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Introdução A maioria das crianças tem de 4 a 6 infecções respiratórias agu‑ das (IRA) por ano, principalmente nas áreas urbanas. As IRA correspondem a 1/4 de todas as doenças e mortes entre crian‑ ças nos países em desenvolvimento. Cerca de 2 a 3% das IRA evoluem para infecção do parênquima pulmonar, das quais 10 a 20% evoluem para óbito, contabilizando 1,2 milhão de óbitos por ano. No início da década de 2000, o Brasil concentrava grande parte dos casos de pneumonia adquirida na comunida‑ de (PAC) em menores de 5 anos de idade em todo o mundo.1,2 Em países desenvolvidos, a incidência de PAC é de 10 a 15/1.000 crianças/ano, e a taxa de internação é de 1 a 4/1.000 crianças/ano, ocorrendo sobretudo em menores de 5 anos.3 Os principais fatores de risco para PAC são: desnutrição, baixa idade, comorbidades e gravidade da doença, que podem concorrer para o óbito. Outros fatores, como baixo peso ao nascer, permanência em creche, episódios prévios de sibilos e pneumonia, ausência de aleitamento materno, vacinação in‑ completa, variáveis socioeconômicas e variáveis ambientais, também contribuem para a morbidade e a mortalidade.4,5 Etiologia É difícil estabelecer o diagnóstico etiológico das PAC. Seu cur‑ so clínico costuma ser muito semelhante para os diversos agentes, as técnicas diagnósticas são, em geral, de baixa sensi‑ bilidade ou de custo elevado e de difícil acesso à maioria dos serviços. Dependendo do número de testes diagnósticos utili‑ zados, o diagnóstico etiológico das PAC pode ser identificado em cerca de 24 a 85% dos casos. Vários estudos apontam os vírus como os principais agen‑ tes de PAC em crianças até 5 anos em países desenvolvidos. Quanto mais jovem a criança, excluindo‑se os primeiros 2 meses de vida, maior a chance de ocorrência de doença de etiologia viral. O vírus sincicial respiratório (VSR) é o mais fre‑ quentemente encontrado, seguido dos vírus influenza, parain- fluenza, adenovírus e rinovírus. Menos frequentemente, outros vírus podem causar PAC, como varicela‑zóster, corona‑ C A P Í T U L O 6 PNEUMONIAS COMUNITÁRIAS Edna Lúcia Santos de Souza José Dirceu Ribeiro Sidnei Ferreira Maria de Fátima Bazhuni Pombo March vírus, enterovírus, citomegalovírus, vírus Epstein‑Barr, herpes simples, vírus da caxumba e do sarampo e hantavírus. Mais recentemente, o metapneumovírus humano (HMPV), o boca‑ vírus e um coronavírus mutante – associado à síndrome respi‑ ratória aguda grave (SARS) – têm sido associados à PAC. Os vírus podem ser responsáveis por até 90% das pneumonias no 1º ano de vida e por 50% dos casos na idade escolar.6,7 Os agentes bacterianos, por outro lado, são os principais responsáveis pela maior gravidade e mortalidade por PAC na infância. O Streptococcus pneumoniae ou pneumococo é o principal agente bacteriano de PAC. Os agentes etiológicos mais comumente isolados em crian‑ ças com PAC nos países em desenvolvimento são as bactérias pneumococo, Haemophilus influenzae e Staphylococcus au- reus. A frequência de coinfecção vírus‑bactéria em pacientes com PAC tem variado de 23 a 32%.8 Algumas crianças apresentam alto risco para infecção pelo pneumococo: infectadas pelo vírus HIV, com imunodeficiên‑ cias congênitas ou adquiridas, cardiopatas, nefropatas e pneu‑ mopatas crônicas, incluindo a asma grave, com diabete melito, com hemoglobinopatias, principalmente anemia falciforme, asplenia congênita ou adquirida, fístula liquórica, cirrose he‑ pática ou contactantes de doentes crônicos.1,4 A Tabela 1 rela‑ ciona os principais agentes etiológicos e as faixas etárias. Avaliação clínica e diagnóstico O quadro clínico da PAC pode variar com a idade da criança, o estado nutricional, a presença de doença de base e o agente etiológico, podendo ser mais grave nas crianças mais jovens, desnutridas ou que apresentam comorbidades. Os principais sinais e sintomas da PAC são febre, tosse, frequência respira‑ tória elevada (taquipneia) e dispneia, de intensidades variá‑ veis. Sintomas gripais são comuns, bem como otite média. Al‑ gumas crianças apresentam dor abdominal, principalmente quando há envolvimento dos lobos pulmonares inferiores. Nas crianças pequenas, dificilmente se encontram altera‑ ções localizadas à ausculta respiratória. A sibilância ocorre Tratado de Pediatria 4ed.indb 1735 5/5/17 11:48 PM 1736 • TRATADO DE PEDIATRIA • SEÇÃO 21 PNEUMOLOGIA com maior frequência nas crianças com infecções virais ou por M. pneumoniae ou C. pneumoniae. Na criança com IRA, a frequência respiratória (FR) deve sempre ser pesquisada visando ao diagnóstico de PAC. Na au‑ sência de sibilância, as crianças com tosse e FR elevada (ta‑ quipneia) devem ser classificadas como tendo PAC. Os seguin‑ tes pontos de corte para taquipneia são utilizados:1,9 • < 2 meses: FR ≥ 60 irpm; • 2 a 11 meses: FR ≥ 50 irpm; • 1 a 4 anos: FR ≥ 40 irpm. Segundo revisões sistemáticas, os “sinais de perigo” aponta‑ dos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) há cerca de três décadas indicam internação hospitalar imediata do pa‑ ciente. Esses sinais em crianças menores de 2 meses são: FR ≥ 60 irpm, tiragem subcostal, febre alta, recusa do seio materno por mais de 3 mamadas, sibilância, estridor em repouso, sen‑ sório alterado com letargia, sonolência anormal ou irritabilida‑ de excessiva. Entre as maiores de 2 meses de vida, os sinais são: tiragem subcostal, estridor em repouso, recusa de líqui‑ dos, convulsão, alteração do sensório e vômito de tudo que lhe é oferecido. Segundo a OMS, crianças com PAC e tiragem subcostal são classificadas como portadoras de pneumonia grave, e aquelas com outros sinais de gravidade (recusa de líquidos, convul‑ sões, sonolência excessiva, estridor em repouso, desnutrição grave, batimento de asa do nariz e cianose) são classificadas como portadoras de pneumonia muito grave. Em menores de 2 meses, são considerados sinais de doença muito grave: recu‑ sa alimentar, convulsões, sonolência excessiva, estridor em re‑ pouso, febre ou hipotermia, além da tiragem subcostal grave.9 Quadros de pneumonia afebril podem ocorrer em lactentes e em maiores de 5 anos. Em lactentes, podem cursar com an‑ tecedentes de conjuntivite e parto vaginal, e sugerem infecção por C. trachomatis. Em crianças maiores, é comum tosse co‑ queluchoide e história de contato com pacientes com quadro semelhante. Sugere PAC por Mycoplasma pneumoniae. Por outro lado, piodermites e/ou lesões osteoarticulares antece‑ dendo PAC grave, que muitas vezes cursa com empiema pleu‑ ral, podem ocorrer na pneumonia estafilocócica. Diagnóstico O diagnóstico de PAC é eminentemente clínico, dispensando a realização de radiografia de tórax, que só é recomendada nos casos graves que demandam internação.4 Em geral, consolida‑ ção alveolar, pneumatoceles, derrames pleurais e abscessos sugerem etiologia bacteriana. O padrão intersticial está mais frequentemente associado a vírus e Mycoplasma pneumoniae ou Chlamydia pneumoniae. Esses são agentes causadores de pneumonias atípicas. Os demais exames complementares são inespecíficos e de emprego questionável. O leucograma, em geral, nas PAC bac‑ terianas mostra leucocitose, neutrofilia e ocorrência de formas jovens. A eosinofilia ≥ 300 células/mm3 pode ocorrer na maioria dos pacientes com infecção por C. trachomatis. A PAC bacteriana poderia ser suspeitada quando a proteína C reativa (PCR) for ≥ 40 a 100 mg ou quando houver níveis ≥ 0,75 a 2 ng/mL de procalcitonina. O diagnóstico microbiológico só é indicado nos casos de PAC grave, em crianças internadas ou quando a evolução do paciente é desfavorável.4 Para isso, um dos métodos é a hemo‑ cultura, embora sua positividade seja baixa (pode alcançar 35% nos casos hospitalizados). Apesar de sua baixa sensibili‑ dade, o exame é importante, especialmente em serviços de referência, pois o conhecimento do padrão de resistência/ sensibilidade aos antimicrobianos, com destaque para o pneu‑ mococo, é crucial. O exame microbiológico é recomendado nos casos deder‑ rame pleural que permita ser puncionado. A positividade do lí‑ quido pleural pode alcançar até 70% antes do início da antibio‑ ticoterapia. A cultura do escarro tem pouca utilidade prática, por não diferenciar infecção de colonização.4 Os métodos sorológicos são úteis no diagnóstico das infec‑ ções por Mycoplasma pneumoniae, Chlamydia trachomatis e Chlamydia pneumoniae, quando houver elevação da IgM ou elevação de 4 vezes nos títulos da IgG, na fase aguda e na con‑ valescência, respectivamente. Alguns vírus, como o VSR, ade‑ novírus, parainfluenza e influenza, também podem ser diag‑ nosticados pelo aumento de 4 vezes ou mais nos níveis de IgG, com intervalo de cerca de 2 semanas. A reação em cadeia da polimerase em tempo real (PCR‑RT) pode auxiliar no diagnóstico de M. pneumoniae, C. pneumo- niae, C. trachomatis, L. pneumophila, S. aureus, vírus respira‑ tórios, B. pertussis, M. tuberculosis e S. pneumoniae. São méto‑ dos caros, mais utilizados em pesquisas e não recomendados nos casos não complicados.4,10 Os métodos invasivos, como broncoscopia, lavado bron‑ coalveolar e biópsias pulmonares, seriam indicados em situa‑ ções excepcionais, quando a evolução da PAC for desfavorável. Tratamento A incidência e a mortalidade por PAC ainda continuam eleva‑ das em todo o mundo, apesar dos novos e potentes antibióti‑ cos e das vacinas. Embora, em diversos países, haja aumento crescente de pneumococos resistentes à penicilina, não há di‑ ferenças significativas na evolução clínica ou na gravidade das PAC causadas por cepas penicilina‑resistentes ou suscetíveis.10 Tabela 1 Principais agentes etiológicos de pneumonia comunitária, de acordo com a faixa etária22,28 Até 2 meses Estreptococo do grupo B, enterobactérias, Listeria monocytogenes, Chlamydia trachomatis, Staphylococcus aureus, vírus De 2 a 6 meses Chlamydia trachomatis, vírus, germes da pneumonia afebril, Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus, Bordetella pertussis De 7 meses a 5 anos Vírus, Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae, Staphylococcus aureus, Mycoplasma pneumoniae, Mycobacterium tuberculosis > 5 anos Mycoplasma pneumoniae, Chlamydia pneumoniae, Streptococcus pneumoniae, Mycobacterium tuberculosis Tratado de Pediatria 4ed.indb 1736 5/5/17 11:48 PM PNEUMONIAS COMUNITÁRIAS • 1737 No Brasil, considerando‑se os valores atuais da concentra‑ ção inibitória mínima (CIM) necessária de penicilina para trata‑ mento da PAC por pneumococo, não há cepas com taxas de re‑ sistência absoluta. Doses habituais de penicilina e derivados tratam de forma adequada as infecções pneumocócicas que não envolvem o sistema nervoso central (SNC). Apesar de a maioria das crianças com PAC poder ser tratada ambulatorialmente, deve ser indicada a hospitalização nas seguintes situações:11 • menores de 2 meses; • presença de tiragem subcostal; • convulsões; • sonolência excessiva; • estridor em repouso; • desnutrição grave; • ausência de ingestão de líquidos; • sinais de hipoxemia; • presença de comorbidades (anemia, cardiopatias, pneumo‑ patias); • problemas sociais; • falha na terapêutica ambulatorial; • complicações radiológicas (derrame pleural, pneumatocele, abscesso pulmonar). Além disso, pode‑se indicar a internação de crianças com PAC nas seguintes situações: paciente com insuficiência respirató‑ ria aguda, suspeita de pneumonia estafilocócica ou por germe Gram‑negativo, sarampo, varicela ou coqueluche precedendo a PAC, imunodepressão e pneumonia hospitalar. O tratamen‑ to da PAC é geralmente empírico, pois é raro identificar sua etiologia antes da introdução da antibioticoterapia.11‑13 Nos lactentes menores de 2 meses de idade, os agentes mais frequentes são: estreptococo do grupo B, enterobactérias, Listeria monocytogenes, Chlamydia trachomatis, Staphylococ- cus aureus e vírus, e os pacientes devem sempre ser hospitali‑ zados. O esquema antibiótico recomendado está descrito na Figura 1. Em lactentes a partir de 2 meses até pré‑escolares aos 5 anos de idade, os VSR, parainfluenza, influenza, rinovírus e adenovírus são agentes frequentes de PAC. O pneumococo é o agente bacteriano mais frequente, inclusive nas PAC com der‑ rame pleural parapneumônico (DPP). O uso rotineiro da vaci‑ nação anti‑H. influenzae reduziu a importância dessa bactéria como causadora de PAC. Nessa faixa de idade (de 2 meses a 5 anos), a maioria dos pa‑ cientes com PAC pode ser tratada no nível ambulatorial. O anti‑ microbiano de escolha é amoxicilina, e recomenda‑se reavalia‑ ção do paciente após 48 a 72 horas. Entretanto, recomenda‑se que crianças nessa faixa de idade com PAC e tiragem subcostal, com ou sem outros sinais de gravidade, sejam hospitalizadas e recebam penicilina cristalina ou ampicilina (Figura 2). Nas crianças com 6 meses de idade ou menos, com PAC de curso insidioso, tosse irritativa, com estado geral preservado, pode‑se considerar o uso de macrolídeos, pensando em C. tra- chomatis. Do mesmo modo, essa classe de antibióticos pode ser considerada em crianças maiores, se houver suspeita clíni‑ ca de M. pneumoniae ou C. pneumoniae. Crianças com suspeita de estafilococcia devem receber oxacilina. A conduta em crianças de 2 meses a 5 anos está des‑ crita na Figura 2. Além do uso adequado dos antimicrobianos, algumas reco‑ mendações são importantes: manter a alimentação da criança, particularmente o aleitamento materno, aumentar a oferta hí‑ drica e manter as narinas desobstruídas. Além disso, a criança hospitalizada pode necessitar de uso de broncodilatadores, hi‑ dratação venosa, correção de distúrbios hidreletrolíticos, oxi‑ genoterapia (quando a saturação de O2 < 92%), entre outros cuidados.4 A Tabela 2 traz a posologia dos principais antibióticos utili‑ zados no tratamento das PAC em crianças. As principais complicações das PAC são: • abscesso; • atelectasia; • pneumatocele; • pneumonia necrosante; • derrame pleural; • pneumotórax; Figura 1 Algoritmo para a abordagem da criança menor de 2 meses com pneumonia. VHS: velocidade de hemossedimentação; PCR: proteína C reativa. Sim Interne Inicie ou ou Há taquipneia ou triagem subcostal ou sinais de gravidade? Crianças menores de 2 meses Classifique como possível infecção bacteriana grave Colete hemograma, VHS, PCR e hemocultura Ampicilina ou penicilina com aminoglicosídio Ampicilina ou penicilina com cefalosporinas de 3ª geração (associe oxacilina, caso haja evidência de infecção estafilocócica) Eritromicina, caso haja suspeita de clamídia Tratado de Pediatria 4ed.indb 1737 5/5/17 11:48 PM 1738 • TRATADO DE PEDIATRIA • SEÇÃO 21 PNEUMOLOGIA Tabela 2 Posologia dos principais antibióticos utilizados para o tratamento das pneumonias em crianças, fora do período neonatal Antibiótico Dose diária Via Intervalo entre as doses (em horas) Amoxicilina 50 mg/kg VO 12 Amoxicilina‑clavulanato 45 mg/kg VO 12 Ampicilina 150 mg/kg EV 6 Cefuroxima‑axetil 30 mg/kg VO 12 Ceftriaxona 75 mg/kg IM ou EV 24 Eritromicina 40 a 50 mg/kg VO 6 Penicilina cristalina 200.000 UI/kg EV 6 Penicilina procaína* 50.000 UI/kg IM 12 Oxacilina 200 mg/kg EV 6 VO: via oral; EV: endovenosa; IM: intramuscular. * O Ministério da Saúde recomenda o uso de 400.000 UI a cada 24 horas para crianças com peso inferior a 20 kg e 400.000 UI a cada 12 horas para crianças com peso superior a 20 kg. • fístula broncopleural; • hemoptise; • septicemia; • bronquiectasia; • infecções associadas (otite, sinusite, conjuntivite, meningite, osteomielite). A pneumonia necrosante é uma complicação das PAC, em ge‑ ral por pneumococo. Caracteriza‑se por focos necróticos em áreas de consolidação pulmonar. É mais comum em adultos. Mais de 60% dos casos necessitam de cirurgia. Pneumatoceles são lesões císticas de paredes finas, que acometem sobretudo crianças com pneumonia bacteriana, mas também podem decorrer de trauma torácico, ventilação pulmonar mecânica invasiva e aspiração. Essas lesões resol‑ vem‑se espontaneamente na maioria doscasos. Em outros, podem demorar de 3 a 15 meses ou cursar com complica‑ ções.9,10 Figura 2 Algoritmo para a abordagem da criança maior de 2 meses com pneumonia. Rx: radiografia; VHS: velocidade de hemossedimentação; PCR: proteína C reativa; DHL: desidrogenase lática. Em maiores de 5 anos de idade, se houver quadro clínico insidioso, considerar M. pneumoniae e prescrever macrolídeo Se houver quadro agudo, prescrever amoxicilina para os casos tratados no ambulatório Se necessitar de internação, proceder como acima Crianças maiores de 2 meses Se o paciente apresentar derrame pleural associado, puncione Se o líquido for turvo ou purulento, faça Gram e cultura e coloque em drenagem fechada Se o líquido for citrino, faça os estudos citológicos, bioquímicos (DHL, glicose, pH) e microbiológico para decisão terapêutica Criança com tosse ou dificuldade para respirar e taquipneia Se apresentar sibilância ou história prévia de sibilância, trate com broncodilatador por até 3 sessões e reavalie Se mantiver taquipneia, realize Rx de tórax Pneumonia confirmada: colete hemograma, VHS, PCR e hemocultura e inicie antibioticoterapia Se houver derrame pleural, puncione para avaliação Classifique de acordo com uma das 3 categorias abaixo Pneumonia (taquipneia) Inicie amoxicilina ou penicilina procaína Tratamento ambulatorial Reavalie em 48 horas Pneumonia grave (presença de tiragem) Interne Inicie penicilina cristalina ou ampicilina Doença muito grave (sinais de gravidade) Interne Inicie cloranfenicol ou ceftriaxona associada à oxacilina Tratado de Pediatria 4ed.indb 1738 5/5/17 11:48 PM PNEUMONIAS COMUNITÁRIAS • 1739 Prevenção Atualmente, o Brasil dispõe das vacinas pneumocócicas 13‑va‑ lente (7 sorotipos + 1, 5, 7F, 3, 6A, 19A) e 10‑valente (7 soroti‑ pos + 1, 5, 7F), sendo a última disponível na rede pública de saúde. Estudos nacionais identificaram que 1 ano após a intro‑ dução da vacina 10‑valente na rede, houve redução das hospi‑ talizações de crianças por pneumonia no Brasil. Em contra‑ partida, as internações por outras causas não diminuíram.14,15 Quanto ao impacto da vacinação anti‑Haemophilus influenzae tipo B na comunidade, há evidências de proteção contra a PAC na infância. Ao final da leitura deste capítulo, o pediatra deve estar apto a: • Compreender a importância das PAC na morbidade e na mortalidade das crianças, especialmente dos menores de 5 anos. • Reconhecer os grupos de risco e a necessidade do diagnóstico precoce e adequado. • Valorizar o diagnóstico clínico das PAC na infância, conhecendo os métodos complementares mais indicados. • Indicar o tratamento adequado de acordo com a gravidade dos casos e reconhecer as complicações mais frequentes. • Conhecer e valorizar medidas preventivas, como a imunização, recomendada no Brasil. Referências bibliográficas 1. 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Disponível em: www.projetodiretrizes.org.br/ans/diretrizes/pneumonia_adquirida_ na_comunidade_na_infancia‑tratamento_e_prevencao.pdf. 14. Afonso ET, Minamisava R, Bierrenbach AL, Escalante JJC, Alencar AP, Domingues CM et al. Effect of 10‑valent pneumoccccal vaccine on pneu‑ monia among children, Brazil. Emerg Infect Dis 2013; 19(4):589‑97. 15. Scotta MC, Veras TN, Klein PC, Tronco V, Polack FP, Mattiello R et al. Impact of 10‑valent pneumococcal non‑typeable Haemophilus influen- zae protein D conjugate vaccine (PHiD‑CV) on childhood pneumonia hospitalizations in Brazil two years after introduction. Vaccine 2014; 32(35):4495‑9. Tratado de Pediatria 4ed.indb 1739 5/5/17 11:48 PM Definição Derrame pleural é o acúmulo anormal de líquido no espaço pleural, entre as pleuras parietal e visceral, resultante do ex‑ cesso de produção ou decréscimo de absorção. Os derrames são classicamente divididos em transudatos ou exsudatos. Nos transudatos, os fatores mecânicos que influenciam a fil‑ tração e a reabsorção do líquido pleural estão alterados. Nos exsudatos, ocorre comprometimento inflamatório da superfí‑ cie pleural. Na faixa etária pediátrica, em sua maioria, esses derrames são de origem infecciosa, geralmente associados à pneumonia bacteriana, e recebem a denominação de derrame pleural parapneumônico. Empiema é definido pela presença de bactérias ou pus no espaço pleural. Do ponto de vista tera‑ pêutico, o derrame pode ser considerado como complicado ou não complicado, dependendo, respectivamente, da necessi‑ dade ou não de procedimento cirúrgico complementar.1,2 Epidemiologia O derrame pleural parapneumônico acomete comumente crian‑ ças menores de 5 anos, especialmente lactentes e pré‑escolares, sendo mais frequente em meninos do que em meninas.3 Apesar da observação do acúmulo de líquido na cavidade pleural ter ocorrido em período anterior à era cristã, uma for‑ ça‑tarefa na época da Primeira Guerra Mundial, denominada Empyema Comission, foi responsável por grande impacto na redução da mortalidade, tendo indicado a drenagem pleural como o método mais efetivo de controle dos casos. A prevalência dos derrames pleurais é muito variável e de‑ pende da incidência e da etiologia da pneumonia às quais es‑ tão associados. Durante o século XX, há relatos na literatura de mudanças importantes dos agentes etiológicos, encontra‑ dos nos derrames parapneumônicos na infância. O Streptococ- cus pneumoniae, mais prevalente no período pré‑sulfonamida (1934‑1938), apresentou um declínio importante como agente causador após a introdução da penicilina, havendo aumento significativo do Staphylococcus aureus, além do relato de casos de derrame causado por Haemophilus influenzae. Na década C A P Í T U L O 7 DERRAME PLEURAL Ana Alice Amaral Ibiapina Parente de 1960, com o advento da meticilina, o Streptococcus pneu- moniae voltou a assumir a posição de maior destaque.2,4 Ape‑ sar do aumento da frequência de pneumococos resistentes à penicilina, não tem sido identificado um aumento de compli‑ cações associadas a infecções causadas por cepas resistentes.5 Após a introdução das vacinas pneumocócicas conjugadas, em alguns locais, houve relatos de mudançana prevalência dos sorotipos do Streptococcus pneumoniae e aumento na inci‑ dência de Staphylococcus aureus, em particular os resistentes à meticilina.6 Outros agentes bacterianos implicados na etiologia do em‑ piema incluem: Streptococcus pyogenes, Mycoplasma pneu- moniae, Pseudomonas aeruginosa e outras espécies de Strepto- coccus. Algumas doenças de base podem sugerir a presença de outros agentes: Streptococcus milleri em pacientes com retar‑ do de desenvolvimento neuropsicomotor e agentes anaeró‑ bios associados a síndromes aspirativas, principalmente em crianças maiores.7 Tem sido ressaltada a importância de outros agentes como causa de derrame pleural, como aconteceu com a recente epi‑ demia por vírus influenza H1N1, com ocorrência de efusão de média intensidade e pouca repercussão clínica.8 Já a tuberculose pleural é uma das mais frequentes causas de efusão em todo o mundo e começa com a ruptura de focos de infecção subpleural, drenagem de material caseoso ou mes‑ mo por disseminação hematogênica, o que desencadeia uma resposta inflamatória mediada por linfócitos T, previamente sensibilizados para o bacilo. O processo é exsudativo e decorre de uma reação de hipersensibilidade retardada do tipo IV, pro‑ duzindo uma reação granulomatosa. O fluido pleural contém altas concentraçães de proteína, com predomínio de linfomo‑ nonucleares, mas os achados de LDH e de glicose são variáveis e inespecíficos.9 Quadro clínico Na persistência da febre 48 a 72 horas após o início do trata‑ mento antimicrobiano para pneumonia, deve‑se avaliar a pre‑ Tratado de Pediatria 4ed.indb 1740 5/5/17 11:48 PM DERRAME PLEURAL • 1741 sença de derrame pleural. Anorexia, prostração, dor torácica ou abdominal e sinais de desconforto respiratório podem estar presentes. Pode haver diminuição do murmúrio vesicular e do frêmito, além de escoliose por posição antálgica causada pela dor pleurítica, mais frequente nos derrames extensos. A sinto‑ matologia depende do estágio da doença. Outros fatores que influenciam a apresentação clínica são o agente etiológico, a faixa etária, o uso prévio de antibióticos e as condições gerais do paciente. Diagnóstico No derrame pleural, o hemograma geralmente apresenta leu‑ cocitose com desvio à esquerda e trombocitose, quando asso‑ ciado à infecção bacteriana. Recomenda‑se que seja realizada a hemocultura para todas as crianças com suspeita de pneu‑ monia bacteriana que necessitem de hospitalização. Testes adicionais podem ser realizados, entre eles a detecção de antí‑ genos capsulares de Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae tipo b.7 Teste tuberculínico e pesquisa de bacilos álcool‑ácido‑re‑ sistentes no escarro ou no lavado gástrico e no líquido pleural devem ser realizados em pacientes com fatores de risco para tuberculose ou que apresentem pneumonia de evolução pro‑ longada.9 Além da anamnese e do exame físico, a radiografia de tórax em posição ortostática (Figura 1) ou, na impossibilidade desta, em decúbito dorsal, é um exame de realização obrigatória. Os estudos de perfil ou com o paciente deitado lateralmente com raios horizontais também devem ser avaliados. No início do quadro, o derrame pode consistir apenas de uma obliteração do seio costofrênico, mas pode aumentar rapidamente de volume. A ultrassonografia (Figura 2) é um método não invasivo e pode ser realizada junto ao leito do paciente, sendo de grande utilidade na detecção de derrames muito pequenos, visualiza‑ ção de loculações e para auxiliar na localização mais adequada para a toracocentese. A tomografia computadorizada (TC), so‑ mente indicada em casos muito específicos e realizada prefe‑ rentemente com contraste venoso, fornece poucas vantagens adicionais à ultrassonografia.10 A toracocentese associada à clínica pode permitir o estabe‑ lecimento do diagnóstico em aproximadamente 75% dos ca‑ sos.11 Em condições normais e comparando com o plasma, o líquido pleural, com volume estimado de 0,3 mL de líquido/ kg de peso corporal, contém pequeno número de macrófagos, linfócitos e células mesoteliais, além baixa concentração de proteína. Os níveis de bicarbonato são maiores e os níveis de glicose são similares aos do plasma.7 Líquido amarelo citrino é típico dos transudatos e de al‑ guns exsudatos, como derrames malignos ou parapneumôni‑ cos na fase inicial ou tuberculose. Líquido sanguinolento, na ausência de trauma, sugere malignidade. Esbranquiçado ou leitoso amarelado sugere empiema ou derrame quiliforme. Se é purulento, trata‑se de um empiema. O odor pútrido é encon‑ trado em derrame causado por germes anaeróbicos. Para ca‑ racterização do exsudato, é necessário pelo menos um dos três critérios: proteína pleural/proteína plasmática > 0,5; de‑ sidrogenase lática (DHL) pleural/DHL plasmática > 0,6 ou DHL pleural > 2/3 do limite superior de normalidade do plas‑ ma. Geralmente, nessas situações, a proteína do líquido pleu‑ ral é maior que 3 g%.11 Um processo inflamatório próximo à pleura, tanto tecidual quanto vascular, leva as células mesoteliais a produzirem me‑ diadores de inflamação, principalmente interleucinas 1, 6 e 8, TNF‑alfa e fator de ativação plaquetária. Estes, por sua vez, le‑ vam a um aumento da permeabilidade vascular e a migração de neutrófilos e linfócitos. Nesse momento, o processo passa a ser exsudativo, com aumento da produção de líquido e inva‑ Figura 1 Radiografia de tórax evidenciando hipotransparência nos 2/3 inferiores do hemitórax esquerdo, com obliteração do seio costofrênico ipsilateral. Figura 2 Exemplo de ultrassonografia do tórax sendo realizada como treinamento. Tratado de Pediatria 4ed.indb 1741 5/5/17 11:48 PM 1742 • TRATADO DE PEDIATRIA • SEÇÃO 21 PNEUMOLOGIA são de bactérias através do epitélio. Com a evolução, o derra‑ me passa a ser fibrinopurulento, com migração de neutrófilos e ativação da cascata da coagulação e diminuição da fibrinóli‑ se, o que favorece a formação de loculações, podendo evoluir, no estágio de organização, para a formação de uma carapaça inelástica, dificultando a troca gasosa e a expansibilidade pul‑ monar. O pH e a glicose do líquido pleural caem e a DHL se ele‑ va.10 A identificação do agente etiológico na efusão pleural pode ser difícil, uma vez que a maioria dos derrames é estéril, talvez pelo uso prévio de antibióticos. Outros fatores podem contri‑ buir para um menor rendimento das técnicas diagnósticas de identificação: dificuldades no processamento do material, ho‑ rário de recebimento impossibilitando a semeadura no meio de cultura e necessidade de técnicas especiais. Mesmo em sé‑ ries em que os exames bacteriológicos não identificam cresci‑ mento bacteriano, esse agente ainda tem sido o mais identifi‑ cado por técnicas de biologia molecular.7 Tratamento A evolução do processo parapneumônico pleural e o conse‑ quente estabelecimento de estágios de evolução podem ser difíceis, mas têm influência no tratamento a ser instituído. Durante a fase exsudativa, o tratamento parece estar exclusi‑ vamente fundamentado no uso de uma antibioticoterapia adequada, enquanto, no estágio fibropurulento, existe a ne‑ cessidade de drenagem fechada. No estágio de organização, são necessários procedimentos cirúrgicos mais invasivos. Por‑ tanto, é fundamental a tentativa de se adotar critérios clínicos que possam facilitar a avaliação desses pacientes. Inúmeros esquemas de classificação têm sido propostos para caracteri‑ zar o espectro das efusões parapneumônicas. Nos processos infecciosos, o CO2 e o ácido lático acumulam‑se no espaço pleural, e o pH cai, em geral, a valores abaixo de 7,1. A DHL au‑ menta em decorrência da lise celular, sendo importante, nes‑ ses casos, a drenagem pleural fechada. Essas análises bioquí‑ micas auxiliam na decisão do melhor procedimento a ser realizado. Deve‑se considerar, entretanto, que efusões pleu‑ rais com padrão exsudativo podem ocorrer em processos ma‑ lignos, infarto pulmonar, artrite reumatoide, doenças autoi‑ munes,pancreatite, reação a drogas e infecções fúngicas.7 A toracocentese é um método diagnóstico e terapêutico, podendo, nos derrames volumosos, proporcionar alívio dos sintomas. A punção deve ser realizada, idealmente, antes da administração de antibióticos. É um procedimento simples, mas deve ser realizada por equipe experiente. Pode ser realiza‑ da com a criança na posição sentada ou em decúbito dorsal. A agulha é introduzida entre os espaços intercostais, na linha axilar média ou posterior, e no bordo superior da costela infe‑ rior, para não lesar o feixe vasculonervoso. Identifica‑se o es‑ paço pleural pela sensação ao transfixar a pleura ou pela aspi‑ ração de líquido. Das complicações das toracocenteses, a mais frequente é o pneumotórax. Outras intercorrências incluem dor local, infecção e sangramento. Nos transudatos associa‑ dos à insuficiência cardíaca, síndrome nefrótica ou ascite, o procedimento é raramente necessário.7,10 Com o intuito de identificar o agente etiológico no derrame, o exame bacterioscópico e a cultura do líquido pleural devem ser realizados. Existem meios específicos para bactérias aeró‑ bicas e, em casos selecionados, o material deve ser semeado para germes anaeróbicos. A contraimunoeletroforese e a aglu‑ tinação por látex podem ser solicitadas para antígenos capsu‑ lares. A reação em cadeia da polimerase (PCR) em tempo real é dispendiosa e não amplamente utilizada.6,10 O empiema sempre deve ser drenado e, nesse caso, o exa‑ me bioquímico pode ser dispensado, mas deve ser encami‑ nhado para exame bacterioscópico e cultura, independente‑ mente do uso prévio de antibióticos. Efusões fétidas sugerem a presença de anaeróbios.2 A citologia pode ser útil, uma vez que a presença de poli‑ morfonucleares indica processo infeccioso bacteriano. Já a presença de linfócitos pode indicar tuberculose ou malignida‑ de. Alguns outros critérios parecem estar associados com a ocorrência de tuberculose: presença de DHL elevada e ADA positivo. Entretanto, nenhum desses achados é patognomôni‑ co, já que pequena parte dos pacientes com tuberculose pode apresentar neutrofilia e alguns pacientes com quadro viral também. Nos casos de doença maligna, é comum a presença de hemácias.2‑10 Na presença de líquidos não purulentos, eles devem ser en‑ caminhados para avaliação bioquímica, com medida dos ní‑ veis de glicose, pH e DHL, auxiliando na decisão do manejo te‑ rapêutico.1 A proteína C reativa é importante fator de fase aguda em muitos tipos de infecção, sendo já reconhecida sua importân‑ cia para definir se a efusão pleural é parapneumônica, princi‑ palmente quando os níveis estão acima de 45 mg/dL. Estudos recentes mostram que os níveis acima de 100 mg/dL indica‑ riam a presença de pneumonia complicada e que exige drena‑ gem.12 Não existem consensos baseados em evidências para orientar a decisão de quando uma criança deva ser submetida à drenagem. Alguns estudos sugerem que o perfil bioquímico do líquido pleural pode ajudar nessa decisão. Os critérios para indicação de drenagem descritos na literatura, em ordem de‑ crescente, são: aspecto macroscópico (aspecto e odor), volu‑ me, bactéria identificada e características bioquímicas que su‑ gerem a presença de empiema (pH < 7,2; glicose < 40 mg/dL). Entretanto, para utilizar‑se o pH como parâmetro na decisão terapêutica de drenar ou não, o fluido deve ser processado com os mesmos cuidados utilizados para a análise dos gases arteriais. Os derrames parapneumônicos não complicados, cuja cau‑ sa pulmonar esteja tratada, podem ser absorvidos à medida que a pneumonia regride. Entretanto, derrames volumosos e/ ou que comprometem a função ventilatória provavelmente necessitarão de drenagem. Cerca de 2/3 são exsudatos que podem evoluir para empiema, se não forem prontamente identificados e tratados. Sendo assim, a drenagem deve ser realizada na fase exsudativa, antes da instalação do empiema, pois abrevia a evolução. O objetivo da drenagem pleural é pro‑ porcionar melhora clínica, diminuir a duração do quadro toxê‑ Tratado de Pediatria 4ed.indb 1742 5/5/17 11:48 PM DERRAME PLEURAL • 1743 mico, reduzir o tempo de hospitalização e prevenir a escoliose e o espessamento pleural, que pode evoluir para doença pul‑ monar restritiva. O atraso no diagnóstico, com o consequente retardo no início da drenagem pleural, pode contribuir para a falência de resposta clínica, levando à necessidade de procedi‑ mentos mais invasivos.7,10 O esquema mostrado na Figura 3 representa uma proposta de conduta diagnóstica e terapêutica. Em pacientes com derrame pleural, não se pode prescindir do tratamento antibioticoterápico, devendo incluir cobertura para Streptococcus pneumoniae, pela maior prevalência desse agente, até que se obtenha o resultado de hemocultura e/ou cultura da efusão pleural. É necessário ampliar a cobertura do espectro antimicrobiano para infecções hospitalares, bem como para aquelas secundárias a cirurgia, trauma e aspiração. Na pediatria, a penicilina cristalina na dose de 100.000 a 200.000 UI é geralmente a droga de escolha, podendo ser acrescentado outro medicamento ou feita a opção por outro antimicrobiano, dependendo da faixa etária, condições clíni‑ cas ou doença de base associada. Em caso de ausência de res‑ posta clínica, deve ser avaliada a possibilidade de trocar a anti‑ bioticoterapia por outro antimicrobiano.1,7,10,11 O objetivo de se instilar fibrinolíticos dentro da cavidade pleural é promover lise das linhas de fibrina, limpar os poros linfáticos e, consequentemente, melhorar a drenagem do der‑ rame. Portanto, a indicação da terapêutica recai sobre pacien‑ tes portadores de efusões nos quais se identifica a presença de septos. Vários têm sido utilizados na população pediátrica para se obter tal objetivo, a saber, estreptoquinase, uroquinase e alteplase. O sucesso descrito pelo emprego desse recurso te‑ rapêutico oscila entre 80 e 90% dos casos, e as complicações associadas ao procedimento são baixas.10 Quando utilizado na população pediátrica, a uroquinase deve ser dada 2 vezes/dia durante 3 dias (6 doses no total) usando 40.000 U em 40 mL de soro fisiológico a 0,9% para crianças de 1 ano de idade ou mais, e 10.000 U em 10 mL de soro fisiológico a 0,9% para crianças com menos de 1 ano de idade.7 Se ocorrer uma falha no tratamento clínico e não houver resposta à utilização de drenagem simples, de antibioticotera‑ pia e de fibrinolíticos, ou se o paciente permanecer em sepse por causa de uma coleção mantida, pode ser indicada a reali‑ zação da cirurgia videoassistida por toracoscopia (VATS) para limpeza da cavidade pleural. A VATS consegue debridar o ma‑ terial piogênico‑fibroso, abrir as loculações presentes na cavi‑ dade pleural e drenar o pus da cavidade pleural sob visão dire‑ ta. Muitos estudos mostram que a VATS é eficaz e segura, que o tempo de permanência hospitalar é menor e que há menos dor pós‑operatória. No entanto, não há estudos controlados e randomizados para mostrar que essa forma relativamente nova de tratamento é mais eficaz e segura do que as técnicas operatórias existentes. As contraindicações para desbrida‑ mento por essa técnica incluem dificuldade para abrir uma ja‑ nela pleural e acessar a cavidade pleural, presença de material grosso piogênico ou espessamento pleural extenso.13 Figura 3 Conduta diagnóstica e terapêutica em derrames pleurais parapneumônicos. Fonte: Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).1 Derrame pleural ou Toracocentese (Gram e cultura) Purulento Drenagem pH < 7,2 ou glicose < 40 ou Gram e/ou cultura + Nova toracocentese Piora Melhora: manter conduta Piora: discutir antibiótico e toracoscopia Não purulento pH > 7,2 Glicose > 40 Observação 24 a 48 h Reavaliação Melhora: manter conduta Tratado de Pediatria 4ed.indb 1743 5/5/17 11:48 PM 1744 • TRATADO DE PEDIATRIA • SEÇÃO 21 PNEUMOLOGIA Na impossibilidade de utilização do pleuroscópio, é possível obter um bom resultadocom uma incisão intercostal mínima o suficiente para introduzir dois afastadores e proceder à aspira‑ ção do conteúdo exsudativo pleural. Após a toracoscopia, o em‑ piema resolve‑se, em média, em 7 dias. A minitoracotomia é ca‑ paz de facilitar o desbridamento e a evacuação de uma forma mais efetiva, mas é um procedimento aberto, deixando uma pe‑ quena cicatriz linear ao longo da linha de costela. Devem ser re‑ servados para casos de abordagem mais tardia, com empiema e espessamento pleural fibroso, empiema loculado e fibrose pleu‑ ral maciça e empiema crônico. Dois estudos não randomizados compararam pacientes operados durante períodos diferentes usando minitoracotomia ou toracotomia convencional. As con‑ clusões foram limitadas em virtude da natureza dos estudos, mas favoreceu a abordagem minimalista invasiva com redução da duração da permanência hospitalar, da dor no pós‑operató‑ rio e da necessidade de drenagem torácica prolongada.14 Já a decorticação envolve uma toracotomia posterolateral aberta e excisão da pleura espessa e fibrosa com evacuação de material piogênico. É um procedimento mais longo e compli‑ cado, dependendo da extensão atingida, e deixa uma cicatriz linear maior ao longo da linha de costela. Pode evoluir com dor intensa e desconforto no pós‑operatório, dependendo do grau de manipulação da cavidade torácica.15 Prognóstico Em crianças, os derrames pleurais geralmente são secundá‑ rios à infecção bacteriana aguda, com diagnóstico baseado em métodos clínicos e de imagem. Quando indicada, a toracocen‑ tese deve ser realizada imediatamente, e o líquido, examinado, devendo a drenagem ser feita o mais precoce possível nos ca‑ sos de derrames complicados. Atraso na drenagem aumenta a morbidade. Todos os derrames parapneumônicos devem ser tratados com antibióticos. A evolução e o prognóstico são bons e dependem do tratamento precoce e adequado do espa‑ ço pleural. Em casos mais graves, pode haver necessidade de abordagem cirúrgica. Prevenção Hábitos saudáveis de alimentação e higiene, incluindo o sa‑ neamento adequado, o reconhecimento precoce e o tratamen‑ to adequado das pneumonias na infância, além da manuten‑ ção do calendário vacinal atualizado, são as melhores medidas preventivas. Desafios Em todos os países, sobretudo naqueles em desenvolvimento, o desafio é seguir as medidas de prevenção e manejo adequa‑ do do derrame pleural. Ao final da leitura deste capítulo, o pediatra deve estar apto a: • Compreender os achados clínicos associados ao acúmulo de líquido pleural. • Entender as diferenças entre os derrames pleurais, com enfoque em transudatos e exsudatos, e os principais marcadores bioquímicos para essa diferenciação. • Reconhecer a relevância de outros exames complementares para auxílio no diagnóstico e no manejo terapêutico. • Reconhecer a pressão seletiva dos antimicrobianos e o impacto das imunizações contra Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae na etiologia dos derrames parapneumônicos ao longo do tempo. • Estabelecer a conduta inicial diante de uma criança com derrame pleural e o plano terapêutico a ser estabelecido de forma individualizada. Referências bibliográficas 1. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). Comitê de Pneumologia Pediátrica. Diretrizes Brasileiras em Pneumonia Adquiri‑ da na Comunidade em Pediatria. J Bras Pneumol 2007; 33(Supl1):S31‑ ‑S50. 2. 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