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DESEQUILIBRIOS DO IDOSO - CASO 1 ENVELHECIMENTO NORMAL: Alterações Morfológicas: Em indivíduos acima de 60 anos de idade, ocorre diminuição de peso e volume cerebral. A perda de volume é acompanhada de aumento do volume ventricular e outros espaços são preenchidos pelo líquido cefalorraquidiano. As regiões cerebrais mais afetadas são o hipocampo e os lobos frontais. Dos 30 aos 90 anos, há perda de 14% do córtex cerebral, 35% do hipocampo e 26% da substância branca. Além dessa perda de peso, ocorre redução da área total do córtex cerebral pela ampliação dos sulcos e pelo achatamento dos giros cerebrais. Alterações Celulares: Durante o envelhecimento acontecem alterações estruturais nos neurônios, que incluem morte celular, retração e expansão de dendritos, perda e remodelação sináptica e reatividade das células da glia. Essas alterações podem resultar de modificações das proteínas do citoesqueleto (emaranhados neurofibrilares) e da deposição de proteínas insolúveis, como a amiloide no espaço extracelular (placas senis). Os emaranhados neurofibrilares e as placas senis, que são marcadores histopatológicos da doença de Alzheimer, também estão presentes nos cérebros de indivíduos normais. Porém, no envelhecimento normal, essas características são encontradas em pequenas quantidades e restritas ao hipocampo, à amídala e ao córtex entorrinal. Em relação às sinapses neuronais, é controverso se o número é afetado pelo envelhecimento normal. A perda de mais de 20% foi observada em algumas regiões; entretanto, há evidências de que a densidade sináptica não é reduzida em determinadas áreas do hipocampo. Alterações Funcionais: É importante lembrar que as modificações relacionadas ao envelhecimento na função cognitiva não interferem nas atividades do cotidiano. Inteligência: função intelectual geral, comumente medida pelo somatório dos escores de testes verbais e de desempenho. Atenção: capacidade de focalizar um (atenção sustentada) ou mais componentes (atenção dividida) da informação por tempo suficiente para registrar e interpretar o significado do dado. Funções executivas: habilidade de controlar e dirigir o comportamento, planejar e realizar tarefas, completar sequências motoras complexas, fazer julgamentos significativos e apropriados e resolver problemas abstratos e complexos. Memória, que pode ser subdividida em: – Memória remota (relacionada a eventos de vida prévios). – Memória semântica (informações gerais sem relação com evento específico, p. ex., “quem descobriu o Brasil?”). – Memória de procedimentos (andar de bicicleta). – Memória declarativa (relacionada a aprendizado e lembrança de novas informações). Linguagem: capacidade de compreender as informações visuais e auditivas dentro de um conceito significativo (linguagem de compreensão) e produzir informações por meio de regras sintáticas e semânticas, com vocabulário adequado (linguagem de expressão). Habilidades visuoespaciais: são testadas por tarefas com desenho de figuras ou montagem de objetos. Funções psicomotoras: capacidade de coordenação e integração das funções motoras. COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE: é uma condição em que o indivíduo demonstra declínio cognitivo com mínima interfe-rência em suas atividades de vida diária. Atualmente, o CCL é definido como um estado de declínio cognitivo que ainda não caracteriza demência, mas que não é normal para a idade e não afeta significativamente as habilidades de vida diária. Tipicamente, o paciente e os familiares relatam progressivos e recorrentes lapsos de memória ou, às vezes, perda de habilidades antes facilmente executadas. Apesar de o CCL poder ser a primeira expressão cognitiva da DA, também pode ser secundário a outras condições (neurológicas, neurodegenerativas, sistêmicas ou desordens psiquiátricas). O que diferencia CCL de demência instalada é o comprometimento de funcionalidade que ocorre no quadro demencial. Epidemiologia: - A prevalência estimada de CCL em estudos populacionais varia de 6,7% a 25,2% em pessoas com mais de 60 anos, aumentando com a idade e a diminuição da escolaridade. - Independentemente da definição, os pacientes portadores de CCL têm uma probabilidade maior de progredir para demência em comparação com a população normal, podendo apresen-tar taxa de conversão de 14,9%. DESEQUILIBRIOS DO IDOSO - CASO 1 - Pode haver reversão para cognição normal, porém mantem o risco de evoluir para demência. - Os fatores de risco são múltiplos e incluem gênero masculino,afrodescendentes, idosos, baixa escolaridade, apolipoproteína E (Apo-E) genótipo E4, sedentarismo, tabagismo, dieta rica em carboidratos e comorbidades, como hipertensão, hipercolestero-lemia, diabetes mellitus, doença renal crônica e depressão. A abordagem do CCL é importante porque pode identificar causas potencialmente reversíveis, além de ajudar os familiares e os pacientes a entenderem o processo patológico que está levando ao comprometimento cognitivo. Atribuir o comprometimento cognitivo ao envelhecimento normal sem investigar CCL pode acarretar falha na identificação de causas potencialmente reversíveis ou afetar as decisões das famílias e do paciente e impactar seu futuro. O CCL pode ser dividido em dois fenótipos: amnéstico e não amnéstico (quando não há comprometimento da memória). Pode ser de domínio único ou de múltiplos domínios (como funções executivas, linguagem ou habilidades visuoespaciais). Clínica: Os sintomas vivenciados por pacientes com CCL podem ser classificados como cognitivos e neuropsiquiátricos. Enquanto algum grau de declínio cognitivo faz parte do envelhecimento normal, os pacientes com CCL exibem declínio acentuado na velocidade de processamento e nas tarefas de controle executivo e prejuízo significativo da memória. Diferentemente do envelhecimento normal, no CCL amnéstico é mais proeminente o esquecimento de informações importantes que anteriormente seriam lembradas com facilidade, como compromissos, conversas ao telefone e eventos de interesse (p. ex., resultado de jogos esportivos). Às vezes, a queixa subjetiva de memória pode prever o declínio cognitivo global com precisão, enquanto em outros momentos se apresenta como um critério inespecífico. Os pacientes com CCL, ao contrário daqueles com DA, são mais conscientes de seus sintomas e também se incomodam mais com eles. Já aqueles com CCL progredindo para demência relatam menor percepção dos sintomas e, portanto, isso pode ser usado como um indicador para identificar o agravamento da doença. Sintomas comportamentais são comuns nos pacientes com CCL. A depressão é provavelmente o sintoma neuropsiquiátrico mais frequente, seguida de irritabilidade, ansiedade, agressividade e apatia. Quando presentes, esses sintomas aumentam a morbidade. O risco de progressão para DA pode ser aumentado quando estão presentes sintomas depressivos. Diagnóstico: O teste neuropsicológico torna possível a avaliação mais objeti-va do déficit cognitivo. Em geral, o desempenho está abaixo de –1,5 desvio-padrão em relação à população de mesma idade e escolaridade. A realização anual de testes permite vigiar a possí-vel progressão da demência. Os critérios para definição do quadro seriam: • Queixas cognitivas provenientes do paciente e/ou familiar. • A pessoa ou o informante relata declínio no funcionamento cognitivo em relação às habilidades prévias no último ano. • Déficit cognitivo evidenciado por avaliação clínica em me-mória ou outro domínio cognitivo. • O comprometimento cognitivo não tem repercussão impor-tante na funcionalidade; no entanto, pode haver dificuldade em atividades mais complexas. • Sem evidência de demência. #Uma forma reversível de CCL pode resultar de situações como depressão, apneia do sono ou do efeito colateral de medicação, e essas possibilidades devem ser avaliadas no processo de obtenção da história. Tratamento: Foram realizados vários ensaios clínicos com inibidores de ace-tilcolinesterase (donepezila, galantamina e rivastigmina), mas nenhuma dessas medicações se provou consistentementeeficaz nem para a redução da progressão para DA nem para a estabilização do quadro. A diretriz da Sociedade Americana de Neurologia não recomenda o uso de inibidor de acetilcolinesterase. Entretanto, faz uma ressalva, permitindo que seja discutido com o paciente e ofertada a medicação de forma off-label para o tratamento nos casos em que as dificuldades de memória são particularmente problemáticas para um paciente específico. A modificação no estilo de vida parece ser eficaz. Atividade física moderada, como caminhada rápida, provavelmente melhora os testes cognitivos com ganhos na orientação espacial e na linguagem verbal, assim como melhora na qualidade de vida. Suplementos nutricionais contendo óleo de peixe, monofosfato uridina, colina, vitaminas B12, B6, C, E e ácido fólico, fosfolipídios e selênio não mostraram benefícios consistentes no desempenho cognitivo. Abordagem do comprometimento cognitivo: Os principais objetivos de uma avaliação clínica em um paciente com comprometimento cognitivo devem ser: estabelecer se há de-mência, encontrar e tratar causas reversíveis e caracterizar as áreas da cognição afetadas, a gravidade da deficiência e as consequências funcionais, além de determinar a provável etiologia. Caso o comprometimento cognitivo seja subagudo ou relacionado com flutuação cognitiva e déficit de atenção, faz-se necessá-rio o diagnóstico diferencial de demência com delirium. O paciente que apresenta comprometimento em pelo menos dois domínios cognitivos (aprendizagem e memória, linguagem, função executiva, atenção complexa, função perceptivo-motora, cognição social) com impacto funcional tem o diagnóstico sin-drômico de demência pelos critérios do DSM-5. O diagnóstico é essencialmente clínico e embasado nos testes de avaliação cognitiva e funcional. A anamnese é fundamental para a suspeição clínica e para o diagnóstico correto. A obtenção de informações deve focar na cognição do paciente, em seu comportamento e nas funções de vida diária. Os familiares que convivem com o paciente são in-formantes de extrema importância, devendo ser consultados em momentos diferentes da consulta e individualmente. A idade de acometimento (> 65 anos ou < 65 anos), apesar de não ser excludente, sugere alguns diagnósticos. Afecções neuro-degenerativas tendem a acometer pacientes mais velhos, enquanto causas genéticas, vasculares, infecciosas ou metabólicas são mais frequentemente encontradas em pacientes mais jovens. DESEQUILIBRIOS DO IDOSO - CASO 1 A escolaridade do paciente é fundamental para estimar a capacidade cognitiva prévia e a funcionalidade, assim como para auxiliar a interpretação dos testes cognitivos. As queixas devem ser exemplificadas para precisar o que o “déficit de memória” realmente significa. Por exemplo, o paciente que não consegue encontrar palavras para se expressar na verdade indica uma ano-mia ou alteração de linguagem e não da memória. O exame físico minucioso pode revelar fatores de risco e ajudar a direcionar a etiologia, como hipertensão arterial, arritmias ou desnutrição. O exame neurológico frequentemente está alterado em certos tipos de demência, apresentando alterações de marcha, assimetria de força, sinais extrapiramidais, hipertonia plástica, tre-mores e mioclonias, entre outros achados. Convém questionar as atividades básicas de vida diária (ABVD) e as atividades instrumentais de vida diária (AIVD), podendo ser aplicado um questionário, como o de Pfeffer, para o acompanhante enquanto se examina o paciente ou à espera do início da consulta. Um escore > 5 sugere síndrome demencial, desde que causado por distúrbio cognitivo. Os escores de Katz (ABVD) e Lawton (AIVD) também podem ser utilizados para determinar a funcionalidade. Morbidades associadas devem ser investigadas, como doenças preexistentes, etilismo, uso de substâncias lícitas e ilícitas e traumatismo cranioencefálico, entre outras. Na avaliação cognitiva, utilizam-se testes como o miniexame do estado mental (MEEM), que tem baixa sensibilidade e geralmente é inespecífico para alterações iniciais, mas de fácil aplicação e amplamente validado. Recomenda-se a realização da bate-ria cognitiva breve, que é calibrada como de alta sensibilidade, em associação ao MEEM. O diagnóstico de quadro demencial é fundamentado na avaliação clínica, determinando se há comprometimento cognitivo e se este acarreta alteração funcional, e não com base apenas no escore de um teste. Essa combinação se mostra útil tanto para o acompanhamento como para o diagnóstico. A bateria cognitiva breve é composta pelo teste de figuras, o teste de fluência verbal e o teste do relógio e seguida da reaplica-ção do teste de figuras. Uma variedade de métodos é usada para diagnosticar CCL, incluindo a escala Clinical Dementia Rating (CDR), uma escala semiestruturada de entrevista com o paciente e o cuidador que avalia a memória, juntamente com orientação, julgamento e resolução de problemas, conhecimento dos assuntos da comunidade, casa e hobbies, bem como os cuidados pessoais. Os pacientes com CCL se encaixam na CDR de 0 ou 0,5. Convém considerar o estudo do líquido cefalorraquidiano (LCR) em situações como demência de início precoce, quando há suspeita de doenças infecciosas e autoimunes, que habitualmente alteram a contagem celular e de proteínas, e em outras situações, como nas apresentações atípicas ou na hidrocefalia comunicante. Em casos de investigação de demência rapidamente progressiva (caracterizada pelo declínio cognitivo de um domínio no intervalo de 1 a 2 anos), também pode ser solicitada a pesquisa da proteína 14-3-3 ou de Tau total, se houver a suspeita de doença de Creutzfeldt-Jakob. A pesquisa de biomarcadores (como betaamiloide, Tau fosforilada e Tau total) no LCR, em caso de dúvida diagnóstica, pode ser uma estratégia adicional na investigação. Neuroimagem na demência: A tomografia computadorizada (TC) ou, preferencialmente, a ressonância magnética (RM), se possível, devem ser realizadas com o intuito de descartar outras doenças, como tumor, hematoma subdural, hidrocefalia de pressão normal e acidente vas-cular encefálico (AVE) prévio, entre outras. A tomografia por emissão de fóton único (SPECT) e a tomografia por emissão de pósitron (PET-CT) podem ser úteis no diagnóstico diferencial. Diagnóstico diferencial de síndrome demencial Uma vez classificado o paciente como portador de síndrome demencial por meio dos testes cognitivos e da avaliação funcional, o próximo passo consiste em detectar a entidade responsável pelos sintomas, e essa investigação é feita simultaneamente. As causas reversíveis de demência podem ser consideradas raras, embora 10% a 20% dos casos de demência sejam considerados potencialmente tratáveis e apenas uma minoria desses pacientes realmente retorne à condição de base. Causas tratáveis podem representar cerca de15% dos casos, porém as taxas de tratamento com a reversão plena dos sintomas podem ser tão baixas quanto 1,5%. As síndromes demenciais podem ser divididas de acordo com o comprometimento estrutural do sistema nervoso central, se presente ou não. Podem ainda ser classificadas em reversíveis ou irreversíveis, degenerativas ou não degenerativas, de início precoce (ou pré-senil – antes de 65 anos) ou tardio (a partir dos 65 anos) e ainda rapidamente progressivas. DESEQUILIBRIOS DO IDOSO - CASO 1 DEMÊNCIA: As demências são mais prevalentes na população idosa e, apesar de causas reversíveis serem descritas, em sua maioria são processos neurodegenerativos progressivos e irreversíveis, de consequências desastrosas para indivíduo, familiares e sociedade. As diferentes etiologias terão início, evolução clínica e marcadores biológicos distintos, embora possam compartilhar entre si algumas características clínicas e, até mesmo, coexistir no mesmo indivíduo. Epidemiologia: Estima-se que no Brasil existam cerca de 900 mil indivíduos portadores de demência sem diagnóstico e, portanto, sem tratamento (dados de 2015). Dados de estudo clinicopatológico realizadono Brasil (2013) mostraram as seguintes prevalências dos subtipos de demências: doença de Alzheimer (35,4%), demência vascular (21,2%), demência mista (13,3%) e outras causas de demência (30,1%). Nos indivíduos com demência de início precoce (< 65 anos), a doença de Alzheimer é menos prevalente, mas continua sendo a etiologia mais frequente. Por outro lado, a prevalência da demência frontotemporal é expressivamente maior nesse grupo etário, quando comparado aos indivíduos com idade superior a 65 anos. DEMÊNCIAS RAPIDAMENTE PROGRESSIVAS: As demências rapidamente progressivas são caracterizadas por um intervalo menor do que 2 anos entre a instalação dos sintomas e o diagnóstico de demência ou a morte. É frequente o acometimento de indivíduos com idade inferior a 65 anos, e as possibilidades etiológicas costumam ser mais amplas do que nas demências de início tardio. DEMENCIA VASCULAR O comprometimento cognitivo vascular (CCV) pode ser classificado em: CCV multiinfartos: evolução em degraus com piora do déficit motor focal e da cognição a cada novo episódio isquêmico cerebral com períodos de estabilidade no inter-valo entre os eventos. CCV por isquemia subcortical: declínio cognitivo lento e progressivo com prejuízo na atenção, na velocidade de processamento do pensamento e na função executiva. CCV por infartos estratégicos: comprometimento cogni-tivo de início abrupto ou de instalação gradual. CCV hemorrágico: alterações da cognição e do compor-tamento de acordo com a área cerebral acometida. CCV por hipoperfusão global: déficits cognitivos em vá-rios domínios, principalmente nas funções executivas. Epidemiologia: - 2 causa mais comum no mundo de demência; - é mais comumente encontrada na sua forma mista (associada ao DA); Fatores de risco: idade e os relacionados com o sistema cardiovascular, como hipertensão arterial sistê-mica, diabetes mellitus, tabagismo, dislipidemia e sedentarismo. O curso clínico da doença é variável, dependendo do controle desses fatores de risco e da presença de doença neurodegenera-tiva associada. O grau de acometimento cognitivo envolve desde o compro-metimento cognitivo leve até a demência. Para o diagnóstico, é essencial a realização de anamnese, exame físico (especialmente o exame neurológico) e neuroimagem do encéfalo, preferencial-mente ressonância magnética, por apresentar maior acurácia na identificação de lesões cerebrovasculares em comparação com a tomografia computadorizada. O CCV pode se apresentar de duas maneiras: 1. Forma sintomática, na qual o comprometimento cognitivo apresenta uma relação temporal com um insulto vascular is-quêmico ou hemorrágico cerebral. 2. Forma silenciosa, em que o diagnóstico é confirmado apenas após a realização de neuroimagem com achados compatíveis com os sintomas cognitivos apresentados pelo paciente. Clínica: O CCV normalmente exibe manifestações clínicas variáveis, que incluem alterações cognitivas, distúrbios comportamentais e prejuízos da motricidade. Os pacientes podem apresentar lentidão no pensamento, com-prometimento da atenção, prejuízo das habilidades visuoespa-ciais e disfunções executivas (dificuldade para resolução de pro-blemas e planejamento). O prejuízo de memória pode ser menos evidente quando comparado à DA. Pode haver ainda sintomas comportamentais associados, especialmente apatia, ansiedade e depressão. Os sinais neurológicos podem se apresentar por meio de disartria, parkinsonismo, incontinência urinária, rigidez, défi-cit motor e alteração da marcha. A forma clássica é o CCV do tipo multi-infartos, caracteriza-do pela evolução em degraus, na qual a cada nova lesão isquê-mica há novo prejuízo cognitivo com períodos de estabilidade no intervalo entre os eventos. O quadro mais comum de CCV é a isquemia subcortical, afetando pequenos vasos cerebrais. Ocorre declínio cognitivo lento e progressivo com prejuízo da atenção, da velocidade de processamento e das funções executivas. Pode haver prejuízo da memória episódica de maneira menos pronunciada em com-paração com a DA. Apatia é uma alteração comportamental frequentemente associada. No CCV por infarto estratégico ocorre acometimento deáreas “nobres” da cognição (p. ex., núcleo anterior do tálamo, giro angular, hipocampo), onde pequenos infartos podem cau-sar comprometimento cognitivo importante. No CCV hemorrágico, o quadro cognitivo e comportamental se manifestará de acordo com a área acometida. O CCV por hipoperfusão global pode ser causado por este-nose significativa de artérias carótidas, parada cardíaca, arrit-mias, hipotensão e insuficiência cardíaca graves. Nessa situação, ocorrem déficits cognitivos em vários domínios, principalmen-te nas funções executivas. Tratamento: não há medicamento aprovado especificamente para seu tratamento quando ocorre isoladamente. Entretanto, em alguns casos pode haver benefício com inibidores da colinesterase e memantina, sobretudo nas formas mistas com DA, sendo indispensável também o controle dos fatores de risco cardiovasculares. DESEQUILIBRIOS DO IDOSO - CASO 1 DEMÊNCIA COM CORPOS DE LEWY Fundamentos diagnósticos: A demência por corpos de Lewy é caracterizada pela presen-ça de pelo menos um dos quatro sintomas centrais: flutuação (cognitiva e comportamental), parkinsonismo, alucinações visuais e distúrbio do sono REM (Rapid Eyes Movement). • Naqueles que apresentam parkinsonismo, o comprometi-mento cognitivo pode ser concomitante ou começar em até 1 ano após o início do quadro motor. • A presença de demência é essencial para o diagnóstico. Epidemiologia: Cerca de 5% de todas as causas de demência em idosos commais de 75 anos de idade; A doença é frequentemente subdiagnosticada: há dados de necropsia em centros de pesquisa com achados sugestivos da patologia em aproximadamente 20% a 25% dos casos de demência. A idade é um fator de risco. A doença tipicamente se inicia em indivíduos mais idosos, entre 70 e 85 anos; Sendo mais comum em homens (relação homem:mulher de 1,9:1). Clínica: O declínio cognitivo tem início gradual e progressão similar à demência na doença de Alzheimer, mas pode, às vezes, progredir mais rapidamente. Os domínios cognitivos afetados precocemente e de maneira mais marcante são a atenção, as habilidades visuoespaciais (p. ex., tropeçar nos degraus de escadas e ter dificuldade em estimar distâncias ao dirigir) e as funções executivas, enquanto a memória e a linguagem estão relativamente preservadas nas fases iniciais. Nas formas mistas, associadas à demência na doença de Alzheimer, assim como nas fases moderada e avançada da demência de Lewy, pode haver prejuízo de memória e de linguagem concomitantemente. Alguns testes de rastreio, como o miniexame do estado mental (MEEM), podem não distinguir inicialmente o domínio cognitivo comprometido, sendo necessária uma avaliação mais detalhada por meio do teste neuropsicológico. A flutuação pode envolver mudanças no estado de alerta, na atenção e em outros domínios cognitivos, além de alterações do comportamento, com duração variável (horas a dias). Seu início é insidioso, fazendo diagnóstico diferencial com delirium, cuja instalação é aguda. Nem sempre o questionamento direto ao informante sobre a existência de flutuação ajuda a identificar esse sintoma facilmente, sendo importante investigar sua ocorrência mediante a busca de algumas situações, como sonolência diurna, letargia, olhar parado/distante/ausente ou discurso desorganizado. A flutuação pode ocorrer em outras demências nas fases mais avançadas, porém seu surgimento é mais precoce na demência de Lewy. As alucinações, mais comumente visuais, podem ocorrer em até 80% dos pacientes e são consideradas alucinações visuais complexas, ou seja, tipicamente bem formadas e descritas detalhadamente, envolvendo animais, pessoas ou crianças, e algumas vezes podem ser acompanhadas pela sensação da presença de algo próximo ao paciente. Curiosamente, esse sintoma não costuma causar incômodo, podendo haver a percepção de que o objeto visto não é real. O parkinsonismoé comum na demência de Lewy, podendo ser encontrado em mais de 85% dos pacientes. Os sintomas motores são mais leves e menos proeminentes que os encontrados na doença de Parkinson. É frequente a presença de bradicinesia, instabilidade postural e sintomas axiais, como rigidez (roda denteada leve e simétrica) e postura fletida, sendo bem menos comum a observação de tremores de repouso. O distúrbio do sono REM pode preceder em anos o aparecimento da doença, sendo caracterizado pela presença de sonhos vívidos e assustadores. O paciente costuma apresentar vocalizações e gritos, podendo se debater e dar socos ou chutes durante o sono. Esse sintoma nem sempre é percebido pelo paciente, sendo muitas vezes relatado por seu companheiro. Pode ocorrer também na doença de Parkinson, na atrofia de múltiplos sistemas e eventualmente como efeito colateral de medicações, como os inibidores de colinesterase. Sintomas clínicos de apoio (menor especificidade diagnóstica ou frequência que os aspectos clínicos centrais): Hipersensibilidade a neurolépticos (sonolência, piora do parkinsonismo e agitação paradoxal, mesmo com doses baixas); Instabilidade postural, quedas recorrentes, síncope ou episódios transitórios de irresponsividade; Disfunção autonômica (hipotensão ortostática, constipação intestinal, incontinência urinária, hipersonia, hiposmia e disfunção erétil); Outras formas de alucinações e delírios sistemáticos. DESEQUILIBRIOS DO IDOSO - CASO 1 Biomarcadores: Não há biomarcadores disponíveis na prática clínica que evidenciem correlação direta com as alterações fisiopatológicas existentes na doença. No entanto, alguns exames são úteis para o diagnóstico, sendo classificados como indicativos ou de apoio em razão de sua sensibilidade e de sua especificidade. A presença de pelo menos um dos três biomarcadores indicativos da doença citados a seguir, juntamente com um dos sintomas clínicos centrais, aumenta a probabilidade diagnóstica: 1. Cintilografia de perfusão cerebral (SPECT) ou tomografia por emissão de pósitrons (PET): demonstrando redução da captação do transportador de dopamina (TDA) nos gânglios da base. 2. Cintilografia miocárdica com iodo-123-metaiodobenzil-guanidina (123I-MIBG): demonstrando redução na captação desse marcador. 3. Polissonografia: confirmando a presença de distúrbio do sono REM. Os biomarcadores de suporte são os seguintes: a) Preservação relativa (ausência ou mínima atrofia) das estru-turas do lobo temporal medial no exame tomográfico ou na ressonância magnética de encéfalo. b) Baixa perfusão difusa no SPECT, baixo metabolismo difuso no PET, diminuição do fluxo/metabolismo do lobo occipital e sinal da ilha no cíngulo posterior (FDG-PET). c) Eletroencefalograma com ondas lentas posteriores e flutua-ções periódicas na faixa pré-alfa/theta. Dica importante: A sequência temporal de início dos sintomas parkinsonianos ajuda a diferenciar a demência por corpos de Lewy da demência na doença de Parkinson. Na primeira, esse achado ocorre concomitantemente ou em até 1 ano após o surgimento da demência, enquanto na segunda a demência ocorre pelo menos 1 ano após o diagnóstico de doença de Parkinson bem definida. DEMÊNCIA FRONTOTEMPORAL Fundamentos do diagnóstico: Classificada em três subtipos: (1) demência frontotemporal (DFT) variante comportamental, (2) afasia primária pro-gressiva (APP) variante não fluente/agramática e (3) afasia primária progressiva variante semântica. • A DFT variante comportamental (50% dos casos) é caracterizada por altera-ção comportamental precoce e comprometimento nas funções executivas. • A APP variante não fluente/agramática é marcada por déficit progressivo na linguagem com dificuldade na fala, gramática e nomeação de pessoas ou objetos. • A APP variante semântica é caracterizada por dificuldade de compreensão do significado de palavras/objetos. Epidemiologia: A DFT é a terceira causa de demência de natureza degenerativa em idosos, e sua prevalência varia de 3% a 26%, ficando atrás apenas da demência de Alzheimer e da demência de Lewy. A doença tipicamente afeta indivíduos mais jovens, sendo a segunda maior causa de demência naqueles com menos de 65 anos de idade. A média de idade no início do quadro é de 45 a 65 anos, atingindo um pico de prevalência entre os 65 e os 69 anos. Não há predomínio de gênero, e a genética é considerada um importante fator de risco para o desenvolvimento de DFT. Aspectos gerais: A DFT é composta por um grupo de síndromes clínicas mar-cadas pela degeneração focal progressiva dos lobos frontais e/ou temporais do cérebro. Com a evolução do quadro as três variantes clínicas podem convergir, observando-se prejuízo global da cognição e da motricidade (incluindo parkinsonismo e síndrome piramidal). A sobrevida média é mais curta e o declínio funcional e cognitivo é mais acelerado que na demência de Alzheimer. Com frequência, a DFT mimetiza quadros psiquiátricos em virtude das alterações comportamentais pronunciadas, o que pode dificultar o diagnóstico diferencial. DFTvc Os sintomas se manifestam por meio de declínio progressivo no funcionamento social, mudanças na personalidade e alterações comportamentais. Para que seja diagnosticada, é necessária a presença de pelo menos três dos seis critérios clínicos a seguir: desinibição, apatia, falta de empatia/simpatia, compulsões, hiperoralidade e disfunção executiva. A presença de três desses critérios, juntamente com achado de neuroimagem compatível, aumenta a probabilidade de diagnóstico da doença. DESEQUILIBRIOS DO IDOSO - CASO 1 O paciente pode apresentar mudança do comportamento, como desinibição, abordagem de desconhecidos de modo inapropriado, uso de palavras obscenas e ausência de pudor. Pode ainda adotar atitudes socialmente inadequadas, como roubos e comportamento impulsivo, tomando decisões sem pensar nas consequências. A apatia pode ser confundida com depressão e se manifesta por perda do interesse pelo lazer, trabalho, interação social e cuidados com a higiene pessoal. O paciente pode também manifestar perda da simpatia e da empatia com seus familiares e amigos, apresentando comportamento indiferente diante das emoções e necessidades de outras pessoas. Por vezes, pode utilizar uma linguagem mais rude e grosseira sem qualquer constrangimento. É possível haver ainda comportamentos compulsivos (gastos imprudentes, vício em jogos, hiper-religiosidade) e estereoti-pados (uso de frases “prontas”, movimentos repetitivos, como bater palmas, e comportamentos ritualísticos). A hiperoralidade se manifesta pela tendência de levar objetos à boca. A mudança de hábito alimentar é observada a partir da preferência por do-ces, carboidratos ou álcooL. Do ponto de vista cognitivo, as funções executivas são afeta-das mais precocemente, enquanto a memória e as habilidades visuoespaciais estão relativamente preservadas no início do quadro. A anosognosia também é um achado frequente. APPnf Compromete primariamente a linguagem no início da doença. Pode haver também prejuízo nas funções executivas, porém a memória e as habilidades visuoespaciais se mantêm inicialmente preservadas. O indivíduo pode apresentar déficit na produção de linguagem, nomeação de objetos, sintaxe ou compreensão de palavras. Inicialmente, o comportamento pode estar preservado. Para o diagnóstico, é necessário que o paciente tenha pelo menos um dos critérios essenciais da doença, que são agrama-tismo e/ou apraxia da fala, assim como pelo menos duas das três características de suporte: dificuldade de compreensão de sentenças longas e sintaticamente complexas, conhecimento preservado sobre o significado do objeto e ausência de prejuízo no entendimento de palavras. O quadro começa com a diminuição progressiva da fluência verbal, evoluindo para um discurso difícil, lento e entrecortado. É frequente a presença de intrusões, substituições, exclusões ou distorções de palavras. Observa-se a tendência de apresentar gagueira e pausas durante o discurso, além dealterações fonéticas, em virtude da dificuldade de articulação motora (apraxia da fala). Com frequência, ocorre agramatismo, inicialmente poupando a linguagem escrita. Com a progressão da doença haverá a evolução para o mutismo. APPvs Esse quadro se caracteriza por afasia semântica e agnosia associativa. A afasia semântica é essencial para o diagnóstico, ocorrendo precocemente, e se caracteriza por anomias e déficit na compreensão de palavras isoladas. Com a progressão dos sintomas o paciente apresenta a agnosia associativa, que consiste na perda da capacidade de reconhecer e saber o significado de objetos. O paciente não consegue associar o objeto à sua função mesmo que sejam fornecidas pistas sobre o modo de utilização. O discurso é caracteristicamente fluente no início do quadro. Para o diagnóstico, além da afasia semântica, são necessários três dos quatro critérios a seguir: prejuízo no reconhecimento de objetos, dislexia superficial (erros de adições, omissões ou substituições de letras nas palavras), repetição preservada e produção de fala preservada. Neuroimagem: Tratamento total: Atualmente, não há evidência de nenhuma terapia modificadora de doença no tratamento das DA. No entanto, há evidência robusta para o uso de inibidores da colinesterase (donepezila, rivastigmina e galantamina) no tratamento sintomático da demência por corpos de Lewy e na demência associada à doença de Parkinson, uma vez que acarretam déficit colinérgico importante, apresentando benefício na cognição, no comportamento e na funcionalidade do paciente. Não há comprovação científica de superioridade de um inibidor da colinesterase em relação a outro, sendo utilizadas doses e titulação idênticas às estabelecidas para o tratamento da DA. A eficácia do uso de memantina nos pacientes com demência de Lewy e demência na doença de Parkinson é menos clara, mas, quando bem tolerada, pode promover benefícios no desempenho em testes de atenção. Cabe ficar atento, porém, à DESEQUILIBRIOS DO IDOSO - CASO 1 possibilidade de ocorrência de delírios e alucinações. O uso de antipsicóticos deve ser feito com cautela em virtude do risco de reações adversas de hipersensibilidade nessas doenças. No entanto, quando necessário, baixa dose de quetiapina pode ser bem tolerada e segura em comparação com outros neurolépticos. A demência de Lewy apresenta baixa resposta aos agonistas dopaminérgicos, como levodopa, no tratamento dos sintomas motores em comparação com a doença de Parkinson. Além disso, em alguns pacientes tem sido descrito o risco de psicose e confusão mental, devendo ser usados, quando necessário, em doses baixas com titulação até a dose mínima efetiva para melhora dos sintomas. Na DFT, também não há evidência de tratamento medicamentoso que melhore os sintomas cognitivos. Além disso, o uso de inibidores da colinesterase pode piorar os sintomas da DFT, e a memantina não demonstrou benefício na cognição ou no comportamento. Alguns sintomas comportamentais da DFT podem ser mais bem controlados com o uso de antidepressivos da classe dos inibidores da recaptação de serotonina, e alguns estudos demonstraram melhora com o uso de trazodona. A evidência quanto à utilização dos estabilizadores do humor é limitada, e o uso de antipsicóticos deve ser feito com cautela em razão da maior vulnerabilidade a efeitos colaterais, especialmente os extrapiramidais. O tratamento não farmacológico é fundamental em todas as formas de demência, especialmente para educação do cuidador e dos familiares sobre a doença, orientação no manejo dos sintomas comportamentais e adaptação ambiental. Além disso, é essencial a organização de uma rotina de atividades estruturada e individualizada de acordo com as preferências e as necessidades do paciente. A terapia ocupacional é importante aliada no manejo e na orientação de medidas não farmacológicas, auxiliando o controle do comportamento e a estimulação cognitiva. Desse modo, dentro do possível, preserva a autonomia e a independência do paciente diante da evolução da doença. Exercício físico, se bem tolerado e adaptado à afinidade e ao gosto do paciente, tem benefício comprovado e importante papel no controle comportamental, além de retardar a progressão do déficit cognitivo e funcional. Por fim, é importante enfatizar que não basta o esforço da equipe multidisciplinar no manejo das demências. A adesão e o envolvimento da família e/ou dos cuidadores são pilares fundamentais no tratamento das demências, de modo a minimizar os prejuízos ocasionados ao paciente no decorrer de todo o processo de adoecimento.
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