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Autoimunidade Os fatores que contribuem para o desenvolvimento da autoimunidade são a suscetibilidade genética e os gatilhos ambientais, como infecções e lesão local no tecido. Genes de suscetibilidade podem prejudicar os mecanismos de autotolerância; a infecção ou necrose nos tecidos promovem o influxo de linfócitos autorreativos e a ativação dessas células, resultando em lesão tecidual. Infecções e lesão tecidual também podem alterar a forma como os autoantígenos são apresentados para o sistema imunológico, levando à falha da autotolerância e à ativação dos linfócitos autorreativos. •Doenças autoimunes podem ser sistêmicas ou órgão- específicas, dependendo da distribuição dos autoantígenos que são reconhecidos. •Vários mecanismos efetores são responsáveis pela lesão do tecido em diferentes doenças autoimunes. Esses mecanismos incluem complexos imunológicos, autoanticorpos circulantes e linfócitos T autorreativos. As características clínicas e patológicas da doença geralmente são determinadas pela natureza da resposta autoimune dominante. •Doenças autoimunes tendem a ser crônicas, progressivas e de autoperpetuação. As razões para essas características são: (1) os autoantígenos que disparam essas reações são persistentes e, uma vez que a resposta imunológica se inicia, muitos mecanismos amplificadores que são ativados perpetuam essa resposta; (2) uma resposta iniciada contra um autoantígeno que lesiona tecidos pode resultar na liberação e alteração de outros antígenos teciduais, na ativação de linfócitos específicos para esses outros antígenos e na exacerbação da doença. Este fenômeno, conhecido como propagação de epítopo, pode explicar por que uma vez desenvolvida a doença autoimune, esta pode se prolongar ou se autoperpetuar. Anormalidades Imunológicas que Levam à Autoimunidade A autoimunidade resulta da combinação de algumas das três aberrações imunológicas principais. •Tolerância ou regulação defeituosas. A falha dos mecanismos de autotolerância em células T ou B, levando ao desequilíbrio entre ativação e controle de linfócitos, é a causa subjacente de todas as doenças autoimunes. O potencial para autoimunidade existe em todos os indivíduos, porque algumas especificidades de clones de linfócitos em desenvolvimento geradas aleatoriamente podem ser para autoantígenos, e muitos autoantígenos estão prontamente acessíveis aos linfócitos. A tolerância a autoantígenos normalmente é mantida por meio de processos de seleção que previnem a maturação de alguns linfócitos específicos para autoantígenos e de mecanismos que inativam ou deletam linfócitos autorreativos que amadurecem. A perda da autotolerância pode ocorrer se linfócitos autorreativos não forem deletados ou inativados durante ou após a sua maturação; também pode ocorrer se as APCs forem ativadas, de modo que autoantígenos sejam apresentados ao sistema imunológico de forma imunogênica. Modelos experimentais e estudos limitados em humanos mostram que qualquer um dos mecanismos a seguir pode contribuir para a falência da autotolerância: •Defeitos na deleção (seleção negativa) de células T ou B ou na edição de receptores em células B durante a maturação dessas células nos órgãos linfoides centrais. •Defeitos no número e função de linfócitos T regulatórios. •Apoptose defeituosa de linfócitos autorreativos maduros. •Função inadequada de receptores inibitórios. •Apresentação anormal de autoantígenos. Essas anormalidades podem incluir expressão aumentada e persistência de autoantígenos que são normalmente degradados ou alterações estruturais nesses antígenos, resultantes de modificações enzimáticas ou de estresse ou lesão celular. Caso essas mudanças levem à apresentação de epítopos antigênicos que normalmente não estão presentes, o sistema imunológico não pode ser tolerante com esses epítopos, permitindo o desenvolvimento de autorrespostas. •Inflamação ou resposta imunológica inata inicial. A resposta imunológica inata é um forte estímulo para a ativação subsequente de linfócitos e para a geração de respostas imunológicas adaptativas. Infecções ou danos à célula podem suscitar reações imunológicas inatas locais com inflamação. Essas reações podem contribuir para o desenvolvimento de doença autoimune, talvez pela ativação das APCs, que se sobrepõem aos mecanismos regulatórios, resultando em ativação excessiva da célula T. Recentemente, grande foco tem sido colocado no papel das células T na autoimunidade por duas razões principais. A primeira razão é que as células T auxiliares são reguladores-chave de todas as respostas imunológicas às proteínas e muitos autoantígenos implicados nas doenças autoimunes são proteínas. A segunda razão é que diversas doenças autoimunes estão geneticamente ligadas ao MHC (o complexo HLA, em humanos), e a função das moléculas do MHC é a apresentação de antígenos peptídios para as células T. A falha da autotolerância em linfócitos T pode resultar em doenças autoimunes, nas quais o dano ao tecido é causado por reações imunológicas mediadas por células. Anormalidades nas células T auxiliares também podem levar à produção de autoanticorpo, porque essas células são necessárias para a produção de anticorpos de alta afinidade contra antígenos proteicos. Bases Genéticas da Autoimunidade As doenças autoimunes têm um componente genético muito forte. Análise de histórico familiar, estudos de associação genômica e esforços de sequenciamento em grande escala estão revelando novas informações sobre os genes que podem estar na base do desenvolvimento da autoimunidade e de distúrbios inflamatórios crônicos. A maioria das doenças autoimunes é consequência de características poligênicas complexas, nas quais os indivíduos afetados herdam polimorfismos genéticos múltiplos que contribuem para a suscetibilidade da doença. Estes genes agem em conjunto com os fatores ambientais para causarem as doenças. Alguns destes polimorfismos estão associados a diversas doenças autoimunes, sugerindo que os genes causadores influenciam mecanismos gerais de regulação imunológica e autotolerância. Outros loci associam-se a doenças particulares, sugerindo que estes podem afetar o dano ao órgão ou linfócitos autorreativos de especificidades particulares. Cada polimorfismo genético faz uma pequena contribuição para o desenvolvimento de doenças autoimunes particulares. Esses polimorfismos também são encontrados em indivíduos saudáveis, porém em uma frequência mais baixa do que em pacientes que desenvolvem doenças. Sustenta-se a opinião de que, em pacientes individuais, tais polimorfismos múltiplos são co-herdados e, juntos, contribuem para o desenvolvimento da doença. ➢ Associação de Alelos de MHC com Autoimunidade Dentre os genes que estão associados à autoimunidade, as associações mais fortes são com os genes MHC. De fato, em muitas doenças autoimunes (como o diabetes tipo 1), 20 a 30 genes associados à doença já foram identificados; na maioria dessas doenças, o lócus do HLA sozinho contribui com metade ou mais da suscetibilidade genética. A genotipagem de HLA de grandes grupos de pacientes, com diversas doenças autoimunes, mostra que alguns alelos HLA ocorrem com maior frequência nesses pacientes do que na população geral. A partir destes estudos, pode-se calcular a probabilidade de desenvolvimento de uma doença em indivíduos que herdam alelos HLA variados (frequentemente refere-se a essa chance como risco relativo). ➢ Polimorfismos em Genes Não HLA Associados à Autoimunidade Análises de ligação de doenças autoimunes identificaram poucos genes associados à doença e muitas regiões cromossômicas nas quais a identidade dos genes associados foi especulada, mas nãoestabelecida. Os estudos associativos de mapeamento genômico levaram à suposta identificação de polimorfismos de nucleotídios (variantes) de diversos genes que estão associados a doenças autoimunes; essa identificação vem ampliando-se bastante por meio dos recentes esforços no sequenciamento do genoma. •Parece que combinações de múltiplos polimorfismos genéticos herdados, em interação com fatores ambientais, induzem as anormalidades imunológicas que levam à autoimunidade. Entretanto, há exemplos de variações genéticas raras que fazem contribuições individuais muito maiores para doenças particulares. •Muitos dos polimorfismos associados a várias doenças autoimunes estão em genes que influenciam o desenvolvimento e a regulação das respostas imunológicas. Embora essa conclusão pareça previsível, ela serve para reforçar a utilidade das abordagens que estão sendo utilizadas na identificação de genes associados a doenças. •Polimorfismos diferentes tanto podem proteger contra o desenvolvimento de uma doença quanto aumentar a incidência da mesma. Os métodos estatísticos usados nos estudos de associação genômica revelaram ambos os tipos de associações. •Frequentemente, os polimorfismos associados a doenças localizam-se em regiões não codificáveis dos genes. Isso sugere que muitos dos polimorfismos podem afetar a expressão de proteínas codificadas. ➢ Anormalidades de Gene Único Herdadas (Mendelianas) que Causam Autoimunidade Ao contrário dos polimorfismos complexos descritos anteriormente, esses defeitos de gene único são exemplos de distúrbios mendelianos nos quais a mutação é rara, mas apresenta uma alta penetrância, de modo que muitos indivíduos que carregam a mutação são afetados. Embora esses genes estejam associados a doenças autoimunes raras, sua identificação forneceu informações valiosas a respeito da importância de várias vias moleculares na manutenção da autotolerância. Os genes mais conhecidos contribuem para os mecanismos estabelecidos de tolerância central (AIRE), produção de células T regulatórias (FOXP3, IL2, IL2R), anergia e função das células T regulatórias (CTLA4), e deleção periférica de linfócitos T e B (FAS, FASL). •Genes que codificam proteínas do complemento. Deficiências genéticas de diversas proteínas do complemento, incluindo C1q, C2 e C4, estão associadas a doenças autoimunes similares ao lúpus. O mecanismo proposto nesta associação é que a ativação do complemento promove a remoção dos complexos imunológicos circulantes e corpos celulares apoptóticos; na ausência de proteínas do complemento, esses complexos acumulam-se no sangue e são depositados nos tecidos, sendo que também há uma persistência dos antígenos das células mortas. •FcγRIIB. Um polimorfismo que troca uma isoleucina por uma treonina no domínio transmembranar deste receptor Fc inibitório prejudica a sinalização inibitória, estando associado ao SLE em humanos. A deleção gênica deste receptor em camundongos também resulta em uma doença autoimune similar ao lúpus. O mecanismo provável da doença é uma falha no controle da retroalimentação negativa mediada por anticorpo das células B. Papel das Infecções na Autoimunidade Infecções virais e bacterianas podem contribuir para o desenvolvimento e exacerbação da autoimunidade. Em pacientes e em alguns modelos animais, o surgimento das doenças autoimunes frequentemente está associado a infecções ou é precedido pelas mesmas. Na maioria desses casos, o microrganismo infeccioso não está presente em lesões nem mesmo é detectável no indivíduo quando a autoimunidade se desenvolve. Portanto, as lesões da autoimunidade não se devem ao agente infeccioso por si só, mas resultam das respostas imunológicas do indivíduo, que podem ser disparadas ou desreguladas pelo microrganismo. As infecções podem promover o desenvolvimento da autoimunidade por meio de dois mecanismos principais: •Infecções de tecidos particulares podem induzir respostas imunológicas inatas locais que recrutam leucócitos para esses tecidos, resultando na ativação de APCs teciduais. Essas APCs começam a expressar coestimuladores e a secretar citocinas ativadoras de células T, resultando no colapso da tolerância da célula T. Sendo assim, a infecção resulta na ativação de células T que não são específicas para o patógeno infeccioso; esse tipo de resposta é denominada bystander activation. •Microrganismos infecciosos podem conter antígenos que têm reatividade cruzada com autoantígenos; então, respostas imunológicas a esses microrganismos podem resultar em reações contra autoantígenos. Este fenômeno chama-se mimetismo molecular, porque os antígenos do microrganismo mimetizam os autoantígenos. Um exemplo de reatividade imunológica cruzada entre antígenos microbianos e autoantígenos é a febre reumática que se desenvolve após infecções estreptocócicas, sendo causada por anticorpos antiestreptocócicos que têm reatividade cruzada com proteínas do miocárdio. Esses anticorpos são depositados no coração, causando miocardite. O sequenciamento molecular revelou numerosos trechos curtos de homologias entre proteínas miocárdicas e proteínas estreptocócicas. Contudo, a significância de homologias limitadas entre antígenos microbianos e autoantígenos em doenças autoimunes comuns ainda precisa ser estabelecida. Algumas infecções podem proteger contra o desenvolvimento da autoimunidade. Estudos epidemiológicos sugerem que a redução de infecções aumenta a incidência de diabetes tipo 1 e esclerose múltipla. Parece paradoxal que as infecções possam funcionar como gatilhos da autoimunidade e, ao mesmo tempo, possam inibir doenças autoimunes. Ainda se desconhece a forma pela qual as infecções podem reduzir a incidência de doenças autoimunes. Outros Fatores na Autoimunidade O desenvolvimento da autoimunidade está relacionado com vários fatores, além de suscetibilidade genética e infecções. •Alterações anatômicas em tecidos, causadas por inflamação (possivelmente secundárias a infecções), lesão isquêmica ou trauma, podem levar à exposição de autoantígenos que normalmente são ocultados do sistema imunológico. Tais antígenos isolados podem não ter induzido autotolerância. Portanto, se autoantígenos previamente ocultos são liberados, estes podem interagir com linfócitos imunocompetentes e induzir respostas imunológicas específicas. •Influências hormonais têm papel em algumas doenças autoimunes. Muitas doenças autoimunes têm maior incidência em mulheres do que em homens. Por exemplo, o SLE afeta mulheres com 10 vezes mais frequência do que homens.
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