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Neurociências II Cecília Corrêa Dias BARREIRA HEMATOENCEFÁLICA Considerações iniciais: A barreira hematoencefálica dificulta a passagem de substâncias (moléculas e sinalizadores) do sangue para o tecido nervoso. A relação neurônio-vascular (proximidade entre neurônio e vaso sanguíneo) é crítica para o funcionamento cerebral normal, visto que há uma vascularização muito grande que precisa ser estritamente controlada. Os neurônios utilizam a glicose como principal combustível e possuem uma capacidade muito baixa de armazenamento, por isso a perfusão e a irrigação desse órgão é importante para a geração de energia, necessitando estar constantemente nutrido. Cerca de 650km de vasos sanguíneos percorrem o cérebro humano. Enquanto a superfície capilar disponível para transporte molecular é de 20m². O grande propósito da barreira hematoencefálica (BHE) é impedir que alguns componentes do sangue adentrem o espaço extracelular cerebral através da presença de estruturas endoteliais especializadas. Vários são os componentes que se encontram no sangue e que não podem entrar em contato com os neurônios, visto que o sangue é um ambiente desfavorável aos neurônios pela grande complexidade de solutos com os quais os neurônios não sabem trabalhar: Aminoácidos: alguns aminoácidos são neurotransmissores, como o glutamato (excitatório) e a glicina, podendo perturbar o funcionamento regular dos neurônios. Exercícios físicos: quando extenuante gera potássio, que é determinante para o potencial de repouso das membranas. Hormônios e mediadores inflamatórios: como as citosinas, que são liberadas no processo inflamatório. Componentes anatômicos: Dentre os componentes anatômicos da barreira hematoencefálica estão os microvasos sanguíneos, os quais possuem características que diferem dos capilares da periferia, pois esses capilares do SNC possuem uma lâmina basal que é contínua, garantindo a dificuldade da passagem de substâncias do interior do vaso para o exterior. Esses microvasos possuem um endotélio com 3 características estruturais: junções oclusivas, poucas vesículas pinocíticas intracelulares e muitas mitocôndrias. Em relação as junções oclusivas, elas juntam as células endoteliais muito próximas umas das outras. Nelas, há moléculas importantes: 1. Claudinas: são a base das junções oclusivas, as quais formam dímeros, em que o fechamento corresponde a união de duas claudinas. 2. Ocludinas: são reguladoras, as quais tem sítios de fosforilação que podem permitir ou não a passagem de algumas substâncias, ou seja, elas podem sofrer reações químicas e se abrir para a passagem de substância. 3. JAM: são moléculas de adesão juncional, juntamente com PECAM, que possivelmente modulam a migração de leucócitos. 4. ZOs: são proteínas citoplasmáticas acessórias “zona ocludens”. Elas se ligam as claudinas e as ocludinas auxiliando na estabilização dessas proteínas e reforçando as junções oclusivas a barreira. Em relação às poucas vesículas pinocíticas intracelulares, em capilares da periferia há muitas vesículas pinocíticas que fazem transporte de substância do capilar para o interstício. E em relação as mitocôndrias, há muitas delas. Neurociências II Cecília Corrêa Dias Diferentes tipos de bactérias utilizam-se de proteínas das células endoteliais para conseguirem alcançar o tecido cerebral. Dentre essas bactérias, tem os pneumococos e os meningococo, que utilizam do receptor para fator de agregação plaquetária (PAFR) para se aderir à célula endotelial garantindo a invasão no tecido. Tem também o S. pneumoniae que tem a proteína A ligadora de colina, tendo como alvo a laminina (molécula de lâmina basal), a qual quebra a laminina entrando no tecido. Ainda, tem a Listeria monocytogenes que tem moléculas internalinas que interagem com receptores celulares E-cadeironas presentes na região de junção aderente, facilitando a invasão ao tecido. Além dessas, tem também o Bacillus anthracis que quebra junções aderentes e junções oclusivas. Além dos microvasos sanguíneos, existem outros componentes anatômicos da barreira hematoencefálica, como os pericitos (célula), cuja função é dar integridade física e funcional a barreira. Essas células recobrem aproximadamente 30% da superfície externa dos vasos, isto é, são adjacentes aos capilares. Estão localizados entre a lâmina basal e as células endoteliais e apresentam propriedades semelhantes às das células musculares lisas, ou seja, possuem habilidade contrátil que auxilia na vasoconstrição e vasodilatação, se necessário. Ainda, os pericitos produzem uma série de fatores entre os quais regulam a proliferação endotelial, angiogênese e processos inflamatórios; produzem moléculas que induzem a polarização dos pés astrocitários (os astrócitos são muito numerosos e através dos pericitos há a identificação da localização em que a célula deve mandar os pés astrocitários). A ausência dessas células curva com vasculogênese anormal, hiperplasia endotelial e maior permeabilidade. Os componentes anatômicos da barreira hematoencefálica conta também com os pés dos astrócitos, que recobrem mais de 95% da superfície externa dos vasos, os quais tratam-se de prolongamentos dos astrócitos que vão se manter unidos uns aos outros. Os astrócitos podem ter papel crucial na formação das junções oclusivas, visto que a justaposição do pé terminal do astrócitos também facilita o transporte de substâncias entre esta célula e o sangue, além de ter um papel na vasodilatação (a atividade neuronal pode causar ondas de cálcio intracelular nos astrócitos, causando a vasodilatação), aumentando o aporte de sangue oxigenado para aquela região. Funções da barreira hematoencefálica: A barreira hematoencefálica é uma membrana com permeabilidade variável a diferentes substâncias, ou seja, não impede a entrada de todas as substâncias. Então, ela faz um papel de carreador de substâncias (coloca para dentro ou mantém fora do SNC). Trata-se de uma barreira: Paracelular: junções oclusivas restringem o movimento de componentes dissolvidos em água. Transcelular: baixa taxa de transcitose e endocitose. Neurociências II Cecília Corrêa Dias Enzimática: conjunto enzimático complexo que fazem a quebra química de substâncias para que não entrem no SNC. Em relação a função carreadora, a barreira está ligada no fornecimento de nutrientes e remoção de metabólitos, além de que pequenas moléculas lipofílicas e CO2 difundem-se passivamente. Nutrientes essenciais, como a glicose (GLUT1) e aminoácidos requerem transportadores específicos. Então, ela pode realizar alguns transportes: Transporte paracelular: moléculas pequenas e que estejam dissolvidas em H20. Transporte lipofílico: moléculas lipofílicas pequenas conseguem atravessar a membrana. Transporte proteico: deixam entrar no SNC a glicose, alguns Aa e medicamentos com o auxílio de carreadores. Transporte mediado por receptor: como a insulina. Transporte de adsorção: é baseado em cargas, envolvendo algumas proteínas. Portanto, existem duas classes de substâncias que passam facilmente entre sangue e cérebro: moléculas pequenas e lipossolúveis, como anestésicos e cafeína; e componentes hidrossolúveis que se utilizam de transportadores específicos, como a glicose, creatina e alguns aminoácidos. A função da BHE não deve ser compreendida como algo absoluto e tampouco fixo. O perfil fenotípico da barreira pode sofrer mudanças reversíveis, modificações feitas devido a inflamação, hipóxia e desnutrição, traumatismos cranianos e infecções bacterianas. Em relação às inflamações, ocorre a abertura das junções oclusivas, contribuindo para um edema cerebral (as principais moléculas capazes de tal são bradicinina e histamina). A hipóxia e desnutrição suprarregulam a expressão do transportador GLUT1, ligado a glicose, ou seja, há mais transportador sendoexpresso para captar o máximo de glicose disponível. Os traumatismos cranianos alteram a integridade física e as infecções bacterianas geram inflamação, como a S. pneumoniae que aumenta marcadores pró-inflamatórios. É importante lembrar que a combinação de transportadores e canais iônicos específicos que mantêm a composição iônica ótima envolvem os íons cálcio, magnésio e potássio. Além disso, existem algumas substâncias que devem ser mantidas na periferia do corpo, como o glutamato, pois esse funciona como neurotransmissor; algumas proteínas plasmáticas (como a protrombina e plasminogênio), pois podem deflagrar a apoptose de neurônios, divisão celular da glia e crises convulsivas; e toxinas, que envolvem componentes endógenos (produtos de metabolismo) ou xenobióticos (fármacos). Transportadores de efluxo: Trata-se de bombas de extrusão. A principal, glicoproteína P (PGP), possui a função de reconhecimento de moléculas presentes no sangue. Estas moléculas que não podem entrar na BHE, ao adentrarem a célula endotelial, são retiradas pela PGP e jogadas de volta ao sangue, não deixando agir sobre o SNC. Além da PGP, existe outros transportadores, como a BCRP, MRP4 e Oatp. Algumas áreas não apresentam a BHE (são abastecidas por capilares permeáveis), chamados de órgãos circunventriculares: - Região de eminência mediana: neurônios lançam hormônios liberadores que se difundem nos capilares permeáveis para serem transportados via sistema porta-hipofisário para hipófise. - Hipófise posterior. - Órgão subfornical: possui quimiorreceptores para monitoramento dos níveis de angiotensina II. - Glândula pineal: secreção de melatonina. - OVLT (órgão vasculoso de lâmina terminal): possui osmorreceptores sensíveis a sódio e pressão osmótica do sangue, o qual capta informações de osmolalidade. - Área postrema: abarca a zona de gatilho quimiorreceptora (ZGQ) para detecção de substâncias tóxicas no sangue. Todos esses órgãos estão localizados em região de diencéfalo, em que os neurônios estão expostos a composição do plasma. O LEC neural nas imediações desses capilares permeáveis se parece muito com o plasma do que Neurociências II Cecília Corrêa Dias o líquido extracelular neural de outras áreas. Lembrando que o diencéfalo fica próximo de hipotálamo, importante para a regulação de várias funções vitais. Os sinais humorais são integrados através de conexões neuronais dos órgãos circunventriculares para os centros endócrinos, autonômicos e comportamentais no SNC.
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