiva. Importante ressaltar que a decisão de prisão pela autoridade competente deve ser devidamente fundamentada e obrigatoriamente de acordo com a fundamentação criteriosa do ordenamento jurídico e a situação fática. Pois, a prisão ilegal deve ser relaxada imediatamente estando sujeita a ser atacada com impetração de Habeas Corpus. 18 Diante do sistema normativo jurídico e da jurisprudência predominante, a não comprovação da prova da materialidade do crime e indícios de autoria do delito ocasionam ausência de justa causa para o início e continuidade de uma ação penal. E a ausência de justa causa é motivo para a existência de coação ilegal e consequentemente impetração de habeas corpus com fulcro no artigo 648, I do Código de Processo Penal. Fato que não pode mais acontecer é a aplicação da prisão processual sem a verificação de todas as possíveis medidas cautelares. A prisão preventiva é uma exceção e não regra no processo penal. Nota-se que a mudança no ordenamento jurídico afastou ainda mais a possibilidade de alegar que prisão preventiva é um desrespeito ao estado de inocência do acusado. 3. METODOLOGIA O presente artigo científico tem como principal objetivo compilar e adicionar as fundamentações jurídicas necessárias, o trabalho foi desenvolvido utilizando-se quanto à abordagem de sua natureza em pesquisa básica, segundo Cervo, Bervian e da Silva (2007, p. 61). Quanto à abordagem de seus objetivos, utilizou-se a pesquisa descritiva, cuja compreensão de alguns doutrinadores representa que este tipo de pesquisa ocorre quando se registra, analisa e correlaciona fatos ou fenômenos, sem manipulá-los (CERVO; BERVIAN; DA SILVA, p. 79, 2007). No que tange à abordagem de seu problema, caracterizou-se pela pesquisa qualitativa, a qual tem sido conceituada, Creswel (2007, p. 186) chama atenção para o fato de que, na perspectiva qualitativa, o ambiente natural é a fonte direta de dados e o pesquisador, o principal instrumento, sendo que os dados coletados são predominantemente descritivos. Além disso, o autor destaca que a preocupação com o processo é muito maior do que com o produto, ou seja, o interesse do pesquisador ao estudar um determinado problema é verificar "como" ele se manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas interações cotidianas. Do ponto de vista das técnicas de pesquisa trabalhadas na construção do presente trabalho, utilizou-se da pesquisa bibliográfica constituída principalmente de livros, artigos de periódico, legislações, decisões judiciais e material disponibilizado na internet. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 19 4.1. Presunção de Inocência ou de Não culpabilidade: A discussão das escolas penas italianas Evidentemente, a fórmula utilizada pelo constituinte brasileiro para presunção de inocência seguiu os ditames do art. 27.2, da Constituição italiana: “O imputado não é considerado culpado senão até a condenação definitiva”. No Brasil, a Constituição estabeleceu que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Constata-se que não foi empregue a expressão “inocência” para denominar a garantia processual, sendo que não foram poucos os autores que declararam (e declaram) que a Constituição não considerou expressamente uma presunção de inocência, mas sim uma presunção de não culpabilidade. Há de ressaltar que juridicamente e historicamente a presunção de inocência e da não culpabilidade, na origem, não se espelham, sendo fonte de profunda discordância entre as chamadas Escolas Penais italianas do século XIX e XX. O embate sobre a presunção de inocência contrapôs os partidários da chamada Escola Clássica e os da Escola Positiva, sendo que no início do século XX, os partidários da Escola Técnico-Jurídica recrudesceram suas críticas sobre a dimensão que se dava ao conceito de presunção de inocência. Para Antônio Magalhães Gomes Filho (2009), a presunção de inocência do acusado mereceu especial atenção dos clássicos, sendo que, para Carrarra seria “pressuposto da ciência penal, na parte em que contempla o procedimento”, enquanto Carmignani ressaltava o seu valor, instituindo que “como mais frequente acontece que os homens se abstenham de delinquir, a lei consagra a todos os cidadãos a presunção de inocência”. No entanto, para a Escola Positiva, “a presunção de inocência não passava da porta da denúncia”, não permitindo a sua influência na prática processual penal. Importante observar que, “apesar da radicalização das opiniões, a leitura dos textos daquela época demonstra que o valor político do princípio jamais chegou a ser contestado pelos positivistas, da mesma forma que suas implicações também nem sempre foram reputadas absolutas pelos clássicos”. Não obstante, com o desenvolvimento do nacional-socialismo na Itália e crescimento da população urbana e, como consequência, o aumento da criminalidade, a presunção de inocência passou a ser abordada abertamente pela Escola Técnico-Jurídica, a qual rejeitou 20 essa denominação (e os efeitos dela decorrentes) para os acusados de praticarem crimes. Para os partidários dessa corrente positivista (Arturo e Alfredo Rocco e Vicenzo Manzini) o objetivo ou intuito do processo penal era a realização da pretensão punitiva derivada da ocorrência de um crime a ser exercida pelo Estado. Nessa visão, haveria um interesse público que suplantava aos interesses de liberdade do imputado. Afinal, idealizava-seque também a liberdade era um direito social não individual, na medida em que tal direito era conferido pelo Estado. Consequentemente, como decorrência lógica, procurava-se a prova para condenação e apenas quando esta não era conseguida é que prevalecia o interesse do imputado à liberdade (social e concedida pelo Estado), mas, ainda assim, não se reconhecia sua inocência. Em síntese, iniciada a ação penal, não cabia mais falar em inocência, mas apenas em culpado e não culpado. A pessoa imputada não seria, em qualquer hipótese, inocente, pois, afinal perdeu essa condição ao ser denunciado. Verifica-se a lógica do pensamento de Manzini, citado por Zanoide: Seria uma falha proferir a inocência do acusado, pois ele poderia não ser de fato inocente, mas apenas não ter sido provada sua culpa, seja por falha persecutória seja por critério judicial quanto a insuficiência das provas para condená-lo. (MORAES, 2008, p. 127/128) Deste modo, segundo linha de pensamento de Manzini, enquanto o juiz ou Tribunal não admitisse a culpa do acusado, ele jamais seria considerado inocente. Pois, o processo penal, em sua visão, não seria um instrumento para examinar se alguém era ou não inocente, mas para apurar se era ou não culpado. A partir desse pensamento, surge “a justificativa para substituição da ‘presunção de inocência’ iluminista pela ‘presunção de não culpabilidade’ criada pelo positivismo jurídico italiano do século XIX”. As vertentes da Escola Técnico-Jurídica tiveram uma efetiva influência na construção do Código de Processo Penal italiano de 1931, o qual serviu inegavelmente de base ao estatuto processual brasileiro de 1941, inspirando ainda a redação da garantia na Constituição italiana de 1948, a qual, como exposto anteriormente, instigou o texto adotado pela Constituição brasileira. Contudo, alguns doutrinadores entendem que foi adotada a presunção de inocência, mas para outros, a suposição reconhecida pela Carta constitucional brasileira foi da não culpabilidade. Há ainda aqueles que reiteram que “a norma constitucional em questão do inciso LVII, garante a presunção de inocência por meio de um enunciado negativo universal” 21 e outros ainda que afirmam não haver diferença entre os dois. Nesse seguimento, o posicionamento de Gustavo Badaró: Não há diferença de conteúdo entre presunção de inocência e presunção de não culpabilidade. As expressões ‘inocente’ e ‘não culpável’ constituem somente variantes semânticas de um idêntico conteúdo. É inútil e contraproducente a tentativa de apartar ambas as ideias, se é que isso é possível, devendo ser reconhecida a equivalência de tais fórmulas. Procurar distingui-las é uma tentativa inútil do ponto de vista processual. Buscar tal diferenciação apenas serve para demonstrar posturas reacionárias e um esforço vão de retorno a um processo penal voltado exclusivamente para defesa social, que não pode ser admitido em um Estado Democrático de Direito. (BADARÓ, 2008, p.16) Da mesma forma, Luiz Flávio Gomes citando Jaime Vergas Torres, afirma: Não é possível distinguir presunção de não culpabilidade e presunção de inocência. Desse modo, o art. 27.2. da Constituição (italiana) não faz outra coisa que consagrar o princípio da presunção de inocência... Essa é a doutrina de Illuminati, Bellavista e outros... Este último, impugnando a tese de Frosali segundo a qual a Constituição enuncia somente a formulação negativa de não presunção de culpabilidade, afirmou: ‘Vale aqui a máxima qui diciti de uno, negat de altero. Quando não se é considerado culpado, se é considerado inocente. Tertium non datur. (GOMES, 1996, p. 22) E ainda Júlio Maier: ‘Presumir inocente’, ‘reputar inocente’ ou ‘não considerar culpável’ significa exatamente o mesmo; e essas declarações formais remetem ao mesmo princípio que emerge da exigência de um ‘juízo prévio’ para infligir uma pena a uma pessoa [...] trata-se, na verdade, de um ponto de partida político que assume – ou deve assumir – a lei de processo penal em um Estado de Direito, ponto de partida que constitui, em seu momento, uma reação contra uma maneira de perseguir penalmente que, precisamente, partia do extremo contrário. (MAIER, 2002, p. 491/492) Muitos estudiosos chegam a afirmar ser a presunção de inocência, na prática, uma correspondência “técnica à não consideração prévia de culpabilidade”, pois o imputado, para andamento comum do processo, não seria considerado inocente ou culpado. Apenas após o trânsito em julgado da sentença condenatória que se concretizava a “certeza de ser o imputado o autor da infração penal”, passando, então, à condição de culpado. No mesmo seguimento, Delmanto Jr, para quem a Constituição considerou “tão-somente o direito à desconsideração prévia de culpabilidade”. Ainda assim, o referido autor certifica que o princípio da presunção 22 de inocência “restou incorporado à nossa Constituição” em decorrência do disposto no § 2º, do art. 5º, da CF (“Os direitos e garantias expostos nesta Constituição não descarta outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”) conjugado com a ratificação do pacto de São José da Costa Rica pelo Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992. O Supremo Tribunal Federal opta pela expressão presunção de inocência, mas, às vezes, prefere a expressão presunção de não culpabilidade, sendo que em alguns momentos as utiliza de maneira indeterminada. Proveitoso registrar que em um dos julgamentos, foi consignado, inclusive, que a “presunção de não culpabilidade é situação jurídica ativa ainda mais densa ou de mais forte carga protetiva do que a simples presunção de inocência”. Na atualidade, portanto, seja por integração constitucional de diplomas internacionais dos quais o Brasil é signatário (art. 5º, § 2º, da CF), seja por equiparação dos institutos, é possível afirmar, com ressalvas, que a Constituição sagrou a presunção de inocência. 4.2. Supremo Tribunal Federal e o novo paradigma da presunção de inocência O julgamento do HC 126.292/SP em 2016, de relatoria do Ministro Teori Zavascki, modificou a jurisprudência do STF e estabeleceu o entendimento no sentido de permitir a execução provisória da pena após a confirmação de condenações criminais em segunda instância, vale dizer, pelos Tribunais de Justiça. Criou-se nesse contexto, para muitos, um novo paradigma da presunção de inocência a partir da manutenção da condenação pelos tribunais. Por óbvio, a decisão do STF gerou repercussão instantânea no meio jurídico, ocasionando elogios de juízes e promotores e severas críticas de advogados. A decisão se deu por maioria de sete a quatro, sendo vencidos os ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowsk. Em seu voto, o relator destacou, em outras palavras, que é no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame de fatos e provas e, demais disso, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado. Para o Ministro Zavascki, os recursos de natureza extraordinária não seriam desdobramento do duplo grau de jurisdição, uma vez que não são recursos de ampla devolutiva, pois não servem para a discussão a matéria fática probatória. Em sua deslumbrante obra “Dos delitos e das penas”, Cesare Beccaria ensina que um homem não pode ser chamado de réu antes da sentença do juiz, e a sociedade só pode retirar 23 a proteção pública após ter decidido que ele violou os acordos por meio dos quais ela lhe foi outorgada. Com uma análise robusta, pode-se afirmar que o princípio da presunção de inocência, ou, como preferem alguns, o estado de inocência, significa que nenhuma pessoa será considerada culpada antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória (CABETTE, 2015). Destaque-se que este princípio encontraproteção legal no Pacto de São José da Costa Rica e, sobretudo, na Constituição da República. Na verdade, analisando o conteúdo do artigo 5º, inciso LVII, da CR, nota-se que este dispositivo consagra o princípio da presunção de não culpabilidade, observa-se: Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Conforme se depreende da análise do dispositivo, há, de fato, uma presunção de não culpabilidade, mas não de inocência. Parece que a intenção do legislador constituinte foi assegurar que nenhuma pessoa seja tratada como culpada antes da sentença final, o que, com a devida vênia, é bem diferente de considerá-la inocente. O que ocorre, nesse caso, é uma equivocada interpretação sobre o termo presunção, que indica apenas que uma pessoa provavelmente seja inocente, sem que haja qualquer juízo de certeza sobre este fato. Justamente por isso, nada impede que esta pessoa seja investigada, processada e até submetida a uma medida cautelar, afinal, não se pode afastar, de pronto, a possibilidade de ela ser culpada. (SANNINI NETO, 2016, Revista Jus Navigandi) Como consequência lógica da utilização deste princípio pelo nosso ordenamento jurídico, surge duas regras fundamentais: regra probatória (in dubio pro reo) e a regra de tratamento. Em razão do primeiro argumento que impõe uma regra probatória, cabe à acusação comprovar a culpabilidade do acusado sem que haja qualquer dúvida plausível. Com isso, o réu não precisa provar a sua inocência, afinal, já há uma presunção nesse sentido. Deste modo, tendo em vista que a sentença final condenatória exige um juízo de certeza sobre os fatos, o princípio da presunção de inocência acaba se confundindo, ao menos nesse aspecto, com o princípio do in dubio pro reo. A regra de tratamento, noutro sentido, proíbe que o Estado-Juiz comporta-se em relação ao acusado como se ele já tivesse sido condenado definitivamente. A representação dessa compreensão impõe, entre outras coisas, que a prisão cautelar seja decretada em último caso, quando as demais medidas cautelares se mostrarem esgotadas. Vale destacar que tal regra de tratamento produz efeitos, inclusive, para fora do processo, impedindo, por exemplo, a publicidade imoderada e rotulação do acusado. 24 Para Francisco Sannini Neto, parece que se o objetivo era dar uma resposta mais rápida aos criminosos, o ideal seria firmar o entendimento de que eventual condenação em segundo grau poderia fundamentar a decretação da prisão preventiva do acusado e não a execução provisória da pena. Dessa maneira, seria amparado o sentido de presunção de inocência previsto no texto constitucional, não sendo afetado, igualmente, o próprio significado de trânsito em julgado. O conceito de ordem pública é límpido, sendo que para a maioria da doutrina ele se relaciona com a periculosidade do agente e com a preservação da paz social. Não é outra a interpretação de Eugênio Pacelli Oliveira, observa-se: a prisão para a garantia da ordem pública não se destina a proteger o processo penal, enquanto instrumento de aplicação da lei penal. Dirige-se, ao contrário, à proteção da própria comunidade, coletivamente considerada, no pressuposto de que ela seria duramente atingida pelo não- aprisionamento de autores de crimes que causassem intranquilidade social. (OLIVEIRA, 2009, p.435) Em sentido semelhante, Antônio Magalhães Gomes Filho (2009), esclarece que: à ordem pública relacionam-se todas aquelas finalidades do encarceramento provisório que não se enquadram nas exigências de caráter cautelar propriamente ditas, mas constituem formas de privação da liberdade adotadas como medidas de defesa social; fala-se, então, em ‘exemplaridade’, no sentido de imediata reação ao delito, que teria como efeito satisfazer o sentimento de justiça da sociedade; ou, ainda, a prevenção especial, assim entendida a necessidade de se evitar novos crimes. (GOMES FILHO, 2009) Neste sentido, se a limitação da liberdade é permitida mesmo na fase de investigação criminal, onde o juízo de culpabilidade sobre o investigado ainda está em construção, muito mais escusável seria a decretação de sua prisão após uma decisão condenatória em segundo grau, conforme visto, já teria se estancado a probabilidade de exame de fatos e provas. Com isso, condenações que caracterizariam uma verdadeira presunção de periculosidade do acusado, destacando-se a prisão preventiva como medida necessária para garantir a ordem pública arruinada pelo cometimento do crime. 25 4.3. STF derruba prisão após a segunda instância com o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43, 44 e 54 A ação declaratória de constitucionalidade (ADC) é uma ação judicial proposta com o objetivo de tornar certo judicialmente que uma dada norma é compatível com a Constituição. No HC 126.292 de 2016, o STF ao deliberar sobre o cabimento da execução provisória da pena, os ministros deixaram de analisar a constitucionalidade do art. 283 do CPP, que é de fundamental importância para o tema. Este artigo demonstra as possibilidades de restrição da liberdade do acusado antes do trânsito em julgado, de forma taxativa, podendo ocorrer nas hipóteses de flagrante delito, e nas prisões temporária e definitiva, ou melhor, somente de maneira cautelar. Implantado a controvérsia, o Partido Patriota, PC do B e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, ajuizaram as ADCs 43, 44 e 54, objetivando o reconhecimento da legitimidade constitucional da redação do art. 283 do CPP. Procurou-se com isso, pedido de medida cautelar para suspender as execuções da pena que tivessem sido proferidas por Tribunais com base no HC 126.292 ignorando o art. 283 do CPP. Logo, as entidades solicitaram a procedência da ação para declarar a constitucionalidade do dispositivo em questão, com eficácia erga omnes e efeito vinculante. Por maioria dos votos, o STF indeferiu a cautelar e decidiu pela constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal, significando que não fere a constituição, devendo ser feita uma interpretação em conforme. Os principais argumentos dos Ministros que justificaram o entendimento foram: I. É na instância ordinária, com o recurso de apelação, que se analisa e esgota toda a matéria fática, não tendo a característica de debater provas nas instâncias extraordinárias; II. O princípio da presunção de inocência não é violado, porque tem sentido dinâmico, ou seja, o seu valor varia conforme o transcurso do feito. III. O constituinte não quis impedir a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado, se quisesse impedir teria colocado a proibição no art. 5º LXVI, da Constituição Federal, que é o inciso que trata das modalidades de prisão antes do trânsito em julgado; IV. Evitar o excesso de recursos com a finalidade de postergar o trânsito em julgado e ocorrer a prescrição do crime; 26 V. Os réus com foro por prerrogativa de função, depois de julgados pelos seus Tribunais respectivos, já podem ser presos em execução provisória da pena, uma vez que essa análise faz esgotar toda a matéria probatória; Todavia, com o julgamento dos ADCs em 2019, o plenário do Supremo, por 6 votos a 5, derrubou o entendimento fixado em 2016 que permitia a prisão em segunda instância. Com a decisão, a pena só poderá ser cumprida após a rejeição de todos os recursos possíveis na Justiça. Na quinta sessão de julgamento sobre o assunto, a maioria dos ministros entendeu que, segundo a Constituição, ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado que a execução provisória da pena fere o princípio da presunção de inocência. O voto de desempate foi dado pelo presidente do tribunal, ministro Dias Toffoli, o último a se manifestar. A aplicação da decisão não é automática para os processos nas demais instâncias do Judiciário.Caberá a cada juiz analisar, caso a caso, a situação processual dos presos que poderão ser beneficiados com a soltura. Se houver entendimento de que o preso é perigoso, por exemplo, ele pode ter a prisão preventiva decretada. O ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no STF, declarou que não haverá liberação automática de presos em segunda instância, assim não acarretando prejuízos ao combate à corrupção. Acrescentando: Do ponto de vista do combate à corrupção, lavagem de dinheiro, deixamos de ter um mecanismo relevante, em meu modo de ver, constitucional. Mas isso não significa que todos os esforços para que haja o devido combate, nos termos da Constituição, deixarão de ser feitos. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cerca de 5 mil presos podem ser beneficiados pela mudança de entendimento, se não estiverem presos preventivamente por outro motivo. Com o levantamento do Ministério Público Federal, a decisão do STF pode beneficiar 38 condenados na Operação Lava Jato. A ministra Cármen Lúcia deu o quinto voto pela manutenção do atual entendimento da Corte, favorável a permitir a execução da pena de condenados em segunda instância. Afirmando: Se não se tem a certeza de que a pena será imposta, será cumprida, o que impera não é a incerteza da pena, mas a certeza ou pelo menos a crença na impunidade. https://g1.globo.com/tudo-sobre/cnj/ https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/10/16/cnj-diz-que-decisao-do-stf-sobre-segunda-instancia-beneficiaria-48-mil-e-nao-190-mil-presos.ghtml https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2019/10/17/julgamento-do-stf-sobre-prisao-em-2a-instancia-pode-beneficiar-38-condenados-da-lava-jato-no-parana.ghtml https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2019/10/17/julgamento-do-stf-sobre-prisao-em-2a-instancia-pode-beneficiar-38-condenados-da-lava-jato-no-parana.ghtml 27 De acordo com a ministra, os que dispõem de meios para "abusar" de recursos são capazes de postergar a conclusão do processo a fim de garantir a prescrição (momento em que, após um decurso de tempo sem que o caso tenha sido julgado, o réu não pode mais ser punido). Noutro sentido, o Ministro Gilmar Mendes foi o quarto a votar contra a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, afirmando que houve “mau uso” das execuções provisórias após a decisão do Supremo, de 2016, que permitiu a prisão após a condenação em segunda instância, com uma “padronização” de decisões. Segundo o ministro, a Corte permitiu a prisão, mas não a tornou obrigatória: De forma cristalina, afirmo que o fator fundamental a definir essa minha mudança de orientação foi o próprio desvirtuamento que as instâncias ordinárias passaram a perpetrar em relação à decisão do STF em 2016”, afirmou o ministro, que chegou a defender as prisões em segunda instância, mas mudou de posição em 2018, para permitir a execução da pena após decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Gilmar Mendes argumentou que inúmeras decisões de segunda instância são revistas após o julgamento de recursos pelas instâncias superiores e que, se o problema é a morosidade, não cabe reinterpretar a Constituição. “Temos que melhorar é o sistema de funcionamento, a distribuição, o atendimento”, disse. A referida decisão tem efeito erga omnes, ou seja, vale para todas as instâncias do Judiciário e será vinculante – de cumprimento obrigatório. Após a decisão e uma árdua negociação entre lideranças, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou em novembro de 2019, a PEC da segunda instância, a emenda constitucional que permite a prisão de condenados em segundo grau da Justiça. A proposta foi aprovada por 50 votos a 12, e agora segue para avaliação de uma comissão especial a ser criada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A aprovação somente foi possível com a apresentação de um novo texto, que evita o impedimento de modificar o artigo 5º da Constituição, considerado cláusula pétrea. A proposta aprovada altera dois artigos da Constituição, o 102 e o 105, que apresentam as atribuições do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Pela composição, os recursos extraordinário e especial, que são examinados pelas instâncias superiores, são transformados em ações revisionais. Com isso, a condenação em 28 segunda instância passa a ser o trânsito em julgado da ação, liberando o réu condenado a começar a cumprir a pena de prisão. A redação da PEC aprovada na CCJ difere do projeto inicialmente apresentado na comissão. O texto anterior modificava o artigo 5º da Constituição para determinar que “ninguém será considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso”, em vez de “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, como consta hoje na carta constitucional. Contudo, mesmo com a aprovação, o caminho da proposta de emenda à Constituição ainda é longo. É necessário ser aprovado pela comissão especial antes de seguir para apreciação no plenário da Câmara. Lá, são necessárias duas votações e o apoio de três quintos dos 513 deputados em cada um dos escrutínios para ser aprovada. Se isso ocorrer, segue então para análise do Senado. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ante dos fatos expostos, pode-se concluir que o STF, com a interpretação progressiva constitucional de 2016 sobre o tema execução provisória da pena buscou dar a sociedade uma proteção mais célere e eficiente, conforme nos ensina a presidente do STF Carmem Lúcia “a comunidade quer uma resposta, e quer obtê-la com uma razoável duração do processo”. Em um Estado Democrático de Direito as garantias constitucionais desempenham a função de limitador constitucional do poder estatal. O poder público é conduzido por normas editadas e aprovadas pelo Poder Legislativo que, por sua vez, é eleito pelo povo, colocando-os como seus representantes através de seu exercício de cidadania, o voto. Esta conjuntura reforça a democracia onde o poder emana do povo que é efetivado por meio de seus representantes. O princípio em questão não afirma o fato de o culpado pela prática de uma infração penal ser inocente e não poder sofrer o julgamento através dos órgãos estatais. Este preceito constitucional apenas exprime o fato de que ninguém poderá ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Ou seja, depois de ser julgado através de um devido processo legal sendo asseguradas todas as garantias constitucionais. A essência da justiça não é tolerar as atitudes que desrespeitam os valores da dignidade da pessoa humana que por muitas vezes são executadas por nossos próprios semelhantes que buscam apenas seus objetivos em detrimento dos valores humanos. O direito existe para harmonizar as relações entre as pessoas e tornar agradável a vida de todos. 29 Por supremacia, em 2016, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu que o artigo 283 do Código de Processo Penal não impede o início da execução da pena após condenação em segunda instância e indeferiu liminares pleiteadas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44. Ao examinar as posições doutrinárias, deduz-se que a presunção de inocência se adapta aos delineamentos dos conceitos mais admitidos de norma-princípio. Admiti-lo como regra, na forma como essa espécie normativa é considerada pela doutrina (regra de aplicação do “tudo ou nada”), corresponderia a revogar o direito processual penal e, por consequência o próprio direito penal. Contudo, na atual fase de evolução do direito, não tem qualquer lógica tentar diferenciar inocência e não culpabilidade, duas faces da mesma moeda. Os autores que adotam uma ou outra expressão, com excepcionalidade, não se contrastam que a essência de ambos os institutos é a mesma, consubstanciada em regras de tratamentoe, como consequência, em alguns casos medidas coercitivas processuais e ainda na produção, em contraditório, e análise do conjunto probatório (in dubio pro reo). Ao invés de debater a denominação do instituto empregada pela Constituição, parece ser essencial estabelecer os critérios de sua aplicação efetiva, considerando como parâmetro a necessidade de se realizar a prestação jurisdicional. Assim agindo, a Magna Carta impôs limites para o exercício destes direitos fundamentais, esperando que um não invadisse a esfera do outro. Porém, os ideais capitalistas também se firmaram entre os meios de comunicação e raro não é, a violação de garantias constitucionais, com o intuito de obter lucros. Contudo, com a decisão do STF em derrubar a prisão em segunda instância, faz renascer o sentimento de impunidade no Brasil, visto que a execução após o trânsito em julgado torna-se um instrumento eficaz para quem quer postergar o processo até a sua prescrição. REFÊRENCIAS ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios, 10ª Ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 48/49. BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito Processual Penal - Tomo I, Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 16. 30 BATISTI, Leonir. Presunção de inocência: apreciação dogmática e nos instrumentos internacionais e Constituições do Brasil e Portugal. Curitiba: Juruá, 2009. BENTO, Ricardo Alves. Presunção de Inocência no Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. DALLARI, Dalmo de Abreu. Presunção de inocência: Direito fundamental e princípio constitucional no Brasil. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e- analise/colunas/diretos-humanos-e-constituicao/presuncao-de-inocencia-direito-fundamental- e-principio-constitucional-no-brasil-04042018> Acesso em 15 de mar. 2021. GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de Inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 2009. FLÁVIO GOMES, Luiz. Sobre o conteúdo Processual Tridimensional do Princípio da Presunção de Inocência in Temas Atuais de Advocacia Criminal, São Paulo: Etna, 1996, p. 22. LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 8. ed. V. 1. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 177. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 10. ed. São Paulo: Método, 2006. LIMA, Renato Brasileiro. Manual de processo Penal. 3. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2015. MAIER, Julio B. J. Derecho Procesal Penal - Tomo I - Fundamentos. Buenos Aires: Editores Del Puerto SRL, 2002, p. 491/492. MAGALHÃES GOMES FILHO, Antônio. O Princípio da Presunção de Inocência na Constituição de 1988 e na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica). Revista do Advogado, n. 42, Abril de 1994, Associação dos Advogados de São Paulo - AASP, p. 31. MORAIS, Alexandre de. Direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. NICOLITT, André. Manual de Processo Penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 61. SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição, 7 ed, 2010, São Paulo: Malheiros Editores, p. 158. SILVA, José Afonso da. 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Aspectos jurídicos da prisão preventiva e presunção de inocência 3. METODOLOGIA 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1. Presunção de Inocência ou de Não culpabilidade: A discussão das escolas penas italianas 4.2. Supremo Tribunal Federal e o novo paradigma da presunção de inocência 4.3. STF derruba prisão após a segunda instância com o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43, 44 e 54 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS REFÊRENCIAS
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