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Dispepsia 01.COMPREENDER AS MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS, DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO, COMPLICAÇÕES E DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE DISPEPSIA DOENÇA DO REFLUXO GASTROESOFAGICO (DRGE) A doença do refluxo gastresofágico (DRGE) é a condição que se desenvolve quando o refluxo do conteúdo procedente do estômago provoca sintomas desagradáveis e/ou complicações. É um dos diagnósticos mais comuns feitos em gastroenterologia e no atendimento primário dos pacientes. Apresenta prevalência elevada: em nosso meio, amplo estudo populacional abrangendo 22 cidades representativas de diferentes regiões do país, identificou prevalência de DRGE em aproximadamente 12% da população urbana. Contudo, esse estudo levou em conta a ocorrência apenas das manifestações típicas da enfermidade, pirose e/ou regurgitação, não tendo sido consideradas outras queixas frequentes, como dor torácica não cardíaca, tosse, rouquidão etc. (manifestações atípicas). É provável que, se o estudo tivesse incluído também as manifestações atípicas, os números encontrados seriam substancialmente maiores, alcançando a cifra de 20%, tal como ocorre em outros países. O diagnóstico da DRGE é frequentemente baseado na presença de sintomas típicos (pirose e regurgitação) ou sintomas atípicos e extraesofágicos (dor torácica não cardíaca, tosse, pigarro e disfonia), por resposta à terapia supressora de ácido com um curso de tratamento com IBP, achados à endoscopia de lesões mucosas relacionadas ao refluxo e pelo monitoramento prolongado do refluxo pela pHmetria esofágica ou impedância-pHmetria esofágica. Além do aspecto clínico da sintomatologia propriamente dita, outros eventos importantes também merecem consideração. Assim, mais recentemente, observou- -se que a DRGE está muitas vezes associada a alterações do sono. Isso ficou particularmente evidente em um importante estudo populacional, em que foi demonstrado que a pirose ocorreu durante o período de sono em 25% dos 15 mil indivíduos estudados. Outros trabalhos investigaram a relação entre a DRGE e distúrbios do sono, chegou-se à conclusão de que tanto a pirose noturna quanto queixas relacionadas à qualidade do sono, são mais frequentes em pacientes com refuxo gastroesofágico patológico e que o tratamento desses pacientes com inibidores da bomba protônica (IBP) pode melhorar substancialmente a qualidade do sono. A importância da DRGE prende-se não só à prevalência elevada, ao número crescente de enfermos, mas também à baixa qualidade de vida e custos elevados que esta impõe aos pacientes. Além disso, a incidência do adenocarcinoma esofágico relacionado ao esôfago de Barrett, que é complicação da DRGE, vem aumentando de forma expressiva. É verdade que o risco individual de adenocarcinoma do esôfago distal é bastante limitado, mas quando se consideram os casos de esôfago de Barrett, este se torna signifcativamente mais expressivo, cerca de 30 vezes maior que na população em geral. Os distúrbios funcionais do esôfago são caracterizados por sintomas crônicos, tipicamente associados à doença esofágica, porém, sem que sejam identificadas quaisquer alterações anatômicas ou motoras no esôfago que possam justificar o quadro clínico. Os quatro sintomas mais frequentemente referidos por esses pacientes são pirose, dor torácica, disfagia e globus. A despeito do enorme avanço na propedêutica esofágica nos últimos anos, especialmente com a disponibilidade da endoscopia digestiva, manometria, pHmetria e impedanciometria, uma anamnese detalhada continua sendo a base para o diagnóstico das doenças funcionais do esôfago. É importante verificar também hábitos alimentares, assim como o consumo de álcool e cigarro. Somente após esta avaliação inicial será possível definir quais os exames deverão ser realizados e o tratamento mais indicado. O Consenso de Roma III definiu os distúrbios funcionais esofagianos, distinguindo-os em quatro síndromes. A endoscopia digestiva alta, a pHmetria prolongada e os testes que avaliam a motilidade esofágica como a manometria (de preferência de alta resolução) não apresentam alterações nos pacientes potencialmente portadores de distúrbios funcionais do esôfago. Existem alguns critérios considerados imprescindíveis para o diagnóstico das síndromes funcionais do esôfago: - É essencial a exclusão de alterações estruturais ou metabólicas potencialmente capazes de provocar a sintomatologia. -Os sintomas devem estar presentes durante os últimos 3 meses e devem ter iniciado, no mínimo, 6 meses antes. - A doença do refuxo gastroesofágico (DRGE) deve ser excluída (pHmetria e teste terapêutico). - Uma desordem motora específica, com base histopatológica conhecida (como, por exemplo, acalasia e esclerodermia), não é a causa primária do sintoma. A fisiopatologia das síndromes funcionais do esôfago ainda é muito pouco compreendida, sendo objeto de várias pesquisas nos últimos anos. Alterações sensoriais e motoras do esôfago, além de anormalidades na decodificação central têm sido observadas em todas essas síndromes. Acredita-se, atualmente, que uma combinação de fatores fisiológicos e psicossociais possivelmente sejam responsáveis pelo aparecimento dos sintomas. ETIOPATOGENIA, FISIOPATOLOGIA E APRESENTAÇÃO Os fatores patogênicos na DRGE têm interação complexa. As lesões características da DRGE ocorrem quando a mucosa do órgão é exposta ao refluxato gástrico que contém agentes agressores como ácido, pepsina, sais biliares e enzimas pancreáticas. Em condições normais, ocorrem episódios de refluxo de curta duração e rápida depuração, denominado refluxo fisiológico. Numerosos fatores podem contribuir para o refluxo se tornar patológico, merecendo destaque as aberturas transitórias ou relaxamentos transitórios do esfíncter inferior do esôfago. Estes, ocorrem independentemente da deglutição, principalmente em indivíduos com pressão basal normal. Em alguns casos, que não constituem maioria, pode ocorrer hipotensão esfincteriana, como principal mecanismo fsiopatológico. Uma observação recente de grande interesse, é que o refluxo gastresofágico, em particular aquele que ocorre no período pós-prandial, se origina de um reservatório gástrico de ácido, sobrenadando o conteúdo gástrico. Essa “bolsa ácida” recém-secretada não se mistura com a refeição e pode ser detectada próximo à junção esofagogástrica em torno de 20 minutos após a refeição. Esse fato aponta para um novo alvo com o objetivo de redução da pirose pós-prandial. Nos pacientes com DRGE, sobretudo naqueles com hérnia hiatal, a bolsa ácida é maior e se estende mais proximalmente no esôfago quando comparada àquela observada em controles saudáveis. O refluxo gastroesofágico provoca diminuição da resistência do epitélio mucoso esofágico com dilatação do espaço intercelular e presença de erosões. Entretanto, a presença de erosões na mucosa esofágica pode não ocorrer, caracterizando-se a forma não erosiva da doença, como se verá a seguir. A dilatação do espaço intercelular, por outro lado, é uma das mudanças morfológicas mais precocemente observadas no epitélio esofágico. Ela é observada tanto em pacientes com a doença erosiva quanto naqueles com a doença não erosiva, podendo, em teoria, ser o mecanismo gerador ou perpetuador dos sintomas, mesmo nos pacientes em tratamento com inibidores da bomba protônica (IBP). A gravidade da esofagite é relacionada à duração, ao tempo de exposição ácida e ao pH do conteúdo gástrico refluído. Na etiopatogenia da DRGE, o refluxo ácido é muito mais comum do que o refluxo não ácido. Mais recentemente, tem sido sugerido maior importância para o refluxo não ácido (ou fracamente ácido) na gênese dos sintomas da doença, sobretudo, tosse, pigarro e globus, em pacientes em tratamento com IBP. A DRGE pode ser classificada em duas formas de apresentação, conforme a presença ou não de erosões ao exame endoscópico. Doença do refuxo não erosiva (DRGE-NE) A forma mais frequente da enfermidadeé definida pela presença de sintomas desagradáveis associados ao refluxo, com ausência de erosões ao exame endoscópico. Atenção, pois a verificação da presença de edema e eritema per si não caracterizam a ocorrência de DRGE-NE, a qual pode ser diagnosticada clinicamente com base na história clínica, embora a presença de sintomas típicos também não assegure o diagnóstico de forma definitiva. Assim, demanda a realização de um teste terapêutico, particularmente, em pacientes com menos de 45 anos de idade. Recentemente, uma avaliação sistemática das diferentes abordagens clínicas da DRGE, na avaliação da enfermidade, confirmou essa assertiva. Doença do refuxo erosiva (DRGE-E) Apresentação clássica da enfermidade, com sintomatologia clínica e presença de erosões ao exame endoscópico, a qual, embora importante, não apresenta especificidade elevada. Diversas classificações endoscópicas da esofagite têm sido propostas, sendo frequentemente adotada em nosso meio a denominada de classificação de Los Angeles. HELICOBACTER PYLORI Existem evidências demonstrando que a infecção por H. pylori não tem relação com a DRGE e que sua erradicação não agrava seus sintomas. Portanto, tendo em vista a remissão de sintomas ou cicatrização de lesões, até o presente, não está indicada a pesquisa do H. pylori ou sua erradicação. ESÔFAGO DE BARRETT Segundo o III Consenso da DRGE Brasileiro, respaldado por diversas entidades internacionais, o esôfago de Barrett é a substituição do epitélio escamoso estratifcado do esôfago por epitélio colunar contendo células intestinalizadas (metaplasia intestinal) em qualquer extensão do órgão. Trata-se de uma condição adquirida que resulta do refluxo gastroesofágico crônico. O diagnóstico é primariamente suspeitado pelo exame endoscópico, mas deve ser sempre confirmado pelo exame histológico de fragmentos de biópsia, o qual demonstra metaplasia intestinal incompleta com presença de células caliciformes. Os mecanismos etiopatogênicos de progressão da mucosa infamada para o esôfago de Barrett não são completamente entendidos. Estudos com a utilização de pHmetria de 24 horas demonstraram que pacientes com esôfago de Barrett apresentam refluxo ácido intenso, semelhante aos pacientes com esofagite erosiva complicada em comparação com controles e portadores de DRGE-NE. O dano maior ocorre mais pelo tempo prolongado de exposição ao pH ácido inferior a 4 do que pelo número de episódios de refluxo. O esôfago de Barrett é uma condição pré-maligna que se acredita ser o maior fator de risco para o desenvolvimento de adenocarcinoma do esôfago distal. Esse tumor vem apresentando frequência muito aumentada no hemisfério ocidental. Existem evidências epidemiológicas de que efetivamente a exposição ácida aumenta a probabilidade de adenocarcinoma, por meio da displasia que pode ocorrer no epitélio de Barrett. A displasia, sinônimo de neoplasia intraepitelial, atualmente é o único marcador que pode ser utilizado para delinear a população de maior risco de câncer esofágico. No entanto, permanece desconhecido se a supressão ácida (farmacológica ou cirúrgica) poderia alterar a história natural da metaplasia (esofagite A metaplasia intestinal A displasia A neoplasia), embora, trabalhos recentes tenham sugerido que a terapia com IBP está associada à redução significativa do desenvolvimento de displasia nesses pacientes. É necessário o acompanhamento dos pacientes com esôfago de Barrett. Vale ressaltar que, embora seja considerado precursor do desenvolvimento do adenocarcinoma esofágico, a incidência deste último é baixa, estimando-se 1:146 pacientes/ano de seguimento a 1:184 ou mesmo 1:222.25. O risco de malignização (displasia a adenocarcinoma) parece estar relacionado com a extensão do epitélio metaplásico e é maior nos pacientes com o denominado esôfago de Barrett longo, maior que 3 cm.25 RECIDIVAS Os pacientes com DRGE apresentam diferentes defeitos fisiopatológicos que não são efetivamente corrigidos com o tratamento, mas são atenuados pelo bloqueio do ácido que provém do estômago. Assim, é de se esperar que, após o tratamento da fase aguda da enfermidade, possam ocorrer recidivas com a suspensão do tratamento, particularmente nos casos mais graves. De fato, a DRGE-E recidiva em 80 a 90% dos pacientes dentro de seis meses do término do tratamento.26 O tratamento de manutenção desses pacientes deve ser considerado, sobretudo, nos casos de esofagite erosiva. DIAGNÓSTICO O diagnóstico da DRGE se inicia com uma anamnese cuidadosa. Esta deve identifcar os sintomas característicos, bem como definir sua intensidade, duração e frequência. Devem ser observados os fatores desencadeantes e de alívio, além de ser determinado o padrão de evolução da enfermidade no decorrer do tempo, assim como o impacto na qualidade de vida dos pacientes. Os sintomas considerados típicos são: Pirose: algumas vezes chamada de azia, que é a sensação de queimação retrosternal que se irradia do epigástrio à base do pescoço, podendo atingir a garganta. Regurgitação: definida como a percepção do fluxo do conteúdo gástrico refluído para a boca ou hipofaringe. Estudos têm demonstrado que, mesmo quando considerados isoladamente, esses sintomas apresentam valor preditivo para o diagnóstico de DRGE, embora com baixa especificidade. Quando os dois sintomas ocorrem simultaneamente, a probabilidade de o paciente apresentar DRGE é elevada, ao redor de 90%. Por outro lado, quando os pacientes apresentam sintomas típicos duas ou mais vezes por semana, por no mínimo 4 a 8 semanas, existe razoável probabilidade de serem portadores de DRGE. A pirose costuma ocorrer 30 a 60 minutos após as refeições, especialmente quando estas são muito volumosas e/ou ricas em gordura. Associados aos sintomas típicos, também podem ocorrer sialorreia, eructação, sensação de opressão retroesternal. Condições que elevam a pressão intra-abdominal também podem exacerbar os sintomas, particularmente a obesidade. Nesse caso, a obesidade deve ser considerada como fator de risco para a DRGE, uma vez que a ocorrência de refluxo gastroesofágico patológico está relacionada a esta. É interessante observar que a intensidade é tão importante quanto a frequência dos sintomas e que existe relação entre a gravidade e a afetação da qualidade de vida. Isso vale tanto para a DRGE não erosiva quanto para a esofagite erosiva. A ausência de sintomatologia típica não descarta a hipótese de DRGE, tendo em vista algumas manifestações atípicas da DRGE. Ao contrário, pacientes com laringite crônica, por exemplo, devem ser investigados quanto à presença de refluxo, até porque existe a possibilidade da ocorrência de refluxo não ácido ou fracamente ácido. O mesmo se aplica aos pacientes com apneia ou distúrbios do sono. A DTNC (dor torácica não cardíaca) é particularmente importante: depois de afastada a etiologia cardíaca (que deve ser considerada primeiramente na abordagem diagnóstica), a DRGE costuma ser a causa mais comum de dor torácica, podendo corresponder a 50% dos casos de DTNC. A tosse crônica, laringite crônica e asma são processos multifatoriais que podem ter o refluxo como fator potencial de agravamento e, por isso, a DRGE pode não ser a única causa dessas manifestações. Os mecanismos causais para a tosse, laringite de refluxo e síndromes asmatiformes podem ser diretos (aspiração) ou indiretos (mediados neuralmente). Nesses casos, a semiologia se reveste de maior importância porque deve caracterizar o sintoma, sua relação com a alimentação, exercícios físicos e postura do indivíduo e presença de manifestações típicas (que podem ser leves ou eventualmente negligenciadas pelo paciente). Deve-se ter atenção à ocorrência dos sinais e/ou sintomas de alerta que, frequentemente, estão associados a complicações. Os pacientes, nesses casos, devem ser muito bem investigados, recebendo abordagem diagnóstica mais agressiva. Os sinaisou sintomas de alerta são: anemia, hemorragia digestiva, emagrecimento, disfagia e odinofagia, além da presença de sintomas de grande intensidade, principalmente os que têm início recente em pacientes idosos e/ou com história familiar de câncer. Teste diagnóstico terapêutico No III Consenso da DRGE Brasileiro baseado em evidências, o teste diagnóstico terapêutico (IBP, administrado em dose plena por um período de quatro semanas) para os pacientes com menos de 45 anos e com manifestações típicas foi classificado como recomendação de grau A, o que quer dizer que é um procedimento válido e suportado pela literatura. Ainda assim, foi explicitamente recomendado que todo paciente com suspeita ou diagnóstico de DRGE realize a endoscopia digestiva alta (EDA) antes do início do tratamento. Essa orientação baseia-se no fato de que a EDA é um procedimento seguro e facilmente executado, amplamente disponível e de baixo custo em nosso meio. Permite a visualização direta da mucosa e aumenta a acurácia diagnóstica nos casos de DRGE erosiva. Isto, além de identificar precocemente as complicações ou outras eventualidades, como neoplasias de esôfago e estômago. O teste diagnóstico terapêutico é uma conduta interessante, porém, determinados pacientes com DRGE eventualmente podem não apresentar resposta positiva ao teste, ou porque necessitam de dose maior do medicamento ou de sua utilização por período mais prolongado. Na mesma linha do teste diagnóstico terapêutico, o estabelecimento do diagnóstico de maneira simples e intuitiva, baseado apenas na anamnese e no exame físico para pacientes com idades inferiores a 45 anos sem sinais de alerta e com sintomas típicos de DRGE, tem sido proposto, também. Essa abordagem diagnóstica inicial sem investigação complementar tem sido aceita por alguns autores, inclusive pelo Consenso da DRGE Latino-Americano. Todavia, não é a conduta proposta para o nosso meio que geralmente indica a realização da EDA. Exame endoscópico e biópsia de esôfago O exame endoscópico é o método de escolha para o diagnóstico das lesões causadas pelo refluxo gastroesofágico. Permite a caracterização da presença de erosões da mucosa esofágica e possibilita a realização de biópsias. Assim, o exame endoscópico possibilita a classificação da DRGE em doença erosiva ou não erosiva que poderá ter implicações diretas na forma de abordagem terapêutica. As biópsias de esôfago têm indicação limitada apenas às complicações da doença: esôfago de Barrett, úlceras de esôfago e estenose, além de caracterizar o adenocarcinoma esofágico. O III Consenso Brasileiro da DRGE sinaliza que, em pacientes refratários ao tratamento com IBP, a observação das dimensões do espaço intercelular do epitélio do esôfago distal aumenta a probabilidade de certeza diagnóstica e permite a análise da resposta terapêutica. A dilatação do espaço intercelular pode, preferencialmente, ser observada à microscopia eletrônica, embora o diagnóstico nessa instância seja oneroso e não facilmente acessível. Convém lembrar que um número relativamente elevado de pacientes não mostra alterações da mucosa ao exame (erosões) ou revela alterações inespecíficas como, por exemplo, edema e eritema que não são características da DRGE e, portanto, não permitem estabelecer o diagnóstico. É a ausência de alterações endoscópicas que, na dependência da ocorrência de sintomatologia típica, pode corresponder à forma não erosiva da enfermidade. A existência de numerosas classificações endoscópicas espelha a dificuldade existente na uniformização dos diagnósticos endoscópicos da DRGE e, consequentemente, na eventual comparação de resultados de diferentes exames do mesmo paciente. Com esse objetivo, é recomendável o emprego da classifcação de Los Angeles. Raio X contrastado de esôfago (esofagograma ou seriografa) Tem hoje indicação restrita em função dos avanços da avaliação endoscópica. A indicação do esofagograma baseia- se na capacidade do exame em avaliar dinamicamente a morfologia do órgão e o tempo de trânsito do contraste. Entretanto, para o diagnóstico de DRGE apresenta baixa sensibilidade e especificidade e, por conseguinte, raramente está indicado. O exame pode auxiliar na investigação de pacientes que referem disfagia e odinofagia, tornando-se fundamental para caracterizar estenoses e ajudar na decisão terapêutica dessa complicação. Cintilografa Pode demonstrar o refluxo do conteúdo gástrico após ingestão de contraste marcado com 99Tc. O exame é caro e pouco disponível, mas, por ser uma técnica não invasiva, tem sido utilizado amplamente para o diagnóstico da DRGE em crianças. Pode também ser útil para investigar as manifestações atípicas respiratórias. Manometria convencional e manometria esofágica de alta resolução O diagnóstico da DRGE não pode estar baseado nos resultados do esofagograma ou da manometria esofágica, quer seja convencional ou de alta resolução. A manometria convencional tem valor bastante limitado na investigação diagnóstica inicial da DRGE. Entretanto, está indicada nas seguintes condições: -Antes da realização do exame pHmétrico, com o objetivo de precisar o local do esfíncter esofágico inferior para localização do sensor de pH. -No pré-operatório da DRGE para afastar acalasia e distúrbios importantes de motilidade esofágica, por exemplo, a esclerose sistêmica, porque estes contraindicam a fundoplicatura. A presença de peristalse diminuída é menos importante antes da cirurgia porque estas alterações não têm se correlacionado com a predição de disfagia pós- fundoplicatura. -Na investigação complementar de disfagia, particularmente quando existe suspeita de alterações motoras de esôfago, como o “esôfago em quebra-nozes” e espasmo esofágico difuso. A manometria de alta resolução procura superar as limitações da manometria convencional, possibilitando o emprego de um grande número de sensores de pressão, inclusive sensibilidade circunferencial, que faz com que a imagem final seja contínua e espacial. Apresenta maior especificidade na identificação dos tipos acalasia, obstrução funcional da junção esofagogástrica e na definição do espasmo esofágico. É importante considerar que muitos pacientes com DTNC e espasmo esofágico difuso respondem à supressão ácida porque presumivelmente apresentam DRGE. Nestes casos, a alteração motora pode ser mais bem observada pela manometria de alta resolução. No que se refere à DRGE de modo geral, o método atualmente não apresenta grandes vantagens em relação à manometria convencional. Porém, poderá vir a ter papel importante no futuro, à medida que progridem os estudos, sobretudo os relacionados à junção esofagogástrica. pHmetria esofágica de 24 horas O monitoramento ambulatorial do refluxo gastroesofágico pode ser realizado por diferentes métodos. O monitoramento do pH intraesofágico pode ser realizado via cateter transnasal ou com cápsula telemétrica sem fo e pode detectar episódios de refluxo medindo as diminuições do pH esofágico. Cateteres de impedância e pH posicionados por via transnasal no esôfago, avaliam a mudança da resistência elétrica conforme a composição química do material refluído e medem a direção do fluxo (anterógrado ou retrógrado), assim como, o pH esofágico. Assim, este último método é capaz de medir refluxos ácidos e não ácidos. Embora o monitoramento do refluxo esofágico represente ferramenta valorosa na avaliação de pacientes com suspeita da DRGE, cada modalidade tem suas limitações, que precisam ser consideradas quando da decisão de como e quando utilizar cada um destes métodos. Em particular, deve ser lembrado que a pHmetria prolongada, dentre suas limitações, apresenta como a principal delas a incapacidade de determinar o volume ácido do refluxato. Ainda assim, é considerada um método específico e sensível para o diagnóstico do refluxo ácido gastroesofágico e sua correlação com os sintomas referidos pelos pacientes.Recentemente, o Colégio Americano de Gastroenterologia publicou recomendações para o uso de testes para o diagnóstico do refluxo gastroesofágico. Em linhas gerais, essas normas são as mesmas adotadas em nosso meio para a indicação de realização do exame. São elas: -Para documentar a exposição ácida em paciente com endoscopia negativa, quando considerado para intervenção endoscópica ou cirúrgica. -Na avaliação de pacientes com sintomas típicos de refluxo que apresentam endoscopia negativa e que são refratários ao tratamento com IBP. O exame não deve ser indicado rotineiramente, mas em certas condições também pode ser útil e auxiliar na conduta: -Na documentação da adequação do tratamento com IBP para controle ácido gástrico em pacientes com complicações como esôfago de Barrett. - Na avaliação de pacientes com sintomas atípicos que apresentam a endoscopia negativa e que são refratários ao tratamento com IBP. pHmetria sem fo: cápsula Bravo Recentemente, têm sido descritos resultados bastante satisfatórios na determinação do pH ácido esofágico, empregando a denominada cápsula Bravo® (Given Imaging, Inc., EUA). Ela dispensa o uso de sondas, fos ou cabos. Na verdade, o sistema constitui o aperfeiçoamento da pHmetria de 24 horas, evitando algumas de suas limitações (como a dificuldade para a localização do eletrodo, possibilidade de deslocamento do cateter durante o período de exame, incômodos e limitações físicas e dietéticas para o paciente). A cápsula é afixada temporariamente por sucção na mucosa do esôfago distal, de onde transmite, via radiotelemetria, sinais para o receptor que é preso ao cinto do paciente. Após o período de exame, a cápsula se desprende espontaneamente e é eliminada pelo tubo digestivo, e os sinais são analisados por um programa instalado em computador. Por dispensar o uso de cateteres, o sistema é bastante confortável para o paciente e permite o registro prolongado do pH esofágico por até 96 horas, melhorando a acurácia da pHmetria convencional de 24 horas. Resultados comparando a cápsula Bravo® e a pHmetria esofágica convencional têm demonstrado que a utilização da cápsula por períodos de 48 horas para monitoramento do pH intraesofágico, em certos casos está associada com maior ganho para o diagnóstico da DRGE e, também, na associação entre os sintomas apresentados e os episódios de refluxo ácido. A cápsula Bravo® também foi estudada em nosso meio, dispensando sedação para sua instalação e tendo confirmada a segurança do procedimento.36 Vale dizer que a utilização da cápsula sem fio ainda é restrita. É possível que a redução de custo venha tornar o seu uso mais disponível. Impedância esofágica Na década de 1990, foi descrita uma nova tecnologia capaz de detectar o fluxo de líquidos e gás ao longo do esôfago por meio de um cateter intraluminar. Este capta o registro da resistência elétrica gerada pela passagem do bolo, permitindo a obtenção de medidas de alta resolução da motilidade gastrointestinal e transporte do bolo. A impedância é a medida da resistência elétrica resultante de uma corrente elétrica gerada entre pares de eletrodos quando da passagem do bolo alimentar. Portanto, a determinação da impedância detecta a ocorrência de alterações na resistência à corrente elétrica por meio de eletrodos em pares posicionados no interior do esôfago (de maneira sequencial), por meio de um dispositivo de sonda. O método é capaz de diferenciar o trânsito esofágico de sólidos ou líquidos, tanto no sentido anterógrado quanto no sentido retrógrado (refluxo gastroesofágico). A impedância não caracteriza o refluxo de natureza ácida e, por isso, a monitoração do volume e conteúdo ácido do material refluído não pode ser determinado pelo método. Para obviar essa deficiência, é incorporado ao sistema um eletrodo de pH (impedância-pHmetria), que permite que o refluxato possa ser categorizado nas seguintes categorias: ácido (pH < 4); R fracamente ácido (pH entre 4 e 7); fracamente alcalino (pH > 7). A frequência dos diferentes tipos de refluxo é variável, porém, com base em mais de um estudo multicêntrico, pode-se dizer que aproximadamente ⅔ dos episódios de refluxo costumam ser ácidos e ⅓ deles fracamente ácidos. O refluxo alcalino é raro. O Colégio Americano de Gastroenterologia orienta que o método de impedância-pHmetria pode ser útil nos seguintes casos: Na avaliação de pacientes com sintomas de pirose e regurgitação e endoscopia negativa, a despeito de terapia adequada com IBP. Vale dizer que a acurácia diagnóstica aumentada da impedância sobre a pHmetria convencional é ainda maior quando o exame é realizado na vigência do tratamento com IBP. Em pacientes com queixas primárias de dor torácica ou sintomas extraesofágicos (refratários ao tratamento), embora nesse caso a utilidade do método não tenha sido efetivamente comprovada. A interpretação atual dos resultados da impedância se baseia na correlação de sintomas. As implicações terapêuticas de resultados anormais, entretanto, não estão esclarecidas. TRATAMENTO O tratamento da DRGE objetiva controlar os sintomas, cicatrizar as lesões e prevenir as complicações, podendo ser fundamentalmente clínico e cirúrgico. O tratamento endoscópico, embora promissor, encontra-se ainda em fase de investigação. É difícil determinar qual alteração fisiopatológica predominante deveria ser corrigida pelo tratamento. Por isso, as medidas terapêuticas visam corrigir ou minimizar as consequências do refluxo gastroesofágico, o qual deve ser combatido. Tratamento clínico A grande maioria dos pacientes se benefcia com o tratamento clínico, que deve abranger medidas comportamentais e farmacológicas, as quais devem ser implementadas simultaneamente. O paciente deve ser informado da natureza crônica da sua enfermidade, e uma verdadeira parceria entre médico e paciente deve ser estabelecida com o propósito de aumentar a aderência ao tratamento. As medidas comportamentais ou de correção de hábitos de vida visam prevenir condições e alimentos que promovam ou facilitem o refuxo. Pacientes com distúrbio do sono, por exemplo, que pode ser consequente à pirose noturna, costumam se benefciar com a elevação da cabeceira da cama. No entanto, essa recomendação pode ser desnecessária para aqueles sem sintomas noturnos. A redução do peso corporal deve ser recomendada rotineiramente para os pacientes obesos ou com sobrepeso, dada a forte associação entre o aumento do índice de massa corporal e a probabilidade de aparecimento de sintomas relativos à DRGE.21 As principais alterações de hábitos de vida acham- -se listadas no Quadro 39.4. Vale dizer que, embora as informações referentes aos benefícios da adoção de medidas comportamentais não sejam consistentes (grau B – medicina baseada em evidências), sua adoção certamente pode contribuir para a melhora da enfermidade. A inibição da secreção ácida gástrica é benéfca no tratamento dos pacientes com DRGE, haja vista ocorrer a melhora dos sintomas e a cicatrização da esofagite. A probabilidade de cicatrização da esofagite está diretamente relacionada com a potência do efeito antissecretor da medicação utilizada.19 No plano do tratamento farmacológico, os fármacos disponíveis são: Alcalinos (ou antiácidos) e sucralfato são empregados para neutralizar a secreção ácida gástrica, servindo apenas para controle imediato dos sintomas. Há escassez de evidências que suportem o seu uso e o ganho terapêutico é muito pequeno. São raramente empregados, estando indicados apenas em situações especiais para fornecer alívio sintomático passageiro para indivíduos com sintomas esporádicos. O alginato é um polissacarídeo natural extraído da alga marrom que se polimeriza quando exposto ao ácido formando uma matriz de gel sobrenadante ao conteúdo gástrico que posteriormente é estabilizada por íons cálcio. Assim, uma combinação de alginato-antiácido tem se mostrado efetivaem prevenir o refuxo originário da bolsa ácida, compondo, desse modo, o racional para sua utilização na DRGE. A combinação de um inibidor da bomba protônica (IBP) com o alginato tem ganhado interesse crescente após a recente descoberta da bolsa ácida na porção proximal do estômago. Bloqueadores dos receptores H2 da histamina (cimetidina, ranitidina, famotidina e nizatidina) apresentam bons resultados para a cicatrização de esofagite erosiva leve, mas não são ideais para o tratamento de doença moderada a intensa ou quando longo período é necessário, já que apresentam taquiflaxia. São eventualmente prescritos em situações em que não pode ser utilizado o IBP. Procinéticos (metoclopramida, domperidona e bromoprida) são efcazes para o alívio da pirose quando comparados a placebo. Porém, devem ser considerados medicamentos de exceção, uma vez que não aumentam o índice de cicatrização da esofagite. Podem ser utilizados apenas em associação com IBP em pacientes com quadro de dismotilidade associada à DRGE (p. ex., empachamento pós-prandial). Inibidores da bomba de prótons constituem a classe de fármacos mais indicada para o tratamento da DRGE, apresentando resultados signifcativamente melhores do que as classes anteriormente citadas de medicamentos. Os índices de cicatrização são elevados, portanto, são seguras e efcazes para o tratamento prolongado. Os IBPs devem ser considerados medicamentos de escolha (em ciclo de 4 a 8 semanas de tratamento para a fase aguda). Na Tabela 39.1 estão listados os IBP disponíveis atualmente e as respectivas doses diárias. São indicados em dose plena para o tratamento inicial da DRGE não complicada ou em dose dobrada para pacientes com complicações (estenose, úlcera ou esôfago de Barrett) ou com manifestações atípicas (por período prolongado, em geral, de seis meses de tratamento).21 Evidências sugerem fortemente os benefícios da utilização de IBP no tratamento de manutenção da DRGE (com ou sem esofagite erosiva). As doses do tratamento de manutenção costumam ser inferiores àquelas utilizadas no tratamento da fase aguda da enfermidade e, nesse sentido, os diferentes IBP se comportam de modo semelhante. Recentemente, por exemplo, o tratamento de manutenção e prevenção de recidivas com pantoprazol (20 mg/dia) e esomeprazol (20 mg/dia) não mostrou diferenças entre os resultados de efcácia e tolerância em pacientes com DRGE erosiva previamente cicatrizada, independentemente da presença ou não de Helicobacter pylori. 39 Tendo em vista que é necessária a ativação das bombas protônicas pelos alimentos para a estimulação da produção de ácido clorídrico, é recomendável a administração do IBP em jejum, 30 a 60 minutos antes da ingestão alimentar. Determinados pacientes hipersecretores podem necessitar de dose dobrada do IBP para alívio dos sintomas ou cicatrização da esofagite. Os eventos adversos mais comuns dos IBP são: cefaleia, diarreia, constipação e dor abdominal. Atenção especial deve ser dada ao uso dos IBP durante a gravidez, uma vez que, nessa condição, o omeprazol está enquadrado na categoria C e os outros IBP, assim como os antagonistas do receptor H2, na categoria B. PIROSE FUNCIONAL A presença de pirose na ausência de DRGE é o critério essencial para o diagnóstico dessa síndrome funcional.6 A pirose é relatada em 20 a 40% da população ocidental, contudo a pirose funcional ocorre em menos de 10% desses indivíduos.6,7 Ainda assim, é considerada a desordem funcional esofágica mais prevalente.8 É mais frequente em mulheres jovens que, com frequência, apresentam concomitantemente outros distúrbios funcionais gastrointestinais.6-8 Os pacientes portadores de pirose funcional se comportam de modo muito semelhante ao dos pacientes portadores da DRGE em relação à apresentação clínica, achados manométricos, impacto na qualidade de vida e história natural.6,8 Observa-se, entretanto, uma resposta pobre à terapia com antissecretores nos casos de pirose funcional,3 assim como uma pHmetria esofagiana prolongada com exposição ácida normal e índice de sintomas negativo.4,6-8 Nos casos de doença do refuxo endoscopicamente negativa, a pHmetria pode ser normal, porém, o índice de sintomas é positivo e, frequentemente, os pacientes apresentam um boa resposta ao tratamento com antissecretores.9 Os critérios estabelecidos pelo Consenso de Roma III para o diagnóstico da pirose funcional são os descritos no Quadro 114.2.3 Embora a etiopatogênese dessa síndrome permaneça desconhecida, tem sido observada hipersensibilidade esofágica em parcela signifcativa dos pacientes.5,9-11 O primeiro passo na avaliação clínica é esclarecer a natureza dos sintomas, tentando estabelecer ou excluir o diagnóstico de refuxo gastroesofágico.3,6,8 A endoscopia normal, sem evidências de esofagite, não é sufciente para o diagnóstico, sobretudo naqueles pacientes avaliados durante a terapia antissecretora ou logo após a suspensão dessa medicação.8,10 A biópsia endoscópica do esôfago evidenciando esofagite microscópica exclui o diagnóstico de pirose funcional.7 Por meio da pHmetria esofagiana de 24 horas é possível avaliar a presença de exposição ácida anormal no esôfago, além da determinação da presença de sintomas. A impedâncio-pHmetria é um novo método que permite avaliar o movimento retrógrado do material refuído, caracterizar sua natureza física (líquido, gasoso ou misto) e química (ácido, não ácido e levemente ácido). Dessa forma, é possível determinar se ocorre refuxo, se ele é líquido, gasoso ou misto e se é ácido ou não ácido. Esses exames se tornam fundamentais para a defnição do diagnóstico, principalmente para os pacientes com endoscopia normal e para aqueles cujos sintomas persistem apesar da terapia antissecretora.9 A resposta favorável a uma prova terapêutica com altas doses de inibidores da bomba de prótons (IBP) não é específca, mas, o contrário, a não resposta a essas drogas provavelmente tem alto valor preditivo negativo para DRGE9-12. O diagnóstico de esofagite eosinofílica também deve ser considerado e biópsias esofágicas devem ser realizadas na suspeita clínica.4,9,13 Provas motoras, especialmente a manometria deve ser realizada para exclusão de acalasia ou mesmo espasmo esofagiano difuso.4,6,7 Se todos esses exames forem normais, o diagnóstico de pirose funcional pode ser estabelecido.3,6,9 A Figura 114.1 propõe um algoritmo para avaliação clínica e diagnóstico dos pacientes com sintoma de pirose. O tratamento da pirose funcional é bastante empírico, existindo poucos estudos que demonstram que os medicamentos sejam realmente efcazes. A resposta às habituais medidas antirrefuxo é, em geral, desapontadora, embora existam alguns relatos de que parcela dos pacientes melhoram com a perda de peso e a redução do consumo de alimentos gordurosos.4 O tratamento com os antissecretores não apresenta resultados favoráveis.3,6-11,13 Tem sido demonstrado que a pirose funcional pode responder à psicoterapia ou a baixas doses de antidepressivos, especialmente aos antidepressivos tricíclicos,12,13 medicações usualmente utilizadas também para outros distúrbios funcionais digestivos.3 Poucos estudos empregaram imipramina e amitriptilina nesse grupo de pacientes e alguns resultados foram bastante favoráveis.9 Ostovaneh et al. demonstraram a superioridade da fuoxetina em relação ao omeprazol na melhora dos sintomas em pacientes com queixa de pirose, com endoscopia e pHmetria normais.14 Viazis et al. observaram que o citalopram foi superior ao placebo em pacientes com esôfago hipersensível.15 Alguns autores demonstraram que o tegaserode, um serotoninérgico, agonista parcial do 5HT4, utilizado para o tratamento de pacientes com constipação intestinal e síndrome do intestino irritável, foi efcaz no alívio da pirose.16 Esse medicamento, no entanto, é de prescrição restrita devido aos seus efeitos adversos cardiovasculares. Outros medicamentosque atuam no relaxamento transitório do esfíncter esofágico inferior, como o baclofen, vêm sendo testados nos últimos anos em inúmeros ensaios clínicos, mas os resultados são bastante controversos.6,9,13 Vários agentes farmacológicos, teoricamente capazes de modular a dor esofágica e alterar a percepção do desconforto, vêm sendo utilizados mais recentemente em pequenos ensaios clínicos.4,13 Dentre esses fármacos, destacam-se: antagonistas da adenosina (teoflina), novos agonistas e antagonistas serotoninérgicos, análogos da somatostatina (octreotídeo) e antiepilépticos (pregalina, gabapentina).13 Para o conhecimento da real efcácia desses medicamentos para o alívio da pirose e da dor torácica de origem esofagiana são necessários novos estudos envolvendo um grande número de pacientes. DOR TORÁCICA FUNCIONAL DE PROVÁVEL ORIGEM ESOFAGIANA A dor torácica funcional do esôfago é caracterizada por episódios inexplicáveis de dor ou desconforto em aperto, pressão ou peso na região anterior do tórax, de origem visceral e que, com muita frequência, é confundida com a dor coronariana (angina) e com outros distúrbios do esôfago que também podem provocar dor torácica como a DRGE e a acalasia.17 O quadro mais característico é, em geral, o relato de dor localizada na região retroesternal, sem irradiação, que piora com a ingestão de alguns alimentos e de bebidas em temperaturas extremas.3,4,17-19 A dor geralmente tem duração prolongada e intensidade variável, e o paciente pode relatar concomitantemente pirose, regurgitação, disfagia ou odinofagia, reforçando a hipótese mais provável de dor torácica de origem esofágica.18 Os distúrbios psiquiátricos como ansiedade, depressão e somatização, são relevantes nesses pacientes.4 Alterações da decodifcação central, da sensibilidade visceral e da motilidade esofágica (desordens espásticas esofágicas e/ou contração muscular sustentada) têm sido observadas em uma considerável parcela dos pacientes com dor torácica funcional.3,5,17-20 No Quadro 114.3 são apresentados os critérios diagnósticos para a dor torácica de presumível origem esofagiana, estabelecidos pelo Consenso de Roma III.3 O passo inicial e mais importante na avaliação desses pacientes é excluir a doença cardíaca como causa da dor torácica.17,19 Sabe-se que até 30% das arteriografas coronárias realizadas em pacientes com suspeita de doença coronariana são normais.3 Da mesma forma, a identifcação de DRGE é essencial para o diagnóstico e o tratamento adequado.19 Alguns estudos demonstram que até 40% dos pacientes com dor torácica são portadores de DRGE.19 A exclusão de doença do refuxo não deve ser feita apenas com a endoscopia, pois a esofagite é encontrada em menos de 20% dos pacientes com refuxo e dor torácica.20 Segundo um Consenso de DRGE recente, a endoscopia digestiva mostrando esofagite nos graus B a D na Classifcação de Los Angeles justifcaria o sintoma de dor torácica como manifestação de refuxo e o tratamento com antissecretores deve ser iniciado nesses casos.21 A pHmetria esofagiana é o exame de maior sensibilidade para o diagnóstico17 como mostrado na Figura 114.2. Um teste terapêutico com IBP pode ser feito nos casos de dúvida do diagnóstico de DRGE.17-19 A manometria esofágica tem valor bastante limitado na avaliação de pacientes cujo único sintoma é a dor torácica crônica,3,4 mas estudos da motilidade são importantes para exclusão dos distúrbios motores do esôfago. O diagnóstico de esofagite eosinofílica também deve ser considerado nos casos de dor torácica não cardíaca.13 A Figura 114.2 sugere um algoritmo para a avaliação da dor torácica de origem não cardiogênica. Uma vez excluídos os diagnósticos de doença cardíaca e DRGE as opções terapêuticas para a dor torácica são bastante limitadas.13 Os relaxantes musculares têm se mostrado inefcientes em vários ensaios clínicos.3 Da mesma forma, a injeção de toxina botulínica no esfíncter esofagiano inferior e no corpo esofágico não tem apresentado resultados animadores.17 Alguns estudos empregando os antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, imipramina e trazodona) e os serotoninérgicos (fuoxetina, paroxetina, venlafaxina, citalopram, sertralina), demonstraram que esses fármacos são capazes de reduzir o limiar da dor de forma signifcativa.13 Contudo, os estudos nessa área são bastante heterogêneos e utilizam diferentes formas de avaliação da dor torácica, o que difculta conclusões defnitivas sobre a real efcácia dessa classe de medicamentos.17,19 Em um estudo randomizado e aberto, Park et al. demonstraram que a combinação de rabeprazol (40 mg/dia) com uma dose baixa de amitriptilina (10 mg/ noite) foi mais efcaz para o tratamento da dor torácica de origem esofagiana do que o emprego isolado do antissecretor.22 Cannon et al. acompanharam 60 pacientes com dor torácica não cardíaca e observaram que a imipramina foi signifcativamente mais efcaz que a clonidina e o placebo no alívio da dor torácica.23 Lee et al.24 realizaram um estudo controlado comparando o efeito da venlafaxina e do placebo durante quatro semanas em pacientes com dor torácica de presumível origem esofagiana. Foi observado alívio dos sintomas em 52% dos pacientes que receberam o antidepressivo e em 4% do grupo placebo. Contudo, os efeitos colaterais foram bem mais frequentes no grupo que recebeu o antidepressivo, particularmente os distúrbios do sono. Alguns ensaios clínicos empregando paroxetina e sertralina encontraram resultados semelhantes.25-26 A Tabela 114.2 apresenta os antidepressivos com melhores evidências de efcácia nos diversos distúrbios esofágicos.27 Revisão sistemática recentemente publicada incluiu 15 trabalhos randomizados e controlados, evidenciando que os antidepressivos são efcazes e superiores ao placebo, sendo capazes de reduzir a dor torácica em 18 a 67% dos casos.28 Em um estudo randomizado, controlado e duplo- -cego, Rao et al. avaliaram a efcácia da teoflina (oral e venosa) no alívio da dor torácica de origem esofágica.29 Os autores observaram melhora do sintoma em 58% dos pacientes que receberam teoflina e em 6% daqueles que receberam placebo, sugerindo ser essa uma opção terapêutica interessante a ser investigada nesse grupo de pacientes. Alguns autores encontraram bons resultados com a terapia comportamental e hipnose.4,13 Também existem relatos da efcácia da terapia de biofeedback no alívio da dor torácica de origem esofagiana.3 Disfagia funcional A disfagia funcional é uma síndrome clínica que se caracteriza pela sensação de um trânsito anormal do bolo alimentar através do corpo esofágico. Para estabelecer o diagnóstico é necessária a exclusão de lesões estruturais, DRGE e de desordens motoras específcas cuja base histopatológica é bem determinada.3,4 A disfagia funcional é a menos prevalecente dentre todas as desordens funcionais do esôfago.3 Acredita-se que a disfunção da peristalse esofágica possa ser responsável pelo sintoma em um subgrupo de pacientes.31 Exames radiológicos realizados nesses pacientes demonstraram velocidade rápida de propagação acompanhada de retardo do clareamento do barium e presença de ondas inefcientes.1 Os critérios para o diagnóstico da disfagia funcional estão descritos no Quadro 114.4 e seguem a recomendação do Consenso Roma III.3 Estudos de indução experimental de estresse agudo sugerem que fatores centrais podem precipitar anormalidades motoras potencialmente capazes de provocar disfagia, como, por exemplo, velocidade rápida das contrações esofágicas, que resultariam em retardo do clareamento do conteúdo esofágico e alterações na sensibilidade visceral.1,31 Achados manométricos e radiológicos demonstraram essas alterações motoras em situação de estresse.1 A abordagem clínica desse grupo de pacientes consiste na exclusão de desordens estruturais associadas à disfagia. Deve ser realizada endoscopia digestiva alta com biópsias (especialmente para afastara possibilidade de esofagite eosinofílica), estudo radiológico do esôfago com fuoroscopia e manometria esofágica (para detecção de acalasia em estágios iniciais).3,4 A pHmetria esofágica somente está indicada para pacientes com sintomas de DRGE associados à disfagia.3 Nesses casos, um teste terapêutico com IBP em doses altas também deve ser realizado.13 O tratamento dos pacientes com disfagia funcional se baseia na adoção de medidas gerais que se constituem em orientação nutricional e cuidados durante as refeições.3 O paciente deve ser orientado a fazer suas refeições com bastante calma, mastigando muito bem os alimentos e evitando aqueles mais secos e sólidos.13 É fundamental reconhecer os fatores precipitantes e agravantes da disfagia.4 Possíveis anormalidades psicológicas devem ser identifcadas, e uma parcela dos pacientes responde muito bem ao tratamento psicoterápico. Os antidepressivos tricíclicos e inibidores da recaptação da serotonina em doses baixas podem ser úteis.27,28 Alguns autores indicam a dilatação empírica nos casos refratários,4,13 o que também é bastante discutível na literatura. As drogas relaxantes da musculatura lisa e a injeção de toxina botulínica estão indicadas para os pacientes com evidentes desordens espásticas do esôfago. Globus Globus é uma sensação de constrição ou aperto na garganta com difculdade para a deglutição, que o paciente refere como uma “bola na garganta”.32 O sintoma não é doloroso, comumente é episódico e melhora com a alimentação, não se associando à disfagia ou à odinofagia.1,3 Deglutições repetidas e apressadas podem agravar o sintoma. A sensação de globus é bastante frequente, podendo ocorrer igualmente em ambos os sexos e é muito raro antes dos 20 anos de idade.2,3 O quadro não se relaciona com lesões estruturais, DRGE ou desordens motoras específcas, não existindo qualquer relação com alterações anatômicas.3 Tem sido relatado que eventos estressantes precedem o início dos sintomas e os fatores psicológicos podem ser cofatores na exacerbação do quadro ou mesmo participar na gênese dessa síndrome.31 Os critérios diagnósticos propostos pelo Consenso de Roma III são descritos no Quadro 114.5.3 A história clínica típica e a ausência de disfagia são fundamentais para o diagnóstico.1 Deve ser solicitada avaliação otorrinolaringológica e a propedêutica deve ser ampliada naqueles pacientes com disfagia, odinofagia, perda de peso e outros sinais de alarme.3 Quando coexistem sintomas de refuxo está indicada a realização de pHmetria ou um teste terapêutico com IBP.33 Não existe tratamento específco e que seja efcaz para esses pacientes. É muito importante a orientação quanto ao diagnóstico. Observações clínicas sugerem que mais de 75% dos pacientes persistem sintomáticos após três anos de acompanhamento.32 Tem sido indicado tratamento de prova com doses maiores de antissecretores na possibilidade de ser uma manifestação atípica da DRGE (refuxo laringofaríngeo).33 O uso de antidepressivos não foi devidamente avaliado nessa síndrome, embora existam evidências isoladas de sua efcácia.27 Trinta e quatro pacientes com diagnóstico de globus, de acordo com os critérios de Roma III, foram randomizados e tratados com pantoprazol 40 mg ou amitriptilina 25 mg durante quatro semanas. Os autores observaram signifcativa melhora do sintoma no grupo que recebeu o antidepressivo tricíclico.34 Kirch et al. selecionaram pacientes com diagnóstico de globus e que não responderam ao tratamento com inibidores da bomba de prótons e observaram resposta favorável com o emprego de gabapentina em 66% deles.35 Um grupo japonês observou melhora do sintoma ao empregar uma medicação natural (rikkunshito) já utilizada no tratamento de outros distúrbios funcionais digestivos.36 Esse estudo-piloto incluiu um número muito pequeno de pacientes, e os resultados são iniciais. Esse fármaco parece atuar na motilidade digestiva, além de estimular a secreção de grelina. Tem sido descrito alguns resultados favoráveis com o tratamento psicoterápico especialmente com a terapia cognitivo comportamental, hipnose e técnicas de relaxamento.1,3,4,13 O sintoma também pode melhorar com a intervenção das diversas técnicas fonoaudiológicas. DISPEPSIA FUNCIONAL INTRODUÇÃO A dispepsia consiste em um grupo heterogêneo de sintomas persistentes ou recorrentes, localizados na região superior do abdome (epigástrio).1,2 Os sintomas dispépticos podem estar associados a uma doença digestiva específca (p. ex., úlcera péptica, neoplasia gástrica, parasitoses intestinais, dentre outras), classifcada como orgânica. Contudo, a maioria dos pacientes com queixas dispépticas crônicas que se submetem a investigações laboratoriais, endoscópicas e ultrassonográfcas não apresenta qualquer alteração que justifque os sintomas – são, portanto, considerados portadores de dispepsia funcional, um dos distúrbios gastrointestinais funcionais mais frequentes da prática clínica.1-3 Relata-se que cerca de 20 a 40% da população geral apresenta alguma queixa dispéptica (as cifras mais altas correspondem a estudos que incluíram também o sintoma de pirose);4,5 entretanto, somente 30% desses indivíduos procuram assistência médica. A dispepsia constitui a causa de 3 a 5% das consultas ambulatoriais de clínica geral, em um centro de atenção primária, e de 20 a 40% das consultas em gastroenterologia.5 Os sintomas dispépticos podem surgir em qualquer idade e são mais prevalentes no sexo feminino.5,6 A intensidade da dor e/ou do desconforto e a ansiedade (incluindo o medo de doenças mais graves) constituem os principais motivos de procura ao clínico e ao gastroenterologista. CONCEITO Nos últimos anos, um grupo internacional de especialistas tem sugerido critérios mais objetivos para o diagnóstico e a classifcação dos distúrbios funcionais gastrointestinais (Critérios de Roma), trazendo grandes avanços no entendimento das síndromes funcionais como a dispepsia funcional (DF). Porém, vários aspectos ainda precisam ser esclarecidos, especialmente aqueles que se relacionam à sua etiopatogenia. O comitê de especialistas do último Consenso de Roma defne a DF como uma síndrome clínica caracterizada pela presença de sintomas dispépticos recorrentes e crônicos, na ausência de lesões estruturais ou metabólicas subjacentes, capazes de justifcar o quadro clínico.7 Entretanto, algumas anormalidades estruturais sutis têm sido associadas a essa síndrome (p. ex., gastrite crônica resultante da infecção pelo Helicobacter pylori, dismotilidade, microinfamação e eosinoflia gastroduodenal). Assim, a defnição atual da DF deve ser reavaliada pelo próximo Consenso de Roma a ser publicado em 2016. A DF é considerada um problema sanitário e socioeconômico de grande relevância, tanto por sua alta prevalência como por seu caráter crônico e ausência de tratamento satisfatório.4-6 Além disso, a despeito de sua evolução benigna, a sintomatologia recidivante afeta de forma signifcativa a qualidade de vida dos pacientes, o que refete diretamente em suas relações pessoais, sociais e laborais. CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS E CLASSIFICAÇÃO Critérios diagnósticos de acordo com o Consenso de Roma III De acordo com o Consenso de Roma III, os seguintes critérios são necessários para o diagnóstico de DF:7 R Haver queixas dispépticas durante os últimos três meses e que se iniciaram, no mínimo, há seis meses. R É fundamental a presença de um ou mais dos seguintes sintomas: - empachamento pós-prandial; - saciedade precoce; - dor epigástrica; - queimação epigástrica. R Ausência de lesões estruturais (incluindo a realização de endoscopia digestiva alta) que possam justifcar os sintomas. Para uma melhor orientação propedêutica e terapêutica, esse consenso sugere que os pacientes com DF sejam classifcados em duas síndromes, de acordo com o sintoma principal: R Síndrome do desconforto pós-prandial: predominam os sintomas de empachamentopós-prandial e/ou saciedade precoce, que tenha ocorrido várias vezes por semana nos últimos três meses. R Síndrome da dor epigástrica: predomina dor ou queimação epigástrica, moderada a intensa, intermitente, ocorrendo, no mínimo, uma vez por semana, nos últimos três meses. Os critérios específcos para a classifcação desses pacientes foram estabelecidos pelo Consenso de Roma III,7,8 como descrito a seguir. Síndrome do desconforto pós-prandial É fundamental a presença de pelo menos um dos critérios a seguir: R Empachamento pós-prandial, que ocorre, necessariamente, após refeições habituais, que tenha ocorrido várias vezes por semana nos últimos três meses; R Saciedade precoce, o que impossibilita o término normal das refeições, que tenha ocorrido várias vezes por semana nos últimos três meses. Outros sintomas que, quando presentes, reforçam o diagnóstico são: distensão do abdome superior, náuseas pós-prandial e eructações. Pode coexistir síndrome da dor epigástrica. Síndrome da dor epigástrica É fundamental a presença de todos os critérios a seguir: Dor ou queimação localizada no epigástrio, pelo menos moderada, e que tenha ocorrido, no mínimo, uma vez por semana, nos últimos três meses. Dor intermitente, não generalizada ou localizada em outras regiões do abdome ou tórax. R Dor não aliviada pela defecação ou eliminação de fatos. As características da dor não preenchem critérios para o diagnóstico dos distúrbios funcionais da vesícula biliar ou esfíncter de Oddi. Outros sintomas que, quando presentes, reforçam o diagnóstico: - A dor pode ter características de queimação, mas sem irradiação retroesternal (excluindo pirose). - A dor é usualmente induzida ou aliviada pela alimentação, podendo, porém, ocorrer em jejum. R A síndrome do desconforto pós-prandial pode coexistir. Vários estudos populacionais avaliaram a prevalência da síndrome do desconforto pós-prandial (SDPP) e da síndrome da dor epigástrica (SDE) na população geral de diferentes regiões do mundo. Zagari et al. realizaram um estudo em duas comunidades italianas (n = 1.033 indivíduos) e encontraram uma prevalência de 11% de DF, sendo que 67,5% preenchiam critérios para o diagnóstico da SDPP, 48,2% para a SDE e 15,8% apresentavam sobreposição das duas síndromes.9 Outro estudo, realizado em comunidades do norte da Suécia, evidenciou uma prevalência de DF de 15,7%. A SDPP estava presente em 12,2%, a SDE em 5,2% e a sobreposição das duas síndromes em apenas 1,7% da população investigada.10 Por fm, um inquérito populacional realizado na região de Minnesota, nos Estados Unidos, demonstrou uma prevalência de dispepsia de 15%, sendo que 51% dos sintomáticos relatavam dor epigástrica e 47% desconforto pós-prandial. É importante salientar também a frequente sobreposição dos sintomas dispépticos com sintomas da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) e da síndrome do intestino irritável (SII). Vários autores demonstraram que a pirose, sintoma característico do refluxo, é uma queixa muito comum dos pacientes com DF.12,13 O Comitê Roma III recomenda que, na presença concomitante de pirose e de outros sintomas típicos do refluxo, mesmo com endoscopia digestiva normal, o diagnóstico da doença do refluxo deve ser considerado.7,8 Por outro lado, a simples presença de pirose não exclui o diagnóstico de DF, especialmente nos casos em que os sintomas dispépticos persistem a despeito de uma adequada supressão ácida.2,7 Da mesma forma, até 30% dos pacientes dispépticos funcionais apresenta também sintomas compatíveis com a SII, ou seja, são portadores dos dois distúrbios funcionais. FISIOPATOLOGIA A fisiopatologia da DF permanece desconhecida. Contudo os conhecimentos nesta área evoluíram muito nos últimos anos.14 Vários fatores etiopatogênicos têm sido considerados, como a hipersecreção ácida, a dismotilidade gastroduodenal, a hipersensibilidade visceral, a alteração da acomodação gástrica, a gastrite associada ao Helicobacter pylori, além dos fatores psicossociais. Acredita-se que a fisiopatologia seja multifatorial, ou seja, uma combinação desses fatores parece ser responsável pelo quadro clínico.2-4,7,15 Entretanto, o real papel de cada um deles no desencadeamento da sintomatologia dispéptica crônica permanece controversa. Estudos recentes demonstram que a acidez gástrica afeta a motilidade e a sensibilidade gastroduodenal.14,15 Além disso, a acidifcação duodenal induz ao relaxamento do estômago proximal e determina hipersensibilidade à distensão gástrica. Entretanto, ainda não se demonstrou uma relação causal primária entre a hipersecreção de ácido e o desenvolvimento dos sintomas na DF.7 Foi demonstrado que um percentual signifcativo de pacientes com DF apresenta uma sensação de desconforto e dor quando se insufa um balão dentro do estômago, e essa hipersensibilidade se exacerba durante a infusão de lipídios intraduodenais.14 Esses dados sugerem a possibilidade de uma percepção visceral anormal capaz de induzir respostas exageradas nesses pacientes diante de diversos estímulos considerados normais (fsiológicos).2,15 Acredita-se que os sintomas poderiam surgir pela disfunção na integração ao longo de todo o eixo cérebro-intestino.14 Alterações da acomodação gástrica também têm sido evidenciadas em pacientes com DF, sugerindo que os sintomas possam ocorrer por aumento da pressão intragástrica após uma refeição.2-4,15 Tack et al. evidenciaram alterações do relaxamento do estômago proximal em aproximadamente 40% dos dispépticos, sendo também observada uma nítida relação com o sintoma de saciedade precoce, mas não com hipersensibilidade gástrica à distensão.16 O papel da infecção pelo H. pylori na DF permanece bastante controvertido,7,8 mas os resultados de metanálises recentes sugerem um pequeno benefício com a erradicação da bactéria em pacientes infeccionados.17,18 Alguns estudos revelam alta incidência de neuroses, ansiedade, depressão, alterações do humor e tensão emocional entre os dispépticos quando comparados com voluntários assintomáticos, mas as diferenças absolutas não são muito signifcativas, o que sugere que tais fatores são de limitada relevância clínica.2-4,7 Tem sido questionada também a possibilidade de ocorrer eventos estressantes de vida, precedendo os sintomas (p. ex., a separação dos pais, a perda de familiares ou o abuso sexual na infância).7,8 Pacientes com DF frequentemente associam piora dos seus sintomas relacionados à ingestão de determinados alimentos. É possível que os alimentos possam agir sobre mecanorreceptores no trato gastrointestinal superior, assim como estimular a secreção de ácido.2,3,8 Além disso, os lipídios podem induzir a liberação de peptídeos como colecistocinina com efeitos na fsiologia gastrointestinal.19 Existe também a possibilidade de que um subgrupo de dispépticos funcionais possa apresentar alergia ou hipersensibilidade a determinadas substâncias alimentares.3 É importante avaliar se outros componentes alimentares, como os polissacarídeos fermentáveis, estão implicados na gênese dos sintomas da DF. Alguns autores consideram que os fatores dietéticos possam causar mudanças da microbiota intestinal com consequente disbiose e microinfamação da mucosa, capazes de determinar anormalidades motoras, secretoras e sensoriais.19 Novos mecanismos fsiopatológicos têm sido propostos mais recentemente, como a dispepsia pós-infecciosa (sintomas surgem após episódio de gastroenterite), presença de infamação crônica no duodeno (infltração eosinofílica) e os fatores genéticos.15 Os sintomas dispépticos podem se iniciar após uma infecção gastrointestinal, particularmente após surtos de Salmonella spp., Escherichia coli, C. jejuni, Giardia e Novovírus. 3,8,20 Na DF pós-infecciosa, a ativação de mastócitos nas proximidades de neurônios pode resultar em hipersensibilidade visceral por meio da liberação de potentes mediadores induzida por essas células, incluindoa histamina e a triptase.20,21 Postula-se que a infecção gastrointestinal pode alterar a microbiota do trato gastrointestinal superior e induzir infamação crônica leve e inespecífca.21 Alguns estudos demonstram que essa associação pode ser ainda mais forte do que é para a síndrome do intestino irritável (SII) e os sintomas podem persistir por pelo menos oito anos. Uma metanálise recentemente publicada demonstra que, em média, 9,55% dos indivíduos que apresentam quadro de gastroenterite aguda desenvolvem DF.22 Alguns pesquisadores têm observado que a presença de eosinoflia gástrica e duodenal é capaz de provocar dismotilidade gastroduodenal e alteração do relaxamento gástrico por meio da liberação de citocinas e substâncias neuroativas.3,4,8 Alguns estudos demonstram associação de eosinoflia duodenal e DF pós-infecciosa.21 Fatores genéticos vêm sendo bastante estudados nos últimos anos. Alguns genótipos são associados a alterações da motilidade digestiva e hipersensibilidade visceral.23 O GN beta-3, por exemplo, foi encontrado em um subgrupo de pacientes com DF e este pode ser um caminho promissor para o entendimento da síndrome.24 Tabagismo, etilismo e o uso de anti-infamatórios não esteroides (AINEs) não são considerados fatores etiológicos de DF.3,4,7 Contudo, muitos pacientes apresentam maior probabilidade de desenvolver sintomas quando tratados com AINEs e quando excedem no consumo de bebida alcoólica e cigarro. DIAGNÓSTICO O diagnóstico é fundamentalmente clínico e baseia-se nos Critérios Roma III já descritos. Não é necessário realizar uma propedêutica extensa, especialmente em pacientes com sintomas típicos e que não apresentam sinais de alarme (emagrecimento, vômitos recorrentes, disfagia progressiva, presença de sangramento, icterícia).7,8 É essencial realizar história clínica e exame físico detalhados, uma vez que a anamnese é o grande subsídio do médico para o diagnóstico, a seleção dos pacientes a serem investigados e a escolha da terapêutica adequada. A presença de sinais e sintomas de alarme implica a continuidade da propedêutica.3,4 Dessa forma, os exames complementares devem ser realizados de forma individualizada e, em alguns casos, pode ser realizado um teste terapêutico antes de se iniciar a propedêutica. O conhecimento dos Critérios de Roma III associado a uma atitude positiva de considerar o diagnóstico precocemente (diagnóstico de inclusão) pode levar o médico a conduzir o atendimento do paciente de uma maneira mais custo-efciente do ponto de vista de procedimentos diagnósticos. A endoscopia digestiva deve ser realizada durante um período sintomático e, preferencialmente, sem terapia antissecretora.2-4 As biopsias devem ser feitas rotineiramente durante o procedimento endoscópico, visando, também, a detectar o H. pylori. Em pacientes jovens e sem sinais de alarme, testes não invasivos para pesquisa do H. pylori (teste respiratório, antígeno fecal ou sorologia), quando disponíveis, podem ser solicitados e, nos casos positivos, recomenda-se realizar o tratamento de erradicação do microrganismo (estratégia testar e tratar).25 Nesses casos, o exame endoscópico somente é indicado para aqueles que persistirem sintomáticos após o tratamento de erradicação.3,8 Os exames parasitológicos de fezes devem ser solicitados de forma seriada (no mínimo três amostras) e é fundamental a realização das técnicas de concentração das larvas (Baermann modificado por Moraes e suas variações) e o exame direto das fezes, especialmente para a pesquisa de giardíase e estrongiloidíase.26 A ultrassonografa deve ser feita quando houver suspeita de doença pancreática, hepática ou de via biliar.7 Testes para avaliação do tempo de esvaziamento gástrico podem ser realizados por meio da cintilografa, do teste respiratório com ácido octanoico ou da ultrassonografa e estão indicados na hipótese de existir um importante distúrbio do esvaziamento gástrico ou mesmo gastroparesia.8 Estudos recentes demonstraram que menos de 30% dos pacientes dispépticos funcionais apresentam retardo do esvaziamento gástrico, quando se considera exclusivamente pacientes com DF subgrupo SDDP.15 Da mesma forma, o eletrogastrograma e o barostato gástrico têm sido de utilidade prática limitada na avaliação desses pacientes. Recomenda-se, ainda, realizar testes para excluir doença celíaca e intolerâncias alimentares (principalmente lactose e frutose) nos casos em que houver suspeita clínica.2,4 É também essencial avaliar a presença de cofatores psicológicos, ambientais e dietéticos e o uso de medicamentos que possam ocasionar ou agravar a sintomatologia dispéptica. TRATAMENTO O tratamento da DF ainda representa um dos grandes desafos para o gastroenterologista e, até o momento, não existe uma terapêutica que seja realmente efcaz. O principal objetivo do médico ao tratar pacientes dispépticos funcionais continua sendo o alívio dos sintomas (dor epigástrica e/ou do desconforto pós-prandial) e a melhora da qualidade de vida. Novos e recentes conhecimentos fsiopatológicos nessa área trazem expectativas muito favoráveis nas pesquisas de novos fármacos capazes de atuar sobre a motilidade gastroduodenal (exercendo um efeito procinético), a hipersensibilidade visceral (reduzindo o limiar de sensibilidade), a microbiota e a infamação da mucosa. Entretanto, ainda é bastante escasso o arsenal terapêutico para esse enorme grupo de pacientes. Um dos pontos mais importantes para o sucesso do tratamento é o estabelecimento de uma boa relação médico-paciente.2-4 O médico deve adotar uma postura confante e otimista, inspirando segurança e demonstrando interesse para compreender as queixas do paciente. É importante esclarecer ao paciente que os sintomas decorrem de uma desordem funcional do aparelho digestivo, o que não caracteriza nenhuma doença grave ou risco de morte. Medidas gerais Uma parcela considerável dos pacientes obtém alívio dos seus sintomas com simples mudanças em seu estilo de vida e com a adoção de hábitos salutares em seu cotidiano, como uma alimentação adequada e atividade física regular. Embora alguns pacientes relacionem a piora dos seus sintomas com a ingestão de determinados alimentos, nenhuma dieta específca está indicada. Os alimentos que agravam o quadro obviamente devem ser evitados. Intolerâncias específcas (p. ex., ao glúten, à lactose e à frutose) devem ser consideradas e, se confrmadas, orientações dietéticas específcas estão indicadas.4,27 A queixa de empachamento pós- -prandial habitualmente melhora com a redução de alimentos gordurosos, enquanto a saciedade precoce pode ser aliviada com o fracionamento das refeições.7,8 Os fatores psicológicos devem ser sempre abordados, e é essencial esclarecer ao paciente a possível correlação dos seus sintomas com ansiedade, depressão e estresse.2 O tratamento psicoterápico tem se mostrado efcaz em um subgrupo de pacientes. Tratamento medicamentoso O tratamento medicamentoso tem como principal objetivo aliviar o sintoma predominante, e a estratégia terapêutica depende basicamente da natureza e da intensidade dos sintomas, do grau do comprometimento funcional e dos fatores psicossociais envolvidos. Vários medicamentos são utilizados para o tratamento dos pacientes dispépticos crônicos, destacando-se: antissecretores, procinéticos, antibióticos para erradicação do H. pylori e antidepressivos2- 4,7 (Quadro 115.1). É necessário também enfatizar que a resposta ao placebo é muito alta na maioria dos ensaios clínicos que envolve pacientes com DF (25 a 60%).7,28 Os antissecretores são drogas seguras e se constituem na medicação clássica para a DF do tipo síndrome da dor epigástrica. Tanto os bloqueadores H2 (BH2 ) como os inibidores da bomba de prótons (IBP) podem ser prescritos e recomendados como terapêutica de primeira linha para esse subgrupo de pacientes.28,29 Devem ser utilizados na dose padrão, uma vez ao dia.3,7 Demonstra-seque a prescrição de doses mais elevadas não aumenta a resposta terapêutica em pacientes dispépticos funcionais.28 A última metanálise de Cochrane demonstrou que os BH2 e IBP foram mais efcazes que o placebo para o tratamento da DF, com NNT (número necessário para tratar) de 7 e 10, respectivamente.30 Análises de subgrupos de dispépticos mostram que os IBPs são bastante efcazes nos pacientes com queixa de dor epigástrica, especialmente naqueles que apresentam também o sintoma de pirose (DRGE), mas não no grupo de pacientes com sintomas apenas de desconforto pós-prandial.3,4,7,8 Os procinéticos mostram-se superiores ao placebo em vários ensaios clínicos, e estão indicados sobretudo para os pacientes portadores da síndrome do desconforto pós-prandial.7 Esses medicamentos (metoclopramida, domperidona, bromoprida, motilíneos derivados da eritromicina, dentre outros) são potencialmente capazes de melhorar alguns parâmetros da motilidade gastroduodenal ao aumentar o tônus gástrico, a motilidade antral e, principalmente, a coordenação antroduodenal.7,16,31 A metanálise Cochrane baseou-se em 24 trabalhos controlados e randomizados que empregaram procinéticos, demonstrando que esses medicamentos são efcazes para DF com um NNT de 6.30 Estudos iniciais empregando o itopride, procinético antagonista da dopamina, demonstraram ser esta droga bastante efcaz na DF; entretanto, estudos subsequentes não conseguiram replicar esses achados.31 Esse procinético não está disponível em nosso meio. Medicamentos capazes de relaxar o fundo gástrico, como os agonistas da 5-hidroxitriptamina (sumatriptano e buspirona), têm se mostrado bastante efcazes. Alguns ensaios clínicos demonstraram que esses fármacos são superiores ao placebo e aliviam, especialmente, o sintoma de saciedade precoce. Vários estudos evidenciaram que a erradicação do H. pylori é superior ao placebo no alívio dos sintomas da DF, e metanálises recentes demonstram que a erradicação da bactéria resulta em um ganho terapêutico que varia de 4 a 14%.17,18 Baseando-se nesses dados, os especialistas do consenso Roma III7 e de Maastricht IV32 (Consenso Europeu do H. pylori) recomendam que essa bactéria seja pesquisada e, se presente, erradicada nos dispépticos funcionais. Essa também foi a decisão do III Consenso Brasileiro do H. pylori, 33 com a justifcativa de que o tratamento com antibióticos benefcia um subgrupo de pacientes dispépticos, tendo a vantagem de reduzir, em longo prazo, o risco de uma evolução para úlcera péptica ou neoplasia gástrica. O esquema terapêutico de erradicação do H. pylori na DF não difere do esquema tradicional e se constitui na associação de IBP na dose-padrão, claritromicina (500 mg) e amoxicilina (1 g) duas vezes ao dia durante sete dias.32,33 Uma opção a ser considerada para os pacientes que não respondem ao tratamento clássico é o emprego dos antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, nortriptilina e imipramina) e de inibidores da captação de serotonina (fuoxetina, sertralina, escitalopram, entre outros).29 Esses medicamentos parecem ser úteis por apresentarem uma ação analgésica central, sendo capazes de bloquear a transmissão da dor do trato gastrointestinal para o cérebro.2 Recomenda-se iniciar com doses baixas e, caso a resposta clínica seja satisfatória, o tratamento deverá ser mantido, no mínimo, por três a seis meses.2 Um estudo mostrou resultados satisfatórios com o emprego da mirtazapina em pacientes dispépticos e com baixo peso.28 Talley et al. conduziram um ensaio clínico multicêntrico, randomizado, duplo-cego, placebo-controlado, em que empregaram placebo, amitriptilina 50 mg ou escitalopram 10 mg em pacientes com DF (Critérios de Roma II).34 No total, 292 indivíduos foram incluídos, 75% eram mulheres, 70% portadores de DF tipo SDPP e 30% DF tipo SDE. Os autores observaram um alívio signifcativo dos sintomas dispépticos em 53%, 40% e 38% dos pacientes que receberam amitriptilina, placebo e escitalopram, respectivamente. Os melhores resultados foram observados nos pacientes com DF e dor epigástrica (SDE). De fato, estudos de metanálise recentes demonstram que os tricíclicos são superiores aos inibidores da captação de serotonina no alívio dos sintomas da DF.35 As chamadas terapias complementares ou alternativas (ervas chinesas, japonesas e indianas, acupuntura) e/ou o tratamento psicológico (hipnose, psicoterapia e terapia cognitiva comportamental) têm sido muito utilizadas por um grupo de pesquisadores e devem ser consideradas para pacientes que não respondem ao tratamento farmacológico.35-38 Vários estudos têm demonstrado resultados animadores com esse tipo de abordagem no tratamento da DF. É necessário ressaltar, no entanto, que a maioria dos trabalhos que utilizaram esse tipo de intervenção terapêutica não apresenta desenho metodológico adequado, o que difculta conclusões defnitivas sobre a sua real efcácia. Embora vários estudos indiquem a superioridade da acupuntura sobre a terapia tradicional para os pacientes com DF, a última revisão de Cochrane não encontrou resultados tão consistentes.39 Recentes estudos demonstram também melhora dos sintomas com a utilização de pré-bióticos e probióticos, mas resultados em longo prazo ainda são aguardados. Terapias futuras Os novos conhecimentos da fsiopatologia da DF têm conduzido ao desenvolvimento de novas drogas, mas a maioria ainda em fase de pesquisa pré-clínica.35,40 As principais drogas em investigação são os novos procinéticos, agentes serotoninérgicos, receptores opioides e analgésicos viscerais.2,35 A asimadolina, um agonista kappa opioide, demonstrou ser efcaz em reduzir a plenitude pós-prandial e a saciedade precoce em voluntários saudáveis, mas esses achados não foram reproduzidos em pacientes com DF após oito semanas de acompanhamento.41 Novos procinéticos, capazes de atuar tanto na motilidade digestiva como no relaxamento do fundo gástrico, são aguardados para a nossa prática diária.41 Entre essas drogas estão: mosaprida, acotiamida, camicinal (GS962040), derivadas da motilina e da grelina, as quais têm se mostrado efcazes em laboratórios de pesquisas e ensaios clínicos iniciais.35,40,42 Alguns estudos demonstram que a grelina é capaz de interferir com a motilidade gástrica em modelos animais e, em humanos, acelera o esvaziamento gástrico, atuando também no relaxamento do estômago proximal (acomodação).40 Alguns derivados da grelina como RM-131 (relamorelina) apresentam potência procinética até cem vezes superior à formulação original e são substâncias bastante promissoras.43 Outras drogas em experimentação são capazes de atuar nos receptores do sistema nervoso aferente, como os antagonistas purinoceptor e antagonistas dos receptores N-metil-D-aspartato (dextrometorfano, ketamina e memantina) potencialmente capazes de reduzir a dor visceral em resposta à distensão em animais de experimentação.35,40 Receptores capazes de modular a mucosa gastroduodenal e a função do músculo liso, como a capsaicina, que é um potente agonista, apresentam grande potencial terapêutico.40 Além destes, receptores do canal de sódio, antagonistas da colecistocinina (loxiglumida, dexloxiglumida), antagonistas NK1 e NK3 e receptores da somatostatina são avaliados em diversos centros de pesquisa.35,40 Também estão em desenvolvimento drogas capazes de prevenir a sensibilização central, como os antagonistas do receptor 1 PGA-2 (EP-1).40 Estudo duplo-cego, randomizado e controlado demonstrou signifcativa superioridade do citrato de tandospirona (agonista 5-HT1A) em relação ao placebo no alívio dos sintomas em pacientes dispépticos funcionais. CONSIDERAÇÕES FINAIS O tratamento medicamentoso clássico para os pacientes com DF tem o objetivo de aliviar o sintoma predominante e, infelizmente, ainda não temos um tratamento ideal e curativo. Para os dispépticos não infectados tem sido recomendado iniciar com antissecretores (IBP ou bloqueadores
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