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George Simmel - Coleção Grandes Cientistas Soc

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FORMALISMO SOCIOLÓGICO E A TEORIA
DO CONFLITO
1; Vida e época. Georg Simmel nasceu em Berlim, a 1.° de março
de 1858, no seio de uma família judia. Seu avô, Isaak Simmel, natural
de Dyhernfurth, era um comerciante bem-sucedido. Deslocou-se para
Breslau, onde por volta de 1840 recebeu o título de cidadão dessa cidade.
Seu fio, Edward, pai de Georg Simmel, nasceu em Breslau em 1810,
vindo a dedicar-se também ao comércio, sob a firma "Felix und Barotti",
como fabricante de chocolate. Casou-se muito jovem, em 1838, com
Flora Bodstein, da mesma cidade, também de família judia, Simmel foi
o mais jovem, o último, de sete irmãos, um menino e cinco meninas.
Falecendo-lhe o pai em 1874, um amigo da família, dedicado a negócios
de edições musicais, Julius Friedlãnder, foi nomeado seu tutor, Muito
representou este tutor na formação espiritual de Simmel e no seu amor
pelas coisas das artes e da música, Com sua morte, herdou Simmel uma
herança considerável, que lhe permitiu entregar-se à carreira académica,
sem qualquer dependência económica a alguém ou a uma instituição,
A sua dissertação doutoral (1881) é oferecida a esse bom tutor, "com
gratidão e amor". -
Seus pais eram convertidos ao protestantismo, e nessa religião foi
Simmel batizado, sem que chegasse em qualquer época a dedicar-se a
alguma prática judaica, Quando de sua inscrição à dissertação doutoral,
deixara escrito no seu currículo em latim: "Fidem profiteor evangelicum".
Ingressara Simmel na Universidade de Berlim, com dezoito anos de idade,
matriculou-se a princípio nos cursos de história, passando pouco depois
8 9
para os de filosofia, a despeito de haver sido aluno do grande Theodor
Mommsen, que muito o impressionara, Foram seus professores univer¬
sitários, nas duas carreiras: Theodor Mommsen, Johann Droysen,
Heinrich von Sybel e Heinrich von Treitschke, em história; Moritz
Lazaras, Hajim Steinthal e Adolf Bastian, em psicologia e etnologia;
Friedrich Harms e Edward Zeller, em filosofia; Herman Grimm, em
história da arte, Recebeu o título de doutor em filosofia, no ano de
1881, com uma dissertação sobre A natureia da matéria segundo a
monadologia física ié Kant, de 34 páginas. Como contribuição "minor",
coube-lhe escrever sobre Petrarca,
1,1, Permanecendo em Berlim depois de diplomado, foi designado
quatro anos mais tarde, em 1885, Privatdomt na universidade, função
que ocupou até 1900, por longos quinze anos, Livre-docente, ou confe¬
rencista, nada recebia Simmel diretamente dos cofres da instituição, Seus
ganhos, parcos e aleatórios, limitavam-se à contribuição das taxas dos
alunos inscritos em seus cursos, Promovido a Ausserordentlicher Professor
(professor extraordinário), já aos 42 anos de idade, em nada se alterou
a sua situação de marginalidade nos quadros permanentes da universidade.
Como o anterior, esse novo cargo era também de natureza puramente
honorífica, sem qualquer segurança administrativa nem financeira, Exer-
ceu-o Simmel por mais catorze longos anos, No ano em que começava
a guerra, foi ele convidado, finalmente, para titular da cátedra, em tempo
integral, na Universidade de Estrasburgo, cargo que desempenhou até
a sua morte, de câncer de fígado, a 28 de setembro de 1918.
Casara-se Simmel em 1890 com Gertrud Kinel, moça de cultura,
diplomada pela universidade e filha de pais católicos, que não lhe deu
filhos.
1.2, Tema obrigatório de todos os biógrafos de Simmel é o que
diz respeito à sua marginalidade ou à sua inexpressividade oficial diante
da vida universitária alemã, notadamente perante a Universidade de
Berlim, na qual se formou e na qual se iniciou como professor, Antes,
porém, de discutirmos as possíveis causas, é indispensável compor o
quadro político, social e cultural dos fins dos oitocentos e as duas pri¬
meiras décadas dos novecentos, século atual, Os anos da virada do
século foram de grande criatividade espiritual na Europa Central, Basta
recordar, como o faz Donald Levine, que foi a época que assistiu nascer
a psicanálise, a teoria da relatividade, o positivismo lógico, a fenome-
logia, a música atonal e muitas outras manifestações literárias e
filosóficas,
Em Berlim levava-se uma vida de grande estilo cultural e de muita
agitação espiritual e artística, Paul Honigsheim detém-se nessa heteroge¬
neidade de grupos, instituições e movimentos culturais da época, Desta-
cavam-se:
A velha Prússia, representada pelos proprietários feudais, dominava o
exército, a alta administração e a igreja protestante oficial, conservadora
e com concessões ao anti-semitismo.
Artesãos e lojistas conservadores, protestantes, que aspiravam a uma
sociedade pré-capitalista, organizada em corporações, Manifestavam-se
contra o capitalismo, a economia monetária e os judeus, como represen¬
tantes máximos dessa economia,
Os novos industrialistas e comerciantes, que procuravam imitar os senho¬
res feudais, encaminhando seus fios para a cavalaria e fazendo-os mem¬
bros de organizações estudantis de duelo, Admiradores de Bismarck,
eram favoráveis ao nacional-liberalismo,
Os liberais de esquerda, com influência somente no plano municipal,
Com simpatia para certas manifestações do protestantismo, inclinavam-se
de modo geral para o naturalismo e o realismo, fazendo aliança, não
raro, com os socialistas,
Os socialistas reformistas, não marxistas, recrutados entre os líderes sin¬
dicais e de movimentos cooperativistas. Sua concepção do mundo se
aproximava muito da anterior, dos liberais de esquerda.
A Universidade de Berlim, na qual se concentravam as grandes cabeças
da época, era elitista e dava status a quem a frequentava. "Tomou-se,
diz Honigsheim, uma posição da moda e muito distinta para os filhos
dos bem-sucedidos homens de negócios," Em história, dividiam-se entre
Ranke e Treitschke, voltados para a política externa e os grandes esta¬
distas e generais. Schmoller era a figura dominante na economia, com
grande ênfase também dada aos estudos estatísticos, Não se ensinava
sociologia, sendo, pelo contrário, já antiga a tradição universitária do
ensino da psicologia, a princípio matemática, logo depois experimental,
com destaque para Wilhelm Wundt e Carl Stumpf. Em filosofia, ninguém
superava Dilthey, na melhor tradição do idealismo alemão.
A cultura não-oficial de Berlim, de concepção materialista e mecanicista,
tinha em Virchow um representante bem significativo, Com os esquer¬
distas liberais e os socialistas, via na ciência natural "a religião de nossa
época" e difundia a literatura realista de Zola, Ibsen, Bjõrnson e Suder-
mann, Incluía-se nesta cultura Julius Lippert, grande popularizador do
darwinismo social,
O protesto anti-racionalista contra a urbankação, o racionalismo e o
materialismo, vindo desde o romantismo alemão, passando por Scho¬
penhauer e Nietzsche. As duas figuras mais representativas deste movi-
10 11
mento foram Julius Langbehn, cognominado o "Rembrandt alemão"
e o poeta Stefan George,
Pois bem, Simmel . começou pela "cultura não-oficial de Berlim"
e terminou nos movimentos anti-racionalistas, sendo amigo pessoal de
Stefan George, a quem dedica um dos seus últimos livros, No início de
sua carreira, Berlim e a sua universidade eram grandemente anti-semitas,
sofrendo Simmel por ser judeu, e assim discriminado, Por outro lado,
não se identificava profundamente com nenhum dos grupos e movimentos
então reinantes, Politicamente, não estava com a centralização imperial
nem com o liberalismo capitalista, nem muito menos com o socialismo.
Nos seus dois primeiros livros (1890 e 1892-3), sobre a diferenciação
social e a moral, andava Simmel bem próximo dos pensadores liberais
independentes, darwinistas e progressistas, Adotando um certo indivi¬
dualismo ético, negava o império absoluto da norma ética, cujo critério
devia ser autonômico, antí-racionalista e subjetivo, A ética existe, à
maneira nietzschiana e vitalista, para servir à vida, como manifestação
da própria existência,
1,3, De ascendência judaica, não considerava o protestantismo
como possível alternativa; livre-pensador e crítico dos valores dominantes
nasua época, não se enquadrava Simmel dentro dos rígidos padrões da
vida nacional e universitária do seu tempo, É bem verdade que, no
fim da vida, quando em Estrasburgo desenvolveu - como em outra
parte fazia Weber -uma intensa campanha belicista, a favor do esforço
de guerra da Alemanha. Deu-se inteiro a estes propósitos, com confe¬
rências, discursos, artigos, ensaios de toda sorte, mais tarde reunidos
em livro, .
Escritor prolífico, entregue aos mais variados assuntos, faltava-lhe
uma certa disciplina académica, Tinha-se a impressão de um diletante,
muito inteligente e culto, verdadeiramente enciclopédico, brilhante, mas
ciscador dispersivo de vários terrenos, Foi inegavelmente um grande
conferencista, prendendo e empolgando o seu auditório - como o de
Bergson em Paris, -predominantemente feminino, Gassen e Landmann
transcrevem, na íntegra, uma carta de Simmel a Max e Marianne Weber,
na qual lamentava não terem estes conseguido uma cátedra para ele em
Heidelberg, mas os motivos não lhe haviam causado nenhuma surpresa;
"Em certos círculos, dizia ele, existe a impressão de que sou exclu¬
sivamente crítico, até mesmo um espírito destrutivo, e que minhas con¬
ferências levam unicamente à negação, Talvez eu não precise lhe dizer
que esta é uma inverdade abominável. Minhas conferências, como meu
inteiro trabalho de muitos anos, tendem exclusivamente em direção
positiva, para a demonstração de uma mais profunda compreensão do
mundo e do espírito, com uma total renúncia de polémica e de crítica
a respeito de teorias e condições divergentes, Quem compreende minhas
conferências e livros em geral, não pode compreendê-las de outra forma,
No entanto, essa opinião existe há muito tempo, É meu destino. E
estou convencido de que a 'disposição desfavorável' do Ministro se refere
a alguma comunicação de Berlim".
Suas conferências abrangiam, praticamente, todos os aspectos da
filosofia, desde a lógica e a teoria do conhecimento até à ética e à
metafísica, passando por temas de estética, Psicologia e sociologia, filo¬
sofia da história e religião incluíam-se no seu universo de interesse
universitário, Não devem ser esquecidas as suas grandes biografias, de
Goethe, Schopenhauer, Nietzsche, Rembrandt e Kant, Emil Ludwig, que
foi seu ouvinte, compara-o a um dentista no aprofundamento do assunto,
até atingir o próprio nervo da matéria em debate, George Santayana
escrevia da Alemanha para William James, dizendo-lhe que tinha "desco¬
berto um Privatdozent, Dr, Simmel, cujas conferências me interessam
muito", Entregue a esse seu mundo cultural, ao contrário de Weber e
da maioria dos seus colegas de profissão, nunca se interessou Simmel
pela política partidária, nas suas manifestações concretas do dia-a-dia,
embora sempre se mantivesse atualizado com os acontecimentos polí¬
ticos e sociais do seu tempo,
Como já dissemos, foi das mais ricas culturalmente a vida dos Impé¬
rios centrais na virada do século e nos anos que antecederam à guerra
de 14, Simmel privou da amizade desses grandes espíritos, Com Weber
e Tõnnies, fundou a Sociedade Alemã de Sociologia, As famílias Weber
e Simmel mantinham cordiais relações de amizade, com visitas recíprocas,
Foi também amigo pessoal de Stefan George e Rainer Maria Rilke,
correspondendo-se com Heinrich Rickert, Edmund Husserl e Adolf von
Harnack, que muito se esforçaram, juntamente com Max Weber, por
melhorar a situação universitária de Simmel, sem sucesso, Correspon-
deu-se também com o escultor Auguste Rodin. Virtuose da palavra e
do espetáculo, dele diz Lewis Coser, seu grande admirador: "Simmel
was somewhat of a showman"1,
1Para a vida e época de Simmel, a contribuição mais importante ainda é o livro
editado por Gassen e Landmann (Textos principais sobre G. Simmel: 1958è),
no qual nos socorremos do ensaio deste último "Bausteine zur Biographie" (11-33),
Nele se encontra a carta de Simmel aos Weber (127-8).
Para a questão da universidade, Coser (1971a) é exaustivo, E, de modo geral,
para os temas tratados neste item 1, podem ser vistos: Spykman (1925a); Wolff
(1950), Honigsheim (1953), Wolff (1959), Martindale (1961), Giddens (1971)
e Strasser (1978). •
12
2. Obra e ideias gerais. Ao contrário do que aconteceu a Dilthey
e a Tonníes e, de certa maneira, também a Weber, Simmel teve a sua
obra divulgada em línguas francesa e inglesa - notadamente nesta
última -desde os seus primeiros escritos, Muitos dos seus artigos eram
publicados ao mesmo tempo no original e em tradução, sendo que
alguns deles apareceram antes em tradução americana, anunciando ser
parte de livro em vias de publicação na sua língua pátria, Sem nunca
haver viajado para a terra de Small, seu principal divulgador em língua
inglesa - viagem levada a efeito por Sombart e Weber - era tão
conhecido nos Estados Unidos e mesmo na França como um natural
desses países,
Seu estilo e sua maneira de escrever muito o ajudaram nessa divul¬
gação, Praticamente, não há um só comentarista seu que não lhe elogie
o talento e o brilho, qualidades positivas, sem dúvida, mas traiçoeiras
no trato das coisas da ciência. De formação filosófica e literária, alta¬
mente criativo, dotado de grande imaginação, era-lhe fácil deixar-se
levar livremente pelos temas estudados sem pressa de concluir nem de
resumir a matéria tratada, Versátil, prolífico, deixou mais de 200 artigos
e cerca de 20 livros, alguns de grande fôlego, Como veremos adiante,
imensa foi a sua influência no campo das ideias sociológicas, principal¬
mente nos Estados Unidos, Para se ter uma exata noção desse deslumbra¬
mento verba! e intelectual, basta uma meia página de adjetivos utilizados
por seus expositores: "o homem mais sutil da Europa em 1910" (Ortega
y Gasset); "engenhosidade crítica" (Bouglé); "ideias engenhosas", "vis¬
tas picantes", "aproximações curiosas" (Durkheim); "riqueza de dedu¬
ções psicológicas", "ensaios sugestivos", "brilhante moralista" (Bouglé);
ensaios "engenhosos e finos" (Cuvillier); "brilhantíssimo" (Ayala); "bri¬
lhante" (Becker e Boskoff); "belo estilo sutil" (Salomon); "sutil"
(Mannheim); "sinuoso e brilhante" (Aron); "personalíssimo" (Freyer);
"genial" (Caso); "vivo e acolhedor" (Bréhier); "agudo e surpreendente",
"imaginação e espírito inovador", "fascinante imaginação", "fantasia e
fascínio" (Martindale); "homem inteligente e bem dotado" (Lukács);
"delicia no elegante espetáculo de idéias" (Coser); "análises sutis e
penetrantes" (Banfi), Também Fernando Henrique Cardoso e Octávio
Ianni referem-sauem texto,jiq .qual se encontra "todaja beleza que é
possível extrair da análise de sutilezas".
Ortega y Gasset, que foi seu aluno em Berlim nos primeiros anos
do século e que elaboraria um perspectivismo existencialista muito pró¬
ximo do seu relativismo e da sua filosofia da vida, comparou-o de certa
feita a um "esquilo filosófico", que "aceitava o assunto que escolhia
como uma plataforma para executar sobre ela seus maravilhosos exercí-
13
cios de análise", Do seu livro sobre Nietzsche, achava-o escrito com
"a agudeza que lhe é peculiar, mais sutil que profunda, mais engenhosa
que genial" \ Mas sempre, ao lado da restrição, nunca deixa de aparecer
o elogio ao seu talento, à sua agudeza e à sua percuciência analítica,
Simmel, com a multiplicidade dos seus escritos, como que representou,
segundo lembra Heinz Maus, uma grande riqueza das mais diversas
sugestões, que ainda hoje podem ser exploradas, Segundo Herman
' Schmalenbach, citado por Maus, a obra de Simmel
"interfere com todos os movimentos da nossa total vida intelectual, de
tal modo que uma mera filosofia técnica não pode alcançar, Em
seu conteúdo, também, Simmel significa a verdadeira representação
filosófica de nossa idade".
Mas, a despeito dessa observação, transcreve Maus essas duras palavras
de Ernsí Bloch, que também era membro do círculo de Max Weber:
"Simmel tem a mais refinada inteligência entre todos os seus contem¬
porâneos, Mas, fora disso, é totalmente vazio e sem objetivos, desejando
tudo exceto a verdade, Ele é um compilador de pontos de vista ccm os
quais rodeia a verdade,sem nunca pretender ou estar apto a possuí-la,
Consome-se a si mesmo em muitos vivos e ocasionais fogos e na maioria
das vezes fascinando com um sempre repetido aparato metodológico
pirotécnico, com o qual rapidamente nos aborrecemos. Ele é coquete
sem nunca mostrar suas verdadeiras cores, e é, ao todo, inteiramente
sem vontade e incompetente para fazer repousar sua metodologia sensi¬
tiva - que sempre caminha em círculos - sobre uma objetividade
compreensiva, amplamente contextual",
O texto de Bloch é ainda mais extenso e severo. Limita-se Maus
a dizer que "talvez tudo isso seja verdade". Mas procura justificar
Simmel, pelo que ele representa, em sensibilidade e inteligência, para
as correntes culturais da Alemanha do seu tempo, em defesa da liber¬
dade espiritual do indivíduo. E isso ele o fazia, como que com a ponta
do lápis, em rápidos e inquietos desenhos, Sabia ele - e o escreveu
em seu diário - que morreria sem deixar herdeiros espirituais, e com¬
pleta: "Isto é bom", Ernst Troeltsch admitia como muito leve a sua
ascendência sobre os historiadores, "Sua influência, concluía, ficou como
2 Cf, Ortega y Gasset, J, Obras completas. Madri, Revista de Occidente, 1947.
t. IV, p. 398; 1946, 1. 1, p, 92, Coser gosta muito dessa imagem de "esquilo
filosófico", pulando de ideia em ideia como de noz em noz. Cf, Coser, 1971a,
p. 199; e, juntamente com Nisbet, Robert, The idea of social structure. Papers
in honor of R. K. Morton. Org, por L, A, Coser, Nova York, Harcourt Brace
Jovanovich, 1975, p, 5.
14
uma influência sobre a atmosfera geral, fazendo-se. sentir particularmente
entre os jornalistas mais sofisticados," 3
2.1, Veremos, ao final, os exemplos mais flagrantes da influência
simmeliana na sociologia contemporânea, Por outro lado, dada a sua
maneira de escrever sem referência às possíveis fontes, sem citação de
autores nem de livros, nem sempre é fácil apontar-se a filiação de suas
próprias ideias, Como o denuncia a escolha do tema da sua dissertação
doutoral (1881), imensa e permanente foi a influência de Kant sobre
as suas ideias, Neokantiano, incluiu-se Simmel na corrente dominante no
pensamento alemão a partir do último quarto do século passado. O
dualismo forma e matéria nunca o abandonará e estará sempre presente
em todos os seus escritos - de moral, de filosofia, de história, de
estética, Por outro lado, no entanto, estava Simmel também profunda¬
mente mergulhado na atmosfera espiritual de Berlim e da sua univer¬
sidade, A Volkerpsychologie de seus mestres Lazaras, Steinthal e Bastian
está bem presente, com o seu psicologismo, nas suas primeiras obras
até 1900. Os exemplos etnológicos à Bastian, um certo evolucionismo
darwinista, aí também se fazem sentir, Mesmo na Soziologie, de 1908,
não deixa de aparecer um exemplo ilustrativo de índio brasileiro, Falando
do jovem Simmel, esclarece Honigsheim:
"Os grupos mais próximos dele eram os pensadores liberais inde¬
pendentes, os darwinistas e os progressistas, fora da universidade. Simmel
abraçou suas opiniões, mas somente em certa extensão e por um curto
período, como mostram duas das suas publicações mais antigas: o breve
Uber soziale Diffmmng de 1890 e os dois volumes Einleitung in
die Moralwissenschaft de 1892-93" 4.
Muitas das concepções simmelianas posteriores já aqui se encontram
-sua base psicológica, o dualismo forma-matéria, a noção de interação e
de sociação como processo social básico, inclusive, a filosofia da vida,
3 Cf. Maus, H, Simmel in german sociology, In: Wolff, K, H., 19596, p. 194-6.
A opinião de Ernst Bloch encontra-se em Geisl der Utopie, Miinchen, Duncker
& Humblot, 1918, p, 246-7. Não .achamos o texto na edição que possuímos de
1923, "revista e modificada", Nesta refere-se ele a Simmel, no qual "são somente
pintadas as franjas coloridas, nervosas, da vida, as puras impressões",
Mora, J, Ferrater, (1941a) escreve em defesa de Simmel: "Em vez de ser ele.
acusado de que era pouco sistemático e académico, reconheceu-se que era bastante
original e amigo de caminhos pouco trilhados. O 'ensaio filosófico' de Simmel
apareceu logo, em suma, não como um modo de fazer 'literatura' com a filosofia,
e sim como um modo diverso de fazer filosofia".
4 Honigsheim, P, The time and thought of the young Simmel; A note on Simmel's
anthropological interests, In: Wolff, K, H, 19596.
sua fase final,, já no ano de sua morte, Fazendo algumas restrições ao
darwinismo biológico e social, já dava preferência ao vitalismo de Hans
Driesch, em detrimento da psicologia quantitativista de Wundt e de
Stumpf,
Para ele a ciência da moral, como capaz de pesquisas cientí¬
ficas e positivas, encontra-se em três outras ciências humanas: na psico¬
logia, na sociologia e na história, Pelos métodos da primeira, analisa os
atos voluntários, os sentimentos e os juízos individuais, cujos conteúdos
têm ou não um valor moral, Como parte da sociologia, distingue as for¬
mas e os conteúdos da vida em sociedade, que são unidos com o dever
moral do indivíduo por uma relação de efeito a causa ou vice-versa.
Finalmente, como parte da história, pelas duas vias indicadas, deve ela
conduzir toda a representação moral, dada a sua forma original e todo
o desenvolvimento desta representação às influências históricas que a
determinam. Por isso mesmo, deve ser rejeitada desde logo qualquer
tentativa de monismo ético, "pecado original de todas as teorias abstratas
da moral". A idéia do dever, como absoluto, fica privada de qualquer
fundamento lógico. É a história que se incumbe de dar conteúdo às
formas vazias da lógica, e é o sentimento íntimo do indivíduo que lhe
permite distinguir o real do ideal, A ontologia não pode explicar o
processo histórico, este é que pode explicar aquela, A personalidade do
indivíduo encontra-se entrecruzada por numerosos círculos sociais, que
lhe condicionam a consciência moral, Por isso mesmo a realidade escapa
às abstrações, como meros ideais, da ética formal. O pior inimigo da
ciência da moral é a própria moral, Para Simmel - e aqui já aparecem
as primeiras afirmações de seu relativismo filosófico, - "todos os valo¬
res morais, atuais ou passados, são, aos olhos da história, igualmente
relativos, isto é, cada um deles é, em certo sentido, um absoluto" 5,
2,2, Em 1892 viria à luz Problemas da filosofia da história, em
que essas mesmas ideias são sustentadas, Dentro da linha de Dilthey,
Windelband e Rickert, não admite Simmel a história como ciência natu¬
ral, causal. O objeto do conhecimento histórico é o fato histórico, mas
este, diferentemente do fato da ciência natural, encontra-se no passado,
5 Breve súmula das principais ideias dos ensaios de Simmel, de 1890 e 1892-3,
Neste último - v. II, 1893, - já às voltas, como sempre, com os conceitos
básicos de forma e conteúdo, não deixa de escrever, p. 309: "A categoria de
conteúdo e forma é uma das mais relativas e subjetivas em todo o campo do
pensamento, O que, de.um ponto de vista, é forma, de outro, é conteúdo, e a
oposição conceituai entre ambos se apaga, muitas vezes, ao ver-se mais de perto,
em distinção apenas gradual entre a determinação geral e especial".
16
e não pode ser diretameníe observado, Esse fato terá de ser reconstituído
pelo historiador, diante dos documentos e de outros elementos auxiliares,
Como espírito e dotado de personalidade humana - e o objeto da
história são também as obras humanas, -constrói o historiador em sua
mente a imagem do passado, que lhe é subjetiva, e, para ele, verdadeira,
Os dados da história, como realidade empírica, pertencem à experiência
histórica do indivíduo, Para Simrael, assim, "a psicologia é o a priori
da ciência histórica", Não há propriamente leis históricas, que supõem
a ação de fatores objetivos constantes, Diversas são as interpretações
da realidade histórica, sem que qualquer delas possa ser chamada de
falsa, pois muita coisa ainda permanece no domínio da fé, A fim de
que a seleção dos fatos históricos não se torne arbitrária e meramente
subjetiva, joga Simmel com a noção do "umbral da consciência histó¬
rica", Isto é, só merecemo nome de fatos, significativos, aqueles que
penetram esse umbral, por numerosa série de consequências, e pela re¬
percussão social dentro da própria continuidade histórica, O aconteci¬
mento isolado, como registra Aron, sem efeito aparente, fica aquém do
umbral da consciência histórica, O único critério para apreender a reali¬
dade histórica e o seu sentido é a compreensão de sua totalidade9,
Criticando o materialismo histórico, nega-lhe Simmel este caráter,
reduzindo-o, quase ingenuamente, a motivos de índole psicológica:
"O que o materialismo histórico parece oferecer antes de tudo é
uma explicação psicológica dos acontecimentos históricos segundo um
só e mesmo princípio, E se Marx afirma expressamente que a fome
em si não constitui a história, isso não impede que as condições de
produção e de troca não possam bastar para fazê-lo, se a fome, pelo
fato que faz sofrer, não se encontrasse lá como força de impulsão, Eis
por que a designação de materialismo presta-se a erros, , , Materialismo
poderia significar somente dependência da história, em última instância,
de energias que nada têm de psíquicas, Mas isso precisamente está em
contradição com o próprio conteúdo da doutrina que dá à história
motivos eminentemente psicológicos" 7.
8 Simmel, 1892, Sua exposição em Aron e Mandelbaum (1938a e b) e em
Bauer, W. Introduction al estúdio de la historia. Trad, de L, G, de Valdeavellano,
Barcelona, Bosch, 1944, passim,
7 Escreve na p, seguinte: "Mas, 'reconhecendo que o valor do método considerado
do ponto de vista da teoria do conhecimento é ilusório, não se diminui em nada
o grande valor que ele tem na prática para as pesquisas históricas, revelando
novas relações causais", Conclui: "Ele só possui o valor de uma hipótese psico¬
lógica, - oÿ'que, aliás, longe dé diminuir sua importância, não faz senão aumen¬
tá-la", Cf, Simmel, 1892, p. 111-6 et seqs,
Ora, por essa argumentação - e Simmel se utiliza dela em numerosas
outras oportunidades de sua obra -, tudo na vida, todas as ciências,
naturais e humanas, se reduziriam à psicologia, porque tudo, afinal de
contas, é produto da mente humana. , .
2,3, Pouco depois, em 1895, publicou Simmel um ensaio -Dber
eine Beziehung der Selektiontheorie zur Erkenntnistheorie" -, no qual
negava a possibilidade da verdade absoluta. Pelo contrário, a verdade
só é válida pelo que dela resultar de útil e prático, de eficaz para a
espécie humana, isto é, as representações verdadeiras nascem pela sele¬
ção. Esta concepção pragmatista, que admite como verdadeiro aquilo
que "sustenta e guia a ação humana no sentido da conservação e do
fomento da vida", vai reaparecer na última fase do pensamento de
Simmel, na sua filosofia da vida, porque, nos Problemas fundamentais
da filosofia (1910), assumira ele uma posição menos pragmatista, mais
distante de ser cética, Embora não chegue a filosofia a ser uma ciência
objetiva, é considerada como "a reação do homem à totalidade do ser",
Somente a ciência positiva alcança um conceito de verdade, sendo a
filosofia, em comparação com ela, a expressão de um tipo de espírito,
a intuição do mundo e da vida desse espírito, Mas essa tipicidade não
se prende propriamente ao puro indivíduo, realiza-se na esfera de uma
espiritualidade típica, que o supera e permite a comunicação das dife¬
rentes intuições do mundo, tornando-as capazes de livre comunicação.
Os seus livros biográficos são exemplos e exercícios dessas diversas tipi»
cidades espirituais. Com isso, Simmel consegue evitar o subjetivismo
cético, segundo o qual, para cada homem, a sua verdade 8.
2.4. Um dos dois livros fundamentais de Simmel, Filosofia do
dinheiro (1900) - o outro seria a Sociologia (1908) - é, fora da
Alemanha, o menos conhecido de sua bibliografia, Publicado em 1900,
somente agora, em 1978, foi traduzido para o inglês. Com impressões
sucessivas, já em 1958 alcançava a 6,a edição, e note-se que se trata
de uma obra de 585 páginas, Apesar do título, o seu conteúdo é o mais
8 Assim resume Simmel a sua concepção da filosofia (1910, edição espanhola,
p, 34) nesta fórmula: "o pensamento filosófico objetiva o pessoal e personaliza
o objetivo", A generalização filosófica não se confunde com a da ciência, da
lógica e da prática: "Na filosofia, a afirmação geral não se deduz das coisas,
mas é, pelo contrário, uma expressão que se reflete na totalidade das coisas, da
maneira como algum dos grandes tipos espirituais se comporta diante das impres¬
sões da vida e do mundo, Não se trata, pois, de uma generalização que abrange
as coisas singulares consideradas, e sim da generalização de uma reação individual,
mas ao mesmo tempo típica, ante elas", Daí ser possível a sua objetivação em
forma conceituai e inteligível.
18 19
amplo possível, e não simplesmente económico. É bem representativo
do pensamento global de Simmel, como concepção da cultura humana
contemporânea, vindo desde os povos primitivos até atingir o pleno de¬
senvolvimento do capitalismo moderno. Obra de história, de filosofia,
de economia, de ciência política, e, sobretudo, de sociologia, divide-se
ela em duas partes, a analítica e a sintética. Compõe-se a primeira de
três capítulos: i) valor e dinheiro; 2) o valor do dinheiro como subs¬
tância; 2) o dinheiro na sequência de fins; e a segunda também de três:
i) a liberdade individual; 2) o equivalente monetário de valores pessoais;
J) estilo de vida,
Não há um só sociólogo alemão de anteguerra (1914), e mesmo
posterior, que tenha deixado de enfrentar o pensamento marxista, Observa
Mannheim que dele se originaram ensinamentos significativos a soció¬
logos como Max Weber, Alfred Weber, Troeltsch, Sombart e Scheler na
Alemanha, E concluí: "Suas polémicas com o materialismo histórico
levam os sinais de todas as verdadeiras controvérsias que penetram a
posição do oponente em lugar de evitá-la com artifícios" 9, Tambémÿ
ali poderia figurar o nome de Simmel, Com razão, reconhece Johannes
Plenge, da escola de von Wiese, que Marx representa um ponto crítico
na história da filosofia, da teoria económica e da sociologia, Por isso
mesmo, dizemos nós, não pode ser ignorado: há que rejeitá-lo ou acei¬
tá-lo. Sente-se a presença de Marx, mais difusa do que confessada, na
Filosofia do dinheiro. O propósito de Simmel, como ele próprio con¬
fessa, no prefácio do livro,
"é examinar o materialismo histórico e encontrar relações sociais funda¬
mentais que permitam compreender, do ponto de vista da natureza
humana, a dinâmica dos processos económicos",
Na economia monetária, com o novo sistema de crédito, o valor
do dinheiro passa da ordem da substância para a ordem da função,
tornando-se um símbolo abstraio dos valores, mudança essa que irá
alterar todo o restante do estilo de vida. Ao mesmo tempo que o indi¬
víduo se vê esmagado nas novas engrenagens económicas, de massas
anónimas e competitivas, ele também se liberta do antigo substancia-
lismo em suas relações sociais, incluindo principalmente as do trabalho,
que se tornam despersonalizadas, A nova economia monetária é raciona¬
lista, intelectualista, baseada no cálculo e na abstração, com prejuízo do
primado dos sentimentos e da imaginação. A organização e a burocracia
9 Mannheim, K, Ensayos de sociologia de la cultura. Trad, de M. Suárei Madri,
Aguilar, 1957, p. 38,
são as manifestações típicas dessa nova classe burguesa dirigente, O
processo cultural torna-se cada vez mais "objetivado". Essa
"objetivação do conteúdo cultural é provocada pela especialização e
cria um crescente alheamento entre o sujeito e seus produtos" (,,,)
Os objetos culturais cristalizam-se cada vez mais num mundo inter¬
comunicado que tem cada vez menos contatos com a alma subjetiva
e com sua vontade e seus sentimentos" 10.
Repete-se aqui a noção de alienação de Marx, e muitas das idéias futuras
de Weber aqui também se encontram, como chega a ser notório. Possivel¬
mente, Weber o leu em 1902, quando da volta às suas atividades
universitárias em Heidelberg, depois de grave doença nervosa11,
3 , Sociologia de Simmel -Ao contrário do que se costuma escre¬ver, Simmel não foi tão assistemático como parece, As suas idéias são
sempre praticamente as mesmas, como também são os critérios metodo¬
lógicos, em todos os seus livros, Quer trate de sociologia, de filosofia
ou de estética, mantém-se a mesma diretiva do seu espírito, Por exemplo,
em seu livro Die Religion, cuja 2,a edição possuímos, de 1912, mais
parece um tratado de sociologia, como que repetindo as noções socioló¬
gicas defendidas até então. Quando da publicação da l,a edição da sua
Sotiologie, em 1908, quase todos os seus capítulos já haviam sido publi¬
cados esparsamente na Alemanha e no estrangeiro, Assim mesmo, ao
reuni-los, não deixou Simmel de chamar a atenção para a possível uni¬
dade do livro,,aparentemente muito fragmentário, Pouco se tem prestado
atenção às suas palavras no prólogo, quando ele declara que com esse
ensaio, pretende
"dar ao conceito vacilante da sociologia um conteúdo inequívoco,
regido por um pensamento seguro e metódico, A única coisa, portanto,
que pedimos ao leitor, no proêmio deste livro, é que tenha sempre
presente a posição do problema, tal como se explica na primeira
parte, De outro modo, estas páginas poderiam dar-lhe a impressão de
10 Simmel, 1900, p. 491-2, Além do próprio livro, as melhores exposições, dos
livros indicados na bibliografia, encontram-se em: Mamelet, 1914; Spykman,
1925a; Aron, 1938a; Salomon, 1945; Becker, H,, 1959b, On Simmel's Philosophy
of Money, p, 216-32.
11Gerth, H. H, e Wright Mills, C, From Max Weber. Essays in sociology.
Nova York, Oxford University Press, 1938. p. 14, Weber refere-se expressamente
à Soziologie e à Philosophie des Geldes, completando-os em parte, em Wirtschaft
iand Gesellschaft, 5. ed, Tubingen, I, C, B. Mohr, 1972 (1», de 1922), p, 1.
Durkheim, E. Simmel, Georg, Philosophie des Geldes. L'Annee Sociologique,
Paris,, V, 1902, p. 140-5.
)
20 21
uma massa inconexa, composta de fatos e reflexões, sem relação entre
si".
Em nota ao índice geral, na página seguinte, torna a frisar:
"Cada um destes capítulos contém muitas discussões que, mais ou
menos cerradamente, abrangem seu problema título. Mas eles não são
somente matéria do seu título: constituem também contribuições relati¬
vamente independentes ao problema total (do livro). A intenção final
e a estrutura metodológica destes estudos necessitam de sua ordenação
sob alguns conceitos centrais, mas, ao mesmo tempo, necessitam de
grande latitude em relação às questões particulares tratadas sob seus
enunciados",
Compõe-se a Soziologie de dez capítulos e de treze digressões
(Exkurs), tão ou mais interessantes do que os primeiros. Embora nem
sempre consiga Simmel manter o mesmo rigor metodológico, como enun¬
ciado no capítulo I, violando os seus próprios critérios propostos -
confundindo forma e conteúdo, por exemplo, - cada capítulo é um
tratamento especial, concreto, da aplicação dos seus conceitos básicos.
À maneira de Kant, que perguntava na Crítica da razão pura como era
possível a natureza, a mesma indagação fazia Simmel em relação à
sociedade: como é possível a sociedade? Diferentemente da natureza,
cujos fatos materiais concretos são ordenados pelas formas a priori
(intuições puras e categorias) do espírito humano que as percebe; na
sociedade, ao contrário, a síntese mental que constitui a sociedade, a
unidade social, realiza-se pela própria atividade dos componentes da
sociedade, sem necessidade da ação mental sintetizadora de um sujeito
que lhe é externo ou estranho. Claro está que a unidade do social não
atinge nem pode atingir a unidade da natureza, cujo caos de fenómenos
é organizado num perfeito cosmos pelas faculdades, ativas, do espírito
humano, Pois bem, a sociedade só é possível como uma resultante das
ações e reações dos indivíduos entre si, isto é, por suas interações. São
processos psíquicos, intermentais, cujos suportes, como sujeitos da ação,
são os indivíduos, as suas consciências, a totalidade da sua vida psíquica.
Como já havia acontecido com Dilthey (1887) 12, abandonou
Simmel o antigo conceito de uma sociologia como ciência social global,
enciclopédica e abrangedora de toda a matéria social. Para ele só era
possível uma ciência sociológica rigorosamente delimitada, com objeto
próprio, particular, não tratado pelas demais ciências sociais, Nem tudo
12 Cf, Dilthey, W, Introduction a 1'étude des sciences humaines. Trad, de L,
Sauzin. Paris, P.U.F., 1942, p, 515-7, cuja l.a edição alemã é de 1887. '
o que acontece na sociedade merece o nome de social, nem por ela pode
ser explicado ou compreendido. Como ciência empírica, a sociologia
deve ter por campo ou objeto a multiplicidade de interações, numa
incessante vida de aproximação e de separação, de consenso e de con¬
flito, de permanente vir-a-ser, A sociedade não é algo estático, acabado;
pelo contrário, é algo que acontece, que está acontecendo. O objeto
da sociologia são esses processos sociais, num constante fazer, desfazer
e refazer, e assim incessantemente. É através das múltiplas interações
de uns-com-os-outros, contra-os-outros e pelos-outros, que se constitui
a sociedade, como realidade inter-humana, Ao processo fundamental
Simmel dá o nome de Vergellschaftmg, ao pé da letra, socialificação,
mais do que sociedade, denotando o seu dinamismo, sempre in fieri
Como se verá em chamada própria, adotamos aqui a sugestão dos sim-
melianos norte-americanos, traduzindo-o por sociação, que não se con¬
funde com socialização nem com associação,
Pois bem, o processo básico de sociação é constituído pelos impul¬
sos dos indivíduos, ou por outros motivos, interesses e objetivos; e pelas
formas que essas motivações assumem. Por isso mesmo, no processo de
sociação, há que distinguir entre forma e conteúdo. À maneira de Kant,
representa aquela o a priori, o invariante por assim dizer, e só ela deve
ser o objeto próprio e particular da sociologia, deixando os múltiplos
conteúdos concretos para as outras ciências sociais -o direito, a econo¬
mia, a moral, a história, etc, A isso chamou Simmel de sociologia formal,
dando ensejo a uma série de críticas, de discordantes da doutrina
(Sorokin, Abel, Treyer, Ginsberg, entre outros), como igualmente de
adeptos e seguidores seus (Leopold von Wiese) 13, A sociologia, para
Simmel, seria como a geometria, que somente ela "determina o que é
realmente espacialidade nas coisas espaciais". A geometria
"investiga a forma que a matéria assume para se tomar um corpo
observável-forma que, em si mesma, só existe em abstrato, exatamente
como as formas de sociação. A gometria, do mesmo modo que a socio¬
logia, deixa o estudo dos conteúdos, . . ou fenómenos totais, cuja forma
estudam, para outras disciplinas".
Simmel frisa, no entanto - e em mais de uma passagem - que ao
chamar a sociologia de "geometria social", apresentava somente uma
metáfora. A forma e o conteúdo são, de certo modo, inextricáveis, inse-
«Sorokin, 1928, p. 501-3; Abel, 1929, p. 27; Freyer, E, 1930, p. 71-6, da
ed. esp.; Ginsberg, M. Manual de sociologia. Trad, de J, M. Echeverria, Buenos'
Aires, Losada, 1942, p. 13-5; Wiese, L, von, 1926, p. 62-3, da ed. esp.
22
paráveis, podendo a primeira ser construída somente por abstração,
como acontece no trabalho de qualquer ciência, Não há formas vazias,
como não há conteúdos sem forma, As formas puras podem nunca ser
encontradas na história; são obtidas pela exageração de certas caracte¬
rísticas dos dados reais, até o ponto em que se tornem "linhas e figuras
absolutas", Funcionam como "tipos-ideais", Aquelas "linhas e figuras
absolutas, na vida social real, são encontradas apenas em começo e
fragmentos, como realizações parciais que são constantemente interrom¬
pidas e modificadas". Antecipou-se Simmel aos conhecidos conceitos
metodológicos de Max Weber, como se vê desta passagem de Philosophie
des Geldes (1900) transcrita por Tenbruck:
"Inumeráveis vezes, formamos nossos conceitos dos objetos de tal
maneira que a experiência não pode mostrar nenhum equivalente de
seu caráter puro e absoluto; eles ganham uma forma empírica somente
mediante seu enfraquecimentoe limitado por conceitos opostos, , , Este
método peculiar de exagerar e reduzir conceitos produz um conheci¬
mento do mundo que pode ser mensurável com o nosso modo de conhe¬
cimento, Nosso intelecto pode apoderar-se da realidade somente mediante
limitações dos conceitos puros, os quais, não importa quanto se desviem
da realidade, provam sua legitimidade pelo serviço que prestam ao inter¬
pretá-la" M.
A sociedade só é possível pela existência das formas de sociação, verda¬
deiro a priori lógico da sua existência. Os capítulos da Soziologie, embora
não exaustivos, são exemplos dessas condições formais, A primeira delas
é a determinação quantitativa dos grupos, que, a partir de dois elementos
mínimos, influi na sua organização, Há "uma série de formas de convi¬
vência, de unificação e de ação recíproca entre os indivíduos, que aten¬
dem só ao sentido que tem o número dos indivíduos sociados nas refe¬
ridas formas", A segunda condição é o processo dominação-subordi-
nação, que importa interação entre dominante e dominado, entre auto¬
ridade e certa liberdade de aceitação do subordinado. Distingue Simmel
entre autoridade e prestígio, antecipando-se em muitos pontos às conhe¬
cidas idéias de Weber sobre os tipos de dominação15,
14 Tenbruck, F, H, Formal sociology, In: Wolff, K, H,, 19596, p. 80-1,
IR Para as relações Simmel-Weber, entre outros: Cuvillier. Ou n la sociologie
française? Paris, M. Rivière, 1953, p. 64; Wiese, L, von, 1926, p. 137, 141, da
ed, esp.; Gurvitch, G, Traité de sociologie. Paris, P.U.F., 1962, v, 1, 12-4;
Salomon, A, 1945, p. 606; Gerth, H. e Wright Mills, C. Op, cit, p. 14, 19, 21;
Ziegenfuss, W, org. Handbuch der Soziologie. Stuttgart, F, Enke Verlag, 1956,
p, 224; Oppenheimer, F, e Salomon, G, orgs, Begriff der Gesellsáaft in der
deutschen Sozialphilosophie. Karlsruhe, Verlag G, Braun, 1926, p. 8; Abel, Th,,
23
A terceira condição é o conflito, forma pura de sociação e tão
necessário à vida do grupo e sua continuidade como o consenso. É
ele indispensável à coesão do grupo, O conflito não é patológico nem
nocivo à vida social, pelo contrário, é condição para sua própria manu¬
tenção, além de ser o processo social fundamental para a mudança de
uma forma de organização para outra. A forma indireta do conflito é a
competição, cuja manifestação na sociedade "é sempre a mesma, apesar
da grande variedade de conteúdo"16,
Também no segredo e na sociedade secreta encontra Simmel outro
exemplo de formas puras de sociação,
"Todas as relações dos homens entre si descansam, naturalmente,
no que sabem algo uns dos outros, . , A representação corrente que se
formam uma da outra as duas pessoas, por trás de uma conversação
prolongada ou ao se encontrarem na mesma esfera social, ainda que
pareça forma vazia, é um símbolo justo daquele conhecimento mútuo,
que constitui a condição a priori de qualquer relação,"
Um dos problemas constantes em Simmel é o da formação da
individualidade (cap, X), E tanto mais rica é a participação do indi¬
víduo na vida social, tanto maior o número de círculos sociais (cap,
VI) a que pertença, quanto mais forte é a sua independência, quanto
1972, p, 83 et seqs,, da ed, port.; Bottomore, T. e Nisbet, R. 1980, passim.
Ainda: Strasser, H, 1978, p, 221-2; Heberle, R,, 1948, p, 266; Parsons, T,
Max Weber's sociological analysis of capitalism and modern institutions, In:
Barnes, H, E. 1948, p, 291; Naegele, K. D, Some observations on the scope of
sociological analysis. In: Parsons, T, 1961, p, 22-3; Antoni, C, Dallo storicismo
alia sociologia, 2, ed. Fírenze, G, C, Sansoni, 1951, p, 179; Fernandes, R, 1959,
p, 94, 132.
18E este capítulo da obra de Simmel que maiores interesse e polemica têm
suscitado ultimamente, principalmente na sociologia americana, depois dos comen¬
tários de Coser, 1956 e 1967 e a nova tradução de Wolff, 1955a, O assunto
• conflito voltou à ordem do dia na teoria sociológica, não mais como fator mera¬
mente dissociativo nem negativo da unidade social, E o nome de Simmel quase
nunca é estranho ao debate, Cf, Dahrendorf, R. Class and class conflict in
industrial society. 3. ed, Stanford, Stanford Univ, Press, 1963, p, 206 et seqs.,
211, 226; Demerath, N, J, e Peterson, R, A., orgs, System, change and conflict,
Nova York, The Free Press, p, 261-3; Horowitz, I, L. Consensus, conflict and
cooperation, In: Demerath e Peterson, Op, cit,, p, 265-80; Rex, J, Problemas
fundamentales de la teoria sociológica, Trad, de N, Miguez, Buenos Aires, Amorror-
tu, 1968, p, 144 et seqs,; Janne, H, Le système social. Essai de théorie generate,
Bruxelas, Inst, de Soe, de l'Univ, Libre de Brux,, 1968, p, 113-5; Ferraroti, F,
La sociologia. Torino, Edizioni Rai, 1962, p, 99, 102, 124 et seqs.; Strasser, H,
1978, p. Til et seqs,, 272 et seqs, Coser, Strasser e Rex com grande discussão
do tema e bibliografia.
24 25
mais nítida se destaca a sua personalidade, A pobreza também pode ser
apresentada como outra forma pura de sociação, e pergunta Simmel:
a que círculo pertence o pobre? Quais os tipos de relações que se cons¬
tituem entre o pobre e a sociedade como um todo? "A assistência é
tanto uma parte da organização do todo, ao qual pertence o pobre,
como o são igualmente as classes proprietárias", Simmel considera o
espaço, que Kant define como "a possibilidade da coexistência", como
uma das condições da sociedade;
"Também este é o espaço do ponto de vista sociológico, A interação
converte o espaço, antes vazio, em algo cheio para nós, já que faz
possível a referida relação, , . Assim, ao procurarmos conhecer as for¬
mas de sociação, temos de inquirir a importância que as condições
espaciais de uma sociação têm no sentido sociológico, para suas quali¬
dades e desenvolvimentos",
Daí as noções de proximidade e afastamento, de distância social, de
vizinhança e de isolamento, O que importa, porém, não é o espaço
geográfico ou geométrico, e sim "as forças psicológicas", os "fatores
espirituais", que aproximam, unem, distanciam ou separam as pessoas
e os grupos, O estrangeiro é um dos exemplos mais característicos apre¬
sentados por Simmel, e por ele mais extensamente desenvolvido,
3,1, Como disciplinas científicas, admite Simmel três espécies de
sociologias, que se completam: a sociologia formal, a sociologia geral
e a sociologia filosófica. A primeira tem por objeto as formas sociais,
como organizadoras apriorísticas da matéria social, dando-lhe estrutura
e continuidade, São relações duráveis, irredutíveis, independentes dos
múltiplos conteúdos concretos, infinitamente variáveis, que se apresentam
no universo pluralista das relações intersubjetivas, quer na família, na
escola, na profissão, no exército, na igreja, nos partidos políticos, etc,
A sociologia geral é um subproduto da sociologia formal, tendo por
objeto a análise do funcionamento e dos processos particulares, as con¬
dições específicas e as bases das instituições sociais, Finalmente, a socio¬
logia filosófica, que repensa todos os pressupostos metodológicos da
disciplina, permite ao sociólogo uma visão trans-sociológica do indivíduo
criador, Simmel procurou dar exemplos disso com as suas biografias
de grandes espíritos inventivos, para cujas formações e criatividades
não bastavam os condicionamentos histórico-sociais. Atinge-se aqui, como
registra Salomon, o debate filosófico sobre os problemas do determi¬
nismo e da liberdade 17t
11Cf, Simmel, 1917a, passim; Salomon, A,, 1945, p. 607-8,
3.2, Como ciência empírica e analítica, tendo por objeto a imediata
compreensão do dado, não se liberta a sociologia de duas disciplinas
filosóficas: a teoria do conhecimento e a metafísica. Ocupa-se a primeira
com as condições, os conceitos fundamentais e os pressupostos de toda
pesquisa social, como antecedentes necessários de qualquer ciência parti¬
cular. Volta-se a segunda para o aperfeiçoamento da pesquisa parcial,
colocando-a em relação com os conceitos que não se encontram na
experiência e no saber objetivo imediato, Dá unidade ao conhecimento
fragmentário da realidade social, atendendo ao grau do conhecimento,ao mesmo tempo que se projeta em outra dimensão da existência, levan¬
tando indagações sobre o sentido ou o fim da própria vida social e
humana, já na esfera dos valores, dos símbolos e dos significados, inclu¬
sive religiosos 18
3,3, Apesar de muitos pontos de contato entre Simmel e Dur-
kheim, muitos outros havia também de total separação entre eles19,
O sociólogo francês escreveu todo um ensaio criticando o formalismo
do seu colega alemão, considerado como infecundo, inútil e impossível,
Por outro lado, não aceitava o primeiro qualquer modalidade de hipós-
tase da sociedade, dando-a como uma realidade independente e auto-
-suficíente em relação aos indivíduos; nada de consciência coletiva, de
espírito do grupo, e assim por diante, Entre o organicismo social e o
atomismo individual, procurava Simmel colocar-se num meio termo de
equilíbrio20, dando o indivíduo como o sujeito último da vida social,
seu legítimo portador, mas sem desconhecer a existência das grandes
formações sociais, como unidades próprias. Embora distinguindo nitida¬
mente a psicologia da sociologia, porque só nesta se manifestam as ações
recíprocas dos indivíduos como criadoras das sociações propriamente
ditas, nunca deixou Simmel de se ocupar com o indivíduo e sua libei-
18 Simmel, 1908; na ed. de 1968, p, 20-1; constante desta coletânea, texto 2.
19 Para as relações teóricas Simmel-Durkheim, sumariamente: Nisbet, R.A. The
sociology of Emile Durkheim. Nova York, Oxford Univ, Press, 1974, p, 7, 95-6,
125, 133, 170, 202-3, 264; Sorohn, P. 1928, p, 467, 474, 726-7; Naegele, K, D,
In: Parsons, T, org, 1961, p. 15-21, 22-3; Blau, P, M, e Moore, I, W. Sociology,
In: Hoselitz, Bert F,, org, A reader's guide lo the social sciences. Nova York,
The Free Press, 1965, p, 170; Abel, Th,, 1972, esp. 95-9, da ed, portuguesa,
L'Annee Sociologique, quase sempre com críticas e discordâncias, registra a recen¬
são de todas as obras de Simmel, de autoria de Durkheim, Bouglé, Mausse
Hourticq.
211 Martindale, D., 1961, na ed. italiana, Tipologia e sloria delia teoria sociológica.
2, ed, Bolonha, II Mulino, 1972< p. 379-81; e Strasser, H,, repetindo-o, 1978,
p. 217,
26
dade, Mais nominalista do que realista, jamais aceitaria ele essa afirmação
de Vierkandt, inicialmente seu adepto:
"O grupo se nos afigura, considerado do ponto de vista lógico, como
uma nova espécie de seres. O grupo não pertence à classe dos corpos inor¬
gânicos, nem à dos seres vivos, não é tampouco um fenómeno meramente
atual, no sentido de uma série de processos psíquicos. O grupo faz parte de
uma classe própria de seres que não se podem reduzir a outros, A
noção de grupo significa, portanto, para a ciência, como para a con¬
cepção popular, uma categoria social. Denominamos essa classe de seres,
objetivações sociais" 21,
4, Filosofia da vida -O derradeiro livro de Simmel, escrito durante
o último ano da primeira grande guerra e também da sua vida, e quando
,i ele já sabia que estava morrendo de câncer, é bem o coroamento de
toda a sua obra, Em verdade, em tudo que escreveu e disse, ainda
mesmo nos seus ensaios de sociologia, nunca deixou Simmel de colocar
ij a vida, em seu conjunto, como o valor supremo, de certa maneira
critério da verdade e do erro, do bem e do mal. Os seus antecedentes,
a este respeito, foram Goethe, Schopenhauer, Nietzsche e Bergson, numa
crescente linha de irracionalismo e antiintelectualismo intuicionista. A
ii vida se apresenta sob o aspecto fisiológico e sob o aspecto espiritual;
I sob o primeiro aspira a uma criação contínua, de viver mais (Mehr-
-Leben); sob o segundo procura superar-se, almeja mais do que viver
J , (Mehr-als-Leben). A vida é intensificada pela consciência, que faz das
suas exigências (da vida) um dever, que se reveste do caráter de uma
! "lei individual", já que a vida é sempre individual. Apesar de individual,
l!
essa lei não é subjetiva, porque é imposta pela própria vida, dando a
medida da liberdade pessoal, Cabe ao indivíduo superar os conflitos da
vida e da cultura, em cumprimento ao dever de realizar-se a si mesmo 22,
5. Influência de Simmel - Escrevendo ao mesmo tempo para
revistas alemãs, americanas e francesas, ainda no começo de sua vida
intelectual, nenhum outro na sociologia germânica alcançou, ainda em
vida, o renome de Simmel, principalmente nos Estados Unidos, Além
de Small, que lhe traduziu a maioria dos ensaios, vai caber a Park e
21 Vierkandt, A. Gesellschaftslehre, Stuttgart, Ferdinand Enke, 1928, p, 329,
22 Para a sua filosofia da vida: Simmel, 19186; Weingartner, R, H, Form and
content in Simmel's philosophy of life. In: Wolff, K, H, 19596, p. 33-60 (Simmel,
à época, estava muito sob a influência de Bergson); nas obras de Bréhier, Ferrater
Mora e Abbagnano, E do ponto de vista crítico: Rickert, H, Die Philosophie ies
Lebens, 2, ed. Tiibingen, J.C.B. Mohr, 1922. p, 4, 8, 26, 28, 64 et seqs., 112, 149,
151, 177 e 183; LuxÁcs, G, 1954, p, 357-71, da ed. espanhola. ÿ
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27
Burgess, de Chicago, em 1921, a difusão das suas ideias no livro de
leituras que organizaram. Conceitos tais como: processos sociais, ínte-
ração, acomodação, competição, conflito, cooperação, mundo rural e
urbano (a grande cidade), espaço social, distância, contatos primários e
secundários, dominação e subordinação, ganharam desde logo foros de
cidadania, fazendo às vezes esquecer as suas origens. A segunda geração
da escola de Chicago, entre os quais se destacam Wirth, Mackenzie e
Hughes, ainda muito devem a Simmel. Grande também foi a sua influên¬
cia sobre Ross, pelo seu relacionismo sociológico, como igualmente sobre
Merton, Warner, Homans, Moreno, Riesman, Caplow, nem lhe sendo
estranho Talcott Parsons.
Na França aproximam-se das suas as idéias da vida intermental
da sociologia nominalista de Tarde; como dele também se aproximou
em alguns pontos Celestin Bouglé, da escola de Durkheim. Na Alemanha,
não escondeu Dilthey a simpatia pela sua maneira de conceber a sociolo¬
gia, Mais do que se pensa são as suas afinidades (com antecedência de
Simmel) com o pensamento de Max Weber (ação-relação social, tipos
de dominação, caracterização do capitalismo, tipo ideal, etc.), Vierkandt
o seguiu a princípio, sendo Leopold von Wiese o maior dos seus segui¬
dores, desenvolvendo-lhe as sugestões e dando-lhes um aprofundamento
sistemático. Fazendo a recensão da Soziologie em 1910, escrevia von
Wiese:
"Estou pronto a considerar seu caminho como correto, e a ver em
sua sociologia um avanço significativo sobre todas as tentativas ante¬
riores",
Na Bélgica destacam-se as obras de Waxweiler e de Dupréel como
adeptas do formalismo simmeliano. Nos Estados Unidos há toda uma
nova geração grandemente admiradora de Simmel e que se tem incumbido
de lhe reatualizar a obra nos mais diversos escritos, entre os quais
cabem ser destacados: Coser, Wolff, Levine, Hughes, Tenbruck, Nume¬
rosíssimos manuais de sociologia incorporam idéias e teorias de Simmel
aos seus ensinamentos.
Em verdade, a influência de Simmel, em toda a parte, é maior do
que a de Wiese, que viveu muito mais do que ele e que por muitos
anos chefiou a escola de Colónia, Somente Max Weber o supera, Por
isso, não é exagero o que sobre ele escreveu Howard Becker:
"Se convidados a alinhar uma dúzia de pensadores que durante os
últimos cinquenta anos mais tenham influenciado o desenvolvimento da
sociologia como disciplina, os sociólogos de todo o mundo incluiriam,
28 29
com toda probabilidade, na maioria dessas listas, o nome de Georg
Simmel".
Por outro lado, lembra Heinz Maus que
"a ideia básica de sua sociologia tornou-se uma propriedade comum
ainda que haja uma pequena consciência de sua origem" 2l
6. Conclusão crítica -Em tudo o que escreveu sempre mostrou
Simmel uma grande dose de autonomia intelectual, de originalidade de
concepção e de singular beleza estilística. Mas, isso que foi um bem,
também pôde ter sido um mal, pois levou-o a extremos de uma sociologia
excessivamenteanalítica e filosófica. Simmel não tinha por hábito refe-
rir-se às suas fontes nem fazer citações de outros autores, preferindo
fechar-se no seu próprio ensaio, como peça autónoma, Como lembrou
; Maus, muitas de suas ideias incorporaram-se de tal modo na teoria socio-
! lógica que não mais se indaga pela sua paternidade. Por outro lado,
| como havia acontecido a vários outros sociólogos da sua geração, inclu-
I sive a Max Weber, embora reconhecendo a especificidade do social,j deu Simmel exagerada importância à psicologia na explicação e com-
í preensão da vida humana. Sua preferência sempre se voltou para os
F estudos microscópicos da estrutura social, para o indivíduo como átomo
| social. Mais nominalista do que realista - há comentadores que o
jj incluem nesta última categoria -, fazia do indivíduo o único dado real
11
. da vida coletiva. "Sociedade, escreve ele, é apenas o nome para vários
j indivíduos ligados pela interação," 24 Por isso mesmo, apesar dos esfor-
! ços em sentido contrário de Coser, por exemplo, vão-se nele abeberar
! de preferência, como mostramos atrás, os teóricos recentes do estrutu-
! ralismo, do funcionalismo, da sociometria e das análises dos pequenos
i
23 Por limitação de espaço, não podemos nos estender neste tema, Todos os
expositores de Simmel referem-se às suas influências no pensamento sociológico
t que lhe foi posterior. Em conjunto, o mais completo é Levine, 1971b. As citações
últimas são: Becker, H, In: Wolff, 1959b, p, 216; Maus, H, In: Wolff, 19590,
p, 196,
24 Idealista, nominalista é, a nosso ver, a exata posição teórica de Simmel. Assim
o consideram: Gurvitch, G. Traité k sociologie. p, 5-6; Aron, 1938a, p. 204-7;
Aron, 1935, p. 10-1; Birnbaum e Chazel, 1977a, p, 9; Siches, R. 1943, p. 35;
Berger/P, e Luckmann, T. La construction social de la mlidad, Trad, de S.
Zuleta, Buenos Aires, Amorrortu, 1968, p. 216; Vierkandt, 1934, p, 61, Como
; realista objetivo: Carli, F. Li teorie sociologiche, Padova, 1925, p, 132-3, "O
conceito de sociedade só tem sentido contrapondo-a à simples soma dos indi¬
víduos", reconhece Simmel, como que a se colocar no meio-termo conceituai
indivíduo-sociedade. Nisso reside o sentido da sua dialética das tensões entre
aqueles dois extremos,
grupos, quase microscópicas, feitas a ponta de alfinete, como formas
elementares da vida social, '
Por essa opção metodológica, permanece Simmel demasiado preso
às motivações psicológicas da vida em sociedade, quase dizendo com
Aristóteles que o homem é um animal social por natureza, Apela Simmel
quase sempre para os instintos, inclinações e impulsos para explicar o
conteúdo do processo básico da sociação, desprezando a própria matéria
social, Isso nos faz lembrar estas palavras de Sumner e Keller:
"Quando um escocês passa na escala social de uma classe inferior
para a classe média, os sapatos se tornam para ele uma necessidade,
Não os usa para conservar os pés, mas para conservar a sua situação
social, , . Algum dia, um filósofo emitirá a opinião que os sapatos foram
inventados por inata pudicícia de mostrar os pés e teremos assim desco¬
berto Um novo instinto"25,
Apesar dos cuidados tomados por Simmel quanto aos possíveis
exageros conceituais do seu formalismo social, da sua geometria social,
mais metafórica do que real, como escreveu, mero fruto de abstração
do próprio processo científico, a verdade é que passou à história da
sociologia como criador da Sociologia Formal, como única maneira de
se criar uma disciplina analítica e sistemática da sociedade. A sua pro¬
posta, brilhante e válida até certo ponto, corre o perigo de transformar
a sociologia em palha seca, numa simples coleção de formas vazias,
ocas, sem conteúdos concretos, ciência atemporal e a-histórica, Feliz¬
mente,' o próprio Simmel não consegue ser rigoroso consigo mesmo e
fiel ao método indicado. Não raro os exemplos históricos penetram em
suas análises carregados de matéria social, numa ampla visão 'de toda
a sociedade global, Por outro lado, a sua perspicaz sugestão do conflito
como forma elementar e necessária do processo da sociação, e não mais
como permanente fator dissociativo, não foi além dessa função positiva
de manutenção do grupo, de sua coesão, com superação das diver¬
gências, Na verdade, tanto em Simmel, como em Coser, como em
Dahrendorf, estamos diante de teorias conservadoras do conflito, de
natureza estruturalista e funcionalista,
Lamenta Maus que Simmel, tão avesso a palavras vazias, tenha
sucumbido no fim da sua existência à mágica da chamada filosofia da
vida, Na verdade, porém, mesmo fazendo sociologia, nunca deixou de
25 Sumner, W, G, e Keller, A. G. The science of society. New Haven, 1927,
apud Carvalho, C, Delgado de, Sociologia, Rio de Janeiro, Francisco Alves,
1931, p, 256,
r
lí
< i <
30
estar presente em Simmel um certo intuicionismo irracionalista, um certo
vitalismo antimecanicista, Ele próprio considerava a sua metodologia
como incipiente ou provisória, à espera de outra melhor ou mais aper¬
feiçoada. Os exemplos que dava - já que nunca fez pesquisas empí¬
ricas - eram exemplos históricos e verossímeis, não precisavam ser
reais nem verdadeiros, desde que verossímeis e possíveis, como dizia. A
uma "particular disposição do olhar", a uma "intuição" é do que se
dispõe até agora para distinguir a forma do conteúdo, Mais:
"A prática científica, especialmente nos domínios até agora não
cultivados, não pode prescindir de certo procedimento instintivo, cujos
motivos e normas somente depois chegam totalmente à clara consciência
e
E mais ainda:
"Se eu tivesse de expressar a questão de um modo um tanto exa¬
gerado, por amor à clareza metodológica, diria que os exemplos só são
importantes por serem possíveis, mais que por serem reais (...)" A
investigação poderia ser levada a cabo baseada até mesmo em exemplos
fictícios, cuja importância para a interpretação da realidade poderia
ser deixada ao ocasional conhecimento de fato do leitor" 26.
A sua filosofia da vida distingue também entre conteúdo e forma,
sendo que esta modela um certo número de conteúdos numa unidade,
: j dando sentido a este constante fluir, a esta permanente duração, que
i I
ÿ é a própria vida. Todos os produtos da cultura nascem dela e nela se
encontram, mas logo se encaminham para uma existência autónoma e
independente, entrando em conflito com a própria vida, não raro, pre¬
tendendo negá-la. Daí a tragédia da cultura. Lukács submete a filosofia
da vida de Simmel a rigorosa crítica, como representativa da filosofia
imperialista do período de anteguerra, cujo expoente típico veio a encar-
nar-se em Spengler, Intuicionista, impressionista, irracionalista e relati¬
vista, acrescenta Lukács que essa filosofia da vida chega a manifestar-se
anticientífica:
"Todo o suscetível de ser provado é suscetível também de ser
discutido, Só é indiscutível o que não pode ser provado (...) Para o
homem profundo, não há outra possibilidade de suportar a vida que
uma certa dose de superficialidade" 2L
26 As duas primeiras citações são de O problema ia sociologia e as duas últimas
de A determinação quantitativa dos grupos sociais, ambos os capítulos nesta
27 Lukács, 1954, p, 357-71, os exemplos são extraídos do próprio Lukács. Ainda
do mesmo autor, In: Gassen e Landmann, 1958b, p. 171-6,
31
Dentro da sociologia académica contemporânea, não há negar que
o nome de Simmel se encontra entre os quatro ou cinco mais represen¬
tativos das suas origens e criação, como um dos seus fundadores, talvez
mais como problemática do que propriamente como sistemática. Tônnies,
Simmel, Durkheim e Weber muito possuem de comum e de diverso,
mas todos, sem dúvida, ofereceram valiosas contribuições à teoria socio¬
lógica deste século, à qual se incorporaram em muitos temas como
aquisições definitivas.
Nota-Não podemos analisar o vocabulário riquíssimo de Simmel,
inegavelmente um grande escritor, com invejável imaginação criadora,
Basta-nos tomar o vocábulo central da sua exposição teórica -
Vergesekhaftung -e que consta do título da sua Soziologie, de1908.
Com ele, quis Simmel significar o permanente vir-a-ser da vida social,
processo sempre in fieri, que está acontecendo sem que se possa dizer
que já aconteceu. Não há propriamente sociedade feita, mas antes o
fame sociedade. Através da interação, da relação recíproca, é que se
constitui a Vergesekhaftung, que preferimos traduzir, à maneira dos
simmelianos americanos, por sociação, Na terminologia atual, numerosos
são os autores que o traduzem por socialização, mas o próprio Simmel
utiliza-se, mais de uma vez, desta expressão -Sozialisierung, sem que
os confunda. Alguns tradutores espanhóis servem-se de socialificação,
bem dentro da conotação de processo em movimento, Abel, Martindale
e Giddens optam, dentro da mesma linha, por societalização, Aparecem
ainda, mais erroneamente: sociabilidade, socialidaâe e associação,
Segundo Wolff, a voz sociation existe em inglês desde 1898, cunhada
por J.H.W. Stuckenberg em Introduction to the study of sociology (p.
126-7).
Seleção dos textos
Ensaísta múltiplo, como se vê de sua bibliografia, escreveu Simmel
praticamente sobre todas as disciplinas das ciências humanas: economia,
sociologia, ciência política, filosofia, filosofia social, ética, estética, mú¬
sica, biografia, etc. Ficamos num dilema: tendo de optar entre a maior
concentração de sua obra em torno da sociologia e a maior dispersão
(
por todos os campos por onde passou, Entre a compreensão e a extensão,
preferimos a primeira, fazendo da sociologia o campo de eleição.
Os três primeiros textos são fundamentais para a sua concepção da
sociologia formal, De épocas diversas, vêm sendo reelaborados, às vezes
com um certo tom polémico, em 1896-7, 1908 e 1917, no ano anterior
v
32
à sua morte, Embora sem ser sectário ou opinioso, Simmel manteve
sempre a sua primitiva distinção forma-matéria social, levando-a até
suas últimas consequências, em todos os campos da cultura humana,
O texto 4 é bem demonstrativo da derradeira fase do pensamento
de Simmel, pronunciadamente irracionalista, vitalista e adepto convicto
da filosofia da vida, muito próximo de Bergson,
Muito citada até hoje, "A determinação quantitativa dos grupos
sociais" representou verdadeiro achado para a época, assemelhando-se
muito com a construção da demografia social na escola de Durkheim,
com argumentos e exemplos bem próximos uns dos outros,
Os ensaios sobre a dominação e a subordinação (textos 6 e 7)
preenchem um dos aspectos mais bem elaborados da sua doutrina dos
processos sociais, especialmente da interação social, temas esses tão bem
desenvolvidos por Leopold von Wiese, de Colónia, e Park e Burgess, de
Chicago,
Os textos 8, 9 e 10 sobre a teoria do conflito social em sentido
amplo vêm sendo dos mais repetidos pelos tratadistas contemporâneos,
depois que Bendix e Coser os republicaram em obras diferentes, respec¬
tivamente, em 1955 e 1956. A partir daí tornaram-se citações obriga¬
tórias de quantos cuidaram do tema,
O texto 11 contém o inteiro teor do capítulo 3 -Die Geselligkeit
(Beispíel der Reinen oder Fomalen Soziologie) do seu último livro
de matéria sociológica, aparecido em 1911, e bastante significativo do
pensamento de Simmel e da sua maneira de fazer sociologia,
O ensaio "O estrangeiro" constituí uma das digressões, à margem
do texto principal - como Simmel costumava fazer -, à maneira de
ilustração da matéria maior do espaço e a sociedade,
Com os outros textos reunidos neste volume, pensamos que o leitor
terá uma visão satisfatória do universo,sociológico de Simmel, sem que
seja necessário, nem possível, acompanhá-lo por todos os seus escritos,
Bibliografia de Georg Simmel
Livros
1881 - Das fesen der Materie nach Kants Physischer Monadotogie.
Berlim, 1881, 34 p.
1890 - Úber soziale Dífferenzierung. Soziologische und psychologische
Untersuchungen. Leipzig, Duncker & Humblot, 1890, VII -f
33
147 p, La différentiation sociale, Rem Internationale ' de
Sociologie, 2, 1894, p, 198-213, Tradução de textos principais
por Parazzoli.)
1892 - Die Problem der Geschichtsphilosophie. Eine erkenntnistheo-
retische Mie, Leipzig, Duncker & Humblot, 1892, X -f 109
p, (Problemas de filosofia de la historia, Seguido de los estúdios
"En tiempo histórico" y "La configuración histórica", Trad,
de Elsa Tabernig. Buenos Aires, Editorial Nova, 1950, 266 p.)
1892-93 - Einleitung in die Moralvissenschaft. Eine KM der ethis-
chen Grundbegriffe. Berlim, Hertz, 1892-1893. v, I-II,
VIII + 467 p.; VIII -f- 526 p, (Moral deficíences as
determining intellectual functions, Excertos, sem tradutor
declarado, International Journal of Ethics, 3, 1893, p, 490-
-507.)
1900 - Philosophie des Geldes, Leipzig, Duncker & Humblot, 1900,
XVI A 554 p. (A chapter in the philosophy of value, Sem
indicação de tradutor, The American Journalof Sociology,
v, V, n, 5, março 1900, p, 577-603; The philosophy of money,
Trad, de T, Bottomore e D. Frisby, Londres, Routledge &
Kegan Paul, 1978.)
1904 - Kant, Sechzehn Vorksungen gehalten an der Miner Univer-
sitdt, Leipzig, Duncker & Humblot, 1904, VI A 181 p. (Kant.
Sedici iezioni tenute alTUniversità de Berlino. Intr. e trad, de
G. Nirchio. Milão, 1953, XIV A 111 p.)
1905 - Philosophie der Mode. Berlim, Pan-Verlag, 1905, 41 p,
(Cultura femenina y otros ensayos. Trad, de E, Imaz, Pérez
Bances, M, G, Morente e Fernando Vela, Madri, Revista de
Occidente, 1934, 329 p.)
1906 - a) Kant und Goethe. Berlim, Bard, Marquardt, 1906, 71 p,
(Goethe,Seguido del estúdio Kant y Goethe. Para la historia
de la concepción moderna del mundo, Trad, de J, R, Armem
gol, Buenos Aires, Editorial Nova, 1949, 312 p.)
b) Die Religion. Frankfurt a, Main, Literatische Anstalt
Riitten & Loening, 1906. 79 p, (A contribution to the
sociology of religion, The American Journal of Sociology,
11, 1905-6, p. 359-76, Republicado: , Idem, 60, 1955, p.
1-18.)
1907 - Schopenhauer und Nietzsche. Ein Vortragszyclus. Leipzig,
Duncker & Humblot, 1907, XII A 263 p, (Schopenhauer y
"H
i
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58
que constituem seu conteúdo, Nem a fome, nem o amor, nem o trabalho,
nem a religiosidade, nem a técnica, nem. os produtos intelectuais são,
por si mesmos, de natureza social; contudo, é o próprio fato da sociação
que dá a todas essas coisas a sua realidade, Se bem que a reciprocidade
de ação, a união, a oposição dos homens apareça sempre como a forma
de algum conteúdo concreto, no entanto somente, isolando essa forma
mediante a abstração é que se poderá constituir uma ciência da sociedade,
no estrito sentido da palavra, Não importa que o conteúdo reaja sempre
sobre o continente, isso em nada altera a questão. O estudo geométrico
das formas dos cristais é um problema cuja especificidade de modo
algum é diminuída pelo fato de que a maneira pela qual essas formas
se realizam nos corpos particulares varie conforme a constituição química
desses últimos, A quantidade de problemas que este ponto de vista
permite, suscitar, parece fora de dúvida, Unicamente, dado que, até o
presente, ainda não se soube fazê-lo servir para determinar um campo
de estudos que seja específico à Sociologia, importa antes de tudo habi¬
tuar os espíritos a discernir, nos fenómenos particulares, aquilo que é
propriamente sociológico e o que é da alçada de outras disciplinas;
é a única maneira de impedir nossa ciência de ficar respigando eterna¬
mente no campo dos vizinhos, É a este fim propedêutico que responde
l|íí a presente pesquisa,
I .mih1
2, O PROBLEMA DA SOCIOLOGIA *
Se deve existir uma Sociologia como ciência particular, é necessário
que o conceito de sociedade como tal, por cima da agrupação exterior
dos fenómenos, submeta os fatos sociais históricos a uma nova abstração
e ordenação, de modo que se reconheçam como conexas e formando
assim objeto de uma ciência, certas disposições que até então só foram
observadas em outras e várias relações,
Este ponto de vista surge agora mediante uma análise do conceito
de sociedade, que se caracteriza pela distinção entre forma e conteúdo
da sociedade - devendo ser acentuado queisso em realidade nada
mais é do que uma metáfora para designar aproximadamente a oposição
dos elementos que se deseja separar; esta oposição deve ser entendida
em seu sentido peculiar, sem se deixar levar pela significação que tais
designações provisórias possam ter em outros aspectos, Para chegar a
esse objetivo, parto da mais ampla representação imaginável da sociedade,
procurando evitar no possível a polémica das definições, Â sociedade
existe onde quer que vários indivíduos entram em ínteração, Esta ação
recíproca se produz sempre por determinados instintos (Tríeben) ou
para determinados fins, Instintos eróticos, religiosos ou simplesmente
sociais; fins de defesa ou ataque, de jogo ou ganho, de ajuda ou instrução,
ÿReproduzido de Simmel, G, Das Problem der Soziologie, In: -, Soziologie,
Untemchungen iiber die Form der Vergesellsckftung, 5, ed., Berlim, Duncker
& Humblot, 1968, p, 4-21, Trad, por Evaristo de Moraes Filo,
ff!
! ,
estes e infinitos outros fazem com que o homem se encontre num
estado de convivência com outros homens, com ações a favor deles,
em conjunto com eles, contra eles, em correlação de circunstâncias com
eles. Numa palavra, que exerça influência sobre eles e por sua vez as
receba deles, Essas ínterações significam que os indivíduos, nos quais
se encontram aqueles instintos e fins, foram por eles levados a unir-se,
convertendo-se numa unidade, numa "sociedade". Pois unidade em sen¬
tido empírico nada mais é do que ínteração de elementos, Um corpo
orgânico é uma unidade, porque seus órgãos se encontram numa troca
mútua de suas energias, muito mais íntima do que com nenhum ser
exterior. Um Estado é uma unidade, porque entre seus cidadãos existe
a correspondente relação de ações mútuas, Mais ainda, o mundo não
;f(( poderia ser chamado de uno, se cada parte não influísse de algum modo
1 1| sobre as demais, ou se em algum ponto se interrompesse a reciprocidade
' |lí das influências,
[j Aquela unidade ou sociação (VergeseUsckftmg) pode ter diversos
graus, segundo a espécie e a intimidade que tenha a Ínteração — desde
a união efémera para dar um passeio até a família; desde as relações
li por prazo indeterminado até a pertinência a um mesmo Estado; desde
j | ÿ[ a convivência fugitiva num hotel até a união estreita de uma corporação
j já medieval. Pois bem, designo como conteúdo ou matéria da sociação
' ; I III ' :
tudo quanto exista nos indivíduos (portadores concretos e imediatos de
jjjj toda a realidade histórica) - como instinto, interesse, fim, inclinação,
: ijj estado ou movimento psíquico -, tudo enfim capaz de originar ação
i jii sobre outros ou a recepção de suas influências, Em si mesmas, estas
matérias com que se enche a vida, estas motivações, ainda não chegam
i a ser social. Nem a fome nem o amor, nem o trabalho nem a religio-
>!!' sidade, nem a técnica nem as funções e obras da inteligência constituem
ainda sociação quando se dão imediatamente e em seu sentido puro.
A sociação só começa a existir quando a coexistência isolada dos indi¬
víduos adota formas determinadas de cooperação e de colaboração, que
caem sob o conceito geral da ínteração. A sociação é, assim, a forma, .
li: realizada de diversas maneiras, na qual os indivíduos constituem uma
unidade dentro da qual se realizam seus interesses. E é na base desses
interesses - tangíveis ou ideais, momentâneos ou duradouros, cons¬
cientes ou inconscientes, impulsionados causalmente ou induzidos teleolo-
gicamente - que os indivíduos constituem tais unidades,
Em qualquer fenómeno social dado, conteúdo e forma sociais cons¬
tituem uma realidade unitária, Uma forma social desligada de todo
conteúdo não pode ter existência, do mesmo modo que a forma espacial
61
não pode existir sem uma matéria da qual seja forma, Tais são justa¬
mente os elementos, inseparáveis na realidade, de cada ser e acontecer
sociais: um interesse, um fim, um motivo e uma forma ou maneira de
ínteração entre os indivíduos, pelo qual ou em cuja figura aquele conteúdo
alcança realidade social,
Pois bem, o que faz com que a "sociedade", em qualquer dos
sentidos válidos da palavra, seja sociedade, são evidentemente as di¬
versas maneiras de ínteração a que nos referimos, Um aglomerado de
homens não constitui uma sociedade só porque exista em cada um deles
em separado um conteúdo vital objetivamente determinado ou que o
mova subjetivamente, Somente quando a vida desses conteúdos adquire
a forma da influência recíproca, só quando se produz a ação de uns
sobre os outros - imediatamente ou por intermédio de um terceiro
- é que a nova coexistência social, ou também a sucessão no tempo,
dos homens, se converte numa sociedade. Se, pois, deve haver uma
ciência cujo objeto seja a sociedade, e nada mais, deve ela unicamente
propor-se como fim de sua pesquisa estas interações, estas modalidades
e formas de sociação. Tudo mais que se encontra no seio da "sociedade",
tudo o que se realiza por ela e em seus limites, não é propriamente
sociedade, mas simplesmente um conteúdo que desenvolve esta forma
de coexistência ou é por ela desenvolvido; somente se produz a figura
real chamada "sociedade", no mais amplo e costumeiro sentido do
termo, quando se juntam conteúdo e forma. Separar por abstraçâo científi¬
ca estes dois elementos, forma e conteúdo, que são na realidade insepara¬
velmente unidos; sistematizar e submeter a um ponto de vista metódico,
unitário, as formas de Ínteração ou sociação, mentalmente desligadas
dos conteúdos, que só por meio delas se fazem sociais, me' parece a
única possibilidade de fundar uma ciência especial da sociedade como
tal. Somente tal ciência pode realmente projetar os fatos designados sob
o nome de realidade social-históríca no plano do puramente social.
Ainda que semelhantes abstrações - as únicas que produzem
ciência da complexidade ou também da unidade do real - tenham
surgido das necessidades internas do conhecimento, elas também exigem
alguma justificação na própria estrutura da objetividade, Pois somente
na existência de alguma relação funcional com o mundo dos fatos, pode-se
encontrar garantia contra um problematismo. estéril, contra o caráter
acidental da formação de conceitos científicos, Destarte, erra o natura¬
lismo ingénuo crendo que o dado na realidade já contém os princípios
analíticos e sintéticos da ordenação, mediante os quais pode esta reali¬
dade dada ser conteúdo da ciência. Contudo, as características do dado
62
são mais ou menos suscetíveis de receber aquelas ordenações, como,
por exemplo, um retrato transforma fundamentalmente a aparência natu¬
ral humana, mas há rostos que se acomodam melhor que outros a esta
transformação radical, De acordo com isso, podemos avaliar a maior
ou menor eficácia dos vários problemas e métodos científicos, O direito
de submeter os fenómenos histórico-sociais a. uma análise de formas e
conteúdos, e levar as primeiras a uma síntese, repousa em duas condições
. que só nos fatos podem ser verificadas, De um lado, é preciso que
uma mesma forma de sociação possa ser observada em conteúdos
totalmente diversos e em conexão com fins totalmente diversos. Por
outro lado, é necessário que o mesmo interesse apareça realizado em
formas de sociação completamente diversas, que lhe serviriam de meio
ou veículo, Encontra-se um paralelo no fato de que as mesmas formas
"i| geométricas podem ser observadas nas mais diversas matérias e a mesma
ili /III
i» matéria nas mais diversas formas espaciais. O que se manifesta, de modo
análogo, entre as formas lógicas e os conteúdos materiais do conhecimento.
Estas duas condições são fatos inegáveis, Em grupos sociais que
por seus fins e por toda sua significação são os mais diversos que se
possam imaginar, encontramos as mesmas relações formais dos indivíduos
entre si, Dominação e subordinação, competição, imitação, divisão do
trabalho, formação de partidos, representação, coexistência da união
para dentro e a exclusão para fora, e incontáveis formas semelhantes, se
encontram tanto num Estado quanto numa comunidade religiosa, num
bando

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