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Demências SUMÁRIO 1. Definição de demência ................................................................................................ 3 Domínios cognitivos ..................................................................................................... 3 2. Epidemiologia ............................................................................................................... 8 3. Principais etiologias .................................................................................................... 8 Com comprometimento estrutural do SNC ................................................................ 9 Sem comprometimento estrutural do SNC .............................................................. 14 (causas tóxico-metabólicas) ..................................................................................... 14 Causas reversíveis ..................................................................................................... 17 4. Critérios diagnósticos ................................................................................................ 19 Testes cognitivos ....................................................................................................... 22 5. Exames subsidiários rastreio de demências reversíveis ....................................... 25 6. Hipóteses diagnósticas ............................................................................................. 26 Declínio cognitivo subjetivo ...................................................................................... 26 Declínio cognitivo leve ............................................................................................... 26 Demência .................................................................................................................... 26 Síndrome Demencial .................................................................................................. 27 7. Demências degenerativas ......................................................................................... 30 Doença de Alzheimer (DA) ......................................................................................... 30 Demência por corpúsculos de Lewy ......................................................................... 36 Demência frontotemporal (DFP) ............................................................................... 38 8. Demências secundárias............................................................................................. 40 Demência vascular ..................................................................................................... 40 Hidrocefalia de Pressão Normal (HPN) .................................................................... 42 Referências ...................................................................................................................... 45 Demências 3 1. DEFINIÇÃO DE DEMÊNCIA A demência é uma síndrome caracterizada pelo comprometimento cognitivo per- sistente e progressivo com diminuição significativa de funcionalidade e alteração em, pelo menos, dois domínios cognitivos. Dentre os domínios são destacados al- terações na memória e mais um domínio como linguagem, capacidade de atenção, perceptomotoras, capacidade de abstração ou funções executivas. Essas altera- ções são características de comprometimento do sistema nervoso central (SNC). Domínios cognitivos A memória e aprendizagem são elementos-chave na caracterização de demên- cia, mas não estão sós, sendo necessário pelo menos mais um comprometimento cognitivo como destacamos acima. De maneira geral o principal comprometimento de memória está relacionado à dificuldade de memorização ainda em estágios ini- ciais, então há comprometimento na amnésia anterógrada. Mas não obstante, com o avanço dos danos cerebrais há também comprometimento da memória remota. Distúrbios de linguagem são comumente encontrados e os mais evidentes são para nomeação de objetos com substituição de sílabas ou fonemas e pela diminui- ção da fluência verbal. Alterações na capacidade de escrita são percebidas também no início da síndrome demencial, mas fique atento e procure saber se o paciente é alfabetizado, ou, mesmo que seja, investigue até que série cursou porque isso pode interferir e gerar dificuldade de escrita pelo contexto de vida e não necessariamente pela síndrome demencial. Uma opção é solicitar que o paciente desenhe algo, repro- duza um objeto ou faça uma mímica para avaliar os distúrbios práxicos. A capacidade de atenção é evidenciada pela concentração em uma atividade co- tidiana como cozinhar ou estudar e que pode ser facilmente alterada no avanço da demência. A atenção pode ser sustentada, dividida ou seletiva e estabelece nossa capacidade de realizar uma tarefa e aprendizado. As agnosias definem dificuldade em reconhecer um elemento e podem acontecer, por exemplo, com a orientação topográfica. Esse é um ponto de preocupação e, por muitas vezes, destaca a atenção dos familiares porque o paciente pode se perder em ruas pelas quais passou a vida inteira, no caminho do trabalho, ou ao levar um neto na escola. Menos comum em fases iniciais da doença, mas evidente com o avanço dos danos cerebrais é o não reconhecimento de membros familiares e pes- soas próximas, caracterizando as alterações perceptomotoras. As funções executivas são alteradas quando já não há um planejamento adequa- do das atividades, o paciente sente dificuldade em organizar seus horários e afaze- res domésticos como o horário do jantar, por exemplo. Por fim, temos a cognição social, esta caracterizada pela percepção de si e do ou- tro, pela forma como processamos as informações e entendemos o funcionamento social, por exemplo. Trata-se de alterações importantes nas emoções, por exemplo, perda de empatia configuram diminuição da cognição social. Demências 4 DEFINIÇÃO DE DEMÊNCIA + DOMÍNIOS COGNITIVOS Flexibilidade mental Síndrome Gramática Capacidade de escrita Linguagem DOMÍNIOS COGNITIVOS Cognição social Perceptomotora Memória Funções executivas Atenção Complexa DEFINIÇÃO Comprometimento cognitivo persistente e progressivo com alteração de dois domínios cognitivos: linguagem + 1 domínio Alteração significativa de funcionalidade Nomeação de objetos SintaxeReproduzir desenhos Fluência verbal Trocas fonéticas Reorganização Esquecer hora do jantar Organização e planejamento Dificuldade em contas/mercado Emoções Perda de empatia Praxia e gnosia Percepção motora Percepção visual Orientação topográfica Se perder na rua onde mora Processamento de informações Seletiva Sustentada Dividida Focada para estudar ou trabalhar Focada em um elemento Em um elemento e + algo que distrai Aula/música “Cachorro que passa na sala” - Paciente: “sou viúva” Na verdade o marido está vivo Memória anterógrada - Paciente: “Não fui ao mercado ontem!” Na verdade foi e fez a feira Imediata Discar número de celular Autobiográfica “Saber quem eu sou” Memória recente Demências 5 Se liga! SÍNDROMES GERIÁTRICAS As síndromes geriátricas, também conhecidas como “Gigantes da Geriatria”, são as principais síndromes relacionadas ao adoecimento no indivíduo idoso, por isso devem ser investigadas e reconhecidas para uma abordagem eficaz. E de quem é o papel de reconhecê-las? Você deve estar pensando: do geriatra, claro! Vamos repensar? Se você, como clínico geral ou estudante em um estágio, por exemplo, estiver em uma unidade de pronto atendimento ou em uma unidade básica de saúde e chegar um idoso acompanhado do filho que diz: - “Doutor, meu pai acabou de tropeçar no tapete e caiu, mas levantou sozinho, tá? Só que essa não é a primeira vez, sempre que quer ir ao banheiro rápido (é que não consegue segurar bem o xixi) ele reclama que está tonto e chega a cair toda semana em casa. Isso já acontece há uns quatro meses. Ele também tem esquecido números de celulare até se perdeu voltando da padaria para casa”. Ao perguntar ao paciente o que tem a dizer ele afirma: - “Meu filho está preocupado à toa, eu não costumo cair, hoje foi culpa do tape- te, mas isso nunca aconteceu antes. Eu me lembro de tudo, todos os números, ele está inventando essas coisas”. Você está suspeitando de uma síndrome demencial em fases iniciais e então vai esperar um geriatra chegar, certo? Não, não mesmo! Faça a avaliação clínica, reconheça as possíveis síndromes, trate de forma consciente de acordo com tudo que você vem aprendendo em sua formação e, sempre que necessário, oriente um encaminhamento para um geriatra ou outro especialista para dar seguimento ao tratamento, pois mandar esse idoso para casa até uma referência com especialista pode sugerir imprudência de sua parte. Vamos então relembrar as principais síndromes geriátricas: insuficiência cogni- tiva, instabilidade postural, imobilidade, incapacidade comunicativa, incontinên- cias, insuficiência familiar e iatrogenias. • Insuficiência cognitiva - está relacionada ao comprometimento de fun- ções encefálicas capazes de gerar prejuízo funcional de forma contínua e progressiva. A síndrome demencial e as alterações psiquiátricas são os principais elementos constituintes da insuficiência cognitiva. As altera- ções psiquiátricas têm etiologias diversas como uso de drogas de forma contínua ou em doses suficientes para gerar alterações psicológicas, por traumas ou até mesmo por herança genética. A síndrome demencial, por ser nosso foco de estudo será melhor detalhada no decorrer deste super material! • Instabilidade postural – a mobilidade é significativamente reduzida com o avanço da idade, principalmente associada a fatores como sedentarismo, Demências 6 obesidade, doenças crônicas ósseas e ligamentares ou pelo próprio en- velhecimento orgânico. Nesse caso, afeta diretamente na capacidade de independência para realização de atividades diárias e é um elemento pre- ocupante quando evidenciada, pois gera acidentes graves em indivíduos idosos. Em casos de eventos prévios de quedas por instabilidade postural a sensação de medo pode se tornar tão presente na vida do idoso que exacer- ba a instabilidade prévia e favorece a imobilidade. Esta acaba se tornando ainda mais grave e prejudicial às atividades funcionais do idoso. • Imobilidade – a imobilidade associa-se à dificuldade de movimentação no espaço, pode ser total ou parcial a depender da região corporal acometida. É um termo entendido como qualquer limitação de movimento. A imobilida- de pode gerar repercussões clínicas graves como, por exemplo, úlceras de pressão, retenção urinária e alterações respiratórias. • Incapacidade comunicativa – esta é uma síndrome que determina muitas limitações na vida do idoso por dificultar sua autonomia e funções básicas como solicitar alimentos, bebidas, ir ao banheiro e, sobretudo, por dificultar as relações afetivas como falar o que sente ou simplesmente ter um mo- mento de conversa com um familiar. Dificuldade de comunicação é causa frequente de diminuição da independência e expressão das vontades, dese- jos, podendo ser uma das causas de depressão no idoso. • Incontinências – a incontinência urinária interfere diretamente na qualidade de vida do idoso e é caracterizada por qualquer perda urinária involuntária. Sua prevalência aumenta com a idade e pode estar relacionada, por exem- plo, ao estresse, incontinência mista ou de esforço. • Insuficiência familiar – este aspecto entra na fragilidade de muitas relações familiares, afastamento domiciliar, diminuição do contato e cuidado do ido- so por parte de seus familiares. Assim, é essencial reconhecer uma possível fragilidade no âmbito familiar e estabelecer uma rede de cuidado interdisci- plinar e horizontal para assegurar os direitos do idoso no âmbito da saúde física, social e cultural. • Iatrogenias – significa alteração patológica causada por intervenção médi- ca. Pode acontecer em situações como internação sem real necessidade; uso de fármacos; solicitação de exames; prescrição de intervenções sem comprovação científica, dentre outros. Indivíduos idosos já são vulneráveis pelo comprometimento fisiológico e orgânico com envelhecimento celular e fragilidade corporal, mas também por questões socioculturais que podem estar envolvidas como dificuldade em encontrar empregos ou não ser mais o “chefe” da família. Assim, toda prescrição/orientação médica deve seguir cuidadosamente os princípios éticos e técnicos evitando a iatrogenia. Demências 7 SÍNDROMES GERIÁTRICAS Fragilidade em relações familiares e grupo de apoio Insuficiência Cognitiva Instabilidade Postural Imobilidade Incapacidade Comunicativa Incontinências Insuficiência Familiar Iatrogenias Comprometimento encefálico– prejuízo funcional Mobilidade reduzida (tontura – queda) Limitação no movimento (cadeirantes/ acamados etc.) Dificuldade na comunicação, seja na fala ou gestual Incontinência urinária (esforço/urgência/ estresse etc.) Alteração patológica por intervenção médica Demências 8 2. EPIDEMIOLOGIA A demência é uma doença altamente prevalente em indivíduos idosos, sendo que cerca de 25% a 45% dos idosos acima de 85 anos têm ou terão alguma síndrome demencial. A prevalência dobra a cada cinco anos após os 60 anos de idade, logo, é uma manifestação bastante característica do envelhecimento. A estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que em 2050 o número de pessoas com demência chegue a 152 milhões, sendo que a cada ano em torno de 10 milhões de pessoas são diagnosticadas com demência no mundo. É uma doença altamente prevalente em países com envelhecimento populacional exponencial que ocorre, principalmente, em países desenvolvidos ou em desen- volvimento. Contudo, países em desenvolvimento nem sempre possuem recursos técnicos e humanos adequados para diagnóstico e acompanhamento dos pacientes com demência, podendo se tornar um problema de saúde pública. Nesse caso, o Brasil tem destaque visto que é um país em vigente desenvolvimento, com marcante envelhecimento populacional e alta prevalência de demência na população idosa, alguns estudos apontam o Brasil como o segundo país mais prevalente no mundo. A doença de Alzheimer (DA) é a principal causa de demência no mundo. Dentre os fatores de risco para demência destacam-se, por exemplo: baixa esco- laridade; menor nível socioeconômico; uso abusivo de substâncias psicoativas como álcool e/ou tóxicas como tabaco; doenças crônicas como aterosclerose, diabetes mellitus e neoplasias que propiciam eventos vasculares patogênicos; doenças infec- ciosas progressivas como HIV e sífilis; baixo contato social e abandono familiar. 3. PRINCIPAIS ETIOLOGIAS A demência possui etiologias diversas e para melhor entender as causas subdivi- dimos em situações que causam comprometimento estrutural ao SNC e aquelas que não causam comprometimento, pelo menos em fases iniciais da doença. Seguem abaixo as principais etiológicas com conceitos e suas relações com a demência: Demências 9 Com comprometimento estrutural do SNC Demências primárias (neurodegenerativas) Doença de Alzheimer (DA) É uma doença neurodegenerativa progressiva caracterizada por deterioração de memória e cognição com importantes efeitos na funcionalidade, principalmente em estágios moderados e avançados da doença. É a principal causa de demência no mundo e tem prevalência elevada com o avanço da idade. Sua causa é desconheci- da, mas acredita-se que seja uma doença geneticamente determinada, associada à hereditariedade. Veremos mais detalhes no tópico – demências degenerativas. Corpúsculos de Lewy A demência por corpúsculos de Lewy é marcada pela degeneração e morte neuro- nal. Estruturas esféricas anormais que se desenvolvem no interior das células nervo- sas são denominadas corpúsculos de Lewy. Não existe uma causa conhecida para essa doença e, ao contrário da DA, não há exemplificaçãode fatores de risco bem estabelecidos. Também é uma causa importante de demência em idosos, por isso merece destaque na investigação e determinação diagnóstica prévia. Veremos mais detalhes no tópico – demências degenerativas. Demência Frontotemporal (DFT) A DFT é determinada por doenças hereditárias que afetam os lobos cerebrais fron- tal e temporal. É responsável por cerca de 10% das demências e ocorre, em geral, nos pacientes mais jovens, em torno de 45 e 65 anos de idade. As alterações pato- lógicas características da DTP são conhecidas como doença de Pick e inclui perda neuronal, gliose, grave atrofia, presença de neurônios anormais e inclusões que são, respectivamente, as células de Pick e corpos de Pick. Veremos mais detalhes no tó- pico – demências degenerativas. Doença de Parkinson (DP) A doença de Parkinson é caracterizada por distúrbios neurológicos do movimento com alterações degenerativas progressivas. É comum em indivíduos idosos, acima dos 60 anos, mas pode ocorrer em indivíduos mais jovens, em menor proporção. Pelo caráter progressivo torna-se incapacitante para atividades básicas diárias como escovar os dentes ou pentear o cabelo até atividades mais complexas como realiza- ção de movimentos finos. Os quatro principais sintomas da doença são tremores, rigidez de membros e ar- ticulações, bradicinesia e instabilidade postural. Demências 10 Figura 1: Representação da postura e marcha do indivíduo portador da Doença de Parkinson. Fonte: corbac40/Shutterstock.com Em torno de 40% das pessoas com doença de Parkinson desenvolvem a de- mência de Parkinson. Nesses casos há alteração lenta e progressiva das funções cognitivas. Há formação e deposição dos Corpos de Lewy, bem como ocorre na doença de Lewy, mas nesse caso os corpos encontram-se na substância negra – localizada no tronco cerebral. A grande diferenciação diagnóstica ocorre, pois na doença de Parkinson, a função mental começa a deteriorar anos após o início dos sintomas motores supracitados. O diagnóstico segue a partir da avaliação clínica detalhada, aplicação dos scores de avaliação mental e exame físico. Exames como tomografia computadorizada e ressonância magnética também podem ser indicados. O tratamento para DP é realizado com dopaminérgicos, como exemplo o levodo- pa. Além disso, o acompanhamento multidisciplinar e rede de apoio familiar são es- senciais para os cuidados com prevenção de acidentes e fortalecimento emocional/ acolhimento. Demências 11 Doença de Huntigton (DH) É uma doença hereditária rara e progressiva do sistema nervoso central, carac- terizada pela perda de células dos gânglios da base, sendo a região mais afetada o corpo estriado. Não há preferência entre os sexos ou grupos étnicos e os sintomas se iniciam em idades mais jovens entre os 30 e 50 anos, podendo atingir também crianças e adolescentes. A doença é caracterizada por mutação no gene que codifi- ca a proteína chamada Huntingtina e ocasiona morte celular cerebral. Figura 2: Representa as alterações cerebrais da doença de Huntington com aumento ventricular e atrofia em região de gânglios da base. Fonte: Blamb/Shutterstock.com Os principais sintomas são alterações motoras (espasmos, rigidez e contração muscular, disfagia, movimentos oculares lentos ou anormais), cognitivas (pensamen- to desorganizado, amnésia, impulsividade, dificuldade de aprendizagem e dificulda- des no julgamento/discernimento) e psiquiátricas com alteração de humor, insônia, perda de energia e diminuição do equilíbrio emocional, por exemplo. Quando os sintomas são iniciados em pacientes jovens podem ser percebidos por perda de energia para atividades habituais como exercícios físicos regulares, menor desempenho nos estudos, tremores e dificuldades na escrita. Os exames de imagem são solicitados, após completa avaliação da história clí- nica e exame físico, e podem evidenciar, por exemplo, pela ressonância magnética, alterações cerebrais estruturais específicas como perda neuronal e consequente atrofia na região dos núcleos da base. Não há tratamento curativo ou que possa alterar o curso da doença, mas medica- mentos como antipsicóticos e antidepressivos podem ser prescritos para controle sintomático. Demências 12 Paralisia progressiva supranuclear (PSP)/ Degeneração corticobasal (DCB)/ Atrofia de Múltiplos Sistemas (AMS) A PSP é uma doença neurodegenerativa rara, também conhecida como síndrome de Richardson. Tem manifestação tardia, em torno dos 60 ou 70 anos, com instabi- lidade postural, diminuição dos movimentos oculares verticais e lentificação cog- nitiva. Outros sintomas são associados com o avanço da doença como olhos secos, diplopia, fotofobia, ações impulsivas, fala lentificada e dificuldade na deglutição. A fisiopatologia é baseada na gliose com formação de placas astrocíticas, acú- mulo de emaranhados neurofibrilares imunorreativos à proteína tau. É então uma tauopatia 4R que se estende progressivamente ao longo das ligações neurônio- -neurônio a partir do tronco cerebral para o estriado, depois a área motora frontal, e mais tarde para a maioria das outras áreas neocorticais. Ocorrem perdas neuronais mais proeminentes nas regiões do núcleo subtalâmico e substância negra. O diagnóstico ocorre pela associação do quadro clínico e avaliação neurop- sicológica e exames de imagem como ressonância magnética e tomografia computadorizada. Não há tratamento curativo ou que evite a progressão da doença e esses pacien- tes classicamente não respondem a levodopa. A amantadina é indicada na tentativa de controlar os sintomas da marcha e outros medicamentos anticolinérgicos melho- raram, ocasionalmente, as alterações da voz e da fala. A DCB é também uma doença rara que acomete indivíduos entre a sexta e sétima décadas de vida. É constituída por um conjunto complexo de sinais e sintomas que, em geral, afetam mais proeminentemente um lado do corpo do que outro. Ocorre lentificação, dificuldade de movimentação e rigidez dos movimentos do pescoço e membros; instabilidade postural; contração muscular; diminuição de sensibilidade e identificação pelo toque; sensação de “membro alienígena”. A AMS ocorre pela degeneração de células nervosas de forma progressiva, de etiologia desconhecia. Sabe-se que ocorrem lesões em várias áreas do encéfalo e essas determinam o padrão de alterações clínicas. É caracterizada por ser uma sinucleinopatia, porque há deposição de sinucleína, esta que é uma fosfoproteína pré-sináptica abundante no encéfalo e é um dos principais componentes dos corpos de Lewy. De maneira geral, ocorre disfunção cerebelar (parkinsonismo não respon- sivo a levodopa); piramidal (anormalidades cerebelares) e autonômica (disfunções autonômicas). Sintomas parkinsonianos: rigidez, bradicinesia, instabilidade postural e tremores. Anormalidades cerebelares: atrofia olivopontocerebelar com dismetria, ataxia, dis- diadococinesia, coordenação deficiente e alteração de movimentos oculares. Sintomas autonômicos: hipotensão ortostática, retenção ou incontinência urinária, constipação intestinal e disfunção erétil. Podem ocorrer também distúrbios no sono REM, diminuição da sudorese e dificuldades para respirar e deglutir. Demências 13 Demências secundárias Doença cerebrovascular (macro AVC ou micro AVC) A demência cerebrovascular é caracterizada por ocorrer após eventos vascu- lares, sejam eles isquêmicos ou hemorrágicos; com microinfartos ou deposição aterosclerótica. É a segunda causa mais comum de demência associada ao enve- lhecimento, ficando atrás da DA. Dentre os fatores de risco para desenvolvimento da demência cerebrovascular após acidente vascular cerebral (AVC) destacam-se: síndrome pós-AVC importante; história prévia de doença cerebrovascular; baixo nível educacional; idade mais avançada; tabagismo; insuficiência cardíaca e AVC localiza- do no hemisfério esquerdo, por exemplo. Veremos mais detalhes no tópico – demên- cias secundárias. Tumores do SNC O tumor cerebral é definidopelo crescimento e desenvolvimento anormal de cé- lulas que podem ter características benignas ou malignas. O local de surgimento bem como sua extensão determinam os sinais e sintomas característicos nos pa- cientes, logo, entende-se que há possibilidade de recuperação a depender do tipo de tumor e localização/extensão tumoral. Os sintomas iniciais podem ser cefaleia, dificuldade de concentração e alterações de personalidade com progressão pelo avanço da doença. Os tumores causam sin- tomas demenciais de início e intensidade rápidos ao contrário de outras doenças co- mo a DA ou doença de Lewy, por exemplo. O declínio cognitivo pode ser evidenciado por alteração nas atividades básicas de casa ou trabalho, alterações comportamen- tais como apatia, irritabilidade, distração bem como distúrbios da marcha e instabili- dade postural. A avaliação deve seguir protocolos de investigação associando história clínica, exame físico e exames laboratoriais e de imagem, este pode evidenciar o local e extensão tumoral. Tumores são considerados causas reversíveis de demência pela possibilidade de ressecção ou tratamento quimioterápico, em alguns casos, e há re- versão da demência após tratamento. Logo sua identificação e tratamento precoce indicam melhor prognóstico e qualidade de vida aos pacientes. Hidrocefalia de pressão normal (HPN) Hidrocefalia denomina o aumento de líquido intracraniano. A HPN é caracterizada pelo aumento do líquido nos ventrículos por diminuição da reabsorção. O principal sintoma é a instabilidade postural com perda de equilíbrio, consequentemente ocor- rem alterações na marcha, com caminhar lentificado e instável, marcha alargada na tentativa de reequilibrar e estabilizar o corpo, bem como passadas próximas ao chão. Veremos mais detalhes no tópico – demências secundárias. Demências 14 Infecções As infecções do SNC ocorrem pela agressão patogênica (viral, bacteriana, fúngica ou parasitária) que atingem regiões de meninges, parênquima encefálico ou parên- quima medular ocasionando, respectivamente, meningites, encefalites e mielites. Há também o acometimento da região subaracnoídea com parênquima encefálico, de- nominado meningoencefalite. As manifestações clínicas decorrem da ação direta do patógeno e das reações inflamatórias subsequentes. O quadro, em geral, evidencia infecção por febre, pros- tração e sintomas neurológicos. Alterações cognitivas ocorrem, por exemplo, em: • Infecção por sífilis: conhecida como demência sifilítica que gera quadro de- mencial cerca de 10 a 20 anos após infecção primária; possui início subagudo e curso progressivo. Dentre as alterações cognitivas destacam-se a personalida- de, afeto, inteligência, linguagem e memória. • Associada ao HIV: tem manifestação como quadro demencial subcortical com alterações motoras finas e alterações neuropsiquiátricas, além de ataxia. Para diagnóstico é essencial a solicitação de exames sorológicos gerais, incluin- do sempre o VDRL e anti-HIV, demais sorologias são indicadas de acordo com suas suspeitas clínicas. O estudo do líquido cefalorraquidiano que evidencia tanto o pa- drão de reação inflamatória (linfocítica, neutrofílica, basofílica), quando alteração de glicose, proteínas etc.. Com a cultura do líquido o patógeno em si pode ser identifica- do. Além disso, exames de imagem como tomografia computadorizada evidenciam lesões características de determinadas infecções. Fique atento, em sinais de hiper- tensão intracraniana é indicada a realização de exame de imagem antes da punção liquórica para evitar herniações. O tratamento é instituído de forma empírica desde que suspeitado de infecção ativa do SNC e seguido após confirmação diagnóstica de forma direcionada ao pató- geno e sintomas gerais do paciente como febre e dor, por exemplo. Sem comprometimento estrutural do SNC (causas tóxico-metabólicas) Hipotireoidismo O hipotireoidismo constitui uma causa rara de demência, mas se trata de uma causa reversível, sendo essencial seu diagnóstico e tratamento precoce para evitar danos progressivos aos pacientes. A alteração endócrina com diminuição dos hormônios tireoidianos, por etiologias diversas, pode ocasionar alterações neuropsiquiátricas como distúrbios de com- portamento (oscilações de humor, desinibição, agressividade e comportamento Demências 15 inadequado); alucinações visuais (frequentemente no período diurno); delírios mega- lomaníacos e insônia; diminuição de memória e desânimo. Em geral o comprometimento cognitivo é leve, principalmente em fases ini- ciais, por isso o diagnóstico e intervenção precoce têm excelentes resultados prognósticos. O diagnóstico ocorre pela evidência do hipotireoidismo com exames laboratoriais, inicialmente apenas o TSH é suficiente, e, se existir alteração, complemente com T3 e T4 livres. Estes deverão estar diminuídos comprovando o hipotireoidismo; avalia- ção ultrassonográfica de tireoide pode ser indicada evidenciando possíveis nódulos tireoidianos e hipofuncionamento glandular. A avaliação da demência ocorre tam- bém com história clínica e aplicação de testes para avaliação do estado mental. O tratamento deve ter efeito na patologia de base normalizando os hormônios tireoidia- nos e, consequentemente, suas funções homeostáticas. Insuficiência renal; insuficiência hepática; insuficiência cardíaca; deficiência de vitamina B12 Alterações na função renal têm impacto em sistemas corporais como cardíaco e cerebrovascular tanto por doenças coexistentes como hipertensão arterial quanto pelo possível acúmulo de substâncias tóxicas ao organismo como, por exemplo, a amônia. A principal correlação ocorre pelo maior risco de doenças vasculares como os AVCs que, como víamos acima, constituem uma causa de demência. O compro- metimento cognitivo condiz com síndrome demencial a depender do estágio da do- ença, mas de maneira geral não tem implicações tão evidentes na memória e ações executivas como as demais demências. A DA tem maior prevalência em pacientes com limitações funcionais prévias como diálise crônica, limitação de movimentos (cadeirantes e pacientes acamados) e com pouco aparato social e familiar. A inter- venção eficaz evitando progressão da doença renal ou controle de outras doenças concomitantes se faz essencial para evitar a progressão da demência. A insuficiência cardíaca segue a progressão lógica das alterações renais e demên- cia, visto que pode ter relação direta com doenças como hipertensão arterial sistêmi- ca e arteriosclerose que são fatores de risco para demência por causas vasculares. A hepatopatia crônica por cirrose hepática, de etiologias diversas (virais, autoimu- nes, vasculares, metabólicas etc), pode ser a gênese de alterações neuropsicológicas e cognitivas como a encefalopatia hepática, demências e psicoses. Dentre os sinais e sintomas ocorrem irritabilidade ou lentificação do pensamento e projeção de ações; con- fusão mental; amnésia retrógrada; dificuldade de concentração; limitações na linguagem verbal e escrita, dentre outras. A intervenção com eliminação de fatores desencadeantes como, por exemplo, uso de drogas psicoativas que agridem o sistema hepático e outros elementos tóxicos como drogas podem minimizar os efeitos deletérios. Esses pacientes necessitam de acompanhamento frequente com avaliação da função mental para consi- derar prognóstico e evitar fatores de piora. Demências 16 A vitamina B12 é um dos principais elementos para manutenção e funcionamento cerebral. Deficiência dessa vitamina ocasiona desordem na síntese de neurotrans- missores e consequentes déficits no processamento de informações cerebrais. Os sintomas gerais incluem anemia, fraqueza muscular, desordens da coordenação motora e equilíbrio, parestesias e espasmos. Com o surgimento de confusão mental, déficits de memória e dificuldade em executar atividades diárias deve-se suspeitar de demência. O diagnóstico precoce e tratamento com reposição da vitamina B12 e controles sintomáticos são definidoresde melhor prognóstico, visto que esta é uma causa re- versível de demência. Se liga! DEMÊNCIA MISTA A demência mista é uma condição ainda não tão bem definida na literatura, mas caracterizada pela presença de diferentes etiologias para a demência co- mo a DA e demência vascular, por exemplo. Ocorre com frequência em indivídu- os idosos pela coexistência de doenças crônicas e presença de fatores de risco para ambas, tanto pelo próprio envelhecimento orgânico quanto por hereditarie- dade. A fisiopatologia envolve a formação de placas senis e hiperfosforilação da proteína TAU como ocorre na DA e localização variada de trombos micro ou macrovasculares determinando a demência vascular. Assim, as manifestações clínicas dependem tanto da evolução da doença quanto dos locais cerebrais acometidos variando os déficits neurológicos. O diagnóstico segue a avaliação dos eventos clínicos, exame físico, aplicação dos testes de rastreio para de- mência e exames de imagem que caracterizam a localização das lesões, bem como sua extensão e, para isso, a tomografia computadorizada e ressonância magnética podem ser indicadas. O tratamento ocorre com medidas de suporte geral para prevenção de acidentes e suporte psicológico e social aos pacientes, bem como tratamento específico em caso de evidencia de trombos cerebrais com anticoagulantes e antiagregantes plaquetários. Em caso de sintomas neu- ropsiquiátricos como irritabilidade, heteroagressividade, desinibição social, den- tre outros, a avaliação psiquiátrica é essencial para abordar tais sintomas com aparato medicamentoso, sempre precavendo efeitos colaterais e iatrogênicos. Demências 17 Causas reversíveis Nem toda demência é irreversível! Atente-se a essa frase, pois existem causas que, se identificadas em fases iniciais e tratadas de maneira adequada, podem não evoluir com alterações irreversíveis. O mnemônico DEMENTIA, evidenciado abaixo, representa essas causas: D rugs - Medicamentos e álcool E motional depression - Depressão M etabolic - Metabólico, hipotireoidismo E yes and ears declining - Sensorial N ormal pressure hydrocefhalus - Hidrocefalia T umor or other space-occupyng lesion - Tumores I nfection - Infecções A nemia - Deficiência de vitamina B12 e folato Se liga! ATENÇÃO PARA CAUSAS REVERSÍVEIS As etiologias reversíveis da demência ocupam apenas 2% das causas totais, mas apesar de serem bastante infrequentes necessitam de atenção especial e intervenção eficaz, pois podem ser controladas e evitar danos progressivos e irreversíveis se houver intervenção ainda em fases iniciais. Logo, há um eviden- te potencial de benefício ao paciente, sobretudo em prognóstico e qualidade de vida. Um dos principais aspectos da demência reversível é que pode ser facil- mente identificada pelo clínico desde que o mesmo avalie o paciente de forma ampla, associando história clínica, exame físico e, se necessários, laboratoriais e de imagem, sempre de forma direcionada. Demências 18 ETIOLOGIA DA DEMÊNCIA ETIOLOGIA Sem comprometimento estrutural do SNC Sem comprometimento estrutural do SNC Diabetes Aumenta risco AVC e degeneração do SNC Anemia Tabagismo Hipertensão Alterações cognitivas Toxico-metabólicas Insuficiência renal/ hepática/cardíaca/ vit B12 Fatores de risco Constipação Ganho de peso Hipersensibilidade ao frio Hipotireoidismo Oscilação de humor Sintomas gerais Sintomas centrais Desinibição Agressividade Desânimo Perda de memória Bócio Doença de Huntigton PSP DCB Proeminente lado esquer- do do corpo Lentificação e rigidez “Membro alienígena” Tauopatia Gliose Instabilidade postural/ Di- minuição dos movimentos oculares verticais e lentificação cognitiva Gânglios da base Mutação Huntingtina Motor/ cognição/ psiquiátricos Alteração cognitiva progressiva Distúrbios do movimento Doença de Parkinson Tremor/ rigidez/ bradicinesia/ instabilidade postural Afasia Comportamental Demência semântica Causa desconhecida Principal causa Alzheimer Placas senis Hiperfosforilação da proteína tau Alteração de me- mória é marcante Alterações memória/ concentração/ atenção/sintomas psiquiátricos Sintomas motores/ parkinsonianos Não respondem a levodopa Hereditariedade Estruturas esféricas Corpúsculos de Lewy Frontotemporal Cromossomo 17q21-22 Tubulopatia Primárias AMS Sinucleinopatia Parkinsonianos Cerebelares Autonômicos Sintomas Substância negra Cerebrovascular Micro ou macrovascular Fatores de risco + idade Múltiplos infartos Único e estratégico Pequenos vasos Hipoperfusão Hemorrágica RNM OU TC + diagnóstico demência Prevenção de riscos Tratamento vascular Tumores Crescimento anormal de células Benignos ou malignos Sintomas rápidos e progressivos Tratamento curativo e seguimento clínico Causa reversível de demência Aumento líquor ventricular Punção + exames de imagem Hidrocefalia de pressão normal Derivação ventricular Dificuldade de planejamento Instabilidade postural Pouca concentração Marcha instável/ lentificada/ alargada Dificuldade em afastar os pés do chão Secundárias Infecções Febre Prostração Rigidez de nuca Sintomas neurológicos Bacteriana/fúngica/ viral/parasitas Clínica + imagem + líquor Personalidade Afeto Inteligência Confusão mental Irritabilidade HIV Sífilis Neurodegenerativa Demências 19 4. CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DSM-V – caracteriza a síndrome demencial como um declí- nio cognitivo importante avaliado em: • 1 ou mais domínios cognitivos - e como ocorre essa avaliação? Devem ser inves- tigadas as queixas dos pacientes ou dos familiares/acompanhantes que relatam esquecimentos, comportamento desinibido, irritabilidade, dentre outros. Outro ins- trumento essencial é a aplicação dos testes cognitivos que veremos adiante. • Prejuízo funcional – atividades instrumentais de vida diária (AIVD) e atividades básicas de vida diária (ABVD). • Excluir delirium e doenças psiquiátricas – delirium pode ser um elemento con- fundidor e a eliminação da causa base do delirium faz o paciente retomar a função mental. Mas isso não exclui a possibilidade do paciente já ter iniciado um quadro e demência antes da alteração aguda que é o delirium e o acompa- nhamento do mesmo desse prosseguir. O diagnóstico é clínico, associando anamnese adequada e avaliação cognitiva. Domínios cognitivos como vimos na introdução são: 1) linguagem; 2) memória e aprendizagem; 3) função executiva; 4) atenção complexa; 5) perceptomotor; 6) cog- nição social. Veja abaixo mais exemplos: • Capacidade de nomeação, fluência verbal, gramática, sintaxe, interação de lin- guagem receptiva; • Memória imediata como ao discar um número telefônico ou dizer o endereço onde mora; memória recente ao lembrar o que fez no dia anterior ou nas últimas sema- nas e memória em longo prazo (semântica), do significado dos elementos; • Capacidade de planejar, organizar e executar funções com flexibilidade mental; • Sustentada (atenta a um elemento); dividida (atenda a algo focal e algo que “distraiu por um momento”); seletiva (tentativa de concentração em algo); velo- cidade de processamento mental; • Percepção visual, visoconstrutiva, dos elementos a sua volta seja material ou de acontecimentos físicos. Está relacionada também à praxia e gnosia que, res- pectivamente, representam a capacidade de realizar algo e reconhecer algo; • Reconhecimento de emoções de si e do outro e relaciona a capacidade de empatia. A avaliação desses elementos é realizada com testes específicos e avaliação especializada. Demências 20 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS Importante declínio cognitivo DIAGNÓSTICO CLÍNICO DSM-V Queixas dos pacientes ou acompanhantes Aplicação de testes diagnósticos Atividades instrumentais de vida diária (AIVD) Atividades básicas de vida diária (ABVD) Alteração aguda do estado mental Síndromes psiquiátricas 1 ou + domínios cognitivos Prejuízo funcional determinado Excluir Delirium econdições psiquiátricas MEEM/MoCA/ Bateria Breve do exame cognitivo/ teste do relógio Estabelecer a causa orgânica Agudas ou crônicas Memória/aprendizado Linguagem Atenção complexa Perceptomotora Cognição social Função executiva Tratamento direcionado Avaliação especializada Demências 21 Se liga! ESCALAS DE AVALIAÇÃO Para completa avaliação e diagnóstico de demência, o DSM-V indica avalia- ção a partir do comprometimento funcional de atividades instrumentais de vida diária e atividades básicas de vida diária. Vejamos quais aspectos estão relacionados. Atividades instrumentais de vida diária e atividades básicas de vida diária AIVD – Escala de Lawton ABVD – Escala de Katz Gerenciar finanças Alimentar-se Lidar com transporte (dirigir ou transporte público) Ir ao banheiro Fazer compras Escolher a roupa Preparar refeições Arrumar-se e manter higiene pessoal Usar telefone e aparelhos de comunicação Manter-se continente Gerenciar medicações Vestir-se Manutenção das tarefas domésticas de casa Tomar banho - Andar e transferir (cama para cadeira de rodas, por exemplo) Demências 22 Observa-se que as ABVD são tarefas cotidianas com aprendizado desde a in- fância até a vida adulta, que fazem parte do dia a dia de todos os indivíduos. Enquanto isso, as atividades instrumentais são um pouco mais complexas e relacionadas a compromissos e manutenção de uma vida independente. Nas AIVDS a pontuação varia de 0 (ZERO) a 9 (NOVE) pontos, onde 9 (NOVE) indica dependência (parcial ou total) para o desempenho de todas as atividades e 0 (ZERO) indica independência na realização de todas as atividades propostas. A pontuação intermediária indica a dependência total ou parcial em quaisquer das atividades e deverá ser avaliada individualmente. O resultado das ABVDS varia de zero a seis, sendo zero completamente independente para atividades básicas e seis completamente dependente. Após identificadas alterações o diagnóstico clínico deve seguir com a aplica- ção de testes cognitivos e avaliação complementar. VEJA AS ESCALAS DE AVALIAÇÃO COMPLETAS NOS ANEXOS 1 E 2. Testes cognitivos Mini Exame do Estado Mental (MEEM) É MEEM é utilizado para avaliar a função cognitiva, é um teste rápido e de fácil aplicação, não requerendo material específico. Deve ser utilizado como instrumento de rastreamento não substituindo uma avaliação mais detalhada, pois, apesar de avaliar vários domínios cognitivos não é um teste diagnóstico, mas indica funções que precisam ser investigadas. É um dos poucos testes validados e adaptados para a população brasileira. Ele avalia orientação espacial, temporal, memória imediata e de evocação, cálculo, linguagem-nomeação, repetição, compreensão, escrita e cópia de desenho ofertando pontuações para cada quesito. Mini Exame do Estado Mental Orientação temporal (5 pontos) Hora aproximada/ dia da semana/dia do mês/mês / ano Orientação espacial (5 pontos) Local/endereço/bairro ou andar/ cidade/ estado Registro (3 pontos) Repetir: carro/vaso/tijolo Atenção e cálculo (5 pontos) 100-7=93-7=86-7=79-7=72-7=65 Evocação (5 pontos) Três objetos anteriores Repetir (1 ponto) “Nem aqui, nem ali, nem lá” Comando de estágios (3 pontos) Pegue essa folha de papel com a mão direita, dobre-a ao meio e coloque-a no chão (não repetir ou ajudar) Escrever uma frase completa (1 ponto) Escrever uma frase com sentido (início, meio e fim) Demências 23 Ler e executar (1 ponto) Feche os olhos Copiar desenho (1 ponto) Copiar dos pentágonos com inserção de ângulos. A avaliação se dá pela soma dos pontos, sendo que existe variação pelo nível de es- colaridade, veja como é realizado no Brasil: • Analfabetos: - 18 pontos • 1-3 anos de escolaridade: -21 pontos • anos de escolaridade: -24 pontos • >8 anos de escolaridade: - 26 pontos. A pontuação acima não é um conceito definido entre todos, mas é uma das for- mas de avaliação. Montreal Cognitive Assessment (MoCA): O MoCA é um instrumento de rastreio cognitivo considerado mais sensível que o MEEM aos estádios mais ligeiros de declínio nomeadamente ao Déficit Cognitivo Ligeiro (DCL), que frequentemente progride para Demência. É um teste mais com- plexo, com diversos comandos como: seguir comandos, desenhar cubos e relógios, nomear animais não comumente vistos no dia a dia, teste de atenção, memória, lin- guagem, abstração, evocação de memória tardia e perguntas de evocação. Em caso de indivíduos escolarizados, com evidência de boa cognição durante a vida, por exemplo, pelo trabalho que exerce, esse teste pode ser indicado e tem grande representatividade. O MoCA teste tem a soma de 30 pontos. Veja abaixo com detalhes como é realizado. Demências 24 Figura 3: MoCA teste. Fonte: https://neurologiahu.ufsc.br/files/2012/09/MoCA-Test-Portuguese_Brazil.pdf Bateria Breve de Rastreio Cognitivo: Teste de aplicação rápida, em torno de 7 minutos e consta em: Demências 25 • Identificação de nomeação de 10 figuras apresentadas em uma folha de papel. Após retirada solicite a nomeação dos objetos. Refere-se à memória incidental. • Mostra a folha novamente e retira algumas vezes solicitando que o paciente relembre os objetos. Refere-se à memória imediata. • Oferta mais uma vez a folha e evoca. Aprendizado. • Após um intervalo de cinco minutos é solicitado que o paciente fale nome de animais por exemplo, para avaliar a fluência verbal. • Solicite o desenho de um relógio marcando a hora exata (2:45). Neste caso, os desenhos estão relacionados à capacidade cognitiva, sendo que podem existir pequenos erros até completa deformidade e incapacidade de desenhar o objeto solicitado. • Solicite a evocação das figuras nas folhas após 5 minutos. Refere a memória recente. Por fim, o paciente recebe uma folha com 20 desenhos, sendo que os 10 anterior- mente apresentados também constam desenhados e o paciente deve informar quais estavam anteriormente. Para isso há uma folha de respostas. Atente-se que cada entrega da folha deve durar 30 segundos nas mãos do pacien- te e a retirada consta em 60 segundos. 5. EXAMES SUBSIDIÁRIOS RASTREIO DE DEMÊNCIAS REVERSÍVEIS Lembre-se que existem causas secundárias de demência, associada a progressão tumoral, alterações endocrinometabólicas, infecções, dentre outras, como estudamos no mnemônico “DEMENTIA”. Sendo assim, é essencial a avaliação minuciosa com exames laboratoriais que possam evidenciar tais distúrbios. Veja abaixo os principais exames a serem solicitados: • Laboratorial: hemograma e VHS; bioquímica geral (eletrólitos, Na, K+, Ca+, fun- ção renal); função tireoidiana (TSH inicialmente); vitamina B12; VDRS; FTA-Abs e HIV. Além de estudo do líquor em situações especificas como suspeita de infecções, por exemplo. Demências 26 Para localizar as lesões e determinar sua extensão no SNC os exames de ima- gem são essenciais. A tomografia computadorizada sem contraste pode evidenciar lesões se não existirem recursos mais avançados. A ressonância magnética tem prioridade pela capacidade de detalhamento das lesões e estruturas anatômicas en- volvidas, logo, se possível, este é escolhido. Em alguns casos de dúvida diagnóstica, por exemplo, por alteração ainda pouco significativa de memória e mais evidente de outros domínios, pode ser solicitada avaliação neuropsicológica que é realizada por um neuropsicólogo, especialista no assunto, realizando baterias de testes cognitivos. Eletroencefalograma e PET CT ou SPECT avaliam a função do SNC. 6. HIPÓTESES DIAGNÓSTICAS Declínio cognitivo subjetivo Clinicamente, os pacientes ou familiares percebem perdas sutis de domínio cog- nitivo, por exemplo, capacidade intelectual para aprender ou ensinar algo percebido facilmente em pacientes com maior escolaridade. Quando o paciente percebe o de- clínio, mas não há alteração nos testes aplicados é denominado Declínio Cognitivo subjetivo. Declínio cognitivo leve Caracteriza-se pela queixa de alteração cognitiva, especialmente de memória, e são evidenciadasalterações leves nos testes neuropsicológicos. Contudo, essas alterações ainda não afetam a funcionalidade e por isso determinam o comprometimento cognitivo leve. Demência Alguns pacientes com declínio cognitivo leve evoluem para demência porque além das queixas e alterações nos testes cognitivos a funcionalidade é alterada. Inicialmente são elementos pontuais, mas que progridem para condições ameaçadoras aos pacien- tes como a possibilidade de se perder em ruas, de esquecer algo no fogão e gerar um acidente, bem como comprometimentos de marcha, fala e relações sociais. Assim, es- ses pacientes são diagnosticados com síndrome demencial. Demências 27 Síndrome Demencial A graduação da demência é realizada pelo comprometimen- to funcional. • Leve: ainda não há alteração funcional ou se existir está relacionado a ativida- des instrumentais; • Moderada: perda importante de atividades instrumentais e atividades básicas moderadamente afetadas. • Grave: perda da capacidade de realizar atividades básicas. Demências 28 RASTREIO DE DEMÊNCIA E HIPÓTESES DIAGNÓSTICAS Excluídas causas agudas e neuropsiquiátricas Avaliação do estado mental e funcionalidade MEEM MoCA Bateria Breve de Rastreio Cognitivo AIVD ABVD Perda sutil (relatada) da cognição, mas testes normais Alteração cognitiva comprovada, sem perda de funcionalidade Alteração cognitiva comprovada, com perda de funcionalidade Interpretar Declínio cognitivo subjetivo Declínio cognitivo leve Demência Limitação apenas de AIVD Perda importante de AIVD e leva/moderada de ABVD Comprometimento grave de ABVD Leve Moderada Grave Indícios de déficit cognitivo Síndrome Demencial Demências 29 Se liga! GRADUAÇÃO DA DEMÊNCIA Vamos para alguns casos clínicos?! E aí então graduar a demência em leve, mo- derada ou grave. Entenda que todos os pacientes já tem diagnóstico de demên- cia confirmado e são seus pacientes ambulatoriais. Caso 1: Paciente Maria Arcanja, 73 anos, casada, católica, professora aposen- tada, natural e procedente de Salvador (BA). QP: Consulta de rotina na unida- de básica de saúde. HMA: Paciente refere que há quatro meses tem sentido dificuldade para organizar as contas e pagamentos, inclusive, no mês passado não pagou as contas de luz e água, mas disse aos filhos que estavam pagas. Conta que neste último não conseguiu mais fazer a feira sozinha, precisando voltar para casa e pedir ajuda à filha mais velha. Não sabe explicar exatamen- te qual foi a dificuldade encontrada. Queixa-se também de esquecer todos os números telefônicos que tinha em mente há alguns esses. Sem alteração de linguagem, ou perceptomotora. Nos testes aplicados perdeu pontos nas AIVDs, sem comprometimento de ABVDS. Qual graduação dessa paciente? Isso mesmo, demência leve! Dona Maria possui comprometimento leve de ati- vidades instrumentais como na organização de contas para pagar e a feira do mês. As atividades básicas de vida estão sem alteração, logo, ainda é uma de- mência leve, mas necessita de acompanhamento contínuo e, sobretudo, cuida- dos para evitar acidentes que você certamente saberá explicar aos familiares. Quais são eles? Retirar tapetes da casa, solicitar que Dona Maria não faça mais o almoço sozinha, pois há risco de se queimar, solicitar que outra pessoa a aju- de nas contas de casa também. Caso 2: Paciente Francisco Ambrósio, 85 anos, viúvo, evangélico, ex-carpin- teiro, natural e procedente de Niterói (RJ). QP: Neto afirma que o avô não con- segue se alimentar sozinho há dois meses e não toma banho sozinho desde o último mês. HMA. Neto de seu Francisco conta que no último mês o avô já não quer tomar banho e quando tenta realizar não consegue mais, pois passa sabonete antes de ligar o chuveiro e se molhar, ou apenas olha a água cair e não consegue executar o ato em si. Também não quer que ninguém o ajude, brigando e utilizando palavras agressivas. Além disso, não consegue se ali- mentar porque deixa todo alimento cair na mesa ou não aceita mais o que lhe oferecem. Esquece constantemente o nome dos filhos e fugiu de casa na úl- tima semana, sendo encontrado por vizinhos sem saber explicar onde morava ou quem é. Você aplica os testes e seu Francisco não realiza mais nenhuma atividade instrumental, além disso, realiza poucas atividades básicas de vida diária, com limitação grave na maioria. Demências 30 Qual a graduação de demência do seu paciente? Certamente você percebeu que há comprometimento grave de Francisco, tanto nas AIVDs quanto nas ABVDs, inclusive que há grande risco a sua vida se não estiver com acompanhamento constante de familiares. É evidenciado compor- tamento de risco pela saída de casa sozinho e negligência com higiene pessoal e própria alimentação. Neste caso, há uma demência grave, em curso progres- sivo acelerado. 7. DEMÊNCIAS DEGENERATIVAS Doença de Alzheimer (DA) Fatores de risco e fatores protetores A DA representa 70 a 80% dos casos de demência, sendo uma causa extrema- mente prevalente. Acredita-se que há tendência de aumento nesse número devido ao evidente envelhecimento populacional. Inúmeros fatores associados a maior propensão ao desenvolvimento da DA tem sido estudados e evidenciados, bem como fatores protetores, estes que ainda são controversos na literatura. Abaixo apresentamos alguns exemplos. Os fatores de risco mais importantes para DA são: idade; história familiar; grupo genético ApoE4, SORL1, PSEN1 e PSEN2; doenças vasculares e metabólicas como hipertensão arterial, AVC e diabetes; estilo de vida como tabagismo e sedentarismo e elementos sociodemográficos como escolaridade. Dentre os fatores protetores destacam-se atividade física regular, atividades intelectuais e sociais; alta escolarida- de; dieta rica em antioxidantes; uso de estatinas e anti-inflamatórios de forma mode- rada durante a vida. Fatores de risco e fatores protetores para demência Fatores de risco Fatores protetores Idade avançada Atividade física regular Grupo genético ApoE4, SORL1, PSEN1 e PSEN2 Estímulo intelectual/escolaridade Doenças vasculares Dieta rica em antioxidantes Doenças metabólicas Uso de estatinas* Tabagismo Uso de anti-inflamatórios durante a vida* Demências 31 Fatores de risco Fatores protetores Sedentarismo Elementos sociodemográficos *São apontados por alguns autores como fatores protetores, mas ainda são necessários mais estu- dos que evidenciem tal relação para que se torne consenso. Fisiopatologia A DA envolve inúmeras alterações anatomopatológicas com achados clássicos extracelulares e intracelulares, com atrofia cerebral progressiva, formação de placas senis ou neuríticas e emaranhados neurofibrilares. As placas senis são formadas por acúmulo de extracelular de proteína B-amiloide. Existem dois efeitos sequentes, a clivagem anormal da proteína precursora (PRA), gerando erro enzimático, oxidação e peroxidação lipídica, formação de placas neuríticas, inflamação, ativação de apop- tose e morte neuronal, além de mudança na função colinérgica e de outros neuro- transmissores ocasionando prejuízo no processo de informações neuronais. Ainda na fisiopatologia da DA entra o papel da proteína TAU que, quando hiperfosforilada culmina na formação de inclusões filamentares intracitoplasmáticas, emaranhados neurofibrilares, morte neuronal e aumento do líquido cefalorraquidiano (LCR). Figura 4: Representação da formação de placas senis pelo acúmulo de substância beta amiloide em contraste com neurônios normais. Fonte: Designua/Shutterstock.com Demências 32 Figura 5: Micrografia microscópica de luz de uma placa senil, corada com um método de prata. Eles são depósitos extracelulares de beta amilóide que aparecem em grande número na doença de Alzheimer. Fonte: Jose Luis Calvo/Shutterstock.com Figura 6: Representa a hiperfosforilação da proteína TAU. Fonte: Designua/Shutterstock.com Demências 33 Quadro clínico São evidentes as alterações cognitivas envolvendo memória, linguagem, praxia, gnosiae função executiva. Dentre esses, a memória costuma ser o principal ele- mento alterado com esquecimentos cotidianos como uma panela no fogão ou um número de celular que antes havia gravado na memória. Com o avanço da doença há amnésia retrógrada e remota evidenciadas. Há prejuízo no aprendizado e na reten- ção de informações novas. Manifestações não cognitivas como sintomas comportamentais e sintomas psicológicos também podem estar em associação, por exemplo, a depressão, an- siedade, apatia e irritabilidade. Tais sintomas ocorrem em cerca de 80 a 90% dos pacientes, sendo muitas vezes mais evidentes do que as alterações de memória. Existem três estágios da doença: estágio 1, com amiloidose assintomática; estágio 2 com amiloidose + sinais de neurodegeneração e estágio 3 quando há amiloidose, sinais de neurodegeneração e declínio cognitivo. Veja no fluxograma – Progressão da doença de Alzheimer. PROGRESSÃO DA DOENÇA DE ALZHEIMER ESTÁGIO 1 Amiloidose assintomática Traços de amilóide no PET SCAN Redução de beta amilóide no LCR Disfunção neuronal em exames de neuroimagem funcional Aumento de proteína TAU no LCR Atrofia hipocampal na RMN Mudança na cognição basal Desempenho ruim em tarefas mais complexas Amiloidose + sinais de neurodegeneração Amiloidose + neurodege- neração + declínio cognitivo ESTÁGIO 2 ESTÁGIO 3 Demências 34 A progressão da DA pode ser também avaliada pelo tempo de instalação das alte- rações. A fase pré-clínica cursa com comprometimento cognitivo leve. Nos primeiros anos (1-3 anos) é denominada fase leve; 2 a 8 anos caracteriza a fase moderada e 6 a 12 anos a fase grave já com comprometimento avançado com funcionalidade prejudicada. Diagnóstico Sempre avaliar a história clínica de forma detalhada, aplicar os testes de cog- nição e, se necessário, auxiliar com exames complementares como ressonância magnética que poderá evidenciar atrofia hipocampal. Atenção, pois o diagnóstico é clínico. O PET –CT também é um exame importante, pois mede a atividade de gli- cose no SNC, logo, regiões atrofiadas terão diminuição importante da glicose. Veja abaixo exames de imagem característicos. Figura 7: Ressonância magnética representando a escala da involução pela DA. Fonte: Atthapon Raksthaput/Shutterstock.com Tratamento Não há tratamento com evidência de cura ou interrupção de avanço da doença. Dentre os mais utilizados são anticolinesterásicos e memantina. A estimulação cog- nitiva é o principal aspecto do tratamento, pois favorece o retardamento da perda de funcionalidade. Demências 35 DOENÇA DE ALZHEIMER QUADRO CLÍNICO DIAGNÓSTICO TRATAMENTO FISIOPATOLOGIA Função executiva Atenção complexa Cognição social Comportamentais/ psiquiátricos PRINCIPAL MANIFESTAÇÃO Memória Linguagem Perceptomotora Irritabilidade Apatia Depressão Ansiedade Funcionalidade Anamnese Rastreio CLÍNICO Complementar PET-CT Ressonância magnética Diminuição de áreas funcionantes Atrofia cerebral Anticolinesterásicos Memantina Estímulo cognitivo Ver filmes Leitura Conversa Contas Proteína B- amiloide Extracelular Hiperfosforilação da proteína TAU Intracelular Placas senis Emaranhados neurofibrilares EPIDEMIO Principal causa de demência Idosos Risco Protetores Sedentarismo Hereditariedade Idade Doenças vasculares Doenças metabólicas Tabagismo Sociodemográficas Estímulo intelectual Atividade física Estatinas Anti-inflamatórios Dieta Demências 36 Demência por corpúsculos de Lewy A Doença de Lewy afeta indivíduos prioritariamente após os 75 anos e é caracterizada pela perda progressiva das funções cognitivas em decorrência da formação dos “cor- pos de Lewy”. São assim chamados pela deposição de corpos arredondados anormais de proteína nas células nervosas no córtex cerebral. Tem como principais sinais e sintomas a dificuldade de atenção, concentração e per- da progressiva da memória, além da dificuldade de avaliar distâncias o que ocasiona traumas por quedas constantemente. Além disso, podem coexistir sintomas como tre- mores e rigidez semelhantes a doença de Parkinson, flutuação do estado mental e alu- cinações visuais. As alucinações são um marco importante e os pacientes relatam, por exemplo, ver crianças correndo pela casa ou elementos que não existem a sua volta. Preste bem atenção nas quatro situações que citaremos a seguir, tá bem?! Veja como diferenciar a demência pela doença de Lewy das demais, lembrando que não é algo rígi- do, que ocorrerá sempre em todos pacientes, mas pode sim te ajudar no diagnóstico de muitos pacientes. • Inicialmente, a atenção e estado de alerta podem estar mais prejudicados que a memória. • Ainda estágios iniciais há flutuação das funções mentais, ou seja, um dia o pa- ciente pode estar completamente lúcido e no outro confuso, sem lembrar nome de familiares ou locais por onde anda, por exemplo. Um dia pode estar atenta, prestando atenção nas conversar e no que acontece ao seu redor e no outro estar desatento e sonolento. Essa variação pode durar dias ou semanas. • Sintomas psicóticos são mais comuns e alucinações, geralmente visuais, po- dem ser bastante complexas e bizarras. • Há sintomas de parkinsonismo associado – tremores, rigidez e instabilidade postural. O diagnóstico ocorre pela história clínica detalhada e exclusão de outras causas como, por exemplo, demência vascular ou DA. Aplicação dos testes de status mental e podem ser necessários os exames de tomografia computadorizada ou ressonância magnética. Fique atento, pois a doença por corpúsculos de Lewy pode existir concomi- tante a outras causas de demência, sendo então denominada demência mista. O tratamento ocorre com as medidas de apoio e prevenção de acidentes como, por exemplo, melhorando a iluminação dos ambientes na casa, organizando horários de ali- mentação e ciclo-sono vigília, retirada de tapetes e móveis que sejam propícios a quedas. A intervenção medicamentosa pode ser realizada com anticolinesterásicos, mas também não há evidências de impedimento da progressão da doença. Se necessário, por sintomas graves, podem ser utilizados os medicamentos benzodiazepínicos, mas jamais neurolépti- co típico, pois tende a piorar os sintomas e gerar surtos. Demências 37 DOENÇA DE LEWY Preventivo/suporte Anticolinesterásicos Flutuação mental Prioritariamente > 75 anos Sinais e sintomas FisiopatologiaTratamento Corpos arredondados anormais Córtex cerebral Organizar ciclo sono-vigília Melhorar iluminação Contato familiar Acompanhamento psiquiátrico Contraindicado neurolépticos típicos Dificuldade em avaliar distâncias Sintomas parkinsonianos Alucinações visuais Dificuldade de atenção Confuso Concentração Memória Quedas Tremores Rigidez Instabilidade postural Demências 38 Demência frontotemporal (DFP) Como mencionados, a DFT tem componente hereditário, representando cerca de 50% dos casos e é a segunda mais frequente dentre as neurodegenerativas e afeta indivíduos jovens, entre 45 e 65 anos. As mutações genéticas ocorrem no cromossomo 17q21-22, no gene tau, e re- presentam tubulopatias, pois as anormalidades estão na proteína tau ligante do microtúbulo. Há uma atrofia cerebral assimétrica predominantemente na região fron- totemporal que caracteriza o quadro clínico peculiar. A DFP afeta, em geral, a personalidade e comportamento, ou seja, são sintomas neuropsiquiátricos, mas também pode estar relacionada a alterações de linguagem. A memória é menos afetada, ao contrário do que ocorre na doença de Alzheimer e, inclu- sive, pode estar sem nenhuma alteração durante todo curso da doença. Podem estar presentes alterações de neurônio motor com os seguintes sinais e sintomas: atrofia muscular, fraqueza, fasciculações e sintomas bulbares como disfa- gia e disfonia. Veremos a seguir as variações da DFT: • Variante comportamental: alterações em comportamento social e personali- dade com sintomas de impulsividade, desinibição e negligenciamento coma higiene corporal. Pode existir comportamento estereotipado e repetitivo como manipulação aleatória e repetitiva de objetos cotidianos, por exemplo, de um relógio ou mesmo repetição de palavras. • Afasia progressiva primária: ocorre degeneração progressiva da linguagem pela atrofia assimétrica anterolateral do lobo temporal cerebral. Há redução da flu- ência e compreensão da linguagem. • Demência semântica: é um subtipo de afasia progressiva primária e ocorre quando há grave comprometimento do lobo esquerdo cerebral. Há fluência na fala, contudo, com desorganização de significado. Se o lado direito for mais afetado ocorre anomia progressiva e prosopagnosia que representam, respec- tivamente, a incapacidade de nomear objetos e incapacidade de reconhecer faces familiares. O diagnóstico ocorre de maneira geral como nas outras demências, com avaliação clínica ampliada e alguns sintomas são bastante sugestivos da DFT, como a desinibição e comprometimento importante da linguagem. Tomografia computadorizada e resso- nância magnética são indicados para determinar o local e extensão dos danos cerebrais. O tratamento é realizado com inibidores da receptação de serotonina (IRSS), trazodo- na e antipsicóticos. Não há evidencia de melhora com anticolinesterásicos, logo, não há indicação formal. Demências 39 DEMÊNCIA FRONTOTEMPORAL Clínico EPIDEMIO TRATAMENTO QUADRO CLÍNICO DIAGNÓSTICO 50% dos casos Jovens 2ª causa mais frequente Degenerativa45-65 anos Mutação genética Anormalidade proteína TAU ligante do microtúbulo Atrofia cerebral assimétrica ETIOLOGIA Cromossomo 17q21-22 Tubulopatia Linguagem Comportamental Complementar Desinibição Ressonância magnética Localização e extensão IRSS Trazodona Antipsicóticos ↓ Fluência da linguagem ↓ Compreensão Menos afetada Movimentos repetitivos Estereotipado Pouca higiene Desinibição Afasia progressiva primária Memória Comportamento Personalidade Demências 40 8. DEMÊNCIAS SECUNDÁRIAS Demência vascular As manifestações clínicas dependem do tipo de AVC, bem como localização, veja abaixo: DEMÊNCIA POR MÚLTIPLOS INFARTOS - ocorrem infartos cerebrais múltiplos, envol- vendo áreas corticais e subcorticais, com início abrupto, progressão rápida, sinais pirami- dais, hemiparesia, perda hemi-sensorial, déficits neuropsicológicos e prejuízo de memória. DEMÊNCIA POR INFARTO ÚNICO EM POSIÇÃO ESTRATÉGICA - deve-se a danos em áre- as funcionalmente importantes, sendo a sintomatologia definida de acordo com a área lesada. DOENÇA DOS PEQUENOS VASOS - pode ocasionar lesões corticais e subcorticais. Os infartos subcorticais ocorrem com frequência na substância branca do cérebro e há sin- tomas como prejuízo de memória, função executiva anormal, retardo psicomotor, euforia, psicose, hemiparesia, dentre outros. A doença de Binswanger é conhecida pela afecção com múltiplos infartos na substância branca frontal gerando sinais pseudobulbares, abu- lia, alterações do comportamento, sinais piramidais bilaterais, distúrbios de memória e de atenção, retardo psicomotor, distúrbios de marcha, incontinência urinária e parkinsonismo. HIPOPERFUSÃO – ocorre afasia transcortical, prejuízo de memória, apraxia e défi- cits visoconstrutivos. “DEMÊNCIA HEMORRÁGICA” – ocorre por hematomas subdurais crônicos, hema- toma intracerebral ou hemorragia subaracnóidea. Para diagnóstico é essencial à associação entre história clínica, exame físico, ava- liação neuropsicológica e exames complementares, tanto laboratoriais quanto de imagem. Dentre os exames de imagem destacam-se a ultrassonografia de carótidas, tomografia computadorizada e ressonância magnética para avaliar lesões cerebrais. São elencados três critérios diagnósticos: 1- diagnóstico de demência; 2) evidên- cia da presença de doença cerebrovascular, demonstrada pela história, pelo exame clínico ou pelos exames de neuroimagem; 3) a demência e a doença cerebrovascular precisam estar relacionadas. Após identificada a patologia o tratamento é iniciado com prevenção de riscos e agravamento da doença como cuidados em casa e apoio familiar; combate a fatores de risco para outros eventos embólicos isquêmicos como cessar o tabagismo e con- trole de doenças crônicas como diabetes mellitus, se presentes. Há indicação de anticoagulantes se evidenciado risco de trombose elevado para evi- tar outros eventos isquêmicos associados a drogas antiplaquetárias como aspirina que também são uteis na prevenção de AVC. Acompanhamento interdisciplinar com fisiote- rapia e psicologia, por exemplo, são essenciais para a recuperação de déficits focais e definem melhor prognóstico. Demências 41 DEMÊNCIA VASCULAR Múltiplos infartos Eventos vasculares ETIOLOGIA DIAGNÓSTICO TRATAMENTO FATORES DE RISCO Isquêmicos Hemorrágicos Microinfartos Aterosclerose História prévia de doença vascular Síndrome pós AVC Idade Tabagismo Doenças endócrino- metabólicas Antidepressivos Memantina Anticolinesterásicos Controlar fatores de risco cardiovasculares Correlação entre doença vascular e demência Diagnóstico de demência Diagnóstico de doença cerebrovascular comprovada por imagem ou clínica Infarto único Doença de pequenos vasos Hipoperfusão Demência hemorrágica Hematomas subdurais crônicos Intracerebral Hemorragia subaracnóidea Abrupto Progressão rápida Sintomas piramidais Áreas corticais e subcorticais Áreas funcionalmente importantes Sintoma de acordo com a área lesada Subcorticais – Substância branca Afasia transcortical Memória Apraxia Déficits visoconstrutivos EXEMPLOS Memória Função executiva Retardo psicomotor Psicose Doença de Binswanger Sinais pseudobulbares Demências 42 Hidrocefalia de Pressão Normal (HPN) Como vimos acima, a HPN é uma doença rara, caracterizada pelo aumento do lí- quido nos ventrículos por diminuição da reabsorção. É uma doença potencialmente reversível, por isso essencial seu diagnóstico e intervenção no intuito de minimizar a hidrocefalia e reverter os danos que, nem sempre, já cursam com atrofia cerebral. O quadro clínico é insidioso e tem curso variável. Existem diversos sintomas co- mo instabilidade postural com alterações na marcha e passadas próximas ao chão. Além disso, há sintomas como incontinência urinária importante e declínio cogni- tivo. Neste caso, os primeiros sinais de demência podem ser dificuldade de concen- tração, planejamento e execução de ideias. Com o avanço da hidrocefalia a memória também pode ser prejudicada. A identificação da patologia com evidência de sinais e sintomas clínicos, exames de imagem (ressonância magnética) e estudo do líquido cefalorraquidiano contri- buem para a intervenção precoce. O próprio alívio pela punção lombar já ocorre co- mo drenagem temporária do excesso contido no SNC. O tratamento, além de medidas de suporte clínico e prevenção de acidentes, pode ser realizado com a própria punção lombar para alívio sintomático inicial e também com derivação ventricular para levar o líquido em direção a pele até o abdome, por exemplo, que são as derivações ventriculoperitoneais. Figura 8: Ressonância magnética representando hidrocefalia de pressão normal com importante dilatação ventricular e pouca atrofia cortical. Fonte: O_Akira/Shutterstock.com Demências 43 HIDROCEFALIA DE PRESSÃO NORMAL DIAGNÓSTICO Punção lombar Derivação ventricular QUADRO CLÍNICO TRATAMENTO INCIDÊNCIA Suporte clínico Insidioso Curso variável Potencialmente reversível Incontinência urinária Cognição Alteração de marcha Precoce 50% tem mais dilatação que atrofia cerebral 0,2% A 0,9% da população > 65 anos Ressonância magnética Clínica Importante dilatação ventricular Pouca atrofia cerebral Demências 44 RESUMO DO TEMA Epidemiologia Tratamento Definição Hipóteses diagnósticas Diagnóstico Idosos Hereditariedade Domínios cognitivos Síndrome clínica caracterizada pelo comprometimento cognitivo e reduçãoda funcionalidade Interpretação Fala Escrita Seletiva Sustentada Dividida Orientação topográfica Gnosias Organização Planejamento Percepção de si e do outro Relações Memória e aprendizagem Linguagem Atenção Perceptomotora Função executiva Cognição social Declínio cognitivo subjetivo Declínio cognitivo leve Leve Moderada Grave Reversíveis Mista + 1 etiologia Drugs - Medicamentos e álcool Emotional depression - Depressão Metabolic - Metabólico, hipotireoidismo Eyes and ears declining - Sensorial Normal pressure hydrocefhalus – Hidrocefalia Tumor or other space-occupyng lesion – Tumor Infection - Infecções Anemia - Deficiência de vitamina B12 e folato Demência Infecções Cerebrovascular Tumores Hidrocefalia de pressão normal Paralisia progressiva supranuclear (PSP)/ Degeneração corti- cobasal (DCB)/ Atrofia de Múltiplos Sistemas (AMS) Doença de Parkinson Doença de Huntington Demência por Corpúsculos de Lewy Frontotemporal Hipotireoidismo Deficiência de vit. B12 Insuficiência renal/ hepática/ cardíaca Doença de Alzheimer DSM-V Clínico Excluir delirium e causas psiquiátricas Comprometimento funcional 1 ou + domínio cognitivo afetado Escalas de Lawton e Katz Testes Rastreio MEEM MoCA Bateria Breve de Rastreio Cognitivo Exames subsidiários Laboratório Imagem RNM PET-CT Suporte clínico Medicamentoso (Não é curativo!) Prevenção de acidentes Estimulação cognitiva Rede de apoio Anticolinesterásicos + memantina Cogitar Doença de Alzheimer Demência Vascular Controlar fatores de risco Antidepressivos IRSS Trazodona Antipsicóticos Demência Frontotemporal Punção lombar Derivação ventricular Hidrocefalia de Pressão Normal Levodopa Doença de Parkinson e Lewy Causas Com comprometimento estrutural Sem comprometimento estrutural Secundárias Primárias Demências 45 REFERÊNCIAS Nitrini R.; Bacheschi LA. A neurologia que todo médico deve saber. São Paulo. Editora ATHENEU. 2003. Diagnóstico e cuidados de pacientes com comprometimento cognitivo - Centro de referências em Distúrbios Cognitivos – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM V - 5ª edição Manual Prático de Geriatria – Elizabete Viana de Freitas et al. 2ed. – Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017 Geriatria: guia prático. Ana Beatriz Galhardi Di Tommaso et al. 1ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016 Demências 46 Anexo 1. Modelo aplicação escala de Lawton Anexo 1: Escala de Lawton. Fonte: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2551437/mod_resource/content/1/LAWTON%20 dez%202015.pdf Demências 47 Anexo 2. Modelo da escala de KATZ sanarflix.com.br Copyright © SanarFlix. Todos os direitos reservados. Sanar Rua Alceu Amoroso Lima, 172, 3º andar, Salvador-BA, 41820-770
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