Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Célia Ferreira Pinto Gramática da Língua Portuguesa I Morfologia 1 A CONSTRUÇÃO DAS PALAVRAS E SEUS SENTIDOS 1. O QUE É UMA GRAMÁTICA? Entende-se por Gramática de uma língua o estudo das palavras, de suas classes e de suas flexões (Morfologia); de suas funções e relações nas sentenças da língua (Sintaxe); de seu significado literal, de sua organização em um léxico e das relações de sentido que entre elas aí se estabelecem, bem como do significado das sentenças (Semântica). Os estudos gramaticais incluem também a identificação dos fonemas da língua, suas possibilidades de combinação em sílabas e a relação que eles mantêm com os grafemas na escrita alfabética (Fonologia). Quando a uma Gramática interessa, apenas, a descrição das formas da língua nos níveis fonológico, morfológico, sintático e semântico, temos uma gramática descritiva. Quando a descrição se faz com o objetivo de determinar as formas “corretas” e excluir as consideradas “erradas”, temos uma gramática normativa, isto é, aquela que prescreve as normas do bem falar e escrever. 2. OS ELEMENTOS MÓRFICOS – MORFEMAS O fato de as palavras da língua serem elementos linguísticos que relacionam determinada sequência de fonemas a determinado significado não significa, no entanto, que elas constituam unidades indivisíveis. De fato, as palavras são, na maioria das vezes, decomponíveis em elementos menores, os morfemas. Observe, por exemplo: Pedro, pedrinha, falo, falasse. Estes são os radicais dessas palavras. São unidades mínimas de significação lexical ou gramatical. Existem também palavras constituídas de um único morfema. Essas palavras não podem, portanto, ser divididas em elementos mórficos menores. Exemplos: feliz, mar, que, sempre, papel etc. MORFEMA (do grego morphe, “forma”) é o signo linguístico mínimo, isto é, uma unidade gramatical que expressa uma relação arbitrária entre som e significado, e que não pode ser analisada em unidades menores. Há diferentes tipos de morfemas. Observemos, por exemplo, os morfemas que constituem a palavra feliz + e + s. O primeiro deles, o radical feliz, é considerado uma forma livre, pois também pode ocorrer isoladamente, sem os demais morfemas, e serve de base para a formação de outras palavras da língua, como felic + idade, felic + ita + r, feliz + mente. Já os demais elementos mórficos, a vogal de ligação [e] e o morfema de plural [s], aparecem na constituição de várias outras palavras da língua (audaz + e + s, capaz + e + s) e nunca ocorrem isoladamente, razão pela qual são considerados formas presas. Os morfemas, com relação ao tipo de significação que traduzem, são classificados em lexicais e gramaticais. Diz-se que os morfemas lexicais (também denominados semantemas ou lexemas) têm uma significação externa, porque possuem referentes extralinguísticos, ou seja, fazem referência a entidades ou conceitos da realidade objetiva ou subjetiva (Ricardo, dor, luz). Os morfemas gramaticais, por outro lado, têm uma significação interna ao sistema linguístico, pois o sentido que expressam decorre das categorias e relações que a língua considera relevante assinalar morfologicamente em suas palavras. Dentre estes últimos incluem-se, por exemplo, os morfemas que marcam as categorias gramaticais de gênero [a] e de número [s], na Língua Portuguesa, e outros morfemas como os artigos, as preposições, as conjunções e os demais elementos funcionais, marcadores de relações específicas que se estabelecem entre os constituintes das orações. Os morfemas lexicais são muito mais numerosos do que os morfemas gramaticais em qualquer língua, porque constituem uma classe aberta, à qual sempre pode ser acrescida novos elementos, correspondentes a novos radicais que entram na língua por invenção ou empréstimo de outras línguas. Já os morfemas gramaticais constituem uma classe fechada de elementos. 3. ELEMENTOS MÓRFICOS QUE ENTRAM NA CONSTITUIÇÃO DAS PALAVRAS • Radical É o morfema que corresponde ao sentido básico da palavra. Em alguns casos, pode ser depreendido por comparação entre várias palavras de uma mesma família (grupo de palavras que se organizam a partir de um mesmo radical e que mantêm, por esse motivo, um vínculo semântico). Veja os radicais das palavras: pedrada, pedregoso, estudamos, estúdio. As palavras da língua formadas, como nos exemplos, a partir de um mesmo radical e que constituem famílias de palavras são chamadas cognatas. • Desinências São os morfemas que correspondem às flexões das palavras variáveis. Essas flexões podem ser de gênero e de número nos nomes (substantivos, adjetivos e pronomes), e vêm indicadas pelas desinências nominais, e de modo-tempo e número-pessoa nos verbos, que vêm indicadas pelas desinências verbais. Desinências nominais: menina, meninas, cansada, cansadas, esta, estas. Desinências verbais: namorar, namoramos, namorávamos, namorassem, namoraríamos. • Vogal temática É um morfema vocálico que se acrescenta a determinados radicais antes das desinências. As vogais temáticas definem classes de nomes e de verbos em Português. Há nomes que apresentam a vogal temática (menin + o, poet + a, sort + e) e nomes que não a apresentam (oxítonas terminadas em vogais e consoantes: sofá, café, cipó, saci, caju, amor, papel, feliz). Todos os verbos, no entanto, têm uma vogal temática, que os classifica em conjugações. Vogais temáticas nominais: são as vogais átonas finais –a, -e e –o que ocorrem em palavras paroxítonas ou proparoxítonas. Essas temáticas formam as classes nominais das palavras de tema em +a (bal–a), +o (camp-o) e + e (serpent-e). • Nomes: vogal temática +a: poet + a; mes + avogal temática +e: cort + e; sort + vogal temática +o: amig + o; magr + o Vogais temáticas verbais: são as vogais [-a], [-e] e [-i] que, acrescidas aos radicais verbais, formam as classes verbais a que denominamos conjugações. Pertencem à primeira conjugação os verbos que recebem a vogal temática +a (fal-a-r); pertencem à segunda conjugação os verbos que recebem a vogal temática +e (sab-e-r); pertencem à terceira conjugação os verbos que recebem a vogal temática +i (consegu-i-r). Ao radical acrescido de uma vogal temática dá-se o nome de tema. Os temas podem ser nominais ou verbais. • Verbos: vogal temática +a (primeira conjugação): am-a-r, am-a-rão vogal temática +e (segunda conjugação): beb-e-r, beb-e-rá vogal temática +i (terceira conjugação): fug-i-r, fug-i-remos As vogais temáticas nominais não indicam o gênero gramatical, uma vez que podem ocorrer tanto em palavras de gênero masculino como feminino: o artista, o poema, a corte. A desinência nominal indicadora de gênero feminino, -a, é a que se acrescenta aos temas nominais constituídos de radical mais vogal temática [-o]: o menino (radical: menin-; vogal temática: -o) – a menina (radical: menin-; desinência nominal de gênero feminino: -a). Nesses casos, para a formação do feminino, desaparece a vogal temática –o do tema nominal, e a desinência de gênero acrescenta-se diretamente ao radical. O estudo das desinências nominais e verbais faz parte da chamada morfologia flexional. • Afixos São morfemas que, acrescentados a um radical, alteram sua significação básica. São utilizados pela língua nos processos de derivação lexical, motivo pelo qual seu estudo faz parte da chamada morfologia derivacional. Subdividem-se em prefixos e sufixos, segundo a posição que ocupam com relação ao radical da palavra. • Prefixos Os prefixos são morfemas que se acrescentam antes do radical, modificando seu sentido básico. Veja: impossível, desarticular, contradizer, expor, opor, semicírculo. • Sufixos Os sufixos são morfemas que se acrescentam depois do radical, modificando o seu sentido básico ou a classe gramatical a que pertence originalmente o radical. Veja: o Mudança do sentido básico: papel, papelaria, folha, folhagem, pedra, pedraria, rocha, rochedo, laranja, laranjal. o Mudança de classe gramatical: lembrar (verbo), lembrança (substantivo); trair (verbo), traição (substantivo); úmido (adjetivo), umidade (substantivo);livre (adjetivo), livremente (advérbio). • Vogais e consoantes de ligação São elementos mórficos que fazem a mediação entre determinados radicais e determinados sufixos. São desprovidos de significação gramatical própria e sua função é simplesmente a de efetuar a ligação entre outros morfemas. As consoantes de ligação costumam ocorrer entre um radical oxítono terminado em vogal e um sufixo iniciado por vogal. Veja: Vogal de ligação: bárbaro, barbaridade (a vogal de ligação, i, que ocorre entre o radical e o sufixo –dade, otimiza a sequência silábica na juntura do radical e do sufixo, pela criação da sílaba ri); gasômetro; auriverde. Consoante de ligação: café, cafeteira, tricô, tricotar (consoante de ligação: t); chaleira (consoante de ligação: l); cajazeira (consoante de ligação: z). 4. RECURSOS EXPRESSIVOS FONOLÓGICOS E MORFOLÓGICOS Veremos, agora, como o sujeito trabalha com elementos dos dois primeiros níveis de organização linguística para obter os efeitos de sentido que deseja. O trabalho com os sons das palavras Sobre o trabalho com os sons das palavras, começamos por lembrar que a possibilidade de manipulá-los é frequentemente explorada pelos poetas, que fazem uso constante de aliterações e assonâncias na construção dos poemas. Por aliteração entende-se, segundo o Aurélio: “a repetição de fonemas (consonantais) no início, meio ou fim de vocábulos próximos ou mesmo distantes (desde que simetricamente dispostos) em uma ou mais frases, em um ou mais versos.” Exemplo: ‘Na mess[/s/]e que enlourec[/s/]e, estremec[/s/]e a quermess[/s/]e.’ (Eugênio de Castro. Obras Poéticas).” Por assonância, ainda segundo o Aurélio, entende-se “a conformidade ou aproximação fonética entre as vogais tônicas de palavras diferentes”. Exemplo: “Quando a manhã madrugava / calma / alta / clara/ Clara morria de amor” (Caetano Veloso. Clara). O objetivo do poeta, aqui, é associar o timbre aberto do fonema vocálico /a/ ao alvorecer e à luminosidade sugerida pelo nome da sua musa, Clara. Outro tipo de trabalho realizado pelos falantes e também baseado nos recursos fonológicos da língua é a construção das chamadas onomatopeias, formas em que os sons são característicos dos próprios objetos ou eventos nomeados. Observe a construção de onomatopeias no texto a seguir: ONOMATOPEIAS Na plataforma, roça roça, de um ônibus, bibi, da linha S que lá ia, ssssss. Já era meio-dia e bem, blém belém, quando um ridículo efebo, tsc tsc, com um desses tapa-miolos, ufa, virou- se e disse, hm hm, para a vizinho, logo com raiva, rhã, rhã: “Não vai nem vem, nem no vaivém, tchitchitchira o pé, titica, e sem tchitchitchi, senão viro bicho: au”. E o outro: mau. Crau e pimba. Nisso, vê um lugar livre e bumba, ali põe a bunda. [...] Raymond Queneau. Exercícios de Estilo. O uso de onomatopeias é muito comum nas tirinhas, que, por vezes, delas extraem o pretendido efeito de humor. A tira a seguir é um exemplo: O uso de recursos fonológicos é também característico de certos jogos de linguagem em que o objetivo é lúdico. Exemplo de um jogo de linguagem conhecido em nossa cultura é a chamada “Língua do pê”, que, funciona a partir da inclusão de uma sílaba iniciada pelo fonema /p/ e que tem como núcleo a vogal da sílaba anterior, após cada sílaba das palavras. Veja o exemplo: Língua do pê Upum dipia, popor vopoltapa dopo mepeio-dipia, napa plapatapafopormapa trapasepeirapa depe upum oponipibupus, napão mupuitopo lopongepe dopo paparquepe Moponcepéu, vipi upum gapajopo depe pepescopoçopo copombripidapão copom upum chapapepéu depe capafapajepestepe quepe tipinhapa upum copordapão nopo lupugapar dapa fipitapa. [...] O TRABALHO COM A FORMA DAS PALAVRAS Da mesma forma como se pode explorar os recursos fonológicos da língua, o sujeito também pode explorar seus recursos morfológicos para obter efeitos de sentido particulares. Os recursos morfológicos da língua estão na base da criação de muitos neologismos que, como o próprio nome indica, são novas palavras ou enunciados criados para atender a necessidades específicas de determinados contextos de uso da linguagem. Observe, por exemplo, que o trabalho do humorista Millôr Fernandes, ao elaborar algumas palavras das suas famosas “perguntas cretinas”, baseia-se na análise morfológica de algumas palavras da língua: o Se Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil, quem foi que o cobriu? o Quando o Disney fez um desenho ruim, era um desenho desanimado? o Se há diagrama, por que não há noite quilo? O mesmo procedimento pode ser observado na proposta que faz de um “Dicionovário”, em que o humorista cria neologismos engraçados a partir da combinação de elementos morfológicos da língua. Dicionovário (Palavras que precisam ser inventadas) • Abacatimento: redução no preço do abacate. • Abrilgar: dar morada em abril. • Anãofabeto: pequenininho que nem sabe assinar o nome. • Caligrafeia: letra ruim. • Cãodência: um latido rítmico. • Equilébrio: o balanço do bêbado. • Larbuta: trabalho doméstico. • Soltão: dono de harém, mas livre de compromissos. Veja que no primeiro exemplo, “abacatimento”, o autor trabalha com duas palavras da língua, “abacate” e “abatimento”, e explora o fato de que ambas se iniciam com a mesma sequência de fonemas, /aba/. A partir dessa coincidência fonológica, insere a sílaba /ka/ no interior do radical da palavra, “abatimento”, o que produz a sensação de formação de uma palavra composta por dois radicais, “abacatimento”, com o sentido que se propõe: “redução no preço do abacate”. Apesar de essa palavra não existir na língua, causa riso o fato de que a sua “criação” não deixa de ser engenhosa. Número do slide 1 Número do slide 2 1. O QUE É UMA GRAMÁTICA? Número do slide 4 2. OS ELEMENTOS MÓRFICOS – MORFEMAS � Número do slide 7 Número do slide 8 Número do slide 9 Número do slide 10 3. ELEMENTOS MÓRFICOS QUE ENTRAM NA CONSTITUIÇÃO DAS PALAVRAS Número do slide 12 Número do slide 13 Número do slide 14 Número do slide 15 Número do slide 16 Número do slide 17 Número do slide 18 Número do slide 19 4. RECURSOS EXPRESSIVOS FONOLÓGICOS E MORFOLÓGICOS Número do slide 21 Número do slide 22 ONOMATOPEIAS Número do slide 24 Número do slide 25 O TRABALHO COM A FORMA DAS PALAVRAS Número do slide 27 Número do slide 28
Compartilhar