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Cláusulas abusivas e proteção do consumidor Justificando a necessidade de proteção do consumidor Não se pode negar que, com o passar do tempo, o consumidor deixou de ser tratado como pessoa, passando a ser visto como um número, especialmente diante dos novos bens e serviços inseridos no mercado de consumo e, ainda, das técnicas empresariais surgidas com o fim de divulgar aqueles, como se pode visualizar na publicidade, que a cada dia informa menos e convence mais, mormente quando cria uma falsa necessidade de consumo de inúmeros bens e serviços, ou seja, os consumidores são induzidos diuturnamente a comprar bens supérfluos (BESSA, 2007, p. 30). Nesse contexto, a partir da constatação de que o consumidor é vulnerável, a proteção a ele dada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) acaba sendo justificada, haja vista que a lei pretende tão somente manter a relação negocial havida entre forte (fornecedor) e fraco (consumidor) sempre equilibrada. Almejando esse equilíbrio, o CDC, entre outros pontos, versa sobre as práticas abusivas e as cláusulas abusivas, temas que passam a ser explorados a partir deste momento. Um passar de olhos pelas práticas abusivas A noção de prática abusiva está atada à ideia de restrição da conduta do fornecedor em seu cotidiano, pois nas hipóteses previstas pelo legislador, e porque não em outras não destacadas expressamente no texto legal, tendo em vista que o rol trazido pela lei não é taxativo, mas sim meramente exemplificativo (MARQUES; BENJAMIN; MIRAGEM, 2003, p. 504), o comportamento externado pelo fornecedor deve ser reprimido em prol da comutatividade do contrato. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 112 | Cláusulas abusivas e proteção do consumidor Inicialmente, deve ser lembrado que ao se considerar que os escopos das práticas empresariais visam colocar à disposição do consumidor bens ou serviços de qualquer natureza, ao fornecedor, por exemplo, não será permitido criar uma nova necessidade de consumo em razão dos avanços tecnológicos, e logo após retirá-lo do mercado de consumo de, quando este, passa a ser consumido em grande escala (SAYEG, 1993, p. 45). Ademais, à matéria é dada especial atenção por meio do rol de situações previstas no artigo 39 do CDC, que proíbe o fornecedor de bens ou serviços, entre outros comportamentos, a “condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”. O inciso I do citado artigo veda, por exemplo, a prática conhecida por venda casada que, apesar do nome, não se restringe a situações de venda e compra, mas também a outros negócios, como no caso da locação de um imóvel negociada por uma imobiliária, que somente se aperfeiçoa, ou seja, cujo contrato será pactuado se também for locada a garagem, ou se forem locados os móveis que guarnecem o apartamento, mobiliário esse removível facilmente, e por cujas locações se cobra um preço maior que o da exclusiva locação do local destinado à moradia do consumidor. O inciso II do comentado dispositivo legal, por sua vez, dispõe que é vedado ao fornecedor recusar-se a atender às demandas dos consumidores, uma vez tendo o produto em estoque e dessa forma, no caso das conhecidas promoções que limitam a aquisição de produtos nos supermercados, como normalmente ocorre com leite condensado, latas de cerveja, entre outros, a restrição imposta pelo fornecedor viola a lei. Por sua vez, a próxima vedação imposta pelo legislador visando à tutela do consumidor exposto às práticas empresariais diz respeito ao envio ou entrega ao consumidor, sem solicitação prévia, de bem ou fornecimento de qualquer serviço, hipótese em que, salvo exceções, o consumidor deverá entender que recebeu uma amostra grátis. Veja bem que, nesse caso, ocorre uma espécie de dicotomia quanto aos exemplos possíveis, pois se o leitor receber em casa uma revista ou um alimento qualquer e abrir seus invólucros, visando ler a revista ou consumir o alimento, não poderá, pelo que foi afirmado no parágrafo anterior, ser compelido ao pagamento dos aludidos bens, entretanto, no caso de receber um cartão de crédito não solicitado, desbloqueá-lo e utilizá-lo para compras das mais distintas, terá que pagar a fatura, pois, nesse caso, além do ordenamento vedar o enriquecimento sem causa, há de se ter em conta que o produto foi utilizado como um meio para a aquisição de outros bens. Também é considerada abusiva, de acordo com o inciso IV do artigo sob análise, qualquer ato que permita ao fornecedor “prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços”, podendo ser destacado aqui, enquanto exemplo a ilustrar o dispositivo legal sob análise, em uma farmácia que divulga perante uma comunidade de idosos a venda de bens milagrosos que ampliarão suas vidas em vários anos. A seu turno, o inciso V do artigo 39 nem mesmo precisaria estar descrito, porque resta claro em todos os momentos do CDC a proibição ao fornecedor de “exigir do consumidor vantagem manifesta- mente excessiva”; como é o caso de juros que refogem aos parâmetros de razoabilidade e a situação, infelizmente ao que parece mais comum do que aparente, de contratos de honorários advocatícios pactuados ajustando que o profissional terá direito a receber 50% daquilo que o cliente vier a receber no futuro, transformando advogado e cliente em verdadeiros sócios. Saliente-se que essas situações também podem ser tratadas como hipóteses de cláusulas abusivas, como logo adiante será analisado. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 113|Cláusulas abusivas e proteção do consumidor Tem-se ainda que pelo inciso VI, do artigo 39 do CDC, o fornecedor também está proibido de “executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes” e, desse modo, salvo a existência de relação de confiança entre os contratantes, uma vez mais o consumidor não será obrigado a pagar qualquer valor pela atividade desenvolvida pelo fornecedor que, no máximo, e se possível, poderá reaver as peças destacáveis eventualmente utilizadas no serviço executado. Frisa-se ainda ser expressamente vedada a criação de listas restritivas de consumidores, ou seja, é ilícita a atividade que se caracteriza pelo repasse de informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos e, dessa maneira, se em tese o fornecedor tem o direito de inserir o nome do consumidor que não honra seus compromissos em bancos de dados como os dos serviços de proteção ao crédito, por outro, não pode estar criando listas visando a não atender às expec- tativas daqueles consumidores que usualmente reivindicam seus direitos. Ato contínuo, cumpre destacar que o fornecedor tem o dever de, ao comercializar seus bens, observar as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou por aqueles que ditam os parâmetros a serem observados e que a infração a esse dispositivo legal se observa nos placebos, também conhecidos por pílulas de farinha. Destaca-se que o fornecedor se encontra em oferta permanente, sendo-lhe vedado, consoante dita o inciso IX do artigo 39 do CDC “recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento”. Também são consideradas abusivas práticas como a que se consubstancia no aumento, sem justa causa, do preço de produto ou serviço, na aplicação de fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou do contratualmente estabelecido pelas partes e, ainda, a que deixa a fixação do momento de cumprimento do contrato unicamente a critério a ser eleito pelo fornecedor. Das cláusulas abusivas: compreendendo o tema e a sua importância Umacláusula contratual será considerada abusiva quando derivar do exercício anormal do poder de predisposição das condições contratuais, ou seja, de elaboração unilateral dessas, como pode ocorrer quando aquele que estipula as cláusulas do negócio aproveita-se de seu poder para impor cláusulas que prejudicarão aquele que está aderindo ao contrato, em razão do desequilíbrio das prestações que estão sendo reciprocamente assumidas (GALDINO, 2001, p. 14). Nesse contexto, como bem ensina Antônio Carlos Efing (2004, p. 226), o regramento das cláusulas abusivas parte da necessidade da criação de instrumentos destinados a manutenção da equidade contra- tual, de modo a que seja alcançada efetiva justiça substancial. Dessa forma, visa corrigir os desequilíbrios que podem surgir em razão da supremacia que o fornecedor exerce quando da formação do contrato. Para que se possa definir o que seja uma cláusula abusiva, dois caminhos podem ser eleitos: o primeiro liga a abusividade ao abuso de direito, a partir da ideia de que se faz necessário o uso malicioso do poder de contratar ou, no mínimo, o desvio da finalidade desse poder reconhecido e concedido aos particulares pelo Estado; o segundo aproxima a abusividade aos parâmetros da boa-fé objetiva e Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 114 | Cláusulas abusivas e proteção do consumidor da lealdade, sem que haja necessidade de perquirir as razões que levaram o proponente a formular as cláusulas contratuais e, por consequência, aferindo-se apenas se há ou não comutatividade, equilíbrio ou razoabilidade entre as prestações reciprocamente assumidas (MARQUES; BENJAMIN; MIRAGEM, 2003, p. 624), sendo a última linha de pensamento destacada aquela que, certamente, melhor resolve os problemas surgidos nesse âmbito. É importante que o consumidor, ao ler as cláusulas do contrato que pretende pactuar, efetiva- mente, tome conhecimento de seu conteúdo, entretanto, não basta que tenha cognoscibilidade das disposições predispostas pelo fornecedor, pois, visando à proteção do vulnerável, o legislador incumbiu o fornecedor de certificar-se que consumidor compreendeu o conteúdo das disposições contratuais, até porque, em muitas situações, o aderente só toma conhecimento dos problemas que irá enfrentar quando a relação obrigacional já estiver em curso, como pode ocorrer no contrato de hospedagem, em que o hóspede só descobre o custo de certos serviços na hora de pagar a conta e, ainda, no contrato de locação, já que algumas imobiliárias continuam a cobrar a taxa de administração, prática vedada pela Lei 8.245/91 (GALDINO, 2001, p. 42). Um belo exemplo de cláusula abusiva, assim reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), é a que isenta de responsabilidade supermercados e shopping centers pelos furtos ocorridos em seus estacionamentos, situação que pode ser ampliada para qualquer empresa, entre elas empreiteiras, imo- biliárias, incorporadoras, como se pode observar do julgado transcrito a seguir: [...] o cliente do estabelecimento comercial, que estaciona o seu veículo em lugar para isso destinado pela empresa, não celebra um contrato de depósito, mas a empresa que se beneficia do estacionamento tem o dever de proteção, derivado do princípio da boa-fé objetiva, respondendo por eventual dano. [...]. (REsp 107.211) Uma vez de modo meramente exemplificativo (BARROSO, 2005, p. 198), a lei traz um rol de cláusulas que são consideradas abusivas, matéria que se encontra prevista no artigo 51 do CDC, ditando seu caput que as disposições contratuais assim caracterizadas “são nulas de pleno direito”. Vale a pena analisar alguns dos incisos do artigo mencionado, mormente, pela frequência com que tais situações se apresentam cotidianamente no mundo dos fatos, destacando-se desde já que em seu inciso I o artigo 51 do CDC dita que são nulas as que “impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos”; e, dessa forma, havendo um acidente de consumo ou mesmo detectado um simples vício no produto adquirido, o consumidor sempre terá direito a optar pelas alternativas previstas em lei, não prevalecendo qualquer ajuste que tenha por escopo eximir o fornecedor de responsabilidade ou mesmo limitá-la. Lembra-se de que a nulidade de cláusula isentando de responsabilidade a construtora que atrasa a entrega do imóvel, como bem analisou o STJ ao decidir pela: [...] Não prevalência de cláusula imposta em termo de entrega de unidade imobiliária isentando a construtora de qual- quer ressarcimento pelo expressivo atraso na conclusão da unidade, quando o adquirente, desde antes, insurgindo-se contra tal condicionante para a sua imissão na posse, já notificara a construtora para ressalvar seu direito à indenização pelo fato. [...]. (REsp 197622) Por sua vez, também não será recebida pelo sistema qualquer cláusula contratual que retire do consumidor a possibilidade de optar pelo reembolso da quantia paga, tanto no caso do bem adquirido conter vício que não seja sanado pelo fornecedor no prazo legal, como na hipótese prevista no artigo 49 do CDC, que permite ao consumidor desistir do contrato pactuado fora do estabelecimento empre- sarial desde que o faça no prazo de sete dias que se inicia com o recebimento do bem, sem que lhe seja Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 115|Cláusulas abusivas e proteção do consumidor exigida qualquer justificativa. Essa segunda situação pode ser visualizada tanto nas vendas realizadas de porta em porta, como nas compras feitas pela internet, reembolso postal ou telefone. Também será considerada nula cláusula que transfira responsabilidades a terceiros e, desse modo, caso o empreiteiro insira entre as disposições contratuais pactuadas com o consumidor, obrigação deste em acionar diretamente a seguradora, no caso da obra, depois de entregue, vir a desabar, esse ajuste não obriga o consumidor, e deve ser considerado como não escrito. Por sua vez, se o consumidor quiser acionar aquele (empreiteiro), visando ser ressarcido nos prejuízos que sofreu, poderá fazê-lo sem quaisquer problemas. Frisa-se que será considerada como não escrita qualquer disposição que estabeleça obrigação considerada iníqua, abusiva, que coloque o consumidor em desvantagem exagerada ou, enfim, que seja incompatível com a boa-fé e a equidade, frisando-se desde logo que a lei presume ser exagerada a vantagem que viole os princípios orientadores do CDC; restrinja direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, ameaçando seu equilíbrio ou, por fim, quando se mostra excessiva- mente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. Um bom exemplo de cláusula nula em razão de exagerada desvantagem imposta a uma das partes se afere de problemas ligados a furto de cartão de crédito e distribuição de responsabilidades, como decidiu o STJ ao destacar que: [...] são nulas as cláusulas contratuais que impõem ao consumidor a responsabilidade absoluta por compras realizadas com cartão de crédito furtado até o momento (data e hora) da comunicação do furto [pois] tais avenças de adesão colocam o consumidor em desvantagem exagerada e militam contra a boa-fé e a equidade, pois as administradoras e os vendedores têm o dever de apurar a regularidade no uso dos cartões. [...]. (REsp 348343) Salienta-se que também deverão ser afastadas as cláusulas que “estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor” (CDC, art. 51, VI) e que “determinem a utilização compulsória de arbitragem” (CDC, art. 51, VII), situações que podem trazer prejuízos aos consumidores. A primeira, porque lhe transfere a responsabilidade de fazer a prova de uma situação que a lei impõe ao fornecedor, e a segunda,por afastar o caso da apreciação do Poder Judiciário. Vale a pena lembrar, uma vez mais, que a vontade do consumidor na formação dos contratos é quase inexistente e, desse modo, não pode ser hábil a produzir consequências nocivas, nascidas do ajuste de cláusulas desfavoráveis. Ainda seguindo o rol de cláusulas abusivas previsto na lei, assim serão reconhecidas as cláusulas que “imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor” (CDC, art. 51, VIII), situação frequente no passado, quando em razão de contrato de cheque especial, o usuário deste autoriza terceira pessoa, normalmente funcionário do banco, a sacar em seu nome nota promis- sória ou outro documento reconhecendo a dívida; que “deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor” (CDC, art. 51, IX); que “permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral” (CDC, art. 51, X); e que “autorizem o forne- cedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor” (CDC, art. 51, XI), abusos que falam por si só, dispensando maiores comentários. Também não prevalece perante o direito qualquer acordo que obrigue o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor, situação bastante frequente em cobranças terceirizadas. Assim, caso o credor resolva contratar terceiro para receber seus créditos, será ele que deverá arcar com as despesas desse contrato, não podendo transferi-las ao consumidor. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 116 | Cláusulas abusivas e proteção do consumidor Existem várias outras cláusulas abusivas, pois como visto, o elenco destas previsto na lei não é exauriente, entretanto, não há espaço aqui para analisá-las, uma a uma. É importante salientar enfim que, em regra, a nulidade de uma cláusula abusiva não conduzirá à invalidação completa do contrato, e sempre que possível este será mantido pelo juiz em homenagem ao princípio da conservação do negócio jurídico. Atividades 1. O que são práticas abusivas? 2. No que consistem as cláusulas abusivas? Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br
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