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Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Alcoolismo Começou a aula apresentando um trabalho sobre a intensidade de beber entre os brasileiros adultos. As bases fisiológicas do alcoolismo são importantes, é importante lembrar que o sistema gabaérgico é onde o álcool faz o seu efeito (o GABA faz a rebaixa o SNC, ele tem no receptor alfa, um sítio especial para o etanol, ele se liga e faz a função fisiológica de depressão do SNC). *O receptor alfa ainda ter um sítio para a ligação de um benzodiazepínico, que vai ser a base de uso na terapêutica. Outro sistema importante é o sistema glutaminérgico, que não tem tanto a ver com a fisiologia, e sim com a segunda parte da doença, ele está relacionado com a neuroadaptação. O uso de álcool deprime o SNC (mas como ele deprime se quando eu bebo eu fico eufórico?), nesse contexto, é importante relembrar que os interneurônios em maior número são os gabaérgicos, e quando chega um estímulo agonista, ele pode produzir euforia logo de início, mas depois vemos os sinais da depressão do SNC, como a motricidade alterada, capacidade de julgamento alterada, e se mantiver a ingestão do álcool o centro respiratório pode se alterar e levar a coma alcoólico e morte. O uso contínuo de álcool pelo adulto vai chegar em um ponto que ele não vai mais causar uma depressão do SNC por conta da neuroadaptação, quem faz isso é o sistema glutaminérgico, fazendo com que libere uma quantidade maior de glutamato (neurotransmissor excitatório), e aí tem um quadro de depressão e hiperatividade que vai balancear e você vai conseguir, apesar do uso do álcool, não ter uma depressão do SNC. *O alcoolista é aquele que bebe muito e não tem sinais e sintomas de intoxicação alcoolica. Mostrou o canal envolvido no sistema glutamatérgico, ele é fechado por um íon de magnésio, onde entra cálcio e sódio e sai potássio ativado pelo glutamato, é esse canal que faz a excitabilidade, se eu não tenho magnésio o canal fica aberto e um dos grandes problemas do alcoolismo é a perda de magnésio, e um dos tratamentos dele também é a prescrição do magnésio. *Uma pessoa que ingere álcool continuamente aumenta o número desses canais iônicos na membrana pós-sináptica, então se a pessoa não ingerir álcool em um dia, essa maior quantidade de canais vai fazer com que se instale um quadro de hiperatividade, pois está entrando mais sódio e cálcio dentro da célula que são excitatórios, e o álcool não está presente para permitir que entre uma quantidade maior de cloro e faça um balanceamento, portanto o paciente recebe uma descarga beta-adrenérgica, por isso que quando para de beber ou diminui a quantidade de bebida, não tem mais o equilíbrio e a hiperexcitabilidade passa a predominar e o paciente apresenta sinais e sintomas da SD de abstinência alcoolica. É importante entender a dependência, ela está relacionada com o sistema dopaminérgico, não pe dependente quem quer, é dependente quem tem uma alteração no sistema dopaminérgico que faz com que a pessoa sinta prazer apenas no uso do Lucas Melo – Medicina Ufes 103 álcool, sendo que na ingestão há a liberação de dopamina, que é um neurotransmissor ligado ao prazer, e, por isso, os pacientes precisam do álcool para liberar a dopamina. Essas 3 bases fisiológicas nos ajudam a entender um pouco o mecanismo do alcoolismo. Quando o GABA é liberado pelo neurônio, chega na fenda sináptica e se liga a um canal de cloro, isso abre o canal e passa cloro de dentro da fenda sináptica para dentro do próximo neurônio, a função disso é a depressão do SNC. O que o álcool faz? Ele é um agonista GABA-A, ele se liga ao receptor pós-sináptico do GABA, e quando o GABA chega no receptor, ele faz com que o canal fique mais tempo aberto e, ao invés de passar 1 íon apenas, vai passar 2, 3, vários, e vai ter uma atividade depressora, já que a entrada de cloro na célula torna ela menos excitável, e se está entrando mais cloro, e no caso está entrando mais cloro por conta do maior tempo do canal aberto. Diretrizes diagnósticas O alcoolismo é uma doença, e usamos as diretrizes do CID-10 na parte F-10, ela define várias dependências, não só o álcool. Para diagnosticar o alcoolismo precisamos de pelo menos 3 dos itens a seguir: 1. Forte desejo de consumir álcool. 2. Dificuldade de controlar o início e o término do consumo do álcool. 3. Sinais e sintomas da síndrome de abstinência. 4. Tolerância (tem a ver com a neuroadaptação). 5. Quando você observa que o prazer da pessoa está relacionado apenas ao álcool. 6. Persistência do uso do álcool, a despeito de consequências nocivas (o indivíduo que depois do diagnóstico de cirrose, por exemplo, continua bebendo). *Quantidade de bebida consumida e tipo não estão presentes nesses critérios, pois o alcoolismo é uma doença relacionada as alterações de comportamento perante o álcool. Precisa saber a quantidade e padrão de ingestão para saber a lesão que vai dar na clínica. SD de abstinência: Quando falta álcool num paciente que já possui uma neuroadaptação, por conta da descarga beta-adrenérgica devido a densidade aumentada de receptores glutamatérgicos (é como se tivesse tendo uma crise de hipertireoidismo). 1. Taquicardia. 2. Hipertensão arterial (são hipertensões importantes). 3. Náuseas e vômitos. 4. Piloereção. 5. Tremores. 6. Hipertermia. 7. Sudorese profusa (a mão da pessoa está quente, suando e tremendo, é um dos melhores exames físicos dessa síndrome). 8. Insônia. 9. Pesadelos frequentes, falar de noite, gritar, sonha muito. 10. Ansiedade importante, principalmente pela manhã, onde tudo aborrece a pessoa. 11. Inquietação. 12. Depressão (muitas vezes tentativas de suicídio acompanhadas). 13. Confusão mental. 14. Alucinações auditivas e visuais. 15. Convulsões. Os sinais e sintomas da síndrome de abstinência são classificados com o código F 10.3, e pode ser dividido em F 10.3.0 (não complicado), F 10.3.1 (complicação com convulsões) e F.10.4 (com delirium tremens, é uma situação especial onde há um delírio importante, taquicardia grande, hipertensão grave). O gráfico abaixo mostra quando os sintomas começam a aparecer: - Código genético x alcoolismo: o alcoolismo é semelhante ao código genético, é uma doença muito complexa, que possui uma apresentação heterogenia e um comportamento muito diverso, e, entendendo as bases a gente consegue entender e saber tratar. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 O alcoolismo foi classificado por Lesch em 4 tipos: O tipo 1 ele chamou de modelo de abstinência, o tipo 2 de ansiedade, o tipo 3 de depressão e o tipo 4 de relação com as coisas da vida/orgânico, e cada um tem um modelo neurobiológico, sendo que a base do diagnóstico do alcoolismo é a anamnese. A ordem está 4-3-1-2, pois, ao começar a fazer a anamnese, partimos do princípio que temos que descartar o diagnóstico e passar para a opção seguinte. Quem é 4, já vemos que é 4 logo nas primeiras perguntas, por exemplo. O 4 é o indivíduo que teve uma lesão somática grave antes dos 14 anos, é a pessoa que teve uma lesão cerebral por qualquer motivo na sua idade precoce, como hipóxia pré-parto, infecção, meningite, encefalite, TCE. Temos que questionar nesse indivíduo: - Possibilidade de um dano perinatal, se a gravidez foi bem, como foi o parto, se houve alguma possibilidade de hipóxia, se chorou logo ou não, se nasceu prematuro. - Como foi o desenvolvimento, quando andou, quando falou, se engatinhou, ou seja, como foi o desenvolvimento físico e também como foi o desenvolvimento psíquico, perguntar como era quando criança, se brincava, tinha amigos, consegui fazer as coisas, como foi a escola, etc. - Notar se tem alguma dificuldade em inibir algum comportamento, se ele roe as unhas,tem enurese noturna (lembra quando parou de fazer xixi na cama?). *Como esses indivíduos possuem uma lesão cerebral, eles têm um déficit, e, por isso, normalmente, tem uma condição econômica mais baixa, podem depender de pessoas, as vezes não trabalham, etc. Se ele não tiver critério para o tipo 4, vai fazer as perguntas do tipo 3. O paciente do tipo 3 é aquele que possui uma doença psiquiátrica prévia, a mais recorrente é a depressão, mas ela deve ter ocorrido antes do uso do álcool ou quando ficou muito tempo sem beber e deu crises de depressão nesse momento (a depressão durante o consumo de álcool não vale). - Uma depressão maior e mais grave. - Ideias suicidas quando fica sem o uso de álcool. - Dificuldade de dormir sem o uso do álcool. Se o paciente não tem nenhuma doença psiquiátrica prévia, ele não é 3, e vai partir para o 1. O paciente 1 é aquele que possui uma sindrome de abstinência grave, mas não tem nem lesões cerebelares e nem doenças psiquiátricas. Se não tiver sindrome de abstinência grave, você parte para o tipo 2. O paciente do tipo 2 é aquele que não cresceu emocionalmente, ele ainda é o filho da mamãe, ele é gente boa, tranquilo, e, muitas vezes, é aquele que ninguém percebe que está bebendo. É aquele que senta no mesmo lugar, toma a mesma cerveja, conversa com as mesmas pessoas, costuma contar os mesmos casos, uma pessoa maravilhosa que só quem percebe que tem problema com álcool é a família, normalmente a família fala que ele pe um “menino que o problema é beber”, é um indivíduo que não toma iniciativa, pe uma criança que está esperando que o outro faça por ele. Casos clínicos 1. Homem, 45 anos, casado, usa álcool desde os 15 anos de idade, tinha muitos problemas sociais, desempregado, apresentava tremores, agitação psicomotora, alucinações, várias tentativas de parar de beber e nunca havia conseguido. Teve um parto prematuro, tinha dificuldade escolar reprovado durante dois anos e só estudou até a 4ª série fez xixi na cama até os 14 anos de idade. Só isso já é possível para eu dizer que ele é um paciente do tipo 4, isso significa que, provavelmente, ele tem uma lesão neurológica prévia (normalmente é pré-frontal). Lucas Melo – Medicina Ufes 103 2. VD, 38 anos, casado, iniciou o TT há 2 anos, ficou sem beber por 18 meses e retornou ao uso, na vida teve períodos de abuso de álcool e não álcool e já teve SD de abstinência grave. O parto desse paciente foi sem complicações, teve um desenvolvimento psicomotor normal, desenvolvimento escolar normal, teve depressão na adolescência (antes do uso do álcool), ficou abstinente enquanto estava usando antidepressivo, quando parou de tomar o remédio e voltou a beber. Esse indivíduo não tem nada para o tipo 4, mas ele tem sinais e sintomas de depressão, o que encaixa ele no tipo 3. *O TT do tipo 3 é o TT da dependência em si. 3. MAR, 45 anos, solteiro, tratamento feito desde os 22 anos de idade com o quadro de pancreatite crônica, começou a beber aos 15 anos, teve uma SD de abstinência grave muito novo com tremores, alucinações e convulsões, teve 3 recaídas em 20 anos que não duraram mais que 10 dias e nesse período, as 3 recaídas requereram internação de tão grave que ele ficou. Ele teve parto normal, desenvolvimento normal, desenvolvimento escolar normal, infância e adolescência sem complicações e tinha SD de abstinência grave, se encaixando no tipo 1. 4. OTN, 32 anos, casado, a família quem o trouxe para o atendimento, uso de álcool diário, toma somente cerveja e de 03 a 07 garrafas por dia, possui as enzimas hepáticas elevadas (GGT, AST e ALT), no exame físico e consulta foi diagnosticada uma cirrose hepática. Paciente teve um parto normal sem complicações, desenvolvimento normal, desenvolvimento escolar normal, infância e adolescência sem complicações, sem SD de abstinência grave e tinha uma dependência a figura materna, se enquadrando no tipo 2, ele necessita de uma abordagem psicoterapêutica. Avaliação clínica mínima Toda vez que nos deparamos com um paciente com sinais da doença, temos que fazer uma avaliação clínica mínima com os seguintes itens: 1. Exame neurológico (polineuropatia periférica ocorre em 70/100 dos alcoolistas crônicas, memória utilizando o MEEM, ou pode usar o FAB). 2. Exame cardiovascular (os pacientes podem ter ICC, miocardiopatias, arritmias, sempre obrigatório fazer o ECG, pois o prolongamento do segmento QT pode levar a uma complicação da arritmia chamada de torsales de pointes). 3. Hemograma (VCM, volume corpuscular médio é um marcador de alcoolismo), PFH, Magnésio. 4. Glicose, colesterol, HDL, triglicerídeo. 5. Parasitológico de fezes (o alcoolismo aumenta o risco de infecção parasitária pelo Strongyloides stercoralis). 6. Sorologias (vírus B, vírus C, HIV e VRL). 7. USG abdominal (só vai fazer se houver hepatomegalia, dor abdominal ou diabetes). *TGO, GGT e VCM são os marcadores biológicos do alcoolismo. Tratamento farmacológico da SD de abstinência alcoolica (SAA) - Reposição de tiamina por no mínimo 3 meses em todos os pacientes, pois ela faz parte do complexo B, e necessário que o paciente tenha a função neurológica funcionante, e para isso acontecer, ele precisa muito de tiamina. - Benzodiazepínico, a prescrição dele é baseada nos sintomas e deve ter uma retirada gradual ao longo de uma semana. - Os casos graves com agitação psicomotora é sinal que falta magnésio, por isso faz a reposição de magnésio no soro glicosado correndo em 20 minutos, e quando tem alucinações importantes usa haloperidol. *Não pode usar clorpromazina (aumenta o risco das convulsões dos pacientes), e não pode hidantalizar os pacientes (tratamento não é hidantal, é o magnésio) e não pode repor glicose sem repor tiamina.
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