Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Universidade Federal de Juiz de Fora Faculdade de Medicina 7° Período PSIQUIATRIA JOÃO PAULO ALVIM MAULER MED 106 2 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 ÍNDICE FERRAMENTAS PARA DESCOMPLICAR A ATENÇÃO À SAÚDE E AO SOFRIMENTO MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA DE SAÚDE ........................................................................................................ 3 PSICOFARMACOLOGIA ................................................................................................................. 6 TRANSTORNOS DO HUMOR ......................................................................................................... 9 TRANSTORNOS DE ANSIEDADE .................................................................................................. 12 USO DISFUNCIONAL DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS ............................................................... 17 TRANSTORNOS MENTAIS E DE COMPORTAMENTO NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA ............. 23 URGÊNCIAS PSIQUIÁTRICAS ....................................................................................................... 26 ALUCINAÇÕES E DELÍRIOS .......................................................................................................... 29 TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE ......................................................................................... 33 TRANSTORNOS ALIMENTARES ................................................................................................... 34 3 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 FERRAMENTAS PARA DESCOMPLICAR A ATENÇÃO À SAÚDE E AO SOFRIMENTO MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA DE SAÚDE Antigamente, as doenças psiquiátricas eram tratadas internando os pacientes. Em 1970, começou um movimento para a desospitalização desses pacientes, dando início à Reforma Psiquiátrica. Foram fechados vários hospitais psiquiátricos. Agora o paciente não deve ser tratado dentro do hospital, mas na comunidade. O lugar onde ele deveria ser tratado é na UAPS, na atenção primária. Caso a UAPS necessite, o paciente vai para o CAPS. Caso nenhum dos dois dê conta, ou se o paciente agudizar, aí sim ele vai pro hospital. O paciente não deve começar a ser tratado pelo especialista. A grande maioria da demanda da saúde mental é de baixa complexidade, podendo ser tratado na atenção primária. O que acontece é que as UAPS começam a encaminhar muitos pacientes para o CAPS, mesmo sem necessidade. O CAPS é feito para o paciente de maior complexidade, mais grave. Com isso, o CAPS não consegue focar nos pacientes que mais precisam, que são aqueles que não podem ser tratados na UAPS. Mas espera-se da UAPS que ela consiga identificar precocemente esses pacientes. A UAPS tem que receber o paciente, e ser resolutiva, devolver o paciente para a comunidade. E nem todos os pacientes vão melhorar completamente, porque muitos transtornos psiquiátricas são crônicos, mas nem todos vão precisar ir para os CAPS. A maior parte dos pacientes psiquiátricos não chegam com uma queixa específica. Eles não vão chegar com a queixa mental. A maior parte deles chega com uma queixa não localizada, mas que na verdade é saúde mental (“chilique”), ou o paciente que tem queixas que não correspondem a uma organicidade (tonteira, zumbido no ouvido, desmaio, quadros comuns de serem psicossomáticos), ou ainda o paciente que não quer ir ao trabalho (o trabalho gera sofrimento, por pressão no trabalho – bancários, por exemplo), ou queixa de dor física que corresponde a violência doméstica. Na psiquiatria, a escuta é diagnóstica e terapêutica ao mesmo tempo, além de gerar um vínculo de confiança com o médico. A história é muito importante. Não se pode ter pressa na obtenção da história. Não é preciso fazer diagnóstico na primeira consulta. Aliás, a maior parte da condições psiquiátricas não são diagnosticáveis na primeira consulta. Um paciente chega com as queixas dispneia aos esforços, taquicardia, palpitação, diminuição da tolerância aos esforços, astenia, fadiga, cefaleia, palidez cutâneo-mucosa, descompensação de doença respiratória. Ele tem um síndrome anêmica. Não se pode dizer o tipo de anemia que esse paciente tem. Quando o paciente chega com humor entristecido, insônia, perda de prazer, falta de vontade e perda do apetite, rapidamente se dá o diagnóstico de depressão. Isso não está certo. O que se chama é de uma síndrome depressiva. Transtorno depressivo é um diagnóstico. Síndrome depressiva pode estar presente em vários diagnósticos. O conceito de síndrome é necessário para o clínico geral conseguir tratar o paciente. Síndrome é um grupo de sinais e sintomas que podem estar presentes em várias doenças diferentes. Exemplo: síndrome febril. No caso da psiquiatria, a grande maioria das síndromes psiquiátricas vai contar com alteração do modo de pensar, alteração do humor e uma alteração do comportamento, associado a uma disfunção. O clínico não é obrigado a fazer o diagnóstico do transtorno, mas precisa fazer o diagnóstico sindrômico. E o tratamento, em geral, é da síndrome. Começa-se tratando os sintomas, e depois trata o transtorno em si. O que vai dizer se aquela síndrome é de fato um 4 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 transtorno é o tempo. Exemplo: Diego terminou com a namorada, e está com humor alterado, brigando com as pessoas, se comportanto diferente, sem querer saber de estudar ou sair com os amigos. Associado a isso está perdendo função, com as notas caindo. Diego está sofrendo ou está apresentando um transtorno? É comum confundir sofrimento com transtorno1. O transtorno tem critérios diagnósticos, sofrimento não costuma ter. O sofrimento é natural do ser humano, e em geral está relacionado a algo que aconteceu (embora o transtorno também possa estar). O que vai diferenciar transtorno de sofrimento é o tempo dos sintomas, a intensidade e, principalmente, o fato da pessoa ter ou não anedonia (incapacidade de sentir prazer). Foram desenvolvidos filtros diagnósticos, que são muito úteis, especialmente para o clínico geral. Quatro tipos de pacientes serão alvo das UAPS: os grupos de risco (pacientes que têm risco aumentado para determinados agravos), os grupos de busca (aqueles que não procuram a UAPS e devem ser rastreados pela equipe), mas principalmente a demanda não direcionada e a demanda direcionada ou específica. Demanda específica em saúde mental é quando a pessoa sabe qual é o problema. A demanda não específica são as pessoas que não sabem que estão tendo um problema de saúde mental. Todos esses chegarão à UAPS, onde terão o filtro diagnóstico aplicado. Após a aplicação do filtro, cinco coisas podem acontecer com esse paciente: muitas vezes ao escutar o paciente, a queixa já será dissolvida, outra é o sofrimento inespecífico (sofrimento que a pessoa tem por conta do dia a dia), doença orgânica, transtorno mental ou uma comorbidade (a pessoa tem um transtorno mental e uma doença orgânica ao mesmo tempo). Se o paciente tem um transtorno mental, ou ele é cuidado na UAPS ou ele é encaminhado para o especialista. Existe um serviço em que um psiquiatra ou equipe de saúde mental vai à UAPS e faz consultoria e supervisão, que é o matriciamento. Uma vez por mês uma equipe do CAPS vai às UAPS para discutir com os médicos os casos. Os filtros diagnósticos pegam os 3 principais manifestações de saúde mental que podem aparecer. Além disso, eles começam excluindo a organicidade. São 3 tipos de filtros: sintomas predominantemente cognitivos e bizarros, sintomas predominantemente físicos ou afetivos, sintomas predominantemente comportamentais e/ou do desenvolvimento. Sintomas cognitivos e bizarros: se o paciente relata que chegou em casa e a panela começou a cantar para ele, isso é um sintoma bizarro. Ou se o paciente fala que está vendo bruxas entrando na geladeira. Ou está dizendo que está sendo perseguida pelos guardas da cidade.Ou ainda se a pessoa diz que foi escolhida, ou acha que é outra pessoa, ou acha que está milionário e se endivida com coisas fúteis. São sintomas prevalentemente bizarros. Agora, se a pessoa começa a ficar confusa, a desorientação por exemplo. A pessoa não sabe mais onde está, ou mesmo qual é o ano em que ela está, ou está desligada do mundo. Isso são sintomas cognitivos. A primeira coisa a se perguntar é se os sintomas são orgânicos. Supondo que seja orgânico, um quadro agudo pode sugerir delirium. Grande parte dos sintomas cognitivos ou bizarros agudos se dão por uma condição orgânica, e se é em idoso, grande chance de isso ser um delirium. A pessoa com delirium está com uma síndrome psicótica2. 1 Se fala transtorno e não doença, porque doença subentende um fator etiológico. Na psiquiatria, não há fator etiológico orgânico para os transtornos. Transtornos todos têm critérios diagnósticos. 2 A dica para identificar uma psicose é que é um sintoma em que não se consegue se colocar no lugar do paciente, se chegou no limite da empatia. 5 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Supondo agora que não seja orgânico. Excluindo a organicidade, a próxima questão é se a pessoa fez uso de alguma substância psicoativa que pode estar gerando o quadro. Caso não tenha havido o uso de substância psicoativa, então, pode-se suspeitar de um transtorno psicótico primário. Um transtorno psicótico primário é possivelmente uma esquizofrenia. Sintomas físicos e afetivos: o paciente começa a achar que tudo é “bicho de sete cabeças”, a pessoa fica desesperada por coisas que não deveria estar. A pessoa que começa a ter ataques de pânico, tem uma ansiedade absurda, com taquicardia, sudorese, sintomas autonômicos. Ou se a pessoa chora por qualquer coisa. A pessoa que está o tempo todo se sentindo triste ou achando que a vida não vale a pena. São sintomas afetivos. A pessoa pode também estar o tempo todo reclamando de sintomas físicos, como dor de cabeça, tonteira, desmaios, dores que não correspondem a uma organicidade. A primeira coisa é excluir causa orgânica. Várias causas orgânicas podem gerar sintomas afetivos, como endocrinopatias (hipotireoidismo, síndrome de Addison, Cushing). Causa orgânica para sintomas físicos pode ser uma artrite reumatóide, por exemplo. Não sendo orgânico, deve-se pesquisar se houve uso de alguma substância psicoativa (álcool pode dar esse tipo de sintomas). Não sendo por uso de substância psicoativa ou orgânico, e a pessoa está se sentindo afetivamente comprometida, ela pode ter uma síndrome depressiva, ou uma síndrome maníaca, ou uma síndrome conversiva. Nesse caso, existem tantas possibilidade que é preciso refinar o diagnóstico. Um detalhe: insônia cai nesse grupo (lembrar que esquizofrênico pode ter insônia, mas não é o que predomina). Sintomas comportamentais e do desenvolvimento: é a pessoa que não consegue parar de beber (muitas vezes o alcoolista tem um transtorno mental por trás além da dependência química, como uma fobia social, por exemplo), e fica agressiva. Isso é um problema prevalentemente comportamental. Se a pessoa tem dificuldade de conseguir aprender, seja por déficit de atenção, ou discalculia. Nesse caso é um sintoma do desenvolvimento. Se a pessoa briga o tempo inteiro, por qualquer coisa, sem outros sintomas afetivos. É um problema de comportamento. A pessoa rouba, ou viola condutas. Por fim, e mais polêmico, os transtornos de personalidade caem nessa categoria. É o caso da personalidade borderline. A pessoa tem uma alteração grave do comportamento, mas principalmente na forma como vê o mundo. São pessoas emocionalmente instáveis. Se for orgânico, um problema do desevolvimento pode ser por problema de audição, desnutrição, retardo. No caso do comportamento, é mais complicado, mas pode acontecer. No caso de substância psicoativa, qualquer uma pode alterar o comportamento. Se for em adulto, em geral se pensa em personalidade ou retardo. O diagnóstico sindrômico vai depender do caso. 6 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 PSICOFARMACOLOGIA “Tudo é remédio, tudo é veneno, dependendo da dose e da indicação” (Galeno, séc. II – tradução livre) Grande parte dos pacientes fazem uso de psicofármacos. É importante ter uma visão crítica e atualizada, isso pode ser útil para nós e nossos pacientes. É mais importante que não usemos o “senso comum” para orientar os pacientes. Até o final da primeira metade do século XX não existia nenhum psicofármaco, nenhum medicamento capaz de tratar um transtorno mental. Os primeiros medicamentos surgiram no início da segunda metade do século XX. O efeito antimaníaco e antidepressivo do lítio foi descoberto em 1949. Os primeiros antipsicóticos surgiram em 1952. Os antidepressivos surgiram a partir de 1956. O que acontece na década de 1950 revoluciona o tratamento dos transtornos mentais e quebra uma cadeia de institucionalização. Isso porque quando não havia tratamento farmacológico, o que se fazia era acolher pacientes portadores de transtornos mentais e criar uma superpopulação nas instituições. Como não tinha como tratar, não tinha como dar alta. Esses asilos, manicômios, não podia ficar nas cidades mais, pois não havia espaço físico para se ampliar. Foi preciso transferir os pacientes para unidades rurais. Existia uma superpopulação de pessoas internadas, e sobre as quais nada se podia fazer. Quando, na segunda metade do século XX, surgem os primeiros psicofármacos, isso impacta significativamente na assistência, porque se começa a tratá-los, e vários melhoravam, podiam ter alta e voltavam para a comunidade. Na segunda metade do século XX surge um estabilizador de humor (lítio), um antipsicótico (clorpromazina) e um antidepressivo (IMAOs e tricíclicos), e com esses 4 fármacos já era possível tratar qualquer transtorno mental grave. Todas essas descobertas foram casuais. Na década de 60 e 70 vão haver altas hospitalares em grandes quantidades, o fim do alienismo, o surgimento dos ambulatórios e a luta antimanicomial. Os psicofármacos são substâncias de ação no SNC, com efeitos desejáveis e indesejáveis, muitas vezes inseparáveis, com ação sobre outros sistemas do organismo e interação com outros fármacos. O psicofármaco deve ser absorvido, metabolizado e transpor a barreira do cérebro para agir. Os psicofármacos em geral têm ação dirigida a receptores de serotonina, noradrenalina, dopamina, acetilcolina e histamina. A ação conhecida se dá a nível das sinapses entre os neurônios. A classificação dos psicofármacos que existe hoje é objetiva, mas não exata. Eles são classificados em antipsicóticos, antidepressivos, estabilizadores do humor e ansiolíticos e hipnóticos. Essa classificação não é precisa, porque antidepressivos podem ter efeitos sobre o humor na depressão, mas também podem ser usados nos transtornos de ansiedade, os ansiolíticos têm várias ações além da redução da ansiedade e indução do sono. Os antipsicóticos de primeira geração (típicos) atuam sobre áreas cerebrais relacionadas a delírios e alucinações, mas ao mesmo tempo atuam bloqueando receptores dopaminérgicos, gerando sintomas parkinsonianos (“impregnação”) ou endócrinos (ganho de peso, anterações hormonais), que não são desejáveis. Hoje eles cada vez menos são usados. Entre os estabilizadores de humor, o mais importante deles é o carbonato de lítio. Eles têm um efeito significativo nas crises de mania e depressão, e na prevenção de novos episódios, para 7 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 uma doença considerada grave, crônica e recorrente. O lítio até hoje é considerado a primeira escolha. Os estabilizadores aumentam sua eficácia com o passar do tempo de uso. Ele tem ação preventiva sobre o suicídio (que não se sabe explicar) e de preservação cognitiva. Além dos sais de lítio, ainda existe a carbamazepina, valproato de sódio,lamotrigina, gabapentina e topiramato. É considerado de primeira geração apenas o lítio. É preciso fazer controle do lítio no sangue, pois para fazer efeito ele precisa estar dentro de uma faixa de dosagem sanguínea. A carbamazepina foi a segunda a ser identificada, e também precisa fazer controle sanguíneo por causa de algumas alterações em leucócitos que podem surgir com o uso dela por longo tempo. O valproato de sódio foi uma aquisição importante, pois tem melhor efeito que o lítio nos quadros agudos. Enquanto o lítio é mais eficiente no uso a longo prazo, nos quadros agudos o valproato tem efeito mais rápido. O lítio leva de 4 a 8 semanas para ter o seu efeito terapêutico. Os antipsicóticos de primeira geração (clorpromazina, haloperidol, tioridazina) hoje são muito pouco usados. Eles eram drogas que faziam efeito em vários sistemas de neurotransmissão, e com isso causavam muito efeito colateral, ganho de peso, hipotensão ortostática, alteração da motricidade. Antes do advento dos antidepressivos, um quadro depressivo tinha seu curso normal durando de 9 a 12 meses. Com o início do uso dos antidepressivos, esse período reduziu para 6 a 12 semanas. Os antidepressivos de primeira geração é o mesmo dos antipsicóticos: atuam onde se deseja (noradrenalina e serotonina), mas também atuam sobre acetilcolina (vertigem, hipotensão, ortostática, constipação, boca seca), histamina (sonolência e ganho de peso), o que não é desejável. Os inibidores da monoaminooxidase (IMAO) são hoje pouco usados pela interação com alimentos e outros fármacos. Os tricíclicos mais importantes são a imipramina, amitriptilina e nortriptilina, que têm ação noradrenérgica, com efeito sobre depressão típica e transtorno de ansiedade generalizada. A clomipramina, também dessa família, com ação serotoninérgica, tem efeito sobre transtorno de pânico e TOC. Os ansiolíticos de primeira geração são os benzodiazepínicos, e podem ser divididos em três grandes classes (meia-vida curta, média e longa). Não existem diferenças significativas entre os vários benzodiazepínicos. A única diferença significativa entre eles é a meia-vida, pois quanto menor a meia-vida, maior o potencial de hábito. Não se deve usar para um jovem uma droga de meia-vida curta, porque depois para retirar será mais difícil. Já para um idoso, é o ideal, porque ele tem um metabolismo mais lento, e ele vai se adaptar melhor com um benzo de meia-vida curta, principalmente o lorazepam, que não tem metabolização hepática. O midazolan tem meia-vida curta, e o Brasil é um dos poucos países que tem ele na forma oral. Ele causa significativa amnésia durante o efeito, e só é usada em nível hospitalar, para realização de procedimento médico. O potencial de hábito dele é muito grande. Os de meia- vida curta (lorazepam e alprazolam) causam maior hábito, mas não entre idosos. De meia-vida média tem só o clonazepam (Rivotril®). Existem alguns de meia-vida longa: diazepam, bromazepam (Lexotam®), cloxazolam. É muito mais vantajoso usar para jovens e adultos um benzo de meia-vida longa, porque depois de tratado o quadro, é mais fácil diminuir e retirar o fármaco. Eles têm quatro efeitos: relaxante muscular, indutor do sono, ansiolítico e anticonvulsivante. Todos eles têm esses 4 efeitos, dependendo da dose administrada. Os novos psicofármacos, de segunda geração, começaram a ser descobertos na década de 80. Eles foram construídos a partir das teorias monoaminérgicas. Se os antigos alteravam noradrenalina e serotonina, e isso produzia uma melhora do humor, começa-se a tentar 8 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 desenvolver moléculas que tenham efeito sobre noradrenalina ou serotonina sem ter efeito sobre acetilcolina, histamina. O grande avanço dos psicofármacos de segunda geração em relação aos de primeira, é que os de primeira foram descobertas incidentais, enquanto os de segunda foram construídos. Por serem drogas seletivas apresentam menos efeitos indesejáveis. A primeira droga seletiva que foi construída foi a fluoxetina, que atua somente sobre a serotonina, bloqueando a bomba de recaptação de serotonina, e com isso aumentando a quantidade de serotonina na sinapse. Os fármacos de primeira geração são muito eficazes, mas como atuam em vários receptores no cérebro, acabam produzindo muitos efeitos colaterais. Os de segunda geração já são seletivos, atuando somente onde são necessários, e por isso são mais bem tolerados. Atuam em transtornos mentais antes concebidos como psicogênicos. Outro avanço que os fármacos de segunda geração obtiveram é que, como os de primeira geração tinham muitos efeitos colaterais só eram usados para quadros muito graves. Quem tinha quadros brandos acabava não suportando o tratamento, que fica mais penoso que a própria doença. Com o surgimento desses fármacos seletivos, vários transtornos que eram considerados psicogênicos ou psicológicos começaram a ser tratados e os pacientes a melhorar. Isso aconteceu com distimia, transtorno do pânico, fobia social, TOC, que antes eram tratadas apenas com psicoterapia. O primeiro antidepressivo de segunda geração foi a fluoxetina (Prozac®). A segunda sintetizada foi a fluvoxamina, que chegou no Brasil muito tardiamente, recentemente. Depois vieram a sertralina, a paroxetina, o citalopram e o escitalopram. A fluoxetina é mais ou menos o padrão- ouro dos inibidores seletivos. As diferenças do ponto de vista clínico entre eles são a maior ou menor sedação e maior ou menos ganho de peso. Se o paciente não está comendo, é melhor usar paroxetina ou citalopram, que têm efeito mais significativo sobre o sono e aumentando o apetite. A grande maioria das mulheres, especialmente as jovens e adultas, não vão aceitar um medicamento que aumente o peso. A fluoxetina, fluvoxamina, sertralina e escitalopram têm efeito muito significativo sobre o apetite, reduzindo-o. A dose dessas drogas facilita o manuseio, porque a dose mais baixa já é terapêutica, ao contrário dos tricíclicos, em que se iniciava com dose baixa e ia aumentando aos poucos. Esses são inibidores da recaptação de serotonina (ISRS). Depois disso surgiram os inibidores seletivos da recaptação de serotonina e noradrenalina (ISRSN). A vantagem é que aumenta um pouco mais o espectro de ação, já que alguns quadros se devem à serotonina e outros à noradrenalina. Eles se tornaram antidepressivos de segunda escolha (nunca se começa o tratamento com eles), para casos mais graves, ou que precisa de uma eficácia maior, ou em casos refratários. Eles são mais caros. É a venlafaxina, mirtazapina e duloxetina. Em termos de estabilizador de humor o lítio continua sendo a primeira escolha. Depois dele surgiram outros, de segunda geração, como a lamotrigina, gabapentina, topiramato (menos eficiente que os outros dois). Os antipsicóticos de segunda geração são a clozapina (era muito eficiente, mas causava efeitos indesejáveis e por isso saiu de circulação; no Brasil é usada há uns 15 anos, com segurança; pode-se fazer hemograma de tempos em tempo para controle; é a droga mais eficiente para efeitos antipsicóticos, que resolve quando nada mais dá certo), risperidona, olanzapina (alteração na molécula da clozapina, mas causa síndrome metabólica, então é pouco usada), quetiapina, ziprazidona. 9 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 TRANSTORNOS DO HUMOR Os transtornos do humor em geral são graves, de alto comprometimento da vida do indivíduo, mas que a terapêutica correta leva a um restabelecimento completo da saúde. Os transtornos de humor podem ser classificados em transtornos depressivos, transtornos bipolares e transtornos persistentes do humor. TRANSTORNO DEPRESSIVO Na depressão, é fundamental pensar na diferença entre tristeza e depressão. A tristeza ou luto é uma reação humana normal diante de um acontecimento trágico, dramático, que cause sofrimento ao indivíduo. Isso não é passível de diagnóstico dedepressão ou tratamento farmacológico. A depressão é diferente, pois une tristeza e perda de interesse e prazer nas atividades do dia-a-dia a uma série de sintomas físicos. O indivíduo em depressão perde peso, não se alimenta, não tem energia para sair de casa, tende a se isolar, evita os amigos. Do ponto de vista psicológico a auto-estima fica mais baixa, tem sentimentos de culpa, de menos valia, ideias de que a vida não vale a pena. A depressão tem uma prevalência de 20% nos indivíduos ao longo da vida. A prevalência é de 30% entre os indivíduos que buscam atendimento nos serviços de saúde. Pacientes com doenças crônicas têm uma maior prevalência de depressão. Indivíduos com depressão leve ou moderada não são atendidos pelo psiquiatra. Eles vão ao generalista ou de outra especialidade. Deve-se ter em mente a possibilidade de depressão em pacientes com queixas físicas sem correspondente achado clínico. As situações de risco para a depressão são pacientes com doenças crônicas. Depressão associada a doenças clínicas, em geral só a doença clínica é tratada. O tratamento melhora a qualidade de vida do paciente crônico. Trasntornos depressivos ocorrem em qualquer idade, mas são mais frequentes em idosos. Deve-se ter atenção e avaliar o humor de pacientes queixosos, pacientes com queixas físicas sem substrato orgânico, pacientes com queixa de insônia, cefaleia, dores lombares, ou cansaço e desânimo, ou pacientes submetidos a excessiva investigação armada sem êxito. São pacientes de risco para depressão. O diagnóstico é feito a partir dos dois sintomas fundamentais, que são o humor depressivo e a perda de interesse e prazer nas atividades do dia-a-dia. Esses dois sintomas devem estar presentes. Associado a eles vão existir outros, alguns físicos e alguns psíquicos: alterações significativas do peso, apetite e sono (para mais ou para menos), perda de energia (falta de disposição física, o paciente fica a maior parte do tempo deitado) e isolamento social, dificuldade de concentração e memória (não conseguem estudar, dirigir a atenção a um objetivo, levando a prejuízo significativo do desempenho acadêmico), pessimismo, culpa (principalmente pelo que já passou), auto-desvalorização, ideias de morte ou sucídio. Todo indivíduo em depressão pensa em morrer, mas daí a se matar tem uma distância grande. O indivíduo pode pensar em morrer, pode achar que morrer seria uma boa solução para o sofrimento dele, até chegar a uma situação extrema, que é a elaboração do suicídio. Esse paciente tem alto risco, quando ele começa a planejar. O suicídio raramente é um evento precipitado, impensado (a não ser no indivíduo em uso de substância), ele em geral vai passar 10 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 por essas etapas de elaboração, e em geral pede ajuda a alguém de alguma forma. Todo paciente deprimido tem ideação suicida, mas ideação suicida é diferente de propósito suicida. Para dizer que um quadro é um quadro depressivo, é preciso ter os 2 sintomas fundamentais, além de 2 ou 3 dos sintomas acessórios. Mesmo nas depressões leves, todos os sintomas estão presentes. Uma síndrome depressiva é ums conjunto de sinais e sintomas que o indivíduo apresenta, sem história, cronologia, evolução, levantamento de fatores que possam ter contribuído. O que a diferencia de um episódio depressivo é que este é contextualizado, inserido em uma história, em indivíduo que nunca teve depressão, ou seja, é um episódio único. Um transtorno depressivo recorrente é quando já teve um episódio anterior (basta um, não importa quando). O transtorno distímico (distimia) tem como característica fundamental ser uma depressão crônica (mais de dois anos de efeito continuado), entretanto leve. Não contempla todos aqueles sintomas. Em geral tem um sintoma fundamental e dois acessórios. O transtorno depressivo recorrente traz prejuízo por causa da gravidade, enquanto a distimia traz prejuízo por causa da cronicidade. O tratamento da depressão é constituído por 3 iniciativas fundamentais. A primeira é a acolhida do paciente e a escuta. A segunda é a orientação e informação adequadas, baseadas cientificamente. Em terceiro lugar vem o uso de antidepressivos. Os inibidores seletivos de recaptação da serotonina são bem tolerados, tão eficientes quanto os tricíclicos mas com um perfil de efeitos colaterais muito menor. Eles permitiram inclusive o tratamento de depressões mais leves e distimia, o que não era possível devido aos efeitos colaterais dos medicamentos que existiam antes deles. São a fluoxetina, paroxetina, sertralina, citalopram, fluvoxamina, escitalopram. Uma geração posterior são os inibidores seletivos de recaptação da serotonina e noradrenalina, que são principalmente a venlafaxina, mirtazapina e duloxetina. A primeira escolha é o uso dos inibidores de serotonina, que a maioria dos casos respondem bem. Cerca de 20% dos casos não vai responder vem, e neles se tenta o uso dos inibidores de serotonina e noradrenalina. TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR Nesse transtorno, existe a alternância entre períodos de exaltação de de depressão. A fase de mania vem com humor exaltado expansivo ou irritável, redução do sono, aumento da energia, fala premente, desinibição e jocosidade, otimismo exagerado ou grandiosidade, autoestima excessiva, gastos excessivos, hipersexualidade, envolvimento em situações de risco. Esses períodos têm tempo mínimo de 15 dias. É um transtorno mental grave, com prevalência na população geral de 5 a 7%. A fase de depressão costuma durar mais tempo. Enquanto a fase de mania dura de 15 a 60 dias, a fase de depressão não tratada pode durar até 9 meses. Os antidepressivos não atuam tão bem na fase depressiva do transtorno bipolar quanto atuam na depressão. Depois que o paciente faz uma fase de mania, ele vai fazer uma fase de depressão. Para estabilizar o paciente, é preciso ter paciência e acompanhar, e quando ele sair da fase depressiva, é o grande momento de tentar estabilizá-lo novamente. Às vezes uma situação de estresse desencadeia uma nova fase. A fase de mania geralmente começa com uma hipomania (um quadro mais jocoso, em que o indivíduo está mais alegre, falante, desinibido, nada além disso), seguida de uma mania franca e depois uma mania psicótica (delírios, alucinações, igual na esquizofrenia; nem todos chegam a ter mania psicótica). 11 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 O principal fator de risco é a hereditariedade. Quando se diagnostica um paciente pode-se fazer busca ativa que vão se encontrar outros na família (diferente da esquizofrenia em que não há participação hereditária). Os paciente se comportam normalmente quando estabilizados, fora da crise. A doença não deixa nenhum tipo de marca. É preciso detectar sintomas precoces de reagudização, como redução do sono, irritação, desinibição, aumento da atividade social. Em geral o primeiro sintoma a aparecer é redução do sono, é um sinal de alarme (orientar o paciente de que se o sono faltar uma noite, aumentar a dose do medicamento de urgência para dormir, e se faltar de novo procurar atendimento, porque aí se pega o paciente antes de reagudizar). É preciso também detectar sinais e sintomas de intoxicação pelo lítio (tremores grosseiros, vômitos, diarreia, confusão mental). Essa intoxicação ocorre mais comumente quando o paciente procura outro médico que prescreve IECA, diuréticos tiazídicos, tetraciclina, metronidazol e antiinflamatórios não esteróides. Esses medicamentos reduzem a excreção renal do lítio e com isso acumula lítio na circulação. O lítio é uma droga eficiente, medicamento mais importante no tratamento do transtorno bipolar, mas ele tem alguns medicamento que dão essa interação. Atenção para bócio e hipotireoidismo, porque o lítio é tóxico para a tireóide. Mesmo quando ele afeta a tireóide, prefere-se manter o lítio e tratar a tireóide, porque o transtorno bipolar é mais grave e difícilde ser controlado. É preciso ter sempre o cuidado de controlar com regularidade a dosagem do lítio no sangue, TSH, uréia e creatinina. O tratamento farmacológico de primeira escolha é o carbonato de lítio, podendo usar de 900 a 1.200 mg. A vantagem do lítio é que ele capaz de prevenir ambas as fases, depressão e mania, e ele aumenta sua eficácia à medida que o tempo passa. Pacientes que usam lítio vão tendo chance cada vez menor de reagudização. Hoje existem pesquisas sobre uma proteção do lítio sobre quadros demenciais (pacientes que usam lítio têm menos demência). Além do lítio existe o valproato de sódio, que é bastante eficiente no tratamento da crise. O lítio demora a fazer efeito na crise. O valproato leva a um controle dos episódios de mania muito rapidamente. Porém, ele não tem efeito de proteção em relação à depressão (e as depressões são mais longas, trazem prejuízo pessoal maior). O valproato de sódio é usado muito nas crises de mania e no transtorno bipolar misto (forma de transtorno bipolar em que o paciente tem ao mesmo tempo mania e depressão). O ácido valpróico dá muita epigastralgia (é o único que tem no SUS). Se o paciente tem comprometimento hepático é bom evitar o valproato. O terceiro estabilizador de humor é a carbamazepina. Ela é em geral um auxiliar, quando precisa aumentar a eficácia, ou num período de risco de nova crise, se associa ao lítio e ela funciona bem. Mas não é um estabilizador para usar sozinho normalmente. Os mais novos são ainda promessas, como a lamotrigina, a gabapentina e o topiramato. 12 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 TRANSTORNOS DE ANSIEDADE Os transtornos de ansiedade são muito frequentes na população, e a maioria deles podem ser conduzidos pelo médico não psiquiatra. Os quadros ansiosos em geral respondem muito bem ao tratamento. A ansiedade pode ser normal ou patológica. A ansiedade normal tem função adaptativa. A diferença vem pela duração ou intensidade proporcional ou não ao evento desencadeante. Os sintomas são mais intensos ou mais duradouros do que o esperado na população para um evento semelhante. Outro critério é quanto sofrimento e incapacidade, impacto funcional, aquele comportamento gera no indivíduo. A ansiedade é uma apreensão frente a possível ameaça, de que algo ruim vai acontecer. Existem dois componentes da ansiedade. O cognitivo é a preocupação, o medo. Na ansiedade patológica o indivíduo não consegue parar de se preocupar. E há o componente autonômico, somático, em que há taquicardia, sudorese, tremores, ondas de calor e frio, sensação de aperto no peito, falta de ar, tontura, dores. Fobia é um medo exagerado de uma situação específica, e ela gera esquiva ou evitação. Se o indivíduo se aproxima daquilo que dá medo ele sente mal estar, e por isso ele se esquiva. Obsessão é um pensamento persistente e recorrente que gera um desconforto muito grande, e pode levar a fazer algo para tentar aliviá-lo. Exemplo é a contaminação (lavar a mão sem parar), simetria (colocar objetos de forma exatamente simétrica), agressão (uma mãe que tem a sensação de que vai matar o filho, jogar pela janela, mas nunca o faz), dúvida (será que eu fechei a porta?). A compulsão é um comportamento repetitivo para prevenir ou reduzir o desconforto gerado pelas obsessões. Pode ser de lavagem, ordenação (repetir uma frase quando vê 3 carros de determinada cor, senão alguém querido vai morrer), verificação (contar os frisos do chão). Geralmente há o insight, a pessoa sabe que aquele comportamento não é normal, e isso gera sofrimento. Os transtornos de ansiedade têm alta prevalência. Existem vários impactos, como divórcios, desemprego, previdência social, sofrimento e diminuição do bem estar e qualidade de vida. Há uma grande busca por atendimento na atenção primária, com sintomas medicamente inexplicados. Há tratamento simples e eficaz, que o clínico pode fazer. Os transtornos ansiosos recebem pouca atenção, e por isso têm maior subdiagnóstico e subtratamento. Falando sobre etiopatogenia, os transtornos de ansiedade são multifatoriais, com fatores biológicos, psíquicos, sociais. Uma das coisas que existe é uma predisposição biológica, uma hiperreatividade do locus ceruleus (sistema nervoso simpático). É aquela reação de luta ou fuga. O problema é que essa reação de luta ou fuga pode ser disparada fora de hora, de forma hiperreativa. Existe também hipersensibilidade ao CO2. Outra coisa interessante é que existe o sistema límbico, ligado às emoções, e tem o córtex pré-frontal, que está ligado função executiva (planejamento, tomada de decisões, controle inibitório). O que acontece é que há de modo geral um sistema de frieo-acelerador entre sistema límbico e pré-frontal. O pré-frontal tem poder inibitório sobre o sistema límbico. Estudos de neuroimagem mostram que pacientes fóbicos ativam muito o sistema límbico e pouco o pré-frontal. Depois da psicoterapia, o paciente é exposto à mesma situação e tem maior ativação do pré-frontal, conseguindo inibir o sistema límbico. O uso de susbstâncias pode gerar quadros ansiosos. Situações estressantes, traumáticas, podem desencadear quadros ansiosos. Há a modelagem 13 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 comportamental: o indivíduo aprende vendo o outro. A criança que cresce com pais muito ansiosos, que aprende que tudo no mundo é muito perigoso, por exemplo. E existe também personalidade. Alguns traços chamam evitação de dano. É aquela pessoa que tem muito medo de qualquer risco, situação duvidosa, e as evita. Tem pessoas que têm isso muito exacerbado, acham que tudo é arriscado, e isso leva a um quadro ansioso. E tem a ideia do neuroticismo, que é a pessoa com preocupação muito exagerada. O esquema cognitivo é muito usado para ansiedade. Existe uma situação qualquer de vida. A pessoa vai ter um pensamento, que é uma interpretação da situação. Isso gera um sentimen- to, que gera um comportamento. Por exemplo, uma pessoa está andando na rua e encontra algum conhecido e não cumprimenta. A interpretação pode ser que a pessoa não viu a outra porque é distraído, e o indivíduo acha graça e não faz nada a respeito. Por outro lado, ele pode interpretar que a outra pessoa não cumprimentou porque é metida, se acha, e aí a pessoa fica com raiva e pode se comportar falando mal dele, arranhando o carro dele. Ele pode achar ainda que o outro não cumprimentou porque ele é insignificante, e ficar triste e se comportar chorando. Logo, a mesma situação pode gerar inúmeras interpretações e comportamentos. Cada pessoa tem tendências a ver o mundo com uma certa lente, com a qual interpreta o mundo. Existem algumas ditorções comuns no paciente ansioso. Ele amplifica a ameaça: o risco é grande, ele não vai dar conta. Ele sempre enxerga as coisas com muita probabilidade de dar errado. Ele subestima a capacidade de enfrentamento dele (não vai dar conta, não é possível). Muitas vezes quando se vai enfrentar uma situação, acha-se que não vai conseguir. Quando a pessoa consegue, a pessoa sobe no nível de capacidade, na próxima vez ela consegue superar desafios cada vez maiores. Isso é a resiliência (capacidade de lidar com problemas, enfrentar desafios). Outra característica do ansioso é a catastrofização (“se eu for mal na prova eu serei um péssimo médico”). Outra característica comum é o pensamento dicotômico: ou tudo ou nada (“ou eu sou perfeito ou eu sou um lixo”). E isso gera um sofrimento enorme. A parte comportamental é o seguinte: a pessoa tem medo de alguma coisa. Quando ela enfrenta aquela situação ela se sente mal. Ela sai da situação e melhora. Isso reforça o medo da pessoa. Ou seja, o sintoma gera esquiva da situação, o que traz alívio do sintoma. Isso reforça a crença. O esquema de Barlow para o pânico é muito importante. É preciso saber, e até explicar para o paciente pode ajudar. A pessoa está numa situação que gera o pânico nela (estar em lugarpúblico), e isso gera os sintomas. Quando os sintomas começam, a pessoa percebe e fica mais ansiosa porque a crise está começando. Isso leva a liberar mais adrenalina, exacerbando o sintoma. Isso vira um ciclo que vai piorando cada vez mais. O que é preciso fazer é quebrar a primeira etapa. Se o paciente entende esse esquema, em geral é muito libertador para ele. 14 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Em geral o paciente procura o clínico e não o psiquiatra. A maioria não é tratada adequadamente. É mais comum no adulto jovem ou meia idade (20 a 44 anos), principalmente no sexo feminino. É comum ter comorbidade com outro transtorno mental, ou uso de substância. As categorias diagnósticas são: transtorno do pânico, agorafobia, trantorno de ansiedade generalizada, fobia social, fobia específica e transtorno obsessivo compulsivo. O transtorno do pânico é constituído por ataques recorrentes de ansiedade grave. Vem com palpitação, tremor, sudorese, ondas de calor e frio, dor torácica, dispnéia, parestesia, tontura, desrealização (sensação de perda de familiaridade com o ambiente), entre outros. De modo geral vem junto um medo de morrer, perder o controle ou enlouquecer. É um medo muito ruim, um pavor, um grande mals estar uma sensação muito desconfortável. Inicia subitamente, com pico em 10 minutos e curta duração, no máximo 30 minutos em geral. O medo de ter outros ataques gera grande ansiedade antecipatória (é o medo de ter medo, o medo de ter outra crise, e isso pode gerar outra crise: Barlow). O paciente começa a passar mal, o Barlow está agindo, ele vai passando cada vez mais mal. O paciente acha que vai piorar indefinidamente até morrer, e em geral se esquiva (sai do lugar ou situação que está causando o ataque) e então melhora, e isso reforça eternamente o quadro. Porém, se ele não se esquivar, o quadro não vai piorar indefinidamente. Os sintomas vão chegar em um platô, e em até meia hora ele vai melhorar (a adrenalina esgota). Por isso é importante o enfrentamento. Para ser transtorno de pânico não pode ser um ataque isolado, tem que ser crises recorrentes e com medo de ter outras crises. E não pode ser explicado por uma fobia ou TOC. A agorafobia é o medo de estar em situações ou locais em que seria difícil sair ou obter ajuda em caso de necessidade (ataque de pânico). Por exemplo, ônibus cheios ou fechados, engarrafamento, avião, grandes espaços abertos, shopping centers, ficar sozinho, sair sozinho. É comum o pânico e agorafobia andarem juntos, mas pode ocorrer isoladamente. No transtorno de ansiedade generalizada (TAG), diferente do pânico que vem em crises, a pessoa está cronicamente ansiosa. Ele tem preocupações excessivas e contínuas com diversos eventos e situações. Ele está o tempo todo preocupado, e é difícil de controlar. Além da preocupação cognitiva, ele tem sintomas somáticos: tremores, tensão muscular, fadiga, transpiração, sensação de vazio na cabeça, insônia, palpitações, tonturas e irritabilidade. É a pessoa tensa, nervosa, inquieta. Para ser TAG, tem que durar mais de 6 meses. É muito comum comorbidade com depressão. Na fobia social3 (ansiedade social), o paciente tem medo de ser exposto à observação de outrem. É o medo da avaliação do outro. Ele começa a se esquivar destas situações de exposição social (fazer apresentações, paquerar, escrever, opinar, discordar, negar pedidos - baixa assertividade; o assertivo é aquele que é capaz de defender seus direitos e posições sem agredir o outro; o fóbico social muitas vezes tem o comportamento passivo, com momentos em que ele “estoura” se tornando agressivo). É comum estar associado com baixa auto-estima e medo de ser criticado. É comum ter sudorese, palpitações, rubor, tremor, dificuldade de concentração. Pode evoluir para um ataque de pânico. O paciente acha que todo mundo está notando o nervosismo dele, e isso piora os sintomas. As fobias específicas vão ser a ansiedade desencadeada por situações bem específicas (Animais, altura, voar, dentista, trovões, usar banheiro público, de certas doenças; sangue, injeção e ferimentos – essas são diferentes das outras porque podem gerar sintomas mais 3 É diferente de ser anti-social. Na psiquiatria, anti-social é psicopata. 15 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 parassimpáticos que simpáticos, com sintomas como palidez, sudorese fria, hipotensão e síncope). Estas situações são evitadas ou suportadas com grande temor. O transtorno obsessivo compulsivo (TOC) é formado por obsessões e compulsões. É aquele pensamento que vem e fica na cabeça, gerando desconforto, sofrimento. De um modo geral, a pessoa percebe que esses pensamentos são exagerados e irracionais (insight; cerca de 10% não têm esse insight). São contínuas, gerando sofrimento e incapacitação. Na investigação, é importante verificar o uso ou abstinência de substâncias (que podem estar gerando os quadros ansiosos), além de causas clínicas gerais (asma, hipertireoidismo, insuficiência coronariana, feocromocitoma, hipoglicemia). Investigar também comorbidade psiquiátrica. Tratamento O tratamento começa com a psicoeducação. É explicar ao paciente o que é o quadro dele, quais são as características, como ele pode melhorar, o prognóstico dele. Dizer ao paciente que é algo comum (o paciente se sente um ET por ter o transtorno; o autoestigma é um impedimento para a busca por tratamento e gera mais sofrimento), que muitas pessoas têm. É preciso empatizar, dizer que se sabe como o transtorno é ruim, que se entende como é incômodo, mas que não é perigoso, que o paciente não vai morrer daquilo e nem vai durar para sempre. Isso é útil para o paciente fazer enfrentamento quando precisar. Explicar que os sintomas são como o corpo reage ao estresse. Explicar que há tratamento e melhora. Nunca dizer que não é nada, que é da cabeça ou “psicológico”. Tratamento geralmente envolve medicação, mudança no estilo de vida e aspectos de psicoterapia. Pânico, fobia social e TAG melhoram com antidepressivos4, mas eles precisam ter efeitos serotoninérgicos. Pode ser um inibidor seletivo da receptação da serotonina (fluoxetina, sertralina, paroxetina, citalopram), ou inibidor da recaptação da serotonina e noradrenalina (venlafaxina, duloxetina, desvenlafaxina), ou tricíclicos (imipramina, clomipramina). Em termos de medicação, o que melhora mais com o remédio é o pânico. Os outros melhoram, mas é menos. O paciente tende a ter uma piora no começo do tratamento medicamentoso, cerca de 1 a 2 semanas (o paciente com pânico é muito sensível aos efeitos colaterais). Vai começar com uma dose baixa e vai aumentando gradualmente (ao contrário da depressão em que normalmente já se começa com a dose desejada; a dose mínima efetiva da fluoxetina, paroxetina, por exemplo, é de 20mg). A droga previne as crises, mas não serve para efeito imediato. Deve ser mantido por pelo menos 6 a 12 meses depois que o paciente melhorou (assim como na depressão). No TOC é preciso um efeito mais serotoninérgico ainda, então só pode ser o inibidor seletivo de recaptação de serotonina ou clomipramina. TOC de um modo geral a dose é mais alta (menos de 40mg de fluoxetina ou 200mg de clomipramina não vai fazer efeito). Em fobia específica o remédio não funciona, tem que ser TCC. O benzodiazepínico quando é usado na crise melhora o paciente na hora. Mas isso tem alguns problemas. Porém, vai ser reforçada a ideia de que se o paciente não tivesse tomado o medicamento ele não teria melhorado. O paciente precisa aprender a enfrentar a situação, e o benzodiazepínico reforça a ideia de que não é possível enfrentar. Além disso há o problema da dependência. É preciso evitar a princípio prescrever. Ele traz um alívio muito imediato na hora que o paciente usa, e depois o paciente não quer mais parar de usar. Ele vai ser dado em4 A dica para o clínico é aprender a usar dois antidepressivos. Quando nenhum deles der certo, encaminhar para o psiquiatra. 16 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 algumas situações, como quando os sintomas são muito intensos, ou quando no começo do uso de antidepressivo os sintomas pioram muito. Usar um benzodiazepínico de vida mais longa (clonazepam, diazepam), por um tempo limitado (1 a 4 semanas) e com retirada gradual. A princípio, o benzodiazepínico não é usado de forma crônica para nada. Para retirada dessa droga em um paciente dependente, é preciso tratar a causa de base, e depois ir retirando gradualmente (pode trocar por um de meia-vida longa se estiver usando um de meia-vida curta). Outra coisa que pode ajudar em alguns casos é o propranolol para tremor e taquicardia em ansiedade social, apresentação em público. Muitas vezes o paciente melhora com o remédio, e acha que se a medicação for retirada ele vai piorar, e fica difícil retirar. Por isso é preciso explicar que o remédio vai diminuir a ansiedade do paciente para possibilitar que ele enfrente a situação. É preciso reforçar que os sintomas não são perigosos e são passageiros. Explicar o diagrama de Barlow. Ajudar o paciente a identificar a catastrofização que ele está fazendo, mostrar que ele já passou por situações semelhantes e conseguiu superar. A melhor coisa para medos e fobias é o enfrentamento. É o que mais funciona. No enfrentamento, o paciente é exposto à situação e vê que a catástrofe que ele esperava não acontece. A exposição pode ser gradual, e para funcionar é preciso ficar nela até a ansiedade baixar, ser frequente e não usar droga (benzodiazepínico). O paciente tem que ter o sintoma iniciado para ele ver que dá conta. Ele é exposto à sensação somática para ele se acostumar. No TOC, ansiedade social, o enfrentamento também é importante. No pânico e agorafobia principalmente, usando a medicação e fazendo o enfrentamento o paciente pode melhorar completamente. O TOC já tem a remissão um pouco mais difícil. A maioria dos pacientes melhora muito. É importante ainda práticas de relaxamento, aprender a dar uma “desligada” (respiração diafragmática, ioga, meditação, oração, leituras). A privação de sono crônica piora o quadro, a falta de atividade física aumenta o nível de ansiedade, não ter um tempo para dar uma relaxada. A princípio esses quadros têm curso crônico, com algumas recaídas. O paciente tem que ir aprendendo a lidar. De modo geral se combina a psicofarmacologia com TCC. Especialmente pânico e fobias têm uma resposta muito boa, TOC e TAG tendem a ter uma resposta pior que o pânico. 17 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 USO DISFUNCIONAL DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS Há uma alta prevalência de consumo de substâncias psicoativas na atenção primária, principalmente álcool. E o paciente nem sempre vai chegar relatando que tem problemas relacionados ao álcool. Por isso não pode deixar de perguntar, na rotina clínica, sobre o consumo principalmente de álcool, mas também de outras drogas. A maior parte da morbimortalidade relacionada ao álcool incide sobre indivíduos não dependentes. Não é só o indivíduo que é dependente que precisa de alguma abordagem. De 4 a 29% dos pacientes atendidos na APS têm evidências clínicas de uso de risco de alcoólicos. Deve-se investigar se há um padrão de consumo de álcool e de consequências relacionadas ao seu uso. Vai-se perguntar se o paciente faz uso de álcool. Se sim, vai-se colher uma história pormenorizada para investigar a presença de uso nocivo ou dependência de álcool. Essa história começa pelo padrão de consumo (intensidade, frequência, há quanto tempo), para a partir daí começar a identificar possíveis consequências relacionadas ao uso. A outra questão é se o paciente é dependente de álcool. A dependência de álcool é uma síndrome, que não é fácil de identificar. Povavelmente, ao fazer o diagnóstico de dependência, é preciso encaminhar o paciente para o atendimento secundário. Com relação a drogas é parecido, deve-se incluir na rotina diária perguntas sobre o uso de drogas ilícitas ou mesmo medicamentos prescritos, mas que podem ser de abuso (benzodiazepínicos, por exemplo). Se a pessoa não for dependente, há duas possibilidades: uso de risco e uso nocivo. Muitas vezes o paciente vai chegar à consulta sem uma queixa direta relacionada ao abuso de substâncias. Nesses casos é preciso estar atento a sinais que a história e exame trazem: evidência de hálito etílico, olhos e faces avermelhadas, presença de coriza e sangramento nasal (no caso de drogas inaladas), queixas de inapetência, emagrecimento, alterações do sono e perda do interesse sexual (o paciente usuário pesado de álcool não come, o próprio álcool já dá o que ele precisa de aporte calórico, mas sem nutrientes, e o paciente começa a ter desnutrição e até síndromes absortivas), queixas gastrointestinais de repetição e alterações hepáticas (esteatose hepática no nosso meio, até que se prove o contrário, está relacionada ao consumo de álcool), relato de convulsões, polineuropatias, pelagra (deficiência de vitamina B1), fraqueza e dores musculares principalmente em membros inferiores, evidência de taquicardia, hipertensão (ou aquela hipertensão que não consegue se controlar mesmo com a otimização das doses de antihipertensivo) ou edema de membros inferiores, presença de frequentes escoriações, contusões, acidentes e fraturas, evidências de tremores, alteração do humor, nervosismo, depressão, ideação suicida, comportamentos criminosos ou problemas policiais. Intoxicação é o efeito da substância quando o indivíduo usa, independente de ser superdosagem. Os sintomas de abstinência normalmente são contrários ao efeito da substância. Os benzodiazepínicos causam sedação, discurso lento e pastoso e depressão respiratória. A abstinência leva a ansiedade, agitação, cãimbras musculares, cólicas abdominais, pulso acelerado, aumento da pressão arterial, insônia e, em casos graves, até convulsão e delirium. Os estimulantes (cocaína, crack, anfetaminas, ecstasy, ritalina) causam hiperatividade, discurso acelerado, pupila dilatada, e a abstinência fadiga, aumento do apetite, irritabilidade. A maconha tem como efeito conjuntivas avermelhadas, respostas retardadas e pupilas de tamanho normal, e a abstinência instabilidade emocional, ansiedade, cãimbras musculares, mas pode não haver nenhum sinal observável de abstinência. Alguns autores 18 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 defendem que a presença de abstinência, por si só, definiria dependência. A abstinência é um critério de dependência. Não existe padrão de consumo de álcool que seja absolutamente seguro. Um consumo mais ou menos seguro seria para mulheres 7 doses por semana e para homens 14 doses por semana. Mas são dados subjetivos, porque depende da frequência do uso (o padrão contínuo tem risco maior de dependência do que o uso mais esporádico, mesmo que de uma dose maior - uso em binge). Mas é preciso pensar na diferença de um padrão de consumo funcional de um padrão mal adaptativo. Algumas pessoas vão beber, usar drogas, ao longo da vida toda, e não vão ter problemas relacionados a isso. No entanto vão haver pessoas que rapidamente se tornarão dependentes. E existem inúmeras variáveis envolvidas nisso. Padrão disfuncional é quando há algum problema relacionado ao consumo (se o indivíduo sai e, devido ao uso de álcool, tem uma relação desprotegida e contrai uma DST, ou se envolve em um acidente de trânsito, já é um problema relacionado ao consumo). O gráfico abaixo mostra no eixo X a intensidade do consumo e no eixo Y a frequência de problemas relacionados ao consumo. No quadrante III, há o consumo de baixo risco, em que o indivíduo faz uso em baixas quantidades e com baixa incidência de problemas. É aquele que bebe uma taça de vinho no fim de semana, ou bebe em uma situação social, ou aquele usuáriode maconha que faz uso eventual, e não tem problemas. No quadrante II, o indivíduo ainda não tem uma padrão de grande quantidade de uso, mas já começa a ter maior quantidade de problemas. É aquele indivíduo que toda vez que bebe, briga, causa confusão, ou pega o carro e se envolve em acidente. O padrão de consumo pode nem ser tão pesado, mas já causa problemas. Esse é o uso nocivo. Vários fatores vão diferenciar se o indivíduo se mantém no uso funcional, ou acaba se tornando dependente ou fazendo uso nocivo. Três fatores associados definem o risco de dependência: a droga (características farmacocinéticas da droga: toda droga fumada tem início de ação mais rápido e intenso), predisposição do próprio indivíduo (peso genético, entre outros fatores) e o ambiente (numa sociedade mais permissiva vai haver maior prevalência de abuso). No quadrante I está o indivíduo que faz consumo em altas quantidades, com alta incidência de problemas. Aqui provavelmente já há dependência. O quadrante IV (consumo em altas quantidades com baixa incidência de problemas) não existe. Logo, um fator importante na definição do problema é a intensidade do consumo. 19 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 A intoxicação é quando se faz o uso da substância. É uma situação transitória que tem a ver com o efeito da substância no organismo. Quando se fala em uso nocivo é quando existe evidência de algum dano à saúde, seja ele físico ou emocional/psicológico. A chance maior de uso nocivo é quando há uma maior intensidade de uso. A dependência é uma síndrome, definida como o conjunto de fenômenos fisiológicos, comportamentais e cognitivos, nos quais o uso da droga adquire prioridade acentuada sobre outros comportamentos. O estado de abstinência ó o grupo de sintomas que aparecem quando o indivíduo interrompe abruptamente o consumo ou diminui, após um longo período de uso frequente. Existem alguns intrumentos de avaliação para quantificar o uso de substâncias, como o questionário CAGE, ou o AUDIT, específicos para álcool. No caso do CAGE, a resposta positiva a duas perguntas sugere o diagnóstico de dependência, e esse paciente vai requerer uma investigação mais detalhada. A vantagem é que é muito simples, mas tem como desvantagem fornecer uma informação binária (sim ou não). Essa é a vantagem do AUDIT, que dá um escore de 0 a 40, e dependendo do valor se faz uma estratificação de risco. O paciente que recebe nota de 0 a 7 é abstêmico, ou consumo de baixo risco. Esse indivíduo vai receber informação e educação somente. Se ele pontuou de 8 a 15, ele tem risco baixo a moderado, já se começa a pensar em uso de risco, e ele já precisa de uma orientação maior. Se ele pontuou de 16 a 19 o risco é moderado, e provavelmente ele está em consumo nocivo. Esse paciente não precisa ser encaminhado para a atenção secundária, mas requer uma intervenção. Nessa faixa o paciente não tem dependência, não precisa de intervenção farmacológica, mas é preciso intervir, porque ele está caminhando para a dependência. Fazendo uma intervenção breve e monitorizando o paciente, se modifica a história natural do consumo de álcool desse paciente. Essa é a importância maior da atenção primária. Se ele tem 20 a 40 pontos, ele tem risco alto, tem uma provável dependência, e deverá ser encaminhado para cuidados especializados. O ASSIST é a mesma coisa, mas vale para outras substâncias. Quando se está diante de um paciente com dependência ou uso nocivo vai se pedir alguns exames complementares: hemograma (pode ter anemias associadas ao uso de álcool: deficiência de B12), eletrólitos, enzimas hepáticas (a mais sensível para o uso de álcool é a GGT, a primeira que se eleva), provas de função hepática, uréia, creatinina, glicemia, sorologia para hepatite B e C, amilase (uso de álcool compromete muito a função pancreática; uma das principais causas de pancreatite no nosso meio é o álcool), ECG, radiografia de tórax, VDRL, anti-HIV, perfil lipídico e ácido úrico. Para o CID-10, o uso nocivo está definido como a evidência clara de que o uso de álcool ou outras drogas foi responsável ou contribuiu consideravelmente com prejuízo físico ou psicológico, incluindo capacidade de julgamento comprometida ou transtorno do comportamento. A natureza do prejuízo é claramente identificável, e o padrão de uso persiste por pelo menos um mês ou tem ocorrido repetidamente em 12 meses. 20 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Os critérios de dependência são 6, e é preciso ter pelo menos 3 para definir como dependência, sendo que esses critérios devem ocorrer juntos de forma repetida em 12 meses. São eles: forte desejo, incontrolável, de consumir a substância (fissura); comprometimento da capacidade de controlar o início, término ou os níveis de uso (o indivíduo não consegue se controlar); estado fisiológico de abstinência (aparecimento de sintomas físicos ou psicológicos quando o uso é interrompido ou diminuído); evidências de tolerância aos efeitos (para a mesma quantidade de uso o indivíduo não consegue mais o mesmo efeito que conseguia anteriormente, para obter o mesmo efeito ele precisa de doses cada vez maiores); preocupação com o uso manifestado por redução ou abandono de atividades prazeirosas ou de interesse significativo (só se interessa por atividades que envolvam o uso da substância); uso persistente a despeito das evidências claras das consequências nocivas. A entrevista motivacional foi desenvolvida para o álcool, e depois foi expandida para outras drogas, e hoje é usada até para abordar doenças crônicas. É importante identificar o estágio motivacional do paciente, fazer o diagnóstico desse estágio para fazer a abordagem correta, sob o risco de ser iatrogênico. Se pega um paciente em pré-contemplação e mandar ele parar o uso da substância, ele vai criar uma resistência. O paciente que está em estágios mais iniciais de motivação não se deve orientar que ele pare, mas orientar sobre os riscos e prejuízos, e ver o quanto aquilo vai surtir efeito. A pré-contemplação é quando o paciente não considera a possibilidade de mudar porque ele não identifica aquilo como um problema. Na contemplação ele já admite o problema, mas ele é ambivalente, no sentido em que até acha que está usando muito, mas acha que não vai dar conta, ou que não consegue ficar sem. Ele começa a pensar em adotar algumas mudanças, mas sempre pondera alguma coisa. Na preparação para a ação o indivíduo identifica o problema, define que quer interromper o uso e começa a fazer um planejamento para aquilo, ainda não efetivadas. Na ação ele implementa aquelas mudanças, quer ambientais quer comportamentais, e investe tempo e energia naquela mudança. A manutenção é quando, uma vez já tendo tomado aquelas medidas e tendo resultado positivo, ele continua aquele trabalho. Nesse momento são importantes estratégias de prevenção de recaída. É importante lembrar que o paciente que tem uma intoxicação aguda ou outro problema que leve-o a ser internado, quando tiver no hospital sem usar a substância ele pode ter um quadro de abstinência, que pode se iniciar em de 6 horas a 6 dias. Vai depender do grau de dependência que ele tem. Para tratar a abstinência se usa benzodiazepínico. É uma das poucas situações da medicina em que o benzodiazepínico é primeira escolha, em princípio por via oral. Se ele não estiver consciente pode fazer venoso. Só se deve fazer benzodiazepínico venoso em lugar em que é possível reverter uma parada respiratória. Um dos sintomas de abstinência é crise convulsiva, e é um sintoma de gravidade da abstinência. Pode-se, em casos leves e moderados de abstinência, conduzir ambulatorialmente. Se tem crise convulsiva é grave e precisa internar. Mas para prevenir convulsão num paciente se usa o benzodiazepínico. Esse paciente que chega com intoxicação alcoólica na emergência, sendo etilista pesado, provavelmente ele tem deficiência de tiamina.Repõe-se então a tiamina primeiro, antes de repor soro glicosado, para evitar encefalopatia de Wernicke5. Mas não se faz soro glicosado em todo mundo, só vai fazer soro glicosado se o paciente estiver hipoglicêmico. Se ele tiver a 5 A encefalopatia de Wernicke é uma doença neurológica severa causada por um déficit de vitamina B1 (tiamina), mas que é potencialmente tratável se diagnosticada precocemente. A síndrome é caracterizada por ataxia, oftalmoplegia, confusão e prejuízo da memória de curto prazo. 21 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 glicemia normal não precisa dar soro glicosado, basta hidratar (o que vai ajudar nos sintomas de abstinência). Quando o paciente tem uso nocivo e risco moderado (16 a 19 no AUDIT) é preciso fazer aquela intervenção breve. Orientar o paciente a não ter bebida alcoólica em casa, não frequentar bares ou outros lugares onde se consome álcool. Tratar a dependência química é, antes de qualquer coisa, mudar comportamentos e hábitos de vida. Pedir ajuda a familiares e amigos, pedir que o paciente retorne com familiares ou amigos para orientação. Conversar sobre danos reais ou potenciais relacionados ao uso da substância, ou os benefícios que ela traz ao paciente. Lembrar que num primeiro momento o indivíduo busca a substância pelo prazer que ela oferece, mas à medida em que ela vai ficando dependente, ela passa a usar para evitar os efeitos da abstinência. Nesse momento em que a substância só traz sensações boas ao paciente, sem trazer problemas, pode ser necessário orientar sobre os prejuízos potenciais. Levar em consideração o que a pessoa acha mais importante em sua vida. A decisão deve ser da pessoa. Se ela não está preparada para parar naquele momento, pedir para ela voltar em outro dia, talvez acompanhada de um familiar ou amigo. Poucos serão os casos, na atenção primária, que precisarão de tratamento farmacológico. Ou eles serão encaminhados para o especialista, ou muitas vezes a abordagem se dará na urgência/emergência. Existem 3 situações: intoxicação (o paciente sob o efeito da substância), abstinência e abordagem da dependência. A intoxicação aguda pelo álcool é preciso pensar na deficiência de tiamina. Não é no paciente que fez um uso eventual em binge. É aquele paciente que se supõe que tem um padrão intenso de uso. É preciso repor tiamina antes de fazer glicose. Evitar fazer nesse paciente alcoolizado benzodiazepínico, porque pode potencializar o efeito do álcool nele. O benzodiazepínico é feito na abstinência. Evitar fazer anti-histamínico. Quando o paciente está agitado, agressivo, geralmente faz prometazina (Fenergan®), um anti-histamínico, junto com o haloperidol. Faz a prometazina para potencializar o efeito do haloperidol. Só que é preciso evitar no paciente bêbado por conta de potencializar a sedação do álcool. Se ele tiver agitado, agressivo, faz só o haloperidol. A síndrome de abstinência do álcool, se for leve a moderada, pode ser tratada ambulatorialmente. Nesse caso, o tratamento é com benzodiazepínico, por no máximo uma semana. Se o paciente é hepatopata grave dar preferência ao lorazepam (meia-vida mais curta). Pode repor vitamina IM ou oral, repor tiamina caso o paciente tenha evidência de deficiência. Na abstinência grave é preciso internar. O tratamento é com benzodiazepínico, repor tiamina e hidratação venosa. O delirium tremens é uma abstinência alcoólica grave. O delirium é um quadro agudo, com origem orgânica e que se manifesta como uma alteração de consciência. Existem deliriuns hiperativos, hipoativos (pior prognóstico) ou mistos. Sobre o tratamento da dependência, existem algumas medicações. O dissulfiram, quando o indivíduo bebe estando em uso, passa muito mal. Isso gera uma aversão. Tem a naltrexona, que é um antagonista opióide. O álcool atua em vias opióides endógenas. Parte do prazer relacionado ao uso do álcool se relaciona à ativação opióide. Quando usa a naltrexona, perde- se o prazer do uso. Outro medicamento usado muito é o topiramato. Ele é usado para quadros compulsivos de uma maneira geral. Sobre a intoxicação aguda por cocaína/crack, quem morre por uso de cocaína é por causa principalmente de IAM. Paciente jovem que chega com dor precordial, especialmente típica, até que se prove o contrário é por uso de cocaína. O risco maior de fazer IAM é no usuário pouco experiente. O tratamento é basicamente suporte sintomático. Uma questão polêmica é 22 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 usar betabloqueador nesse paciente ou não, pois pode induzir espasmo coronariano. Para a abstinência, não há nenhuma medicação que seja válida, então é mais medida de suporte. Para a dependência há o topiramato (usado em compulsões de maneira geral), ou o próprio dissulfiram (não é nesse caso uma droga aversiva, mas parece aumentar dopamina no cérebro). Um dos motivos que faz uma substância ter um poder aditivo, ser capaz de gerar dependência, é ela agir sobre o sistema de recompensa do cérebro, circuito esse que é medidado por dopamina. O uso do dissulfiram na cocaína faz diminuir o prazer associado ao uso. E existe a modafilina. Ela é um estimulante não anfetamínico, que também é usado para dependência de cocaína e crack. 23 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 TRANSTORNOS MENTAIS E DE COMPORTAMENTO NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA Existe uma prevalência de 12% de transtornos mentais na infância. É muito comum que haja continuidade na idade adulta. Metade dos transtornos na idade adulta já estavam presentes na infância. Ela pode ter uma continuidade que muda a apresentação (de um transtorno de ansiedade de separação para um transtorno de pânico ou depressão, por exemplo). Uma complicação é que para o tratamento de transtornos na infância é preciso uma equipe multidisciplinar, o que nem sempre está disponível. Existe uma vulnerabilidade genética relacionada aos transtornos mentais (se os pais têm algum transtorno, a criança tem duas vezes mais chance de ter), mas o ambiente também é importante. É preciso conhecer os marcos do desenvolvimento, lembrando que o desenvolvimento nem sempre é linear (por exemplo, quando nasce um irmão ou os pais se separam pode haver uma regressão). Os sintomas na criança nem sempre significam um transtorno (podem ser inerentes ao desenvolvimento, reativos ao ambiente ou manifestações psicopatológicas). É preciso relacionar as manifestações comportamentais com a etapa do desenvolvimento (um determinado comportamento pode ser normal em certa idade e não ser em outra). Existe a síndrome normal da adolescência. É um momento de busca de si mesmo e da identidade. Há uma tendência grupal, necessidade de intelectualizar e fantasiar, crises religiosas, deslocalização temporal (o tempo é agora), evolução sexual, atitude sexual reividincatória, contradições sucessivas, separação progressiva dos pais, flutuações do humor. Essa flutuação não significa depressão. Na depressão vem a tristeza, o desânimo, dificuldade de memória como no adulto, mas é comum o adolescente ter irritabilidade. Também nem sempre vem insônia, mas sonolência excessiva, às vezes vem aumento de apetite em vez de diminuição. É importante observar a capacidade adaptativa da criança, que é a capacidade da criança de se comportar de forma adequada à idade dela. Isso é importante porque a definição de retardo mental é um déficit da capacidade adaptativa associado a um déficit da capacidade intelectual, ocorrendo antes dos 18 anos. As crianças com autismo também costumam ter déficit da capacidade adaptativa. Existem dois grandes grupos de transtornos mentais da infância na classificação do CID-10. Os primeiros são os transtornos do desenvolvimento psicológico. São aqueles que acontecem quando a criança está se desenvolvendo, sem um período prévio de normalidade (a criança não fala, não aprende a ler). São os transtornosespecíficos do desenvolvimento da fala e linguagem, transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares e os transtornos globais do desenvolvimento (ou transtornos do espectro do autismo). Eles têm em comum acometer o desenvolvimento, eles aparecem quando aquelas funções deveriam estar sendo adquiridas e a criança apresenta o déficit. Por outro lado, existem os transtornos emocionais e de comportamento com início ocorrendo usualmente na infância e adolescência. Entre eles existem os transtornos emocionais com início específico na infância, onde se encaixa o transtorno de ansiedade de separação. Existem ainda os transtornos hipercinéticos, transtornos de conduta, transtornos de funcionamento social (por exemplo, o mutismo eletivo, em que a criança só não fala em determinadas 24 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 ambientes, embora ela saiba falar), transtornos de tique. Pode haver um período de desenvolvimento normal, e em determinado momento os sintomas aparecem. Os psicofármacos fazem mais efeito nesse grupo de transtornos. No outro grupo são fundamentais a psicologia, fonoaudiologia, entre outros profissionais. Autismo infantil Quando se fala em transtornos globais do desenvolvimento, transtornos invasivos do desenvolvimento ou transtornos do espectro do autismo está se falando da mesma coisa. São transtornos em que há atraso e desvio nas habilidades sociais, comunicativas e em outras habilidades. Há atraso na linguagem, na comunicação social, na interação, na função imaginativa. São atrasos globais, invasivos, que não é específico. Essas condições podem estar associadas ou não ao retardo mental. Se a criança tem autismo, cerca de 70% delas têm um retardo mental associado. O retardo associado é sinal de pior prognóstico. Outros transtornos do espectro do autismo, como a síndrome de Asperger, já não têm essa associação com o retardo mental. Nos transtornos do espectro do autismo, existe o autismo, a síndrome de Asperger e tem aqueles quadros que não são específicos, não preenchendo critério para um nem para outro. No autismo vai existir uma série de características que preenchem 3 núcleos: comprometimento da interação social, comprometimento da comunicação e repertório restrito de comportamentos e interesses. Há uma dificuldade para interagir, e isso é fundamental. O déficit principal é na capacidade interação. Ela tem dificuldade de usar as formas não verbais de comunicação. Geralmente ela mantém a mesma mímica social. Fracasso em relacionamentos, ausência de prazer compartilhado (é um dado muito precoce, que se desconfia quando a criança tem 6 a 12 meses: a criança olha pros pais quando vê algo interessante, ou aponta, ela se comunica pelos gestos mesmo que ainda não saiba falar; isso é deficitário na criança autista), ausência de reciprocidade social. Há atraso da linguagem (a criança demora a começar a falar), prejuízo para iniciar uma conversa, linguagem esteriotipada, ausência de imitação. Ela tem padrões esteriotipados de interesse, adesão à rotina, maneirismos, preocupação com partes de objetos. A criança pode ter hipersensibilidade ao toque, ou a estímulos auditivos, e pode ter hipossensibilidade a outros estímulos, como a dor. Em relação ao atraso na linguagem, se a criança passou de um ano e meio e ela não fala palavras, ou dois anos e meio e ela não fala frases, é preciso encaminhar para um especialista. Na síndrome de Asperger, o quadro tem um melhor prognóstico. Essa criança interage mais. O déficit é uma interação disfuncional. Ele fala bem, não tem atraso no desenvolvimento da linguagem. A linguagem dele é formal, com um tom de voz que se mantém. As outras crianças acham ele estranho. Essa criança tem bom rendimento. Ela é muito curiosa sobre um tema e sabe tudo sobre esse tema (é muito característico dinossauro). É muito típica a ingenuidade social (não percebe que a outra pessoa está reagindo mal). O tratamento é com psicologia, fonoaudiologia. Psicofármacos serão usados quando tiver algum comportamento que é disfuncional, como se em algum momento ele está se autoagredindo, ou está inquieto demais ou com insônia. Esse psicofármaco será usado por tempo limitado. Os neurolépticos são os mais utilizados, e entre eles o mais eficaz é a risperidona, para esse tipo de comportamento impulsivo, agressivo. Na atenção primária, encaminhar para atendimento especializado, acompanhar as intervenções educacionais (é 25 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 comum que os pais comecem e depois parem o tratamento), orientar a família, identificar sinais de abuso e negligência, e manutenção da psicofarmacoterapia. Transtorno hipercinético (TDAH) É mais comum em meninos. A probabilidade de ocorrência em filhos é 4 a 5 vezes maior (se o pai tinha a chance do filho ter é 4 a 5 vezes maior). Existem 3 grupos de sintomas: hiperatividade (agita as mãos, os pés ou se remexe na cadeira, levanta-se da cadeira na sala de aula, corre ou escala em situações impróprias, tem dificuldade para se manter em silêncio, está “a mil”, fala em demasia), impulsividade (dá respostas precipitadas antes que as perguntas tenham sido formuladas, tem dificuldade para aguardar sua vez, interrompe ou se intromete em assuntos alheios) e desatenção (na verdade é um déficit na capacidade de se concentrar, é uma falta de filtro para estímulos que interessam e que não interessam, mas ele tem a capacidade de perceber estímulos variados maior do que a nossa; não presta atenção a detalhes em atividades escolares, tem dificuldades para manter a atenção em tarefas, parece não ouvir, não segue instruções e não conclui seus deveres, tem dificuldade para organizar atividades, evita tarefas que exijam esforço mental, perde objetos necessários para as tarefas, é facilmente distraído por estímulos, apresenta esquecimento em atividades diárias). A criança tem inteligência adequada, mas tem falta de atenção. Não há comprometimento da capacidade cognitiva, mas o déficit de rendimento é secundário à desatenção. O tratamento da criança que tem TDAH tem como primeira linha a orientação dos pais, a psicoterapia, e só vai pensar em intervenção psicofarmacológica se a criança tem mais de 6 anos e tem um prejuízo que justifique entrar com medicação. O metilfenidato (Ritalina®) é o medicamento mais eficaz no tratamento do TDAH, e só pode ser usado a partir dos 6 anos. Existe a Ritalina® comum, que dura 4 horas, a LA, que dura 8 horas, e o Concerta, que dura 12 horas. Inicia-se o tratamento com a comum de 10mg. Começa-se com meio comprimido antes do horário da escola. Se ela se adaptou bem, passa para um comprimido. É importante fazer após a alimentação porque um dos efeitos colaterais é a redução do apetite. Não pode ser usado à noite, porque a insônia é outro efeito colateral. A frequência de efeitos colaterais para quem não tem TDAH é muito maior, além do risco de dependência (a dose usada para a criança não tem risco de dependência). A maioria das crianças vão evoluir favoravelmente à medida que crescem. Vai diminuindo a hiperatividade, a impulsividade, e quando permanece, permanece mais a desatenção. Somente 15% vão permanecer na vida adulta com o quadro completo. A maioria melhor, e muitos melhoram completamente. Na vida adulta se trata da mesma forma que na infância, com o metilfenidato. Para saber se a criança melhorou, costuma retirar o medicamento durante as férias, e espera o início das aulas para ver se ainda precisa. 26 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 URGÊNCIAS PSIQUIÁTRICAS Antigamente, quando um paciente tinha um surto psiquiátrico, ele era internado. O hospital era o centro de todo o tratamento psiquiátrico. Com a reforma psiquiátrica houve uma perda desse hospitalocentrismo, e o paciente psiquiátrico passou a ser tratado na comunidade, sem precisar ser excluído da sociedade para ser tratado. A UAPS vai identificar esse paciente na
Compartilhar