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Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço Considerações acerca do dever de segurança imposto aos fornecedores De acordo com teor dos artigos 8.º e 9.º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), os produtos e serviços em oferta não poderão acarretar riscos à saúde ou segurança dos consumidores, salvo se tais riscos possam ser considerados normais e previsíveis em decorrência da natureza e do modo de utilização daqueles bens econômicos, lembrando que o fornecedor se encontra obrigado a informar, de modo claro e ostensivo, principalmente nesses casos, acerca do adequado uso do produto ou serviço, e ainda, sobre os potenciais riscos que os mesmos possam oferecer à coletividade. O fiel cumprimento desses preceitos legais pode ser observado, no plano concreto, na aferição da publicidade feita pelas empresas de cigarro, atualmente, bastante limitada por conta dos efeitos nocivos desses produtos; nas embalagens de produtos perigosos como álcool líquido, pesticidas e agrotóxicos, que advertem o consumidor sobre as necessárias cautelas que deve-se adotar; nas bulas que orientam acerca do uso adequado dos medicamentos, seus efeitos colaterais potenciais e sobre as pessoas a quem não se aconselha consumi-los; nas embalagens de alimentos, que devem conter o prazo máximo em que o consumo é recomendado. Não se pode negar que existe um dever geral de segurança, cumprindo informar ainda, que é em caráter excepcional que se admite a inserção de produtos perigosos no mercado, pois em regra, o fornecedor não pode comercializá-los. Por sua vez, se o fornecedor descobrir posteriormente que o produto inserido no mercado de consumo oferece riscos à saúde ou à segurança dos potenciais usuários, deverá promover sua retirada da exposição pública ao comércio, comunicando à coletividade ostensivamente, de modo a minimizar as prováveis vítimas. Nesses casos, na hipótese de danos causados a algum consumidor em razão do Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 60 | Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço defeito do produto, mesmo que desconhecido pelo fornecedor, este está obrigado a reparar os prejuízos suportados pela vítima, mesmo que tenha realizado todos os testes possíveis de periculosidade. Eis que assume as consequências de sua atividade, não podendo invocar a teoria do risco do desenvolvimento para eximir-se do dever de indenizar. Ao contrário do que ocorre na Europa, onde tal tese prevalece em favor da empresa. Caso típico de conhecimento posterior do problema é notado no ramo de comércio de automóveis novos, cuja solução é dada normalmente mediante a prática de recall, procedimento que consiste em anúncios públicos e ostensivos visando à convocação dos consumidores para que compareçam à empresa a fim de sanar os defeitos aferidos nos produtos ou serviços que colocara no mercado. Salienta- -se que nesses casos, todas as despesas devem correr por conta do fornecedor. Imagine ainda, como exemplo dessa assertiva, a comercialização de apartamentos construídos sob solo infectado por produtos químicos enterrados há muitos anos ou erguidos sob solo em que há risco de desmoronamento, quando tais fatos venham a ser conhecido pelo vendedor ou pelo comprador após a entrega das chaves. Parece claro que, nesse caso, o fornecedor se obriga a informar de imediato os compradores das unidades imobiliárias para que desocupem o imóvel, responsabilizando-se, no mínimo, pelas despesas com a mudança e com o pagamento dos aluguéis até que o defeito, se possível, seja reparado. A ideia que aqui impera é que para além de ser obrigado a reparar os prejuízos suportados pelo consumidor, o fornecedor deve ainda evitá-los, agindo de modo a evitar o ilícito. Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço A teoria da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço implica a análise dos acidentes de consumo, ou seja, o estudo das situações em que o consumidor sofre danos ao seu patrimônio, e espe- cialmente, a sua integridade psicofísica, bem como das consequências oriundas de tal lesão, principal- mente, o dever de repará-los. Teoria essa que surge em razão da preocupação do legislador com o grau de segurança oferecido pelos bens colocados no mercado de consumo (BESSA, 2006, p. 87). Para ilustrar essa situação, pode-se lembrar o caso da garrafa que explode nas mãos do consumidor e causa lesões no rosto ou nos olhos da vítima, ou ainda, o caso do avião que cai e fere os passageiros. Como hipótese de aplicação dessa teoria aos consumidores by stander, ou seja, aos terceiros que são vítimas de um acidente de consumo, é esclarecedora a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial 540.235/TO, que impôs à empresa proprietária de aeronave que realiza o transporte de malotes o dever de reparar os prejuízos suportados pelas vítimas que perderam suas casas em razão de acidente aéreo. Quando efetivamente o fornecedor será responsabilizado pelos acidentes de consumo? A resposta está localizada no artigo 12 da Lei 8.078/90, ditando que o fornecedor deverá reparar os danos surgidos em razão de defeitos decorrentes do projeto, da fabricação, da construção, da montagem, das fórmulas e de sua manipulação, da apresentação ou do acondicionamento de seus produtos, e ainda, em razão de informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. Em síntese, pode-se afirmar que haverá responsabilidade quando houver um defeito de concepção, de produção ou de informação (GRASSI NETO, 2007, p. 56-58), levando em conta que um produto será Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 61|Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço considerado defeituoso quando não oferecer a segurança dele legitimamente esperada, respeitando circunstâncias como sua apresentação, uso e riscos, que razoavelmente dele se esperam, e ainda, a época em que foi colocado em circulação. Há o dever de indenizar quando a casa comprada junto à empresa do ramo imobiliário vem a desabar e ferir a família do consumidor, quando tal fato ocorreu porque o projeto estrutural foi elaborado sem considerar aspectos específicos do solo naquela região, ou foi desenvolvido pelo engenheiro responsável sem observar, de modo escorreito, a construção. Também há o dever de indenizar quando o consumidor não for informado adequadamente sobre o uso do bem, por exemplo, quando o elevador não possui uma placa indicativa do peso máximo que pode transportar e despenca da cobertura porque o comprador do imóvel não teve acesso a essa informação e excedeu a lotação do mesmo. É evidente que nessas hipóteses o consumidor que compra uma casa ou um apartamento não espera que o mesmo venha abaixo – como descrito no exemplo anterior – e dessa forma, a noção de defeito “está essencialmente ligada à expectativa do consumidor [e assim] um produto é defeituoso quando ele é mais perigoso para o consumidor ou usuário do que legitimamente ou razoavelmente se podia esperar” (ROCHA, 2000, p. 95). É importante discorrer também sobre quem será o responsável pela indenização dos prejuízos, destacando-se que a Lei 8.078/90 prevê em seu artigo 12 que o fabricante, o produtor, o construtor e o importador “responderão pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decor- rentes do produto”, obrigando, nos casos previstos, mesmo quem não seja parte no contrato, a reparar a vítima, o que se dá em razão das vantagens indiretamente auferidas. Como se denota, no caso de acidente de consumo, terá dever de indenizar não apenas quem entregou o produto ao consumidor por ocasião da compra e venda, mas, sim em regra, qualquer responsável pela circulação do produto no mercado. Observa-se que o comerciante foi propositalmente excluído do rol dos responsáveis citados, pois deverá indenizar apenas em situações peculiares, que serão abordadas logo à frente. Salienta-se ainda que, visando à proteçãodos vulneráveis, houve a criação de um sistema de responsabilidade objetiva, ou seja, que dispensa a presença de culpa na conduta do fornecedor, tese essa que surge, entre outros fatores, da necessidade de “substituição da ideia de responsabilidade pela reparação, mediante a socialização dos riscos” (COSTA, 2002, p. 218), bem como, de um maior estudo da teoria econômica, que impõe a quem lucra com certa atividade o dever de assumir os riscos inerentes à mesma (CAVALIERI FILHO, 2000). Dessa forma, basta ao consumidor demonstrar que sofreu o dano e que esse dano teve origem em razão de defeito do produto adquirido ou serviço contratado junto ao fornecedor. Em verdade, a responsabilidade subjetiva, ou seja, aquela lastreada na culpa, há algum tempo não consegue resolver inúmeros problemas surgidos nas relações cotidianas, tendo sido gradativamente substituída pela responsabilidade objetiva, ou seja, por aquela que impõe o dever de indenizar sem a necessidade da presença de culpa, evitando assim que vítimas de danos injustos pereçam sem indenização por conta da dificuldade de demonstração de que certa conduta é permeada pelo elemento subjetivo (HIRONAKA, 2005). Apenas a título de informação, cumpre destacar que existem diversos fatores de atribuição de responsabilidade que poderão ser utilizados para substituir a culpa, entre eles: o risco criado, a garantia, o abuso de direito, a equidade etc. (LORENZETTI, 2004, p. 612). Aliás, não só podem como devem, pois, como anteriormente explicado, a responsabilidade civil lastreada “na imputação culposa se assemelha a um edifício dotado de portas difíceis de serem abertas” (LORENZETTI, 1998, p. 96), pensamento que Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 62 | Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço se justifica na dificuldade da demonstração do desvio da conduta de quem provocara o dano, ou seja, na complexidade da produção de prova de negligência, imprudência ou imperícia de quem causou o prejuízo à vítima. Deveras importante destacar ainda que a observância do dever de informar pelo fornecedor detém relevante papel na solução dos problemas surgidos no âmbito da teoria da responsabilidade, do produto ou serviço. De fato, a apresentação dos bens colocados no mercado de consumo assume especial relevância, por exemplo, se for realizada a publicidade de determinado brinquedo, sem a advertência de que este não é recomendado para crianças que ainda não têm certa idade, o fornecedor poderá ser responsabilizado se o infante for lesado por ter engolido um pedaço do brinquedo. Por outro lado, desde que exista prévia informação, há de se ter em conta quando da análise da responsabilidade do fornecedor, se o produto foi utilizado para o fim a que se destina, posto que se o consumidor der ao produto comprado destinação diversa da esperada ou recomendada, em regra, deverá suportar os prejuízos que venha a sofrer. Dessa forma, se o consumidor utilizar uma lâmina de barbear para cortar as unhas, não poderá depois, por ter cortado o dedo, imputar tal responsabilidade ao fabricante daquela; também estando impedido de alegar que em razão do surgimento de nova tecnologia no sistema de freios ou por conta dos air bags instalados em veículos mais novos, que o carro antigo que possui, fabricado na década de 1980, é defeituoso, porque oferece maior risco a sua segurança que os produzidos atualmente. Analisados os pressupostos anteriores, se houver um acidente de consumo, de acordo com o CDC o fabricante e os demais responsáveis só não serão responsabilizados se demonstrarem que não colocaram o produto no mercado, que o defeito inexiste ou que o acidente ocorreu por fato exclusivo do consumidor ou de terceiro, e ainda, promovendo-se uma vez mais o diálogo das fontes, se houver caso fortuito ou força maior. Acerca do tema, José Reinaldo de Lima Lopes (2005, p. 110) afirma que a responsabilidade do fornecedor é macrossocial, sendo a ele imputado o risco de sua atividade de modo a internalizá-lo, só se exonerando do dever de reparar os danos suportados pelo consumidor em razão de acidente de consumo se demonstrar a inexistência de vínculo com o produto, a inexistência de defeito, ou, fato exclusivo da vítima, hipótese essa que acaba sendo redundante, pois se o acidente ocorreu em razão do uso inadequado, desde que cumprido o dever de informar, o bem não poderá ser considerado defeituoso. Assim, na hipótese de um medicamento, que ainda está em teste, ser colocado à disposição do consumidor em farmácias por ter sido furtado nas instalações do fornecedor, este último, em princípio, não terá o dever de indenizar. Também no caso do uso indevido do produto, não há dever de indenizar, como no caso do automóvel de passeio que tem um pneu estourado e que por isso encontra uma árvore a sua frente, porque o condutor o dirigia a mais de 200km/h, quando o pneu não foi projetado para essa velocidade (fato exclusivo da vítima), ou, na mesma hipótese, porque o pneu estourou por conta de um buraco na rodovia (fato de terceiro). Nesse último caso, se a estrada tiver sido concedida à iniciativa privada, esta responde pelo dano, caso contrário, a responsabilidade será do Estado. Como antes adiantado, é importante destacar que os danos causados em razão de acidente de consumo, em princípio, não serão de responsabilidade do comerciante, entretanto, este atrairá o dever de repará-los, quando o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puder ser identificado e ainda, quando não conservar adequadamente os produtos perecíveis. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 63|Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço Como exemplo da primeira hipótese, tem-se a situação de comercialização de produtos importados sem que o rótulo ou as informações sobre quem seja o fabricante ou o importador sejam traduzidas para o português, e da segunda, os casos em que os produtos espalhados nos balcões frigoríficos dos supermercados se deterioram porque o fornecedor, no período noturno, desliga aqueles visando economizar energia elétrica. Por sua vez, merece destacar que os prestadores de serviços respondem da mesma forma antes delineada, consoante dispõe o artigo 14 do CDC, desde que o defeito esteja contido no serviço prestado ou haja informação insuficiente ou inadequada sobre a adequada fruição daquele, e desse modo, caso a imobiliária não informe que a casa que está comercializando é antiga e precisa de reformas, na hipótese do comprador suportar alguma lesão porque a escada caiu ou o piso cedeu com o morador sobre ele, poderá ser responsabilizada. Por fim, de acordo com o parágrafo 4.º do artigo 14 do CDC, “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”, regra essa que há de ser lida com bastante cautela, principalmente, quando o profissional assumir dever qualificado pela doutrina como de resultado, como é o caso do engenheiro na empreitada e do médico nas cirurgias plásticas de resultado. Salienta-se, enfim, que o papel da culpa no incumprimento das obrigações merece ser relido (CATALAN, 2005). Considerações sobre o prazo para exercício da pretensão à indenização Em princípio, o prazo para exercício da pretensão visando à reparação dos danos oriundos de aci- dentes de consumo será de cinco anos, como expressamente prevê o artigo 27 do CDC, prazo esse que se inicia a partir do conhecimento do dano e de sua autoria, momento que em regra, coincide quando a lesão ocorre. Entretanto, excepcionalmente, na hipótese dos danos ofenderem a algum direito da persona- lidade, principalmente se a lesão violar a integridade psicofísica da vítima, como ocorre quando há a perda de membros ou órgãos vitais, como um olho, um dedo ou um braço, é possível admitir que aquele prazo não se aplica, podendo ser ajuizada a ação visando à reparação de taisdanos a qualquer tempo (TARTUCE, 2006, p. 146-147), desde que a vítima o faça em vida, pois quanto mais a vítima demora para recorrer ao Judiciário, em regra, menor será o valor da indenização a que terá direito, ante a incidência da figura da supressio1. Nesses casos, a ausência de prazo se dá por conta da violação de direito da personalidade, que entre outras características, é tido como absoluto, perpétuo, intransmissível e irrenunciável, e que uma vez desrespeitado, é fonte dos chamados danos extrapatrimoniais ou morais e tem como principal sustentáculo o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (MORAES, 2006). Muito embora essa tese ainda esteja em fase de desenvolvimento, a partir da leitura constitucional do direito privado, parece que o caminho é irreversível, como se denota do seguinte julgado: 1 A supressio pode ser identificada como a situação de um direito que, não tendo sido exercido por seu titular ao longo do tempo, não possa mais sê-lo, em razão da confiança depositada por aquele “contra” quem se pretende exercê-lo na não utilização daquele mesmo direito. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 64 | Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço 9. À luz das cláusulas pétreas constitucionais, é juridicamente sustentável assentar que a proteção da dignidade da pessoa humana perdura enquanto subsiste a República Federativa, posto seu fundamento. Consectariamente, não há falar em prescrição da ação que visa implementar um dos pilares da República, máxime porque a Constituição não estipulou lapso prescricional ao direito de agir, correspondente ao direito inalienável à dignidade. [...] 13. A dignidade humana violentada, in casu, decorreu do sepultamento do irmão da parte, realizado sem qualquer comunicação à família ou assentamento do óbito, gerando aflição ao autor e demais familiares, os quais desconheciam o paradeiro e destino do irmão e filho, gerando suspeitas de que, por motivos políticos, poderia estar sendo torturado revelando flagrante atentado ao mais elementar dos direitos humanos, os quais, segundo os tratadistas, são inatos, universais, absolutos, inalienáveis e imprescritíveis. Inequívoco que a morte do irmão do autor não foi oficialmente informada à família, nem houve qualquer tipo de registro ou identificação da sepultura. [...]. (REsp 612.108/PR) Atividades 1. Qual a função da teoria da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço? 2. Qual a amplitude do dever de segurança imposto aos fornecedores de produtos e serviços? Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br
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