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NOVAS LINGUAGENS E TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS RODRIGO VINÍCIUS SARTORI Código Logístico 57294 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6420-5 9 788538 764205 Novas Linguagens e Tecnologias Educacionais IESDE BRASIL S/A 2018 Rodrigo Vinícius Sartori Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ S26n Sartori, Rodrigo Vinícius Novas linguagens e tecnologias educacionais / Rodrigo Vinícius Sartori. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2018. 128 p. : il. ; 21 cm. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6420-5 1. Educação. 2. Tecnologia educacional. 3. Inovações educa- cionais. I. Título. 18-48835 CDD: 371.334 CDU: 37.016:316.774 © 2018 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: PureSolution/Shutterstock; Pogonici/iStockphoto Rodrigo Vinícius Sartori Doutorando em Administração pela Universidade Positivo (UP). Mestre em Engenharia da Produção, especialista em Gestão do Conhecimento nas Organizações e engenheiro indus- trial elétrico pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Professor, pesquisador e consultor sênior de gestão nas áreas de Qualidade e Inovação, com vivência internacional (EUA e Espanha). Desenvolve trabalhos acadêmicos e empresariais em todo o Brasil. Sumário Apresentação 7 1 Trajetória histórica da educação 9 1.1 Panorama geral sobre educação 9 1.2 História da educação no mundo 13 1.3 História da educação no Brasil 17 2 O que se deve entender por tecnologia 25 2.1 Educação, ciência, tecnologia e inovação 25 2.2 Quarta Revolução Industrial 29 2.3 Tecnologia educacional e educação tecnológica 33 3 Geração digital 39 3.1 Contexto histórico 39 3.2 Características da geração digital 42 3.3 Uma geração pós-digital? 46 4 Tecnologias de informação e comunicação (TIC) para a educação – parte I 53 4.1 Aula invertida 53 4.2 Educação a distância 57 4.3 Gadgets em sala de aula 60 5 Tecnologias de informação e comunicação (TIC) para a educação – parte II 67 5.1 Realidade virtual 67 5.2 Realidade aumentada 71 5.3 Redes sociais educacionais 75 6 TIC e o novo paradigma educacional 81 6.1 Educação aberta 81 6.2 A revolução dos Mooc 85 6.3 Ensino híbrido 89 7 TIC para formação de professores em EaD 95 7.1 Mudanças na formação docente 95 7.2 Capacitação continuada 98 7.3 A internacionalização da carreira docente 102 8 TIC para mediação pedagógica no Ensino Superior 109 8.1 Pedagogia digital 109 8.2 Gamificação 113 8.3 Novas possibilidades de inclusão 116 Gabarito 123 7 Apresentação No mundo de hoje, em que mudanças ocorrem constantemente e em alta velocidade, a educação também se transforma. Nas instituições de ensino, como representantes da nova con- figuração do sistema educacional, é inevitável a transformação da profissão do docente. Visando melhor preparar o professor do novo milênio, este livro apresenta um panorama das novas lingua- gens e tecnologias educacionais, discutindo sua evolução e imprescindibilidade nos processos de ensino-aprendizagem. Ao longo desta obra, dividida em oito capítulos, será destacado o importante elo entre educa- ção, tecnologia e inovação, atendendo ao desafio de ser professor de uma geração de nativos digitais. O Capítulo 1 enfoca a trajetória histórica da educação, trazendo uma breve contextualização sobre o tema, assim como uma análise da educação no Brasil e no mundo. O Capítulo 2 propõe um entendimento amplo sobre o campo das tecnologias e demonstra a relação da educação com a ciência e a tecnologia, distinguindo tecnologia educacional de educação tecnológica e explicando o momento histórico atual, da chamada Indústria 4.0. Por sua vez, o Capítulo 3 introduz o tema da geração digital, um neologismo que pretende diferenciar as características gerais do atual perfil dos alunos das instituições de ensino de todos os níveis. Por isso, é apresentado um contexto histórico sobre os “choques de gerações”, antevendo o possível porvir de uma geração “pós-digital”. Os Capítulos 4 e 5 são dedicados a uma extensa revisão das principais novidades em termos de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) para aplicações na educação, o que envolve temas com a aula invertida, o ensino a distância, a presença de gadgets em sala de aula, a realidade virtual, a realidade aumentada e as redes sociais educacionais. O Capítulo 6 discute o novo paradigma educacional baseado na perspectiva das TIC, valen- do-se de elementos como o modelo de educação aberta, a revolução dos Moocs e o ensino híbrido. O Capítulo 7 traz uma reflexão sobre as TIC no contexto específico da formação de professores, analisando a transformação da docência, a necessária capacitação continuada e as várias possibili- dades de internacionalização da carreira. Por fim, o Capítulo 8 conclui o livro estabelecendo um apanhado geral das TIC no tocante à mediação pedagógica, e, para isso, são tratados temas como pedagogia digital, jogos educacionais e novas possibilidades de inclusão. Esperamos que a obra seja inspiradora e motivadora a todos que se preparam para ser um melhor docente nesses novos tempos. Boa leitura! 1 Trajetória histórica da educação Naturalmente, discutir as novas linguagens e tecnologias educacionais passa primeiramente por colocar o processo de ensino e aprendizagem em perspectiva de análise; assim, convém proce- der com um apanhado geral sobre a educação, desde um panorama para explorar o tema, passando por uma breve análise histórica de sua trajetória no Brasil e no mundo. O que se constata é a presen- ça crescente de novidades tecnológicas associadas ao processo educacional, pois a tecnologia avança rapidamente e, consequentemente, interfere na necessidade de mudanças na escola. 1.1 Panorama geral sobre educação Segundo o educador José Manuel Moran1 (2007), a vida ensina de muitas formas, o tempo todo. Aprende-se a cada momento com as inúmeras oportunidades que vão se apre- sentando, com as diferentes pessoas no convívio diário, e com os erros e escolhas que vão se sucedendo. A vida pode ser um processo ativo, rico, complexo e desafiador de aprender em todas as dimensões, de realizar-se sempre mais e que, infelizmente, muitas pessoas desperdiçam. Além da educação que ocorre por vias informais, temos a educação formal, institucio- nalizada, que ocorre em espaços específicos, como escolas e universidades. Qual é o propósito da educação institucionalizada? Para Gert Biesta2 (2009), essa é uma indagação importante, reconhecendo que existe uma grande variedade de pontos de vista a respeito do tema. Nas sociedades democráticas, o debate sobre a função da educação formal perpassa tanto o ensino estatal (financiado com recursos públicos) quanto o modelo privado. Uma maneira de desen- volver uma estrutura para tal discussão é começar pelo exame das reais funções que os sistemas educacionais executam. Não se pode aprender sobre tudo: por isso, Moran (2007) entende que a educação for- mal implica necessariamente em escolhas. Ao se lançar para a apreensão de um determinado campo do conhecimento, inúmeros outros serão forçosamente descartados. Afinal, cada deci- são ajuda a avançar ou a regredir; o conjunto dos saberes, competências e escolhas serve para tornar as pessoas mais livres ou mais dependentes, mais abertas ou mais fechadas, mais inte- ressantes ou mais banais. E com as escolhas, são construídos percursos, trilhas, em ziguezague, com avanços e recuos, paradas e desvios. Mas constrói-se com todos esses saberes uma visão de mundo, um sistema de crenças e de valores, que possibilitam aos indivíduos alcançar um equilíbrio em meio às contradições, a encontrar coerência em escolhas imperfeitas e a rever1 O espanhol naturalizado brasileiro, José Manuel Moran, é filósofo, mestre e doutor em Comunicação e ex-professor da USP. Foi um dos fundadores do Projeto Escola do Futuro da USP, em 1989. Atualmente trabalha com projetos de educação e tecnologia voltados para novas metodologias de ensino e inovação na educação presencial e on-line. 2 Professor no Departamento de Educação da Brunel University London. É pesquisador na área educacional, com particular interesse na questão da democratização. Novas Linguagens e Tecnologias Educacionais10 consequências inesperadas ou contraproducentes – afinal, como descreve Eric Stevens (2014), o mundo vai se tornando cada vez mais simultaneamente ambíguo, complexo e incerto. Para Moran (2007), somente o tempo pode fornecer uma percepção mais clara do desenho dessa trilha sinuosa. Isso significa distinguir entre o que se conseguiu evoluir e o que, enfim, ainda implica em dificuldades de ordem intelectual, emocional e comportamental. Biesta (2009) sugere que a educação formal normalmente desempenha três funções dife- rentes (embora relacionadas): qualificação, socialização e subjetivação. A primeira delas, a cargo das escolas e demais instituições educacionais, reside na capacitação de crianças, jovens e adultos. Fundamenta-se em fornecer-lhes conhecimento, habilidades e compreensão visando habilitá-los a “fazer algo”. Esse “fazer” pode variar do muito específico (como nos casos de treinamento para um determinado trabalho ou profissão, ou mesmo treinamento para uma habilidade ou técnica específica) para o muito mais geral (como ocorre no caso da introdução à cultura moderna ou civilização ocidental). Para Biesta (2009), é indiscutível que a qualificação seja uma das principais funções da edu- cação organizada, o que resulta em um argumento sólido para justificar a educação financiada pri- mordialmente pelo Estado. Trata-se de um raciocínio econômico: a educação desempenha papel central na preparação da força de trabalho – assim, contribui para o desenvolvimento econômico e crescimento. Por isso, as críticas que se faz ao desempenho dos governos e das instituições de en- sino recorrentemente recaem sobre falhas na educação, no sentido de deixar de proporcionar uma preparação adequada para o trabalho. Contudo, a qualificação não é uma função restrita à preparação para o mundo de trabalho. Segundo Biesta (2009), fornecer aos alunos conhecimentos e habilidades também é importante para outros aspectos: entre eles, pode-se citar a alfabetização política (os conhecimentos e as habi- lidades necessárias para a cidadania) e a literacia3 cultural em geral (em termos de conhecimentos e habilidades requisitadas para o convívio na sociedade de uma forma mais geral). Desse quadro emerge uma segunda função principal da educação, denominada por Biesta (2009) de socialização. Essa é uma função que diz respeito às muitas maneiras pelas quais, por meio da educação, as pessoas se tornam membros ativos e parte estrutural de ordens sociais, cul- turais e políticas. É inegável que esse é um dos efeitos reais da educação, assumindo-se que ela nunca é perfeitamente neutra, mas sempre representa algo (uma ideologia, um poder político etc.), fazendo isso de diversas maneiras particulares. Biesta (2009) entende que a socialização é trabalhada nas instituições educacionais, por exemplo, no que diz respeito à transmissão de normas e valores, em relação à continuação de de- terminada cultura, tradição ou religião, ou para o propósito de socialização profissional – e mesmo que a socialização não seja o objetivo explícito dos programas e práticas educacionais, ainda ocor- rerá como efeito inerentemente associado à prática educacional. No entendimento de Biesta (2009), a educação não só contribui para a qualificação e socialização, mas também afeta o que se pode chamar de processo de individualização ou 3 Qualidade ou condição para ler e escrever. Trajetória histórica da educação 11 subjetivação – ou seja, o processo de se tornar um sujeito. A subjetivação talvez seja melhor en- tendida como o oposto da função de socialização. Diferente da inserção do “recém-chegado” em grupos sociais estabelecidos, o processo é justamente sobre como ser e agir para atingir alguma independência dessas ordens sociais; ser verdadeiramente um indivíduo, ou seja, um ser único, implica em não ser confundido apenas como mais um espécime de um grupo mais abrangente – portanto, diz respeito ao “conhecimento que liberta” do mito platônico da caverna (CORNELLI, 2007). A subjetivação envolve a conquista da real liberdade, o domínio sobre si mesmo: como reflete Moran (2007), é chocante constatar que tantas pessoas inteligentes e com boa formação não consigam se desenvolver plenamente, ao ficarem reféns de vícios complicadores e presas em armadilhas imobilizadoras de toda ordem. Se todo tipo de educação realmente contribui para a subjetivação é algo discutível. Há quem possa argumentar que esse não é necessariamente o caso e que a influência real da educação pode ser limitada à qualificação e socialização. Outros, contudo, teriam alguma razão ao defender que a educação sempre afeta o indivíduo de uma forma ou de outra – e, dessa forma, a função subjetiva- ção se faz de fato presente. Contudo, como lembra Biesta (2009), questão tão ou mais importante é a qualidade da subjetivação, ou seja, os tipos de subjetividade que se tornam possíveis como resultado de arranjos e configurações educacionais particulares. É em relação a esse aspecto que alguns clamam que qualquer educação digna de assim ser nomeada deve contribuir sempre com processos de subjetivação que permitem que os educandos se tornem pessoas mais autônomas e independentes quanto ao pensar e agir. De fato, Biesta (2009) alerta que quando se estabelecem discussões sobre o que constitui uma boa educação, o que se deve primeiramente reconhecer é que essa é uma questão composta: ou seja, para responder a essa indagação, primeiramente se faz necessário reconhecer as funções e propósitos a ela associados. Dessa forma, uma resposta consistente à questão do que é uma boa educação não omite posicionamento quanto à qualificação, socialização e subjetivação – mesmo no caso de que alguém eventualmente deseje argumentar a respeito de apenas um desses aspectos. Biesta (2009) entende que assumir que essa é uma questão composta não implica sugerir que as três dimensões da educação possam e devam ser vistas como completamente separadas. Muito pelo contrário: em tudo o que diz respeito à qualificação, sempre se impactam a socialização e a subjetivação. Da mesma forma, no que tange à socialização, o processo sempre envolve um determinado conteúdo particular (vinculando-se, portanto, com a função de qualificação) e com inevitável impacto na subjetivação. E mesmo nos casos em que a educação coloque a subjetivação em primeiro lugar, geralmente isso é feito em relação a um conteúdo curricular específico, o que sempre terá efeito de socialização. Novas Linguagens e Tecnologias Educacionais12 O entendimento de Biesta (2009) é que as três funções da educação podem, portanto, ser melhor representadas na forma de um diagrama de Venn4, ou seja, como três áreas parcialmente sobrepostas (Figura 1), sendo que as questões mais interessantes e importantes são sobre as inter- seções entre as áreas e não as áreas individuais per se. Separar as três dimensões é um exercício útil apenas para fomentar o raciocínio analítico no que diz respeito à educação, ou seja, na tentativa de se responder ao que é uma boa educação. Figura 1 – Diagrama de Venn da integração das funções da educação, segundo Biesta (2009) Qualificação Socialização Subjetivação Fonte: Elaborada pelo autor. Provavelmente, um dos maiores méritos de um bom sistema educacional é fazer com que o processo de aprendizagem originalmente imposto compulsoriamente (com toda razão) à criança se torne gradativamente algo espontaneamente buscado pelo indivíduo como umadas máximas priori- dades da vida. Afinal, como afirma Moran (2007), aprender de forma aberta e intencional é a maior riqueza que uma pessoa pode acumular, a que acrescenta maior valor e significado à vida humana e, consequentemente, a que traz maior realização em tudo o que se faz – o que corrobora a máxima atribuída a Benjamin Franklin que investir em conhecimento rende sempre os melhores juros. Moran (2007) entende que uma educação em todas as dimensões, e de forma contínua, não é privilégio de poucos afortunados, mas algo realmente viável para todas as pessoas, independen- temente de faixa etária, sendo um esforço sempre recompensado à altura. A educação possibilita, ainda, habilitar as pessoas para dispender seu tempo de forma mais criativa, empreendedora e realizadora, proporcionando significado à vida, por meio do acúmulo de boas experiências. Por esse motivo, torna-se crucial que as crianças e os jovens desenvolvam seu projeto de vida na escola e em casa, trabalhando ainda sua visão de futuro. É preciso aprender ativamente com experiências significativas, projetos e grupos para perceber a relação disso com a vida e para sentir que qualquer pessoa pode (e deve) empreender desde cedo. 4 Diagramas de Venn são recursos usados em matemática para simbolizar graficamente propriedades, axiomas e problemas relativos aos conjuntos e sua teoria. Os respectivos diagramas consistem de curvas fechadas simples dese- nhadas sobre um plano, de forma a simbolizar os conjuntos e permitir a representação das relações de pertencimento entre conjuntos e seus elementos e relações de continência (inclusão) entre os conjuntos. Assim, duas curvas que não se tocam e estão uma no espaço interno da outra simbolizam conjuntos que possuem continência; ao passo que o pon- to interno a uma curva representa um elemento pertencente ao conjunto. Do mesmo modo, espaços internos comuns a dois ou mais conjuntos representam a sua interseção, ao passo que a totalidade dos espaços pertencentes a um ou outro conjunto indistintamente representa sua união. Trajetória histórica da educação 13 O exemplo alheio conta muito: crianças e jovens precisam encontrar nos seus pais e profes- sores pessoas que verdadeiramente gostem de aprender, que nitidamente evoluam cada vez mais. Ou seja, ter exemplo de pessoas com vidas interessantes e inspiradoras. Ensinar com o exemplo que todos são aprendizes atentos e afetivos é a maior lição que se pode oferecer aos estudantes e aos filhos, para que eles se motivem a aprender, a desenvolver autonomia e motivação para uma vida de desafios e realizações crescentes, conduzindo projetos interessantes, socialmente relevantes e genuinamente gratificantes. A educação serve, sobretudo, para possibilitar uma vida plena, e por isso é um dos grandes deveres morais da civilização (MORAN, 2007). 1.2 História da educação no mundo Os recursos educacionais vão se transformando com o passar do tempo. É preciso ter em mente que a trajetória da educação e o desenvolvimento civilizacional estão correlacionados. Por exemplo, não há por que duvidar que um protótipo de sistema educacional surgiu no mundo tão logo aparece a tradição oral de transmissão do conhecimento entre as pessoas. Tal arranjo, no en- tanto, tinha suas óbvias limitações, dependendo em demasia do talento e da capacidade de alcance do orador. Mas é com o desenvolvimento da escrita que a educação realmente obtém seu primeiro marco tecnológico mais contundente, potencializando os resultados alcançados. E isso, segundo os historiadores, começa por volta de 3500 a.C., com evidências de vários sistemas de escrita desen- volvidos em civilizações antigas em todo o mundo (FISCHER, 2004). No Egito, hieróglifos totalmente desenvolvidos estavam em uso na região de Abidos já em 3400 a.C. O alfabeto conhecido mais antigo foi desenvolvido no centro do Egito por volta de 2000 a.C. com base em um protótipo hieroglífico. Inscrições hieroglíficas foram usadas em monumentos de pedra. Alguns escritos cursivos foram usados para escrever à tinta sobre papiros, que são formados por um material flexível e semelhante ao papel, feito com caules de juncos que crescem em pântanos e ao lado de rios presentes na região, como o famoso Rio Nilo (BAINES, 1983; FISCHER, 2004). Fischer (2004) relata que o sistema de escrita fenícia foi adaptado do modelo proto-cananeu em torno do século XI a.C.; este que, por sua vez, havia sido influenciado pela cultura dos hieró- glifos egípcios. A escrita seria, então, adaptada pelos gregos. Uma variante do alfabeto grego ini- cial deu origem ao alfabeto etrusco, e seus próprios descendentes, como o alfabeto latino. Alguns descendentes do alfabeto grego incluem a escrita cirílica, usada para, entre outros, escrever na língua russa. O sistema fenício também foi adaptado à escrita aramaica, do qual a forma hebraica e também o árabe são descendentes. Na China, a chamada escrita oráculo em ossos remonta ao período entre 1400 a.C. e 1200 a.C. na dinastia Shang. De mais de 2.500 caracteres originais da China naquela época, por volta de 1.400 deles são identificáveis como a fonte de caracteres chineses padrão mais recentes (EBREY, 2009). Dos vários tipos de escrita pré-colombiana na Mesoamérica, o que parece ter sido melhor desenvolvido e detém o maior interesse de interpretação é o modelo maia. As primeiras inscrições associadas aos maias datam do século III a.C., com tal escrita perdurando até logo após a chegada dos conquistadores espanhóis no século XVI (FISCHER, 2004). Novas Linguagens e Tecnologias Educacionais14 No Oriente Médio se encontram algumas das evidências mais antigas no que se refere a sistemas educacionais. No que viria a se tornar a região da Mesopotâmia, o sistema logográfico5 inicial da escrita cuneiforme era de uma complexidade tal que costumava levar muitos anos para a alfabetização ser concluída. Assim, tradicionalmente, poucos indivíduos eram contratados como escribas, a fim de serem treinados em sua leitura e escrita. Somente descendentes reais e filhos dos ricos e de profissionais, como escribas, médicos e administradores do templo aprendiam a ler e escrever. A maioria dos meninos costumava ser preparada para assumir o comércio de seus pais, ou então ensinadas a organizar seu próprio comércio. Por sua vez, as meninas ficavam em casa com suas mães para aprender a arrumar a casa, cozinhar e cuidar de crianças e bebês. Mais tarde, observou-se que o aumento na difusão da escrita silábica correspondia a uma maior alfabetização geral da população da Mesopotâmia (FISCHER, 2004). Segundo Fischer (2004), ainda na época babilônica, já havia bibliotecas na maioria das cida- des e templos. Um velho provérbio sumério advertia que “aquele que desejasse se destacar na escola dos escribas deveria acordar cedo”. Surgia, naquele tempo, uma classe social inteira de escribas, principalmente empregados na agricultura, mas incluindo também algumas funções como secretá- rios pessoais ou advogados. As mulheres, assim como os homens, aprendiam a ler e escrever, e para os babilônios semíticos, isso envolveu o conhecimento da língua suméria extinta e um silabário complicado e extenso. Vocabulários, gramáticas e traduções interlineares foram compilados para o uso por estudantes, bem como comentários sobre textos mais antigos e explicações de palavras e frases obscuras. Uma quantidade realmente grande de coleções de textos foi recuperada junto a achados arqueológicos das antigas escolas de escrita babilônicas, pelas quais a alfabetização foi disseminada. Entre esses textos, figura a Epopeia de Gilgamesh, um poema épico da Mesopotâmia Antiga, que é uma das primeiras obras conhecidas de ficção literária. Assurbanipal (685-627 a.C.) foi um rei do Império neo-assírio, que se orgulhava de sua edu- cação de escrivão. As suas atividades acadêmicas juvenis incluíram adivinhação, matemática, lei- tura e escrita, bem como equitação, caça, carruagem, soldagem, artesanato e decoro real. Duranteseu reinado, ele coletou textos cuneiformes de toda a Mesopotâmia, e especialmente da Babilônia, na biblioteca de Nínive, conhecida por ser a primeira biblioteca sistematicamente organizada no antigo Oriente Médio, que, aliás, sobrevive em parte até hoje (FISCHER, 2004). Para historiadores como Baines (1983), no antigo Egito a alfabetização também estava res- trita a uma elite educada de escribas, a exemplo da Mesopotâmia: somente as pessoas de certos se- tores podiam treinar para se tornar escribas, a serviço de chefes de templo, autoridades faraônicas e comandos militares. Como curiosidade, o sistema de hieróglifos, que sempre foi difícil de apren- der, em séculos posteriores tornou-se intencionalmente ainda mais hermético, pois isso preservava o status dos escribas: um primeiro indício da política do “conhecimento é poder”. Consta que a taxa de alfabetização no Egito faraônico durante a maioria dos períodos do terceiro ao primeiro milênio a.C. foi estimada em não mais de 1% da população. 5 Por definição, uma logografia é um símbolo gráfico qualquer, que registra um princípio racional, ou seja, que define sentido a coisas ou objetos. Trajetória histórica da educação 15 É relatado por Compayre e Payne (2014) que no Israel Antigo, o Torá, o texto religioso fun- damental dos hebreus, incluía comandos para ler, aprender, ensinar e escrever o próprio Torá, exi- gindo profunda literacia e estudo. No ano 64 d.C., um acontecimento significativo foi que o sumo sacerdote da época fez com que escolas fossem abertas. Nelas, foi dada ênfase ao desenvolvimento de boas habilidades de memória, além da compreensão da repetição oral. Embora as meninas não recebessem educação formal no sistema de ensino Yeshivá, elas eram estimuladas a conhecer vá- rios ramos de conhecimento de modo que pudessem ser consideradas prontas para administrar a casa após o casamento e educar as crianças de até 7 anos de idade. No caso da civilização islâmica, distinta por sua forte difusão entre a China e a Espanha durante o período entre os séculos VII e XIX, incluindo o período da idade das trevas na Europa, os muçulmanos abriram escolas a partir do ano 622 em Medina, atual cidade da Arábia Saudita. O ensino primeiramente ocorria nas mesquitas, que logo seriam circundadas pela edificação das escolas. A primeira neste regime separado foi a escola Nizamiyyah, construída em 1066 em Bagdá (hoje, capital do Iraque). As crianças começavam a estudar a partir dos 6 anos de idade, com ma- trícula gratuita. Os ensinamentos do Alcorão (o livro sagrado dos islâmicos) determinam que os muçulmanos devem aprender a ler, escrever e explorar o universo. Assim, com esta obrigação de cunho religioso, a educação e a escolaridade surgiram nas antigas sociedades muçulmanas. Além disso, o mundo islâmico é responsável por uma das primeiras universidades registradas na História: a Universidade Al-Qarawiyin na cidade de Fez, em Marrocos (originalmente, uma mes- quita, construída no ano 859) (AL-HASSANI, 2011). A religião também teve papel fundamental para o sistema educacional da antiga Índia, ainda no período védico, entre 1500 a.C. e 600 a.C. (GUPTA, 2007). No caso da China, conforme relata Ebrey (2009), o contexto de formação das primeiras escolas era de natureza mais filosófica, com o advento do confucionismo. O amor à sabedoria (filosofia) também seria determinante para o regime educacional estabelecido nas antigas Grécia e Roma, à época de seus impérios (FISCHER, 2004). De modo geral, na Idade Média (500 d.C. a 1600 d.C.) é que os sistemas educacionais ga- nham grande institucionalização, espalhando-se pelo mundo, principalmente a partir da Europa, conforme comenta Ball (2017). De fato, após o século XV, o que se percebe nitidamente é que os sistemas modernos de educação na Europa derivam suas origens das escolas da Alta Idade Média. A maioria das escolas naquela época foi fundada em princípios religiosos, com o objetivo principal de treinar o clero. Muitas das primeiras universidades, como a Universidade de Paris, fundada em 1160, tinham uma base cristã. Além disso, existiam várias universidades seculares, como a Universidade de Bolonha, fundada em 1088 (TILLEY, 2017). A educação gratuita para os pobres foi oficialmente imposta pela Igreja católica em 1179. Paróquias e mosteiros também estabeleceram escolas gratuitas, que ensinavam fundamentalmente habilidades literárias básicas. Com poucas exceções, sacerdotes e religiosos ensinavam localmente, e seus salários eram frequentemente subsidiados pelas cidades. Escolas privadas e independentes reapareceram na Europa medieval durante esse período, mas também eram de natureza religiosa, como no caso dos empreendimentos missionários (TILLEY, 2017). Novas Linguagens e Tecnologias Educacionais16 É preciso destacar o papel histórico dos monges copistas, com seu meticuloso e paciente traba- lho manual de transcrição de textos históricos: para O´Connor (1921), sem os seus esforços inteligen- tes e infatigáveis, a literatura grega e latina teria desaparecido tão completamente quanto a literatura da Babilônia e da Fenícia. De fato, do empenho de tão poucos indivíduos, anônimos para a História, dependeu o destino cultural do Ocidente. De forma gradativa, principalmente a partir do surgimento das universidades no século XII, a tradição manuscrita ampliou o scriptorium6 dos mosteiros para todas as classes da sociedade: clero secular, freiras, notários, escribas profissionais, professores, estu- dantes etc. De todo modo, a essa época, a transmissão dos textos já estava garantida – a Europa tinha ultrapassado os difíceis momentos de transição do mundo clássico para o medieval. Na época, o currículo geralmente se baseava em torno das chamadas sete artes liberais, com o trivium (gramática, dialética e retórica) e, em menor medida, o quadrivium (aritmética, geome- tria, astronomia e música). As aulas eram realizadas em latim. Como curiosidade, é interessante observar que é do trivium que se origina o termo em português “trivial”, adjetivo que caracteriza algo básico, simples ou banal (afinal, esee era o contraste de dificuldade entre as disciplinas do trivium e do quadrivium) (TILLEY, 2017). Para Burke (1985), um dos fatos tecnológicos mais relevantes de toda a história da humani- dade, principalmente a partir da perspectiva de sistemas educacionais, é a invenção da imprensa por Gutenberg, em 1439. Sua notória invenção de época era a combinação de elementos mecânicos em um sistema prático que permitia a produção em massa de livros impressos, sendo economicamente viável para impressoras e leitores. Na Europa do Renascimento, a chegada da impressão mecânica assinalava a era da comunicação de massa, o que alteraria permanentemente a estrutura da socie- dade. A circulação relativamente sem restrições da informação transcendeu as fronteiras, atingiu as massas na Reforma e ameaçou o poder das autoridades políticas e religiosas; o aumento acentuado da alfabetização quebrou o monopólio da elite alfabetizada na educação e aprendizagem e reforçou a classe média emergente. Em toda a Europa, a crescente conscientização cultural do povo levou ao surgimento do protonacionalismo, acelerado pelo florescimento das línguas vernáculas europeias. Tamanha disrupção só voltaria a ser sentida no século XIX, com a substituição da prensa manual de Gutenberg pelas prensas rotativas a vapor, o que viabilizou impressão em escala industrial. Merece também destaque que, na Europa central, John Amos Comenius, cientista e educa- dor do século XVII, promulgou um sistema reformado de educação universal que foi amplamente utilizado pelos europeus. Observou-se, também, um crescente interesse acadêmico na educação como ciência, ocorrendo as primeiras experimentações do que pode ser considerada uma apli- cação da racionalidade acadêmica voltada aos métodos de ensino. Esse movimento culminaria, na década de 1770, com um marco simbólico bastante importante para a história da educação:6 Scriptorium, traduzido literalmente por “um local para escrever”, é termo que normalmente se usa para referir-se a um quarto nos mosteiros medievais europeus destinado aos monges copistas que, na época medieval, escreviam os manuscritos; ou seja, o scriptorium era um complemento da biblioteca. Trajetória histórica da educação 17 na Universidade de Halle, na Alemanha, foi estabelecida a primeira cadeira de pedagogia. Nesse campo, nomes como Joseph Lancaster (Grã-Bretanha) e Johann Heinrich Pestalozzi (Suíça) se des- tacaram, devido a suas significativas contribuições para difundir o estudo da educação em outros locais da Europa (KAGAN et al., 2007). Com efeito, desde o século XVIII se observa uma aceleração nas novidades tecnológicas em sala de aula. Conforme relata Day (1967), por volta de 1800, o professor escocês James Pillans inventou o quadro-negro, medida que se revelaria um grande salto da educação, possibilitando colocar dezenas de pessoas em uma sala, e não apenas alguns poucos que podiam escutar uma exposição meramente oral. Mais recentemente, uma série de inovações a partir de plataformas computacionais vem transformando radicalmente o processo de ensino e aprendizagem – embora ainda se conviva com muitas escolas em que o quadro de giz é praticamente o único recurso tecno- lógico que o professor tem. Lembram Robinson (2006) e Ball (2017) que, mais recentemente, e alcançando a atualidade, o que prevalece é uma política de educação compulsória na maioria dos países. Segundo Robinson (2006), com base no crescimento populacional e à proliferação do ensino obrigatório, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) estimou que, até 2030, mais pessoas receberão educação formal do que em toda a história humana até agora. Realmente, o analfabetismo e o percentual da população sem escolaridade diminuíram nas últimas décadas. Por exemplo, segundo Robinson (2006), tal percentual diminuiu de 36%, em 1960, para 25%, nos anos 2000. Especificamente entre os países em desenvolvimento, esses índices, em 2000, situavam-se em torno da metade dos valores de 1970. Desde meados do século XX, as sociedades de todo o mundo sofreram um ritmo acelerado de mudança na economia e na tecnologia, conforme apontado por Ball (2017). Os seus efeitos sobre o ambiente de trabalho e, assim, sobre as exigências do sistema educacional que prepara as pessoas para a força de trabalho têm sido significativos. Por sua vez, as competências exigidas no século XXI são uma série de habilidades e disposições de aprendizagem de ordem superior que vem sendo identificadas, por parte de educadores, líderes empresariais, acadêmicos e agências governamentais, como sendo requisitos para o sucesso no novo milênio. Muitas dessas competên- cias também estão associadas a uma aprendizagem mais profunda, incluindo raciocínio analítico, resolução de problemas complexos e trabalho em equipe, em comparação com as habilidades aca- dêmicas tradicionais baseadas no conhecimento catedrático. 1.3 História da educação no Brasil Para Saviani (1998), a história da educação no Brasil pode ser apreciada em ciclos razoavel- mente bem determinados, sendo o primeiro deles fundamentado na concepção pedagógica tradi- cional religiosa, no período entre 1549 e 1759. Novas Linguagens e Tecnologias Educacionais18 Conforme Neto e Maciel (2008), a ordem religiosa da Companhia de Jesus (cujos mem- bros eram chamados jesuítas) foi constituída, desde sua fundação em 1534, em Paris, para de- sempenhar trabalho missionário e educacional. Relata-se que em 1549, tão logo desembarcaram em terras brasileiras (o Brasil era, então, colônia portuguesa), os jesuítas priorizaram estabelecer os primeiros colégios, como estratégia central do trabalho que realizavam. A estrutura escolar fundada pelos padres jesuítas no Brasil pode ser considerada adequada para o momento histó- rico vivenciado, levando-se em consideração quatro aspectos: os objetivos do projeto português para o Brasil, o projeto educacional jesuítico, a própria estrutura social brasileira da época e o modelo de homem necessário para a época colonial. Assim, o modelo educacional proposto pelos jesuítas, que pretendia formar um modelo de homem, baseado nos princípios escolásticos, era coerente com as necessidades e aspirações de uma sociedade em formação na primeira fase do período colonial brasileiro. Para realizar sua missão, os jesuítas contaram com apoio da Coroa portuguesa, na forma de diversos incentivos e subsídios. Aliás, essa situação teria se consolidado efetivamente com o estatu- to da “redízima”, que era um mecanismo no qual o custeio de manutenção dos colégios jesuítas se dava a partir da reserva orçamentária de 10% da receita obtida pelos portugueses em sua colônia. Nessas condições favoráveis, a pedagogia católica se instalou no Brasil (SAVIANI, 1998). Tal período é marcado, entre outros fatos, pela atuação em terras brasileiras do padre je- suíta espanhol José de Anchieta, que se tornou célebre por trabalhos como abrir os caminhos do sertão, aprender a língua tupi, catequizar e ensinar latim aos índios. Anchieta teve participação na fundação do Colégio de São Paulo, em 1554, localizado no planalto de Piratininga. A instituição foi um renomado colégio de jesuítas, do qual Anchieta foi regente, como parte de sua atividade missionária. Aliás, esse local se tornaria o embrião da cidade de São Paulo, e Anchieta, seu patrono (SAVIANI, 1998). Negrão (2000) comenta a respeito do método pedagógico dos jesuítas, o chamado Ratio Studiorum: ele prescreve a formação intelectual clássica estreitamente vinculada à formação moral embasada nas virtudes dos evangelhos cristãos, nos bons costumes e hábitos saudáveis, explicitan- do detalhadamente as modalidades curriculares; o processo de admissão, acompanhamento do progresso e a promoção dos alunos; métodos de ensino e de aprendizagem; condutas e posturas respeitosas dos professores e alunos; os textos indicados a estudo; a variedade dos exercícios e ati- vidades escolares; a frequência e seriedade dos exercícios religiosos; a hierarquia organizacional e as subordinações. O período entre 1759 e 1932 é marcado pela coexistência entre as concepções pedagógicas tradicionais religiosa e leiga. Fato significativo ocorre a partir de 1759, período em que se inicia a implantação das chamadas reformas pombalinas7 do ensino público. O que ocorre é uma contrapo- sição ao predomínio até então vigente das ideias religiosas – culminando com a expulsão dos jesuí- tas do Brasil. Assume-se, então, o privilégio do Estado no tocante à instrução, com base nas ideias 7 Sebastião José de Carvalho, também conhecido como o Marquês de Pombal, estabeleceu uma série de reformas modernizantes, visando melhorar a administração do Império português, e, com isso, e aumentar as rendas obtidas por meio da exploração colonial. Trajetória histórica da educação 19 laicas de raízes iluministas8. Decorrente disso, inicia-se um período de influência do humanismo racionalista9 na pedagogia praticada em território nacional (SAVIANI, 1998). O que se observou foi que a substituição da orientação jesuítica se daria de forma paulatina, porém, irreversível. É interessante observar que mais forte que a influência da visão de mundo de pensadores alheios à ordem religiosa, foi a nova orientação, de igual natureza católica, que foi formulada por clérigos pertencentes a outras derivações da fé. Entre eles, merecem destaque os chamados oratorianos. Entre outras consequências do regime pedagógico alinhado às reformas pombalinas, encontra-se o expediente das aulas régias: disciplinas avulsas, que se ministravam por um professor nomeado (e devidamente pago) pelo Império português, com recursos do chamado subsídio literário, que foi instituído em 1772 (SAVIANI, 1998). Após 1808, iniciava-se o método de ensino mútuo, que se tornou oficial com a aprovação da lei das escolas de primeiras letras, de 15 de outubro de1827, em um ensaio para sua generalização para todo o Brasil. Tal método, também chamado de monitorial ou lancasteriano, baseava-se no aproveitamento dos alunos mais adiantados para atuarem como auxiliares do professor no ensino de classes mais numerosas (SAVIANI, 1998). Saviani (1998) relata que, na segunda metade do século XIX, o método de ensino mútuo acabou por ser progressivamente abandonado, em detrimento de novos procedimentos que iriam adquirir sua forma própria com o método intuitivo. Na época, já havia preocupação em relação à ineficiência do ensino, principalmente face à inadequação às exigências sociais emergentes da Revolução Industrial, fenômeno acentuado entre o final do século XVIII e meados do século XIX. Contudo, a mesma Revolução Industrial sinalizava poder prover soluções, ao tornar viável a pro- dução de novos materiais didáticos, artefatos que serviriam como suporte físico de um novo méto- do de ensino. Entre esses materiais, peças do mobiliário escolar, como caixas para ensino de cores e formas e quadros negros parietais10 – aliás, nessa época os alunos tinham lousas individuais, pois o papel (caderno) ainda era muito caro. É nesse cenário que emerge o chamado método in- tuitivo, concebido justamente para corrigir deficiências do modelo educacional até então vigente. O que caracteriza o método intuitivo é que sua didática se dá a partir de uma percepção sensível: o princípio da intuição requer ofertar aos estudantes dados sensíveis à observação e à percepção. Desenvolvem-se, a partir de então, todos os processos de ilustração com figuras, objetos e animais. 8 O Iluminismo foi um movimento intelectual e filosófico que dominou a Europa durante o século XVIII, incluindo uma série de ideias centradas na razão como a principal fonte de autoridade e legitimidade, defendendo ideais como liberdade, progresso, tolerância, fraternidade, governo constitucional e separação Igreja-Estado. Na França, as doutrinas centrais dos filósofos do Iluminismo eram a liberdade individual e a tolerância religiosa em oposição a uma monarquia absoluta e aos dogmas fixos da Igreja católica romana. O Iluminismo foi marcado por uma ênfase no método científico e no reducionismo, juntamente ao crescente questionamento da ortodoxia religiosa. 9 O humanismo racionalista deifica o pensamento humano e exclui toda e qualquer realidade independente da cons- ciência. Afirma que o homem é pensamento e isso é tudo. É uma consciência livre, em contínuo progresso. O racionalis- mo subtrai o homem de qualquer relação transcendente à medida que a inteligência ultrapassa os obstáculos; imane- tiza, cola no homem a verdade, a justiça, o dever, o próprio Deus. O homem é a medida de todas as coisas. Ele é senhor dos seus pensamentos e ações. A alma humana é essencialmente espírito. Ela é idêntica à razão e liberta de qualquer objeto. Distingue no ato do pensamento a função pensante ou agente que constitui o sujeito e o resultado pensado ou agido que define o objeto. O filósofo tem o dever de se dedicar à reflexão sobre a inteligência. É uma visão de mundo que adota o método sistemático. 10 Relativo à parede, pendurado na parede. Novas Linguagens e Tecnologias Educacionais20 A pedagogia derivada do método intuitivo se estabeleceu como referência no período co- nhecido como Primeira República. Já a partir da década de 1920, aparece com cada vez mais força um movimento denominado Escola Nova – sua influência, aliás, aparece em várias das reformas de ensino que ocorreram no final daquela década. Contudo, a difusão acentuada da Escola Nova iria se chocar frontalmente com a tradição representada de forma hegemônica pela Igreja católica, nascendo ali um conflito ideológico que se estenderia por muitos anos (SAVIANI, 1998). Entre 1932 e 1969, o Brasil vive a emergência e predominância da concepção pedagógica re- novadora – o “escolanovismo”, movimento trazido pela assim chamada Escola Nova. O movimento dos renovadores tinha se estabelecido com a fundação da Associação Brasileira de Educação (ABE), em 1924. Dali se expandiria, a partir de 1927, a partir das Conferências Nacionais. A visibilidade de forma mais plena se concretizaria com o lançamento, em 1932, do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (SAVIANI, 1998). Esse foi um período marcado pelo forte embate entre a corrente pedagógica tradicional, defendida pelos educadores católicos, e a corrente do pragmatismo, com seu expoente máximo na figura do pensador John Dewey, de grande influência entre os educadores brasileiros. A linha progressista do movimento dos renovadores pregava que a educação não deveria se restringir à transmissão do conhecimento como algo acabado, mas que o saber e habilidade adquiridos pelo estudante deveriam ser integrados a sua vida como cidadão e como pessoa. Para Cunha e Cunha (2002), Dewey foi taxado pelos católicos de comunista, ameaçando a estrutura da tradicional esco- la brasileira com a Escola Nova. Naquele período, apesar da influência da Escola Nova (também chamada de escola ativa), a Igreja mantinha sob controle grande parte das escolas convencionais e dos cursos de formação de pedagogos. Com efeito, o pensamento católico imperava até mesmo nas instituições públicas, seja por meio de seus representantes diretos ou pelos manuais redigidos por eles. Para Saviani (1998), é importante entender que a sucessão de diferentes fases com a prevalência, igualmente sucessiva, de concepções distintas, não implica necessariamente que a fase anterior esteja efetivamente supera- da. Por muito tempo, o que se vivencia é um período de justaposição de fases: uma se solidificando, outra se esvaindo. É preciso salientar que, no Brasil, a pedagogia católica e a pedagogia nova não viveram ape- nas de puro confronto. Por sinal, até mesmo os mais ácidos críticos da Escola Nova assumem que houve pontos de convergência. Um desses pontos em comum era de valorizar o que a Escola Nova postulava em relação à posição da criança: ela precisava se tornar o centro da atividade educativa. Igualmente, havia algum reconhecimento acerca de não existir nada de mais racional do que o estudante compreender sua atividade, e que a iniciativa do aluno deveria ser tratada como as- pecto essencial da educação. Então, paulatinamente, na medida em que o movimento renovador ia demonstrando força e conquistando já alguma hegemonia, observou-se também uma tendência, igualmente gradativa, de a pedagogia católica ir ganhando sua própria renovação. Para Saviani (1998), essa renovação das escolas católicas seria fundamentalmente motivada pelo predomínio das ideias da Escola Nova. Contudo, isso implicava em enfrentar alguns desafios centrais – por exemplo, como fazer para renovar a escola confessional sem abrir mão dos objetivos Trajetória histórica da educação 21 religiosos? E isso era uma questão-chave da sobrevivência dos colégios católicos, cujo perfil de alu- nos eram as elites econômica e cultural. Com efeito, com a prevalência do movimento renovador, as famílias de classe média se inclinavam a adotar, como um dos critérios de escolha da escola para os filhos, o devido alinhamento metodológico com as novas ideias pedagógicas. Em suma, ou a Igreja se renovava pedagogicamente, ou então perderia clientela. Sem muitas alternativas, o cami- nho que a Igreja católica encontrou diante desse contexto foi uma forçosa renovação metodológica, tentando, na medida do possível, não abrir mão da sua doutrina. Uma perceptível intensificação do processo de mobilização civil se dá no período compreen- dido entre o final da década de 1950 e início dos anos 60, trazendo reflexos inevitáveis nos âmbi- tos populares da cultura e da educação. Especificamente no tocante à educação popular, surgem frentes como o Movimento de Educação de Base (MEB), criado e dirigido pela hierarquia da Igreja católica, e o Movimento Paulo Freire de Educação de Adultos, que manteria muitos pontos de con- vergência com a filosofia educacional da Escola Nova.Este último, embora independente hierar- quicamente da Igreja, ainda se guiava fortemente por uma orientação católica. Uma das evidências é que o recrutamento de seu pessoal ocorria junto ao movimento estudantil associado à Juventude Universitária Católica (JUC). Grosso modo, a Escola Nova inspirava-se fortemente na corrente de pensamento do prag- matismo, enquanto o MEB e o Movimento Paulo Freire buscavam a inspiração muito mais no personalismo cristão, assim como na linha da fenomenologia existencial. Saviani (1998) lembra que pragmatismo, personalismo, existencialismo e fenomenologia são correntes filosóficas dife- rentes, expressando distintas manifestações acerca da concepção humanista moderna. Da mescla de elementos de diferentes escolas do pensamento, é possível então identificar que, sob uma égide da concepção humanista moderna de filosofia da educação, surge também uma espécie de “Escola Nova popular”. Ela manteve afinidades com a corrente denominada de teologia da libertação, ainda como efeito da maior amplitude de renovação da pedagogia católica. Saviani (1998) delineia que a partir de 1969 se fazem evidentes a emergência e predominân- cia da concepção pedagógica produtivista. Como característica mais proeminente, ajustes do sis- tema de ensino refletem a nova situação estabelecida com a instituição do regime militar de 1964. A partir de então, os níveis de 1º e 2º graus são renomeados para ensino primário e ensino médio. Sobressai uma nova orientação pedagógica inspirada na “teoria do capital humano”. Naquela épo- ca, o Brasil foi muito influenciado pela abordagem comportamentalista de Skinner (surgida nos EUA durante a Segunda Guerra Mundial), que, segundo Lima e Capitão (2003), se baseava na re- petição – disso derivam, por exemplo, as atividades de “siga o modelo”. Essa abordagem deu origem ao tecnicismo. Em última análise, a concepção produtivista de educação é a tendência educacional atualmente dominante no Brasil, desde o final da década de 1960. Por concepção produtivista, entenda-se a organização do sistema de ensino na mais estreita vinculação com o desenvolvimento econômico do país. À luz dessa concepção, desdobram-se os princípios de racionalidade e produtividade como base de toda a reforma educacional. Seus coro- lários são a não duplicação de meios para fins idênticos e a busca do máximo de resultados com o mínimo de dispêndio (SAVIANI, 1998). Novas Linguagens e Tecnologias Educacionais22 Segundo Saviani (1998), o valor econômico da educação é um dos pressupostos da teo- ria do capital humano. Como consequência, a educação passou a ser percebida não como algo ornamental ou mero bem de consumo, mas como um aspecto decisivo do ponto de vista do de- senvolvimento econômico. Por essa perspectiva, associa-se a educação como bem de produção (a malfadada “educação bancária” da crítica freiriana). E, de fato, tem sido a tônica no Brasil até os dias atuais: conforme comenta Ball (2017), a educação é vista cada vez mais como um fator crucial para assegurar a produtividade econômica e a competitividade no contexto da chamada economia do conhecimento. Nos anos mais recentes, contudo, os modelos educacionais que vêm prevalecendo no Brasil têm sido alvo de críticas pesadas. Não sem razão: em dados de 2017, o Brasil estava em penúltimo lugar11 no ranking de qualidade na educação do projeto The Learning Curve da Pearson International (entre 40 países pesquisados, o país ocupa a 39a posição). Ainda pior no Education for All (EFA)/ Global Monitoring Report (GMR) da Unesco12: em um ranking com 127 países que mede o desem- penho na educação, o Brasil ficou na 88a posição. Considerações finais O modelo de maturidade e efetividade da educação anda par a par com a própria trajetória da civilização humana, incluindo aí todos os seus altos e baixos, virtudes e vícios, sucessos estron- dosos e fracassos retumbantes. Olhar para o passado, tanto em um âmbito global quanto local/na- cional, ajuda a embasar melhores tomadas de decisão quanto aos rumos que a educação deve tomar neste novo mundo, marcado por sua crescente digitalização e integração sem fronteiras. Diz-se que não há melhor aprendizado sobre planejamento do que efetivamente planejar, de fato, e aí colher tudo o que é proporcionado de bom e de ruim. Para o planejamento dos novos modelos de educa- ção, sobretudo amparados por novas tecnologias que se propõem a revolucionar o ensino e apren- dizagem, a experiência cumulativa do passado parece ser cada vez mais valiosa e imprescindível. Atividades 1. Quais são as três funções da educação formal? Comente-as. 2. Em que a religião contribuiu para o sistema educacional das antigas civilizações? Justifique. 3. Quando e em qual método de ensino praticado no Brasil surgiu a adoção de mobiliários educacionais, imagens e figuras para ensino de cores e formas? Explique-o. 4. Quais são os pontos em comum das antagônicas pedagogia nova e pedagogia católica no Brasil? Discorra a respeito. 11 Ver: <https://guiadoestudante.abril.com.br/universidades/brasil-esta-em-penultimo-lugar-em-ranking-de-qualidade- na-educacao/>. Acesso em: 2 maio 2018. 12 Ver <https://guiadoestudante.abril.com.br/universidades/brasil-fica-em-88o-lugar-em-ranking-de-educacao-da- unesco/>. Acesso em: 2 maio 2018. Trajetória histórica da educação 23 Referências AL-HASSANI, S. 1001 inventions: muslim heritage in our world. Foundation for Science, Technology and Civilization, 2011. BAINES, J. Literacy and ancient Egyptian society. Man (New Series), 18(3), 572-599, 1983. BALL, S. The Education Debate. Policy Press, 2017. BIESTA, G. Good education in an age of measurement: on the need to reconnect with the question of purpose in education. Educational Assessment, Evaluation and Accountability, 21(1), 33-46, 2009. BURKE, J. The Day the Universe Changed. Toronto: Little, Brown and Company, 1985. 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Vive-se cada vez mais de forma conectada, novidades em produtos e serviços surgem a todo momento, alardeia-se uma intrigante trans- formaçãodigital, em uma efervescência de inovação nunca antes experimentada. Ninguém discordaria da afirmação de que os tempos atuais são os mais tecnológicos possíveis. No entan- to, qual é o significado do termo tecnologia? Por certo, é muito mais amplo do que indicaria o superficial senso comum. Afinal, um exercício simples, que comprova a limitação que costuma imperar a respeito desse entendimento, é utilizar uma dessas ferramentas de buscas on-line de imagens, como o Google Imagens. Ao se digitar o termo tecnologia ou technology no buscador, as respostas, invariavelmente, são imagens que remetem à informática, à internet, à microeletrônica, redes sociais digitais e afins. Isso também é tecnologia, mas o termo não se limita unicamente a tal aspecto. Do ponto de vista de conceito, é como se tratasse da ponta do iceberg, como este capítulo se ocupa em discorrer. 2.1 Educação, ciência, tecnologia e inovação Para Donald Leu1 (2000) e Chen et al. (2009), há uma estreita e importante conexão entre estes quatro distintos elementos: educação, ciência, tecnologia e inovação. De fato, apon- ta-se que compreender claramente os propósitos do trinômio CT&I (ciência, tecnologia e ino- vação) permite valorizar ainda mais a educação. Vê-la com outros olhos é, provavelmente, a melhor garantia de poder melhor desenvolvê-la e aproveitá-la para que se possa transformar o mundo em um lugar melhor para se viver. Dedicar-se ao estudo dos conceitos, aliás, é uma boa prática que proporciona um efeito bastante apreciável: expande na mente humana a visão das coisas. Quem domina a definição de conceitos de forma muito nítida acaba transitando de forma mais adequada em meio aos processos em que se está inserido: entender melhor é interagir e produzir melhor – e isso é notadamente válido tanto para o perfil acadêmico quanto para o industrial. É por tal motivo que o primeiro capítulo foi dedicado a construir uma apreciação trans- versal sobre a educação, a partir de uma breve síntese de sua trajetória histórica. Longe de esgotar os conceitos acerca de educação, o capítulo anterior lançou algumas importantes lentes de análise que permitem refletir, com a devida profundidade, sobre o que Stephen Ball2 (2017) reconhece como o papel civilizatório cabal que o sistema educacional assume. 1 O educador Donald Leu é uma autoridade internacional na área de alfabetização, atuando especialmente no ensino das novas habilidades e estratégias necessárias para ler, escrever e aprender com as tecnologias da internet e as melhores práticas instrucionais. 2 Stephen Ball é pesquisador na área de políticas educacionais, com vários estudos publicados sobre o tema e obras importantes, como: Education Plc (2007), The Education Debate (2008) e Global Education Inc.: New Policy Networks and neo-Liberal Imaginary (2012). Novas Linguagens e Tecnologias Educacionais26 De algum modo, pode-se entender a relação entre os quatro elementos que dão título a esta seção (educação, ciência, tecnologia e inovação) como a jornada do conhecimento, desde sua fe- cundação, gestação, desenvolvimento e aprimoramento até seu mais indelével desígnio: a efetiva aplicação. Tudo, portanto, paira ao redor do conhecimento. Impossível, pois, tratar do conhecimento sem apreciar a definição de ciência. De modo mui- to objetivo, o que se entende por ciência é conhecimento: tão puro quanto ele possa ser concebido. Representa, portanto, o saber teórico fundamental, ainda despreocupado com aplicações práticas ou uso imediato. Na ciência residem fórmulas, teoremas e teorias – e mesmo as hipóteses, para serem comprovadas ou refutadas, o que cria, então, mais conhecimento. A ciência é o âmbito em que estão estabelecidas as relações de causa e efeito, procurando, essencialmente, explicar os me- canismos atuantes sobre o mundo. Portanto, é possível tomar ciência por conhecimento, embora não exatamente qualquer tipo de conhecimento: se é científico, é porque se trata necessariamente de conhecimento formal. A for- malização, um firme e indispensável rigor que se aplica para garantir a veracidade do saber, é o que diferencia, enfim, aquilo que se sabe daquilo que se acredita – por mais convicção que se tenha nessa crença. De tal forma, a fé e a ciência, que de forma alguma precisam ser elementos antagônicos, dis- tinguem-se precisamente neste aspecto: a ciência não é para acreditar, é para conhecer. O rigor do processo científico é a validação da forma como o conhecimento é produzido, para que possa ser chancelado como verdadeiro. Assim, não é por qualquer meio que se propõe que determinado efeito advém de uma tal causa, mas apenas por algo denominado método cientí- fico de produzir conhecimento. Na ciência, não se admite o “escutei dizer” ou “li em algum lugar”: há que se provar. Pesquisadores (portanto, cientistas) devem compreender como determinado co- nhecimento foi produzido, conhecer claramente as etapas que foram percorridas, sendo que eles mesmos podem procurar seguir esses passos, para confirmar – ou desmerecer – aquelas conclu- sões. Consequentemente, há embasamento quando se produz ciência, e é por isso que ela se associa como conceito do conhecimento verdadeiro devidamente justificado. A ciência tem uma “filha”. Como desdobramento inevitável, tecnologia também é conhe- cimento. No entanto, diferente de sua genitora, trata-se de conhecimento aplicado. A aplicação é o efetivo uso daquele conhecimento para resolver alguma demanda concreta, um problema real. Afinal, o mundo carece de soluções para um sem-número de questões. Uma vez que seja notório que um determinado conhecimento serve para a consecução de um objetivo pretendido – e conhe- cendo ainda como empregar da melhor forma possível tal conhecimento na prática – é dito, então, que se domina uma tecnologia. Usualmente, o que se vê no cenário das organizações empresariais é que a tecnologia é dire- cionada à produção: como fazer para que determinada empresa consiga fabricar aquele produto, ou prestar um serviço em específico? Como se deve organizar? Quais técnicas aplicar? Como sele- cionar e valer-se de um conjunto de conhecimentos que servem para fazer uma empresa cumprir sua função? Essas são típicas questões da natureza tecnológica do conhecimento. Dominar conhecimentos úteis para resolver um problema prático pode envolver conceber e produzir um poderoso jato supersônico de última geração, mas também é tecnologia o que se O que se deve entender por tecnologia 27 emprega para estourar pipoca. Levar uma sonda espacial a pousar com sucesso em algum dos sa- télites de Júpiter envolve um alto grau de sofisticação tecnológica, entretanto, fazer uma limonada também envolve determinado domínio da técnica, que é pensada e sistematizada pela tecnologia. Os saberes orientados à prática são, sem dúvida alguma, das mais variadas naturezas e níveis de complexidade. Tecnologia educacional é uma forma de tecnologia – que não pode ser confundida com educação tecnológica, conforme a seção seguinte se ocupa em examinar. Talvez, na maioria das circunstâncias, é verdade que fica difícil separar com clareza onde termina um conhecimento puro, de base, e onde começa um conhecimento em processo de apli- cação, de utilidade concreta. Mas há que se concordar com o pesquisador Dálcio Roberto dos Reis (2008): de fato, pouco importa tal delimitação. Na prática, dado esse entrelaçamento tão comum e tão intenso entre ciência e tecnologia, é praxe referir-se a ambos os termos como um binômio (C&T – Ciência & Tecnologia), quase como se fosse um único elemento. Alguém poderia levantar a dúvida: afinal, quem é o dono do conhecimento? Ocorre que um dos mais relevantes aspectos práticos a respeito de C&T é que, para todo efeito, o conhecimento puro é público, e, por isso, gratuito. Contudo, com tecnologia é diferente: o conhecimento aplicado pode ser um ativo ao qual se reivindicaria propriedade. Evidentemente, não se pode cobrar direitos de uso de alguém que venha a explorar as leis queregem a termodinâmica ou os eclipses solares. Contudo, o princípio ativo de uma medicação pode ser patenteado, ou seja, protegido contra o uso comercial por parte de terceiros. A tecnologia pode, então, ser detida como propriedade particular de uma pessoa ou de uma organização. E isso tem sua justa explicação: trata-se de um mecanismo voltado a recompensar o investimento em pesquisa e desenvolvimento. Afinal, alguns processos de pesquisa e desenvolvi- mento costumam se delongar por anos ou até mesmo décadas – com custo acumulado incorrendo de forma proporcional. As empresas que dedicam substanciais recursos para criar determinadas tecnologias não desejam que todo seu esforço seja livremente absorvido pelos competidores: a estes, o esforço de desenvolvimento poderia ser a mera cópia, o que é muito mais barato, podendo configurar a prática de competição desleal. A legislação prevê instrumentos para prover essa pro- teção, na forma de patente tecnológica. Mas, em determinadas circunstâncias, as patentes tornam-se pouco ou nada úteis. Afinal, tecnologias possuem um ciclo de vida, uma difusão – e um potencial ostracismo – que são cada vez mais acelerados. Isso é especialmente marcante no cenário das tecnologias digitais. Então, na prática, todo o processo burocrático de depositar e conseguir a concessão de uma patente pode to- mar um tempo maior que a própria vida útil daquela tecnologia, ou mesmo ser incompatível com a janela de oportunidade de mercado para melhor explorá-la comercialmente. É por isso que, de fato, muitas empresas, destacando em especial aquelas com fama de mais inovadoras, acabam mesmo por ignorar maiores disputas de propriedade intelectual, tratando de se ocupar em manter um regime de constante pesquisa e desenvolvimento, com recorrentes novos lançamentos, apostando nessa estratégia de competitividade: enquanto o concorrente se ocupa em copiar uma tecnologia anterior, a organização já está um passo à frente com a tecnologia de próxima geração. Nos mercados em que o vanguardista costuma ter uma melhor aceitação e os Novas Linguagens e Tecnologias Educacionais28 imitadores não sejam tão bem quistos pelo público consumidor, isso acaba fazendo todo o sentido como estratégia de competitividade. Não obstante, enquanto ciência e tecnologia estão associadas à área mais técnica da dis- cussão, inovação é, por conceito, uma competência interdisciplinar: a chave de sucesso reside no aspecto mercadológico. Ciência e tecnologia podem ser empregadas para uma infinidade de in- venções, das mais engenhosas às mais bizarras, nas indústrias de todos os tipos. Inventar, reco- nheça-se, parece razoavelmente fácil: basta fazer diferente daquilo que é o normal, do amplamente difundindo. Mas nem toda invenção é uma inovação. O Manual de Oslo (OECD, 2005), como do- cumento internacional de referência para conceitos associados à inovação, define a palavra, preci- samente, como a invenção comercialmente bem-sucedida. Isso significa que inovação é a invenção que se tornou um sucesso comercial; é a novidade que é aceita (validada) pelo mercado. Aquilo que se cria de diferente, mas não se vende, pode até ser algo curioso, distinto, talvez até mesmo artístico ou digno de louvor, mas, definitivamente, não é inovação. Então, tecnologia inovadora é aquela nova tecnologia que, por algum motivo (por certo, sua utilidade prática singular), é aceita e adotada pelo mercado. Inovar implica em realizar algo que nunca tenha sido feito: apesar de tecnologias antigas também serem aceitas e utilizadas pelo mercado (tecnologias consagradas), não são inovadoras. E a inovação se estende, conceitualmente, para produtos, serviços, processos, marketing e estrutura organizacional. Um novo bem físico, quando se torna um sucesso de vendas, é uma inovação de produto. Se intangível, na forma de uma prestação de serviço diferente, que conquista êxito comercial, é uma inovação de serviço. O produto e o serviço podem ser, inclusive, até os mesmos que já se ofertava, mas, caso a forma de produzi-los tenha sido alterada e isso implique em vantagem comercial (um processo mais efetivo, mais rápido, mais seguro, ambientalmente mais adequado, socialmente mais responsável etc.), o que se caracteriza é uma inovação de processo. Há, inclusive, como se reconhecer inovação em marketing como uma das possíveis inovações de processo, mas inovação em marketing acabou ganhando essa categorização distinta para realçar as virtualmente infinitas possibilidades de “fazer diferente e alcançar sucesso” nos atributos de preço, praça, produto e promoção (os 4Ps do marketing). Finalmente, a categoria de inovação em estrutura organizacional reconhece a pertinência de se alterar a “ordem naturalmente estabelecida” para as organizações funcionarem visando a cumprir sua missão institucional: aqui, proliferam abordagens alternativas, como trabalho a distância, coworking3, novas estruturas executivas (como uma vice-presidência dedicada à inovação e à transformação digital), times de projeto formados por consórcios de diferentes empresas, entre outros. Assim como existem esses diferentes tipos de inovação, também há distintas abrangências geográficas e intensidade de inovação. Quanto à abrangência, uma inovação pode ser mundial ou global (ineditismo em grau máximo). Mas também pode-se falar em inovação nacional – quando, até então, só existia fora do país, é dito que algumas organizações, ao lançarem com vanguarda tecnologias estrangeiras no Brasil, estão “tropicalizando” tecnologias. De modo análogo, inovações 3 Trabalho em espaço compartilhado. O que se deve entender por tecnologia 29 podem ser regionais ou até mesmo empresariais, ou seja, ainda são inéditas tão somente para aque- la empresa – naturalmente, trata-se de uma inovação menor, mas, ainda assim, de uma inovação. No quesito intensidade da inovação, ela pode ser radical ou incremental. Radical é a completa reformulação conceitual de um produto ou de uma tecnologia; incremental é o rótulo aplicado para as pequenas melhorias que muito agregam valor a um produto ou tecnologia, mas que não chegam a revolucioná-lo por completo. Por exemplo, uma TV que regule o brilho de tela automaticamente, conforme incidência de luz solar, parece um recurso bastante apreciável, mas ainda assim é um tele- visor (por isso, tal tecnologia é tida como uma inovação incremental). O mesmo não se pode afirmar quanto a uma forma de projeção holográfica em 3D de alta definição de conteúdo televisivo, que reconstruiria o conceito do produto – por isso, com toda justiça, uma inovação radical. Como um jargão que é imprudentemente alardeado, observa-se com frequência o emprego do termo disrupção para algumas situações, sendo comum que inovações radicais sejam associadas a inovações disruptivas. Há um importante “senão” que merece ser destacado: são conceitos distin- tos, conforme bem defendido por Christensen e Raynor (2013). A disrupção diz respeito, neces- sariamente, a um rompante no hábito das pessoas (usuários, consumidores, clientes etc.). Ou seja, diz respeito à forma profundamente alterada como elas consomem ou utilizam um determinado produto ou tecnologia, com significativos impactos sociais e culturais associados. A transformação definitiva que o aplicativo de transporte Uber traz na mobilidade urbana, por exemplo, é o que o posiciona como uma inovação disruptiva (e não apenas o fato de seu aplica- tivo permitir chamar carros, programar rotas, pagar em ambiente seguro virtual etc.). Em termos tecnológicos, o aplicativo desenvolvido e ofertado pelo Uber não tem lá grandes novidades funcio- nais que, por si só, merecessem classificação de inovação radical – há muito, já eram difundidos o mapa eletrônico, o pagamento on-line, o ranking mútuo de utilizadores (no caso, motoristas e passageiros), entre outros. Contudo, a associação das características que compõem esse produto e o modelo de negócio que foi arquitetado representaram uma das maiores revoluçõesem nível global no comportamento das pessoas diante da necessidade de procurar uma locomoção urbana. Isso é, portanto, uma disrupção por excelência. Para Reis (2008), a inovação é a engrenagem que movimenta mercados, indústrias e, com isso, a própria economia em nível global. Bastante exploradas pelas principais corporações de to- dos os segmentos, as plataformas tecnológicas inovadoras – tais como nanotecnologia, biotecno- logia, robótica, inteligência artificial, Internet das Coisas, big data, tecnologia dos materiais, entre tantas outras – estão em processo de acelerado desenvolvimento, e especialmente de integração, graças a características inerentes da tecnologia da informação – por assim dizer, concordando com Ramos et al. (2012), tudo parece orbitar em sua volta, no fenômeno contemporâneo conhecido por Quarta Revolução Industrial (ou Indústria 4.0). 2.2 Quarta Revolução Industrial A tecnologia, agora compreendida em toda sua extensão de significados, sempre causou e continuará produzindo revoluções industriais, tal como a atualmente experimentada. Todavia, com o mesmo cuidado que procurou ser empregado ao se vasculhar os conceitos da palavra tecnologia, Novas Linguagens e Tecnologias Educacionais30 convém também esclarecer a respeito da adequada interpretação que o vocábulo indústria merece. Por algum motivo, talvez a maioria das pessoas, ao se deparar com esse termo, automaticamente o associa com fábricas, esteiras levando produtos e peças em linhas de montagem, ou alguma icônica imagem em preto e branco de Tempos Modernos, o célebre filme de Charles Chaplin. É claro que isso também é indústria, mas o conceito não se limita à atividade de manufatura fabril. Indústria equivale à produção, em seu significado mais amplo. Dessa forma, estão envolvi- dos tanto o tradicional processo de transformação de matérias-primas em bens físicos com certos atributos agregados (tão característico da indústria da manufatura) como também a própria arti- culação de recursos envolvida na prestação de um serviço – por sinal, o termo indústria de serviços é totalmente pertinente. Da mesma forma, é igualmente correto o emprego dessa palavra em uma extensa variedade de expressões, como indústria cinematográfica, indústria da educação, indústria fonográfica, indústria cultural, indústria da saúde, indústria de seguros, além uma infinidade de outros exemplos. Em suma, o termo indústria está para produção (oferta) assim como mercado está para consumo (demanda). É isso o que precisa ser considerado na tentativa de compreender o fenômeno da Revolução Industrial – ou das várias revoluções industriais que a humanidade tem experimentado e as que ainda vai conhecer. Tudo envolve a atividade do trabalho, da produção conduzida por pessoas para atender a anseios, demandas e necessidades de outras pessoas. A indústria existe para aten- der o mercado, sendo verdadeiro que este seja o real propósito para toda a arquitetura industrial. Quando se discute revolução industrial, o que está em pauta, portanto, é um momento histórico caracterizado por um substancial salto de produtividade – tão grande a ponto de redefinir o que se conhecia até então como parâmetro industrial. É por esse prisma que é possível reconhecer na própria revolução agrícola4 uma primeira grande revolução industrial, embora tradicionalmente se associe a expressão revolução industrial ao momento histórico em que a máquina a vapor e as locomotivas se tornam realidade corriqueira, com o rótulo de Primeira Revolução Industrial. É indiscutível que ali ocorre genuinamente um salto da capacidade produtiva, isto é, quando o efeito de melhorias sucessivas não é a continuidade de uma rampa, mas sim o aparecimento de um degrau. Quanto ao posterior “segundo degrau”, a assim denominada Segunda Revolução Industrial é marcada pelo uso da eletricidade na produção, a viabilidade da produção em massa e o apareci- mento de alguns artefatos revolucionários, como avião, navio a vapor, refrigeração mecânica e a invenção do telefone eletromagnético. No campo da gestão, é impossível não reconhecer a impor- tância do gerenciamento científico da produção, criado por Frederick Taylor. E mais uma vez se alcançaria uma revolução nos sistemas de produção a partir do momen- to em que computadores e automação robótica começam a ser a base dos modelos produtivos, como é o caso da indústria automotiva. Devido a isso, cabe o justo reconhecimento como Terceira Revolução Industrial, que se estendeu até anos muito recentes. 4 Época de transformação de uma humanidade nômade para uma mais fixada ao local geográfico em que se produ- ziam alimentos. O que se deve entender por tecnologia 31 Se ainda incipiente na Segunda Revolução Industrial, a tecnologia da informação começa a se tornar imprescindível nos sistemas produtivos da era seguinte, principalmente a partir do momento em que computadores de alta capacidade se tornam acessíveis às organizações em geral. Não por acaso, a Terceira Revolução Industrial costuma ser vinculada à Era do Conhecimento: aquele estágio que a humanidade alcança e no qual, diferentemente da Era Industrial clássica, o conhecimento passa a se tornar o insumo mais relevante – eis que emerge então uma tecnologia em especial, TI (tecnologia da informação), começando a traçar as novas direções dos sistemas produtivos, a partir de artefatos como as redes locais de computadores e a grande rede”, de alcance mundial, que é a internet. Para Reis (2008), Gestão da tecnologia, Gestão do conhecimento e Gestão da inovação, no- vas disciplinas que irrompem desse quadro, tornam-se competências tão essenciais às organiza- ções empresariais quanto as clássicas Gestão financeira, Gestão de recursos humanos, Gestão de marketing e Gestão da produção. Assim como, na perspectiva de alguns pesquisadores e especialistas, a Segunda Revolução Industrial aparenta ser mais uma extensão natural dos desdobramentos tecnológicos da Primeira Revolução Industrial, o que viria na sequência da Terceira Revolução Industrial, embora profun- damente disruptivo e impactante para toda a indústria, pode ser entendido como uma decorrência inevitável do aprimoramento generalizado da tecnologia da informação e de suas aplicações entre as diversas outras tecnologias por ela conduzidas. Para muitos, a Quarta Revolução Industrial (a chamada Indústria 4.0) começa a se estabe- lecer com o surgimento da cloud computing (computação em nuvem). É um ponto de inflexão, a partir do qual o mundo convencional (físico) começa a migrar irreversivelmente para o mundo digital. Verdadeiras plataformas tecnológicas com potencial de novas aplicações, a nanotecnologia, biotecnologia, robótica, Internet das Coisas, big data, M2M, inteligência artificial, impressão 3D, tecnologia dos materiais, entre tantas outras, passam por contínuo e acelerado aprimoramento e, destaque-se, convergência a partir da integração com as tecnologias de informação e comunicação (TIC), como destaca Schwab (2016). A Quarta Revolução Industrial se torna responsável direta pela mais radical modificação da sociedade em todos os tempos. Nos últimos 250 mil anos (período que se acredita corresponder à história humana sobre a face da Terra), a humanidade evoluiu com base em um desenvolvimento local e linear. Local no sentido de que, se alguém nascesse em determinada região, era muito pro- vável que ali crescesse, produzisse e morresse. Linear em termos de velocidade fixa das melhorias e dos avanços tecnológicos. Por assim dizer, o ritmo de mudanças que uma pessoa assistia em sua infância correspondia, grosso modo, ao mesmo ritmo de mudanças já na velhice. Desse período de 250 mil anos, contudo, é realmente expressivo que os últimos 50 anos des- toem por completo a forma de desenvolvimento, que passa a ser global e exponencial. Global no sentido que a mobilidade geográfica alcançou tal ponto que é muito comum pessoas perfazendo suas etapas de vida nas mais diferentes regiões do planeta: nascer
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