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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI DIVERSIDADE LINGUÍSTICA E COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 5 2 A ORALIDADE E A ESCRITURA .................................................................................. 6 2.1 No princípio, era a palavra: as origens orais da literatura ........................................... 6 2.2 Oralidade e performance ............................................................................................ 8 2.3 As fórmulas orais na escrita ..................................................................................... 12 2.4 Literatura exclusivamente oral .................................................................................. 12 2.5 Literatura oral com registro escrito ........................................................................... 12 2.6 Literatura escrita com influências da oralidade ........................................................ 14 3 LEITURA, ORALIDADE E ESCRITA ........................................................................... 15 3.1 As diferentes manifestações da linguagem .............................................................. 16 3.2 A linguagem e o conceito de língua em uso ............................................................. 16 3.3 Fala e escrita: conjunto de partes unidas entre si .................................................... 17 4 GÊNEROS E TIPOS TEXTUAIS ................................................................................. 20 4.1 O texto literário e as suas manifestações linguísticas .............................................. 21 4.2 O que é um texto literário? ....................................................................................... 22 4.3 A linguagem e os seus diferentes contextos ............................................................ 23 5 TIPOS DE LINGUAGEM ............................................................................................. 24 5.1 A interlocução e o contexto ...................................................................................... 26 6 NOÇÕES GERAIS DE LINGUÍSTICA, SOCIOLINGUÍSTICA, PSICOLINGUÍSTICA, GRAMÁTICA E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA O ESTUDO DA LÍNGUA MATERNA 27 6.1 A leitura, a escrita e o papel dos professores ........................................................... 27 6.2 As diferentes correntes linguísticas .......................................................................... 28 6.3 A gramática gerativa de Chomsky ............................................................................ 30 3 6.4 Sociolinguística ........................................................................................................ 30 6.5 Análise do Discurso (AD) ......................................................................................... 31 6.6 Psicolinguística ......................................................................................................... 31 6.7 As abordagens linguísticas na prática da sala de aula ............................................. 32 7 VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS ...................................................................................... 35 7.1 Variação regional, ou geográfica .............................................................................. 36 7.2 Variação social ......................................................................................................... 36 7.3 Variação estilística ................................................................................................... 36 7.4 Fatores que causam as variações linguísticas ......................................................... 37 7.5 Variações linguísticas versus utilização da língua nos contextos de comunicação .. 39 8 CONCEPÇÕES DA LÍNGUA E DIVERSIDADE LINGUÍSTICA ................................... 41 8.1 Concepções da língua: o processo histórico linguístico ........................................... 42 8.2 Diversidade linguística regional ................................................................................ 43 8.3 A diversidade linguística na sala de aula ................................................................. 46 9 EDUCAÇÃO MULTICULTURAL E DIRETRIZES BÁSICAS DA LEI BRASILEIRA ..... 47 9.1 Educação multicultural no Brasil: desafios e possibilidades ..................................... 47 9.2 Os esforços para a construção de uma educação multicultural no Brasil ................ 51 9.3 Iniciativas multiculturais nas escolas ........................................................................ 55 10 PRECONCEITO LINGUÍSTICO ................................................................................ 59 10.1 A mitologia do preconceito linguístico .................................................................... 59 10.2 Brasileiro não sabe português / Só em Portugal se fala bem português ................ 63 10.3 “Português é muito difícil” ....................................................................................... 71 10.4 “As pessoas sem instrução falam tudo errado” ...................................................... 75 10.5 “O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão” .......................... 77 10.6 “O certo é falar assim porque se escreve assim” ................................................... 81 4 11 TECNOLOGIA ASSISTIVA ....................................................................................... 86 11.1 Conhecendo o software boardmaker ..................................................................... 88 11.2 Características do boardmaker .............................................................................. 89 11.3 Modelos de pranchas ............................................................................................. 90 11.4 Pranchas específicas ............................................................................................. 90 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 94 5 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 6 2 A ORALIDADE E A ESCRITURA Fonte: www.cdn.editorasaraiva.com.br 2.1 No princípio, era a palavra: as origens orais da literatura Os mais antigos registros de culturas – em qualquer parte do mundo – remetem ao canto e à dança. Essas práticas coletivas estavam associadas aos rituais religiosos e às festas de colheita. Aí está, por exemplo, a origem da tragédia grega, surgida nas festas em homenagem a Dionísio (ou Baco), o deus grego das festas e dos ciclos da vida. Inicialmenteuma homenagem ao deus feita por meio de cantos e danças, a tragédia foi se consolidando como um gênero dramático de grande relevância, inclusive para a história da literatura (FLACH,2010). Hoje em dia, estamos imersos na cultura escrita. Nossa comunicação passa, necessariamente, pelo registro escrito. Raras comunidades ainda podem ser consideradas totalmente ágrafas. Mesmo assim, a oralidade – a mais primordial forma de comunicação e interação – tem espaço garantido em nossas práticas sociais. Mais 7 especificamente em relação à literatura, a oralidade tem espaço nas rodas de contação de histórias, nos saraus, nos repentes, nas adivinhações. O jogo de palavras, sua sonoridade, o efeito da voz, tudo isso compõe um estilo literário bem específico. Na literatura popular, de modo especial, esse estilo tem grande expressividade. É claro que, com o avanço da escrita, ao longo dos séculos, ocorreram mudanças significativas nos processos de uso e valorização da oralidade. Em culturas antigas, por exemplo, a palavra proferida pelo xamã, pelo pajé ou pelo sábio tinha valor de lei. Hoje, nossos sistemas “legais” não prescindem do documento escrito. Para que você perceba o quanto a oralidade está presente na literatura escrita, vamos mencionar duas obras clássicas da literatura universal cuja importância para as sociedades ocidentais é inquestionável: A Ilíada e A Odisseia (FLACH,2010). 8 Desde a origem desses textos, há um mistério sobre sua autoria. Ela costuma ser atribuída ao poeta grego Homero. Mas quem foi ele? Pouco se sabe sobre sua vida, ou mesmo se ele existiu de verdade. Há, inclusive, a hipótese de que Homero fosse cego, um poeta popular que transmitia (oralmente) essas histórias, até que alguém as fixou pela escrita. A questão homérica, como ficou conhecida essa polêmica, levou muitos pesquisadores a desenvolverem teorias sobre o processo de composição dessas epopeias. Havia certa resistência em reconhecer a origem oral dessas importantes obras. Muito recentemente, estudiosos concluíram que, em A Ilíada e A Odisseia, há fortes indícios de um método oral de composição (FLACH,2010). Ou seja, o tipo de verso, as repetições, os epítetos, entre outras evidências, indicam um processo de composição oral. As histórias eram repetidas de memória, seguindo certo padrão mnemônico. Por que essa descoberta é revolucionária? Porque o fato de obras tão valorizadas nos círculos literários (nos quais a escrita era soberana) terem uma origem oral eleva a importância de uma literatura de transmissão oral. Além disso, indica uma relação estreita entre a oralidade e a literatura erudita e escrita, diferentemente do que se pensava até então. Basicamente, a origem oral desses textos indica a possibilidade de existir uma sistemática complexa e refinada nas produções orais. Até então, a literatura oral era vista como mais simples, menos dotada de artifícios. Os poetas orais eram considerados menos hábeis em suas composições. 2.2 Oralidade e performance Quando você reflete sobre a literatura oral, precisa destacar dois aspectos – de um lado, a materialização de uma voz e de um corpo que comunicam; de outro, a presença e a intervenção do ouvinte no momento em que o texto se constitui. Se você pensar no processo de produção de um texto cuja origem e divulgação se deem na escrita, vai perceber que seu autor produz segundo caraterísticas e modelos que considera adequados ao fim daquela obra. Ele tem em vista um público leitor a quem dirige seu texto. Trata-se de um trabalho individual e solitário. A realização plena desse texto se dá no momento em que é recebido pelo leitor e, efetivamente, lido. Ainda que tenha interpretações diversas e sentidos que 9 podem se ampliar, o mesmo texto escrito pode ser lido diversas vezes, pelo mesmo leitor e/ou por vários leitores, que irão se deparar sempre com a mesma sequência linguística. Um texto oral se constrói na presença do ouvinte, leva em conta as reações deste e, ainda, incita-o a participar do processo composicional. Na oralidade, esse processo constitui um momento único, irrepetível. É impossível replicar aquele mesmo instante comunicativo do mesmo modo. Performance é o nome que utilizamos para definir o momento da enunciação da literatura oral. A performance envolve todos os recursos utilizados pelo contador de história no momento em que profere suas palavras, entre eles o espaço, os gestos, os sons do ambiente, o olhar e, principalmente, a voz. O som da voz, por si só, possui certo poder encantatório. O som sempre exerce um poder. Portanto, não só aquilo que é dito, mas também o modo de dizer compõe os sentidos da história, que é transmitida e recebida ao mesmo tempo, aqui e agora (FLACH,2010). Fonte: www.literacomunicq.blogspot.com No texto oral, ao contrário do que ocorre no texto escrito, não se pode repetir a mesma sequência de palavras exatamente do mesmo jeito. Embora a história seja a mesma, por exemplo, quem a conta recorre à memória, improvisando certas partes, http://www.literacomunicq.blogspot.com/ 10 incluindo novos componentes, sendo influenciado por outras reações dos ouvintes. A ideia de autoria também precisa ser considerada em suas especificidades no que se refere à oralidade. Muitas das histórias orais que conhecemos (e repetimos!) não têm um autor conhecido, já que adquirem sempre uma nova versão conforme são contadas. Em certa medida, há uma autoria coletiva, uma vez que os textos orais vão sendo contados e recontados. Mas, como cada performance é única, não se pode minimizar o talento de cada um que se apropria desses textos e dá vida a eles por meio de sua voz. O interesse e as características dos ouvintes também interferem no modo de contar e precisam ser contemplados por quem conta a história. Imagine como seria desagradável se a história contada não atraísse a atenção do público ou o tema não fosse de seu interesse (FLACH,2010). Mais do que na literatura erudita, na literatura popular, o público a quem o texto se dirige é plenamente conhecido (está diante de quem fala). Como sabemos, os exemplos e os costumes contidos nos textos populares devem atender às expectativas daqueles a quem se destinam, devem transmitir conhecimentos, interferindo, de algum modo, na vida de quem ouve as histórias. A seguir, você vai ler duas versões de um conto popular chamado “A formiga e a neve”. Ambas foram registradas em livros, mas circulam por aí por meio da oralidade. Conto 1 Uma formiga prendeu o pé na neve. “Ó neve, tu és tão forte que o meu pé prendes! ” Responde a neve: “Tão forte sou eu que o Sol me derrete”. “Ó Sol, tu és tão forte que derretes a neve que o meu pé prende! ” Responde o Sol: “Tão forte sou eu que a parede me impede”. [...] “Ó carniceiro, tu és tão forte que matas o boi, que bebe a água, que apaga o lume, que queima o pau, que bate no cão, que morde o gato, que come o rato, que fura a parede, que impede o Sol, que derrete a neve que o meu pé prende!” Responde o carniceiro: “Tão forte sou eu que a morte me leva”. (COELHO, 1999, p. 85- 86.) 11 Conto 2 Uma vez uma formiga foi ao campo e ficou presa num pouco de neve. Então ela disse à neve: “Oh, neve, tu és tão valente que meu pé prendes? ” A neve respondeu: “Eu sou valente, mas o sol me derrete”. Ela foi ao sol e disse: “Oh sol, tu és tão forte que derretes a neve, a neve que meu pé prende? ” O sol respondeu: “Eu sou valente, mas a nuvem me esconde”. [...] vai ao homem: “Oh, homem, tu és tão valente que matas a onça, que devora o cachorro, que bate no gato, que come o rato, que fura a parede, que para o vento, que desmancha a nuvem, que esconde o sol, que derrete a neve que meu pé prende? ” – “Eu sou valente, mas Deus me acaba. Foi a Deus: “Oh, Deus, tu que és tão valente que acabas o homem, que mata a onça, quedevora o cachorro, que bate no gato, que come o rato, que fura a parede, que para o vento, que desmancha a nuvem, que esconde o sol, que derrete a neve que meu pé prende? ” Deus respondeu: “Formiga, vai furtar”. Por isso é que a formiga vive sempre ativa e furtando. (ROMERO, 1985, 108- 109.). A história narrada nos dois contos é bem conhecida. Inclusive, a estrutura de conto cumulativo é um recurso próprio da oralidade, uma espécie de desafio à memória. A estrutura formular favorece a memorização e o encadeamento. Mesmo sendo textos narrativos, você pode perceber neles certo ritmo, dado tanto pelas repetições quanto pelas rimas (“tu és tão valente que meu pé prendes? ”). O primeiro conto foi coletado em Portugal. O segundo, no Brasil. Isso exemplifica a circularidade e a persistência da literatura popular, que vai se transformando e se adaptando ao longo do tempo e conforme a região. Entre ambos os contos, você pode notar certas regularidades e, também, diferenças. O conto 2 tem um final um pouco diferente, inclusive com a explicação sobre o motivo de a formiga estar sempre andando e carregando coisas. Muito provavelmente, podemos atribuir essas diferenças às adaptações feitas pelos contadores das histórias, que levam em consideração o público a quem se dirigem e os hábitos do lugar. No conto português, há uma referência ao “carniceiro”, ou açougueiro, termo pouco usado no Brasil. Na versão brasileira, temos a “onça” como elemento regional. 12 Como você pode constatar, a oralidade requer certa reprodução de formas fixas (como a sequência previsível nos contos), mas também envolve a memória, que adapta e recria essas formas, de modo a encantar e conquistar os ouvintes. 2.3 As fórmulas orais na escrita À medida em que compreende as relações entre oralidade e escrita, você precisa considerar as diferentes presenças da oralidade no texto. Assim, fique atento à seguinte divisão, que tem fins didáticos: literatura exclusivamente oral, literatura oral com registro escrito e literatura escrita com influência da oralidade (FLACH,2010). 2.4 Literatura exclusivamente oral É aquela transmitida de pessoa a pessoa, envolvendo a performance. Mesmo que as histórias sejam conhecidas e repetidas, possuem fontes diversas e não têm registro escrito ou autoria definida. Toda vez que um grupo de pessoas se reúne para ouvir uma história, estamos diante desse tipo de literatura, que se produz no instante da interação. O registro mais fiel, porém, não plenamente completo, seria em vídeo. 2.5 Literatura oral com registro escrito Envolve as produções orais que são fixadas em coletâneas, antologias. Em geral, são histórias de amplo conhecimento, com várias versões. Seu registro, apesar de manter resquícios da oralidade, conta com a intervenção de quem faz a coleta (que não é, necessariamente, seu autor). Assim, essa pessoa pode optar, por exemplo, por utilizar a norma culta da língua ou uma variação mais coloquial. Nesse item, podemos incluir as leituras coletivas, ou seja, aquelas leituras feitas a partir de um livro, destinadas à audiência de um grupo. No Brasil, por exemplo, no período colonial, as grandes fazendas dispunham de enormes livros com romances populares (importados da Europa). Como quase ninguém sabia ler, sempre que alguém se dispunha a fazê-lo, recebia a atenção de todos. Daí em diante, as pessoas iam repetindo oralmente as histórias que 13 ouviram ler. Essa é uma das hipóteses que explica a existência de tantas narrativas envolvendo temas medievais no Brasil, onde, sabidamente, a cultura medieval não existiu. Veja um trecho desses romances medievais que circulavam aqui no Brasil pela tradição popular dos cantadores: O cavaleiro Roldão Carlos Magno era irmão De uma gentil donzela Não houve naquele tempo Outra que fosse mais bela Era o orgulho da França E Berta era o nome dela Religiosa e composta Das belezas corporais Cheia de mil perfeições Dos dons espirituais E por isso o seu irmão Gostava dela demais Todos os príncipes vizinhos Desejavam sua mão Queriam mas tinham medo Do poder de seu irmão Ela empregou amizade Ao senhor duque Milão. (PROENÇA, 1986, p. 314.) Os versos se referem à lenda de Roldão (também conhecido como Rolando), na época da dinastia carolíngia, no século VIII. Na Europa, é famoso o poema épico La chanson de Roland, sobre o mesmo motivo. 14 É interessante você notar como esse tema, que circulava entre as elites das sociedades medievais como um elogio das virtudes do herói, chega à forma popular em um país cuja tradição cavalheiresca não se desenvolveu. 2.6 Literatura escrita com influências da oralidade Nesse caso, podemos falar em autoria. Um escritor recorre a temas e formas da tradição oral para compor uma versão escrita. Nesse tipo de texto, é possível identificar, além de temas populares, algumas marcas da oralidade, como referências aos interlocutores, repetições, rimas, reprodução de sons. Um exemplo desse tipo de produção são as obras eruditas que buscam na tradição popular elementos para compor seus textos. O escritor pernambucano Ariano Suassuna recorreu à literatura popular para compor personagens como João Grilo e Chicó, da peça teatral Auto da Compadecida. João Grilo é um tipo muito recorrente nas histórias orais (FLACH,2010). Suassuna recria suas características populares de malandragem e esperteza. Mas também usa a repetição da fórmula “Não sei, só sei que foi assim” toda vez que Chicó conta uma história pouco provável de ter acontecido. Isso é uma clara referências às situações orais de contação de histórias. Os temas populares, que ultrapassam gerações e territórios, persistem em nosso imaginário porque falam sobre a vida e sobre comportamentos de um modo que ainda hoje é significativo. Porém, como estamos acostumados a confiar no escrito, deixamos, muitas vezes, de exercitar a memória auditiva e as potencialidades da voz. O discurso oral é marcado pelas fórmulas – recurso que favorece a fixação de uma ideia ou conceito. Há, portanto, certos padrões rítmicos. Eles são formados por repetições, antíteses, aliterações, assonâncias, epítetos, estruturas sintáticas e outras expressões formulares, que contribuem para a memorização e a reprodução dos textos. O início com “Era uma vez...” ou “Vou contar a história de um tempo muito distante...” sinaliza para o começo da história e demanda a atenção dos ouvintes. Já as fórmulas de encerramento denotam que, a partir daquele momento, essa atenção não será mais necessária: “E foram felizes para sempre...”; “Entrou por uma perna de pato, saiu por uma perna de pinto. Quem quiser que conte cinco”; “Vitória! 15 Vitória! Acabou a história”. As estruturas formulares no interior das histórias também garantem sua persistência e divulgação. 3 LEITURA, ORALIDADE E ESCRITA É por meio da leitura que os indivíduos se tornam capazes de analisar e de refletir sobre os diferentes contextos em que estão inseridos. Como você sabe, o hábito da leitura não é tão fácil de ser adquirido. Entretanto, ele tem mais chances de ser desenvolvido se for incentivado ainda na infância. Quando as crianças e os adolescentes adentram o universo literário, a leitura crítica é inicializada. Neste capítulo, você vai estudar as diferentes manifestações de linguagem verbal, escrita e oral. Após, vai ver como a oralidade aparece em textos literários. Por fim, vai verificar a relação da linguagem com seu contexto de produção (SPESSATO, 2017). Fonte: www.anf.org.br 16 3.1 As diferentes manifestações da linguagem A linguagem consiste no uso da língua para a comunicação e a interação social. Da mesma maneira que a linguagem pode ser oral ou escrita, a leitura ultrapassa o universo da escrita. É possível fazer a leitura tanto de um artigo deopinião quanto de um debate político. Ou seja, ler não significa, restritamente, decodificar uma sequência de palavras escritas (SPESSATO, 2017). 3.2 A linguagem e o conceito de língua em uso A linguagem é a responsável por estabelecer toda atividade comunicativa. Ou seja, ela representa a manifestação da língua, que é composta por um sistema de signos convencionais usados pelos membros de uma mesma comunidade linguística. De maneira genérica, pode-se afirmar que a língua não passa de um contrato estabelecido entre os seus usuários. Caso esse contrato seja de conhecimento pleno dos usuários, a comunicação está garantida. Cada indivíduo utiliza a língua de sua comunidade de maneira individual e personalizada, desenvolvendo assim a fala. Ou seja, as manifestações de qualquer falante em relação ao uso da língua são representadas pela fala. No entanto, deve-se ter cuidado para que não ocorra a confusão da fala com o ato de falar, pois tanto o ato de falar como o de escrever são manifestados pela fala individual de cada indivíduo, que está contida no conjunto mais amplo conhecido como língua. Por exemplo, os falantes da língua portuguesa podem falar ao telefone ou escrever um texto em alguma rede social. Em ambas as circunstâncias, estarão usando a sua fala individual para manifestar a língua portuguesa em diferentes meios sociais. O caráter social de uma língua e a sua representatividade para o processo de comunicação são inegáveis em qualquer estudo linguístico. Sabendo que a linguagem representa o uso da língua em uma esfera social, Preti (1974) afirma que, para que a vida em sociedade exista, é fundamental que as manifestações linguísticas sejam compreendidas. Sons, gestos e imagens compõem diferentes tipos de mensagens que podem se manifestar por diversos canais, como a televisão, o cinema ou um livro. Ou 17 seja, estudar as manifestações linguísticas significa compreender que a língua é o suporte para toda e qualquer dinâmica social. No entanto, segundo Preti (1974), o seu uso não compreende apenas relações corriqueiras orais, mas também expressões mais específicas, como uma notícia escrita em um jornal. Dessa maneira, a fala e a escrita são duas manifestações da linguagem estabelecidas por um objetivo específico dentro de um contexto linguístico. Para Calsamaglia e Tuson (2008), o discurso representa, principalmente, uma prática social interativa que pode se manifestar em contextos tanto orais quanto escritos. Inclusive, a forma como se compreende a linguagem implica uma análise textual. Segundo Barbisan (1995), o texto é uma unidade funcional, a qual desempenha um papel dentro de um contexto. Com uma visão bastante similar, Adam (2008) afirma que o texto não representa uma sequência de palavras, e sim de atos. Essas manifestações da língua em uso, em seus contextos e necessidades específicas, são conhecidas como gêneros textuais. Ou seja, as diferentes finalidades que expressam o uso linguístico são estabelecidas por circunstâncias contextuais que caracterizam e determinam o gênero textual. 3.3 Fala e escrita: conjunto de partes unidas entre si Todo e qualquer texto representa um ato de comunicação dentro de um processo interacional, que pode ser tanto escrito quanto falado (KOCH; ELIAS, 2017). Os principais aspectos paradoxais entre essas duas esferas (a oralidade e a escrita) é que os contextos de produção e de recepção, de maneira geral, não coincidem no tempo e no espaço. No texto escrito, a produção da mensagem é estabelecida de acordo com a intencionalidade do emissor em relação ao seu receptor. Além disso, não há necessariamente a participação direta daquele que recebe a mensagem. Nesse quesito, para Koch e Elias (2017), o diálogo se baseia e se constitui numa relação em que o emissor (nesse caso, escritor) dialoga com a perspectiva de que o receptor (nesse caso, leitor) possa compreender a sua intencionalidade. Em contraponto, o texto falado ocorre no momento da interação comunicativa, ou seja, a situação é imediata e simultânea para aqueles que participam dela. O tom de voz, por exemplo, é 18 uma das características capazes de manifestar mais do que as palavras individualmente, pois o contexto interacional carrega identidade, e as manifestações linguísticas dos atos de fala perpassam o nível sintático de análise. De acordo com Infante (1998), a língua falada se vincula às situações comunicativas em que ela é usada diretamente entre os interlocutores. Embora haja questionamentos em relação às mídias sociais, como o WhatsApp, por exemplo, você não deve se esquecer de que o produtor do texto escrito (mesmo que esteja on-line) tem mais tempo para o planejamento e para a execução da sua fala. Afinal, meios de comunicação como o citado acima frequentemente apresentam duas manifestações linguísticas: o uso da escrita e da fala, com a possibilidade de enviar áudios. Nesse caso, a conversa, por mais que pareça simultânea e imediata, não acontece na mesma esfera de uma conversa presencial. Em relação ao uso e às manifestações da fala nas diferentes esferas comunicativas, orais e escritas, o vocabulário utilizado é preponderante para analisá-las. Na oralidade, o vocabulário é bastante alusivo, pois o uso de pronomes como “eu”, “tu”, “você”, “nosso”, “isto” ou “aquilo” ou de advérbios como “aqui”, “lá”, “hoje” ou “agora” possibilita que o processo comunicativo ocorra de maneira fluida e eficaz. Afinal, existe a possiblidade de indicar tudo o que está envolvido na mensagem sem uma nomeação específica e sem comprometer o entendimento dos interlocutores. Na escrita, é necessário que a linguagem seja menos alusiva. Para que a comunicação se estabeleça com êxito, devem-se utilizar formas de referência mais precisas e específicas, como citar datas, descrever lugares e objetos. Logo, é possível perceber que, enquanto a fala se adapta ao contexto interacional, a escrita procura ser suficiente em si mesma. As manifestações orais e escritas são, portanto, duas modalidades da língua. Dessa forma, de acordo com Koch e Elias (2017), a oralidade difere-se da escrita principalmente devido aos seguintes aspectos: (a) pelo próprio fato de ser falada; e (b) devido às contingências de sua formulação. Ou seja, os dois códigos, oral e escrito, têm suas manifestações e suas regras próprias de organização e funcionamento. A linguagem oral (fala) se manifesta por meio de emissões dos sons da língua, os fonemas. Em contraponto, a linguagem escrita utiliza as letras, que nem sempre mantêm uma 19 correspondência exata com os fonemas. Enquanto o código oral conta com o tom de voz, com os gestos e com o olhar, o escritor precisa se expressar por meio da pontuação e de marcas de formação do texto. Além disso, as estruturas sintáticas das manifestações escritas necessitam de certa linearidade. Já as estruturas das manifestações orais conseguem fazer inúmeros hiperlinks, ou seja, está em jogo uma leitura sem linearidade, não comprometendo o entendimento entre os interlocutores. Contudo, embora exista uma descontinuidade na oralidade, a sintaxe geral da língua está presente na sua constituição. Ainda que exista uma dicotomia entre textos orais e escritos, perceba que nem todas as características são essencialmente de uma ou de outra categoria. No entanto, as manifestações escritas podem ser pensadas, repensadas ou até mesmo ignoradas por uma questão de planejamento; já as manifestações orais, não. Fonte: www.cm-ourique.pt.com.br Isso ocorre porque, de acordo com Koch e Elias (2017), é como se a fala oral estivesse no mesmo patamar do rascunho de uma manifestação escrita. O texto falado, embora em muitos casos seja previamente planejado e estruturado, se apresenta em sua própria criação, visto que o contexto nunca é o mesmo. No Quadro 1, a seguir, veja as característicasda linguagem falada e da linguagem escrita. Embora essas características 20 não sejam exclusivas de uma ou de outra instância, oral ou escrita, o quadro apresenta uma organização mais geral e superficial em relação às manifestações linguísticas da língua em uso. 4 GÊNEROS E TIPOS TEXTUAIS Todo texto se manifesta com uma forma e com uma finalidade. A forma do texto é representada pelo conceito de tipologia ou tipo textual. 21 Segundo Marcuschi (2005, p. 154), “Tipo textual designa uma espécie de construção teórica definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas, estilo) [...]”. Em relação à manifestação dos tipos, é importante salientar que eles não são textos, mas são as formas que os textos assumem em diferentes contextos. Os principais tipos textuais são os seguintes: narração, argumentação, exposição, descrição e injunção. Além de se manifestar em determinada forma, o texto também assume a sua finalidade, ou seja, o seu uso. Quando você analisa as manifestações contextuais dos textos, você trabalha com o conceito de gênero textual. Os gêneros textuais são os textos que você encontra no cotidiano e que apresentam padrões característicos, definidos pela funcionalidade, pelo estilo e pelo objetivo em diferentes esferas comunicativas. Dessa forma, na visão de Marcuschi (2005), o gênero textual materializa e adapta os textos em diferentes situações comunicativas. Você pode considerar como exemplos de gêneros: telefonema, crônica, diálogo, aula de português, reportagem, bilhete, e-mail, notícia, carta pessoal, carta comercial, resenha, romance, poema, etc. Segundo Koch e Elias (2017), para viver em sociedade, todo indivíduo constrói, ao longo de sua existência, uma competência metagenérica, que diz respeito à utilização dos textos na sua esfera de uso. É por esse motivo que as pessoas se adequam a diferentes situações comunicativas. Sabendo que a comunicação é heterogênea e que os gêneros textuais são organizados de acordo com a finalidade da comunicação, pode- se incluir nesse grupo desde um diálogo cotidiano até uma tese de doutorado. Ou seja, os gêneros se transformam com o contexto. Alguns podem desaparecer e outros surgir, como o da conversa no WhatsApp. 4.1 O texto literário e as suas manifestações linguísticas A literatura infanto-juvenil, por ser uma porta de entrada para o universo da leitura, carrega consigo marcas da oralidade. Isso é importante para promover a proximidade entre os interlocutores (emissor e receptor). Todavia, para compreender como o universo linguístico interage no campo da literatura, você deve: saber identificar o que é um texto 22 literário e o que o diferencia de um não literário; e encontrar as marcas da oralidade nos textos literários infanto-juvenis. 4.2 O que é um texto literário? Um conjunto de palavras ou frases não constitui necessariamente um texto. Falar de texto implica falar de comunicação, ou seja, de uso da linguagem. Ademais, na visão de Antunes (2010), o texto se caracteriza como uma atividade funcional, visto que é utilizado sempre com a finalidade de manter o processo comunicativo. Você também já viu que o texto pode ser oral ou escrito. Quando estão em jogo os textos escritos, inicialmente, é possível subdividi-los em dois grupos: textos literários e textos não literários (ou utilitários). Os textos utilitários procuram informar, ordenar, argumentar, explicar, etc. Normalmente, a sua linguagem é clara e objetiva. Em contraponto, os textos literários, de acordo com Fiorin (2000), caracterizam-se por uma unidade de significado composta por uma linguagem plurissignificativa determinada pela sua função estética. Em convergência, Gonzaga (2007) afirma que o texto literário não é apenas uma criação ficcional, mas também é um trabalho de criação de linguagem, cumprindo assim a sua função estética. Além disso, para Fiorin (2000), enquanto o texto não literário aspira à denotação, o texto literário, ao cumprir a sua função estética, busca a conotação. Na visão de Fleck (2008), a literatura é arte; e arte, por sua vez, é recriação, expressão da realidade. Por meio da leitura, o homem consegue redimensionar a interpretação do mundo em que está inserido. Ou seja, mergulhar em textos literários e entrar no universo da literatura faz com que a visão de mundo do sujeito se amplie, conjugando novos significados. Com a literatura e a estética, é possível desenvolver a criatividade e a sensibilidade. No entanto, saber ler não significa apenas decodificar os signos linguísticos. Segundo Orlandi (1988), a leitura de um texto representa o momento em que os interlocutores se identificam como tal, desencadeando o processo de significação do texto. É com a leitura e pela leitura que os indivíduos se tornam capazes de analisar e 23 refletir sobre os contextos vivenciados. Contudo, o hábito da leitura não é tão fácil de ser adquirido. De acordo com Fleck (2008, p. 15), esse processo se inicia ainda na infância, quando a criança tem acesso ao “[...] mundo mágico, fantástico e aberto da literatura infantil, cujo acesso garante um aprimoramento do processo de aprendizagem da linguagem como meio de construção e representação da realidade [...]”. Com a introdução das crianças e dos adolescentes no universo literário, inicia-se o processo de leitura crítica. Bamberger (1991) afirma que os pais e os professores são peças fundamentais para a introdução da leitura na vida das crianças. No entanto, há situações em que os professores adquirem papel de destaque. Por esse motivo, é importante que eles conheçam o universo da literatura infanto-juvenil. Assim, podem incentivar as crianças e os adolescentes a desenvolverem o hábito da leitura de maneira não traumática. Inclusive, para Zilbermann (1998), realizar atividades com a literatura infantil resulta imediatamente em um exercício de interpretação e compreensão, pois não enaltece somente a captação de um sentido, mas as relações que existem entre a significação e a situação atual e histórica do leitor, mesmo que ele seja uma criança. Os textos literários são representados, principalmente, por novelas, histórias em quadrinhos, romances, crônicas, contos, fábulas, poemas, etc. 4.3 A linguagem e os seus diferentes contextos O contexto é o conjunto de circunstâncias a que um texto se refere. Textos literários apresentam uma linguagem própria e flexível, pois têm como objetivo causar algum tipo de emoção no leitor. O uso de uma linguagem específica é fundamental para que o objetivo seja alcançado. Portanto, é necessário que o professor compreenda o universo linguístico presente na literatura infanto-juvenil juntamente com as características específicas da linguagem utilizada em diferentes obras. 24 5 TIPOS DE LINGUAGEM A linguagem é o uso da língua, e a língua não é um código imutável. Não há sociedade sem um processo de comunicação, e as línguas não existem sem as pessoas que as falam. Se a sociedade muda, a língua também muda, pois, como afirma Calvet (2002, p. 5), “[...] a história de uma língua é a história de seus falantes [...]”. Ou seja, as variantes contextuais não decorrem diretamente do usuário da língua, mas de diferentes situações e contextos comunicativos que o cercam em um ato de fala. Fonte: www.nascesaude.com.br Assim como a sociedade não é uniforme, a língua tampouco o será. Ela varia e as suas variações estão diretamente relacionadas a diferentes contextos linguísticos do falante. Ou seja, assim como o indivíduo tem consciência de que existe uma adequação social em relação às roupas que usa — por exemplo, ninguém vai a uma entrevista de emprego com uma roupa de praia, assim como as pessoas não vão a uma festa de gala com um biquíni —, espera-se queo falante tenha uma consciência linguística. Essa consciência significa que o mesmo falante pode utilizar o nível de fala coloquial ou culto, visto que esse nível dependerá da necessidade e do contexto situacional. Há uma norma 25 padrão (ou culta), considerada de prestígio, e há também as variantes dessa norma. A língua pode variar em relação ao tempo (variante diacrônica ou histórica), em relação ao espaço (variante diatópica, regional ou geográfica), em relação a aspectos socioculturais (variante diastrática, social ou sociocultural), em relação ao meio de uso (variante diamésica) e em relação a contextos situacionais (variante diafásica, situacional ou estilística). Os estudos sobre variação linguística em diferentes contextos sociais, segundo Mollica e Braga (2013), indicam que os falantes têm um repertório linguístico que pode variar em diferentes situações de comunicação. Ou seja, o uso consciente da língua se reflete não apenas na oralidade, mas também na escrita. Os níveis de linguagem são, principalmente, os seguintes: nível formal ou culto, nível informal ou coloquial, nível popular e nível estilístico. O nível coloquial é utilizado, normalmente, em situações de informalidade, familiaridade e entre iguais. O culto insere-se em contextos de formalidade, como em uma palestra ou em uma entrevista de emprego. O popular representa, de modo geral, as variantes desprestigiadas, consideradas erradas e desvalorizadas em relação à norma culta. No entanto, o nível estilístico, também conhecido como literário, é usado em situações específicas, em que há predominância de liberdade poética e em que o erro não é considerado, mas apagado por uma necessidade estética. Ou seja, as formas desprestigiadas podem ser manifestações artísticas. A linguagem no nível estilístico, que caracteriza o texto literário, além de possibilitar únicas e diferentes estruturas na fonética, na morfologia e na sintaxe, apresenta, para Fiorin (2000), os seguintes traços: relevância do plano da expressão, intangibilidade da organização linguística, criação de conotações, desautomatização e plurissignificação. Ou seja, ela dá identidade e significado aos textos literários. A linguagem estilística, com suas características próprias, personaliza os textos literários. Com ela, é possível descrever desde narrativas em situações extremamente cultas até outras que se caracterizem pelo uso da linguagem popular. Tudo depende da intencionalidade do autor com o seu texto. Ou seja, há uma tendência de aproximação entre o emissor e o receptor que ele quer atingir. 26 5.1 A interlocução e o contexto Qualquer texto, seja oral ou escrito, é produzido por um autor que tem em mente um receptor. O termo “interlocutor” designa cada um dos participantes do diálogo. Em um texto escrito, o autor deve saber qual é o perfil de seu interlocutor para que o processo de comunicação ocorra com êxito e para que haja uma relação entre o escritor e o seu leitor. A fim de que a interação comunicativa ocorra, o destinatário deve ter em mente o seu receptor. Segundo Aburre e Aburre (2007), existem dois principais interlocutores: o universal e o específico. Na literatura infanto-juvenil, obviamente, estão mobilizadas necessidades e interesses do público infantil e juvenil. Uma maneira de o autor se aproximar do seu público, portanto, é explorar o uso de uma linguagem coloquial e mais específica. Essa linguagem não necessariamente faz parte do cotidiano do emissor, e o seu emprego é caracterizado como linguagem literária, ou seja, trata-se de um tipo de variante da norma culta, a variante diafásica, estilística ou situacional. O seu uso valoriza a proximidade entre os interlocutores, fazendo com que o contexto de leitura integre o universo do receptor. Dessa forma, a referência é direta aos interlocutores específicos. Quando se fala em interlocutores universais, normalmente estão em jogo interlocutores de textos informativos, não literários e compostos por uma linguagem objetiva e denotativa. No entanto, quando há interlocutores específicos, o texto tenta se aproximar ao máximo do seu destinatário, com marcas de subjetividade e de oralidade, por exemplo. Além de se dirigir a interlocutores com perfis definidos, os textos se referem a circunstâncias de natureza cultural, social e linguística. Tais circunstâncias precisam ser compartilhadas por quem produz e quem recebe o texto. Ou seja, está em jogo o contexto, que representa a totalidade das informações contidas no texto. A identificação do contexto depende inteiramente do conhecimento de mundo dos leitores. Portanto, estabelecer o perfil do leitor juntamente com a linguagem adequada para abordá-lo é o primeiro e, talvez, o principal passo que o autor pode dar para que o processo comunicativo ocorra de maneira eficaz. Além disso, quando o estilo 27 de linguagem é pensado e analisado para determinado perfil, a leitura torna-se mais fluida e a possibilidade de ela se transformar em um hábito aumenta. 6 NOÇÕES GERAIS DE LINGUÍSTICA, SOCIOLINGUÍSTICA, PSICOLINGUÍSTICA, GRAMÁTICA E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA O ESTUDO DA LÍNGUA MATERNA Fonte: https://revistaeducacao.com.br 6.1 A leitura, a escrita e o papel dos professores É de conhecimento de professores em formação que muitas correntes linguísticas podem atuar em uma sala de aula de língua portuguesa. Além disso, se faz necessário que professores de língua materna dominem diferentes correntes para que possam auxiliar seus alunos por meio de diferentes abordagens, visando o conhecimento linguístico nas aulas de português brasileiro. A cada ano novos rankings escolares que medem numericamente o desempenho de alunos na leitura e na escrita questionam o 28 trabalho dos professores. Na maioria das vezes, os resultados não são positivos, como você pode ver a seguir: [...] na relação de ensino-aprendizagem na escola muito se tem falado do fracasso no ensino de língua (seja gramática, interpretação ou escrita), que se reconhece pela constatação de que há conhecimentos que não são consistentes, não duram: o aluno aprende na hora e logo depois ‘esquece’. Na realidade, o que se passa é que não houve aprendizagem, porque o que não faz sentido na história do sujeito ou na história da língua para o sujeito não ‘cola’, não ‘adere’. (ORLANDI, 2002, p. 28). Na citação anterior, você pode perceber a problematização sobre a não aprendizagem dos alunos. Desse modo, pode se perguntar: como posso fazer essa “cola” funcionar? 6.2 As diferentes correntes linguísticas Para começar a destrinchar a linguística em sala de aula, você deve se familiarizar com o trabalho do grande mestre genebrino Saussure. Em sua obra Curso de Linguística Geral, no capítulo que se intitula “As gramáticas e suas subdivisões”, Saussure (2012) começa falando da linguística estática, aquela que pretende ser descritiva. Você pode entender esse tipo de linguística como uma gramática. O linguista afirma que a lexicologia, por exemplo, foi excluída dessa gramática. Nela, a prioridade é a abordagem morfológica e sintática. Saussure (2012) desmistifica essa separação, dizendo que é ilusória. Afinal, para ele, só se entende uma flexão em nível associativo, pois formas e funções são solidárias e seria impossível separá-las. Preste atenção no trecho a seguir: Atribuem-se geralmente as preposições à gramática; no entanto, a locução preposicional em consideração a é essencialmente lexicológica, de vez que a palavra consideração nela figura com seu sentido próprio. [...] muitas relações expressas em certas línguas por casos ou preposições são expressas, em outras, por compostos, já mais próximos das palavras propriamente ditas (port. Reino dos céus e além. Himmerleich), ou por derivados (port. Moinho de vento e polonês wiatr-ak), ou, finalmente, por palavra simples (fr.Bois de chauffage e russo drová, fr. Bois de construction e russo lyês). A alternância de palavras simples e de locuções compostas, no interior de uma mesma língua (cf. Considerar e tomar em consideração, vingar-se e tomar vingança) é igualmente muito frequente. (SAUSSURE, 2012, p. 184-185). 29 Sendo coerente à sua crítica à classificação gramatical, Saussure propõe um estudo “gramatical” por meio dos eixos associativo e sintagmático. Ele entende que um sentido e uma função só são perceptíveis a partir do todo. Qualquer ponto da gramática mostraria a importância de estudar cada questão desse duplo ponto de vista (associativo e sintagmático). Assim, a noção de palavra coloca dois problemas distintos, segundo a consideremos associativamente ou sintomaticamente; o adjetivo fr. Grand oferece, no sintagma, uma dualidade de formas e associativamente outra dualidade. (SAUSSURE, 2012, p. 190). Essas críticas podem levar você a refletir sobre a noção de gramática e a sua abordagem em sala de aula. Como você sabe, há diferentes tipos de gramática. Com certeza você deve ter percebido que tais críticas recaem principalmente no ensino tradicional de gramática. Essa abordagem de gramática acaba por se confundir com o ensino de língua, se você entender que a transmissão de regras é o objetivo principal do ensino de um idioma. No entanto, se sabe que isso é uma grande enganação (SAUSSURE, 2012). Fonte: www.autossustentavel.com.br 30 6.3 A gramática gerativa de Chomsky Quando pensar em gramática, é sempre interessante que você se lembre da gramática gerativa de Noam Chomsky. Ela prevê o estudo de uma competência linguística, destrinchando as estruturas linguísticas em árvores sintáticas de superfície ou de profundidade. É interessante você considerar que muitos professores, quando vão para as aulas de língua portuguesa, atrelam o estudo de texto à leitura e a escrita de forma gramatical. Isso, por muitas vezes, faz com que eles entendam e ensinem o texto como pretexto. Para o ensino de gramática, você precisa estar alicerçado em teorias mais progressistas, que não fundamentem a regra pela regra. Tem de fugir do normativíssimo. 6.4 Sociolinguística Ainda na temática do fracasso escolar, você deve estar familiarizado com a sociolinguística. A sociolinguística surge como campo de atuação sobre a língua em razão da sociedade. Ou seja, de acordo com ela, idade, sexo e região, por exemplo, são fatores essenciais para o analisar linguístico. Desse modo, a sociolinguística dá voz aos embates culturais que adentram a sala de aula: A linguagem é também o fator de maior relevância nas explicações do fracasso escolar das camadas populares. É o uso da língua na escola que evidencia mais claramente as diferenças entre grupos sociais e que gera discriminações e fracasso: o uso, pelos alunos provenientes das camadas populares, de variantes linguísticas social e escolarmente estigmatizadas provoca preconceitos linguísticos, eleva as dificuldades de aprendizagem, já que a escola usa e quer ver usada a variante-padrão socialmente prestigiada. (SOARES, 2000, p. 17 apud OLIVEIRA, 2016, p. 297). É da sociolinguística o valorizar dos dialetos nas suas tarefas, nas perguntas dos alunos, nos falares de corredor. Cabe a ela o valorizar de qualquer manifestação de língua, não somente a língua padrão, que, na maioria das vezes, é a única apreciada na sala de aula de língua materna. Essa valorização se dá por meio de falas e análises de textos que possuem variações linguísticas, para que se crie no aluno uma consciência linguística social. 31 6.5 Análise do Discurso (AD) A análise do discurso também entra como uma vertente de ensino. Isso ocorre pois ela entende que os discursos fazem parte de um interdiscurso, de uma formação discursiva que engloba os já ditos. Seria interessante se você pensasse as aulas de língua materna não como um repositório de informações a serem meramente repetidas, mas sim como um lugar de descobertas. Nele, o aluno pode reconhecer a sua cultura nas semelhanças com as outras, além de conhecer o diferente com a desconstrução dos preconceitos. Nesse raciocínio, o sujeito, que para a AD é aquele que constitui a língua e se constitui nela, é produto do seu inconsciente e determinado historicamente. Ele poderá se compor como sujeito mais aberto, amplo, poroso e crítico. Sendo assim, o aluno precisa ser capaz de questionar e indagar o que lhe é passado nas salas de aula. Porém, como é possível questionar sem antes conhecer? O conhecimento se dá por meio da leitura, o que torna o ato de ler um círculo sem fim. Somos capazes de questionar porque lemos e conhecemos. Romão e Pacífico (2006, p. 14) destacam a importância de ressaltar junto com o aluno a pluralidade de sentidos presentes tanto no texto escrito quanto nas imagens. Elas defendem que a escola deveria exercitar a leitura polissêmica, o que motivaria os estudantes a descobrir as outras leituras de um mesmo texto. 6.6 Psicolinguística Na perspectiva da psicolinguística, segundo Wouk (1975), a linguagem é um comportamento verbal. A psicolinguística envolve a formação e a apreensão de conceitos na língua materna, e também a formação mental da linguagem. Segundo a autora, nessa área, a preocupação é com os problemas motores da linguagem, a percepção dos sons, os problemas neurofisiológicos e as relações entre pensamento e linguagem. Nessa abordagem linguística, se fala muito em estratégias de ensino, como você pode analisar abaixo, segundo Monteiro (1997, p. 61): 32 De acordo com as considerações expostas até aqui minha proposta em relação aos conteúdo a serem desenvolvidos no ensino de língua materna para as séries iniciais segue abaixo: 1) Fala e prática de análise de textos orais; 2) Estratégias auxiliares da fala em situações formais e informais; 3) Estratégias auxiliares de pré-leitura; 4) Estratégias auxiliares de leitura; 5) Leitura e prática de análise de textos lidos (não pseudotextos); 6) Estratégias auxiliares da escrita levando em conta a funcionalidade dos textos e seus respectivos gêneros; 7) Desenvolvimento de atividades de monitoria dos textos produzidos; 8) Escrita e prática de análise de textos produzidos; 9) Reflexões complementares sobre língua. 6.7 As abordagens linguísticas na prática da sala de aula A escola pode ser um espaço de ressignificação, portanto ela precisa dar espaço para as novas construções. Nesse sentido, é interessante que você reflita sobre este interessante convite de Foucault desvendado por Fischer (2001, p. 222): O convite de Foucault é que, através da investigação dos discursos, nos defrontemos com nossa história ou nosso passado, acertando pensar de outra forma o agora que nos é tão evidente. Assim, libertamo-nos do presente e nos instalamos quase num futuro, numa perspectiva de transformação de nós mesmos. Nós e nossa vida, essa real possibilidade de sermos, quem sabe um dia, obras de arte. Nesse sentido, é necessário recusar as fáceis interpretações, as implicações unívocas e a busca insistente pelo sentido último. Portanto, você deve instigar as posições possíveis do falante para que ele efetivamente possa ser sujeito do seu enunciado. Ao terminar de ler este texto, você deve ter percebido que há inúmeros jeitos de ir para a sala de aula com uma teoria. E você imagina com seria dar aulas munido de várias delas? Que rico seria um ensino de língua assim, que foge do tradicional, mas que sabe analisá-lo. Como educadores, é possível perceber que há várias concepções sobre o que significa dominar a língua portuguesa, mas nosso questionamento deve centrar-se na concepção que efetivamente possa atender às necessidades educacionais de nossos alunos e que contribua para inseri-los na sociedade globalizada da qual fazemos parte. Em uma primeira concepção, o que se observa é o aprendizadoda língua portuguesa como simples armazenamento de informações (regras) e conhecimento estrutural da gramática da língua predominantemente em sua forma escrita, sem que isso alcance maior significação para o aluno. 33 A ênfase na modalidade escrita induz à ideia equivocada de que a fala é o espaço do “erro”, e onde há um menor cuidado com a linguagem. Em uma segunda concepção, o aprendizado está pautado na memorização de nomenclatura gramatical, que, por muitas vezes, além de descontextualizada, é incoerente devido às suas definições estabelecidas por critérios de convenção nos compêndios gramaticais e não por critérios linguísticos. Uma terceira concepção plausível, e esta é a que nos interessa, é a de que o aprendizado da língua portuguesa tem como significado o desenvolvimento da habilidade funcional, ou seja, o desenvolvimento de competências comunicativas, discursivas, entre outras (FISCHER, 2001). No aprendizado da língua portuguesa, o uso do conhecimento (o que está sendo assimilado e a forma como esses conhecimentos irão ser utilizados) deve ocorrer simultaneamente, já que o conhecimento da linguagem é construído de acordo com os usos que os falantes fazem dela ao interagir em sociedade. Pode-se afirmar que o uso da linguagem é uma atividade interativa, realizada entre dois ou mais interlocutores (usuários da língua), que se realiza sob a forma de textos orais ou escritos veiculados em diferentes suportes e com diferentes propósitos comunicativos. O aprendizado da língua portuguesa pode ofertar ao aluno muito mais que a aquisição e o domínio de novos hábitos linguísticos; esse aprendizado influencia o processo educativo como um todo, levando o aluno a perceber melhor a natureza da linguagem, conscientizando-se ainda mais sobre seu funcionamento, estimulando/ampliando a capacidade de apreciar diferentes culturas e desenvolvendo a habilidade de lidar com as diferentes formas de expressão. Algumas atitudes podem ser adotadas por professores e alunos para que a linguagem tenha um uso democrático que contribua para a participação efetiva de todos em condição de igualdade, tais como: Identificação e valorização das variedades linguísticas existentes nas diferentes regiões do país; Posicionamento crítico diante de textos, identificando os argumentos, posições ideológicas e possíveis conteúdos discriminatórios ou preconceituosos neles veiculados; 34 Estimulação da leitura como fonte de informação, aprendizagem, lazer e arte; Reconhecimento de que os domínios dos usos sociais da linguagem oral e escrita podem oportunizar a participação política e cidadã do sujeito, transformando, ampliando e melhorando as condições dessa participação. Como propõem a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), a escola precisa expandir seus horizontes e se abrir para a pluralidade de linguagens veiculadas nos diferentes contextos sociais com o objetivo de desenvolver as habilidades de produção e compreensão de mensagens, ou seja, o aluno deve ser capaz de enxergar a língua como enunciação, discurso, e não somente como uma ferramenta de comunicação que possibilite sua mobilidade social (FISCHER, 2001). Interação é a palavra de ordem do momento: o ensino da língua portuguesa deve decorrer de uma nova concepção na qual ela estabeleça relação com aqueles que a utilizam, com o contexto em que é produzida/utilizada e com as condições históricas e sociais nas quais esse processo acontece. A escola e a sala de aula de língua portuguesa precisam estar abertas para os gêneros textuais que circulam em nossa sociedade, tornando-se espaço de análise e produção desses mesmos gêneros e tipos em que eles se convertem, segundo as necessidades comunicativas expressas pelos contextos interacionais. É extremamente relevante que a escola dos dias de hoje compreenda a importância, ou melhor, a necessidade que nossos alunos têm de dominar de maneira ampla e eficaz o maior número possível de dialetos, pois essa é a condição imposta para a inserção no mundo letrado e para a eficiência comunicacional, garantindo, assim, sua cidadania. 35 7 VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS Tem-se, assim, uma dupla perspectiva da língua: as “regras linguísticas são regras do comportamento social dos indivíduos” e cada falante precisa atender “às regras indispensáveis à consecução dos objetivos que pretende alcançar” ou então correrá o risco de incorrer em uma mensagem equivocada (LOPES, 2007, p. 27). A sequência lógica da comunicação eficiente não deve ser confundida com o conhecimento ou o uso adequado da norma culta de uma língua. Por sua vez, essa é, “do ponto de vista histórico-geográfico, apenas o falar de um grupo (o dos escritores, políticos etc.) ”, os quais adquiriram um modo específico de produzir comunicação (LOPES, 2007, p. 27). Além disso, a norma culta padrão de uma língua está relacionada à gramática, isto é, às regras que estabelecem a organização das palavras dentro de uma frase e a estruturação das informações em uma sequência lógica, seguindo a concordância entre todos os verbetes utilizados para a efetivação da comunicação, seja ela oral ou escrita. Com base nessa introdução, você pode entender o papel da Linguística: uma ciência descritiva e explicativa, jamais normativa ou prescritiva. Essa ciência pressupõe que todas as línguas são iguais quanto às suas potencialidades, de maneira que não há uma mais “rica” ou mais “pobre”. Do mesmo modo, uma forma de falar em um dado período histórico de um país não é superior à forma de falar em outro período, o que remete à ideia de que os principais fatores causadores das variações linguísticas são históricos, geográficos e sociais. Vale destacar que a Linguística não segue os mesmos princípios da gramática normativa: “[...] nossas gramáticas normativas atuais são herança de uma tradição clássica greco-romana, cuja norma se baseia numa concepção de língua homogênea, tida como um padrão abstrato que existe independente dos indivíduos que a falam. As regras gramaticais são rígidas e fixadas” (GÖRSKI; COELHO, 2009, documento on-line). A partir desse entendimento, enquanto professor, você deve atentar à diversidade de variações nos modos de falar dos seus educandos de acordo com os contextos de origem de cada um deles. Assim, cabe perceber que: 36 [...] a língua é historicamente situada e heterogênea, isto é, está sujeita a variações e mudanças no espaço e no tempo. Em outras palavras, o sistema linguístico não é homogêneo, mas é constituído de regras variáveis (ao lado 2 Variações linguísticas de regras categóricas), que atuam em todos os níveis linguísticos: fonológico, morfológico, sintático, lexical e discursivo (GÖRSKI; COELHO, 2009, documento on-line). As variações linguísticas, portanto, são: Regionais ou geográficas; Sociais; Estilísticas. Destaca-se, por fim, que a Linguística considera a diversidade entre os falantes de uma mesma língua. A seguir, você aprenderá mais sobre cada uma das variações mencionadas anteriormente, assim como as diversas formas possíveis de falar adotadas por sujeitos falantes de um mesmo idioma. 7.1 Variação regional, ou geográfica Conhecida como variação regional, ou diatópica (do grego dia = através e topos = lugar), relaciona-se às diferenças linguísticas observadas entre falantes oriundos de regiões distintas de um mesmo país ou de diferentes países (GÖRSKI; COELHO, 2009). 7.2 Variação social Também conhecida como variação diastrática, refere-se a fatores que dizem respeito “[...] à organização socioeconômica e cultural da comunidade” (GÖRSKI; COELHO, 2009, documento on-line). Nesse caso, são importantes quesitos de variação a classe social, o sexo, a idade, o grau de escolaridade e a profissão dos indivíduos. 7.3 Variação estilísticaTambém denominada variação contextual, ou de registro, manifesta-se em diferentes situações comunicativas do dia a dia. Quando o contexto sociocultural exige maior formalidade: 37 [...] usamos uma linguagem mais cuidada e elaborada – o registro formal; em situações familiares e informais, usamos uma linguagem coloquial – o registro informal [...]. A variação estilística é regulada pelos domínios em que se dão as práticas sociais (escola, igreja, lar, trabalho, clube, etc.), pelos papéis sociais envolvidos (professor-aluno, pai-filho, patrão-empregado, etc.), pelo tópico (religião, esporte, brincadeiras, etc.) (GÖRSKI; COELHO, 2009, documento on- line). 7.4 Fatores que causam as variações linguísticas Fundamentado na definição de cada uma das variações linguísticas, você já deve ter percebido quais fatores interferem na comunicação. Posto isso, observe cada um deles em detalhes no Quadro 1. 38 39 A partir disso, é possível observar o quanto cada um desses fatores é determinante no modo de expressar-se dos sujeitos falantes de uma mesma língua. Portanto, em sala de aula, você se confrontará com diferentes indivíduos, cada um proveniente de um contexto específico, e perceberá que outros fatores implicam em jeitos distintos de realizar a comunicação. Além disso, você deverá atentar aos tópicos abordados, pois a temática pode induzir à manifestação de opiniões mais enfáticas ou menos interessadas conforme o conhecimento de mundo dos educandos e a sua familiaridade com o tema. Como professor, você deve relativizar todas essas análises quando olhar para os seus educandos e quando desenvolver o seu planejamento de conteúdos e procedimentos metodológicos. 7.5 Variações linguísticas versus utilização da língua nos contextos de comunicação De acordo com Görski e Coelho (2009, documento on-line), 40 [...] não custa lembrar que todas as línguas são adequadas às necessidades e características da cultura a que servem e igualmente válidas como instrumentos de comunicação social, sendo inconcebível, portanto, afirmar que uma língua ou variedade linguística é superior ou inferior a outra. Assim, cada variação linguística é adequada dentro do contexto de comunicação em que se insere. A língua precisa servir ao sujeito emissor da mensagem como meio para que a comunicação seja possível com o seu receptor e, portanto, o seu modo de falar não deve ser visto como impeditivo para a compreensão da mensagem. Ainda segundo os autores (GÖRSKI; COELHO, 2009, documento on-line), quanto às variações da língua de acordo com os sujeitos falantes: [...] algumas variáveis se revelarão na sociedade como estereótipos, isto é, como alvos de comentários sociais estigmatizados. Outras variáveis se revelarão como marcadores, por receberem uma consistente valoração social e estilística, como marca de prestígio, por exemplo. E outras variáveis, ainda, se revelarão como indicadores apenas, não sendo reconhecidas nem comentadas pela sociedade. Observe cada um desses: Estereótipos — expressões como “nóis fumo” (em vez de “nós fomos”) ou “estrupo” (em vez de “estupro”) geram predefinições ou preconceitos sobre a escolaridade de quem está falando. Marcadores — “[...] casos como a variação dos pronomes pessoais de segunda pessoa, ‘tu’ e ‘você’, e dos pronomes possessivos de segunda pessoa, ‘teu’ e ‘seu’, usados em certas regiões do sul do Brasil, podem ilustrar esse tipo de forma linguística” (GÖRSKI; COELHO, 2009, documento on-line). Destaca-se que esses marcadores não indicam prestígio ou variação mais aceita em relação a outra, uma vez que apenas demonstram as particularidades das regiões geográficas quanto ao idioma falado. Indicadores — são características que não indicam uma distinção social. Um exemplo é a pronúncia de palavras que contêm “ei”, nas quais o “i” sofre 41 apagamento na fala, como em “armero”, quando a norma culta da língua sugere a pronúncia “armeiro”. Com essas informações, é possível perceber que as variações linguísticas se fazem presentes nos diferentes contextos de comunicação. Elas permitem identificar o meio social dos emissores de informação em alguns casos, embora nem em todos. Portanto, não se deve estigmatizar um falante da língua, pois cada um é um sujeito único e as suas condições sociais, econômicas, geográficas, situacionais, enfim, interferem no modo como utiliza da língua. Assim, enquanto professor da área de linguagens, é preciso enfatizar a necessidade do olhar atento para além do que o indivíduo consegue expor enquanto sujeito que está em construção da sua habilidade linguística. Todos estão, sempre, em processo de aperfeiçoamento dos seus modos de usar os signos linguísticos, que, por sua vez, também não se mantêm constantes, já que a evolução da língua é algo contínuo e acompanha o processo de evolução das histórias pessoais e locais. 8 CONCEPÇÕES DA LÍNGUA E DIVERSIDADE LINGUÍSTICA Fonte: www.gratispng.com.br 42 8.1 Concepções da língua: o processo histórico linguístico Pensar nas mudanças linguísticas da língua portuguesa em território brasileiro, nos remete à época do descobrimento. Se você lembrar dos acontecimentos históricos que datam do século XIV em diante, poderá apontar três marcos que contribuíram para as mudanças linguísticas: a chegada dos portugueses ao Brasil, a chegada da família real e a vinda dos imigrantes portugueses. Ao chegarem ao Brasil, os portugueses se depararam com uma sociedade muito bem estruturada, com cultura e diversidade linguística próprias: os indígenas. Nesse momento, os colonizadores, com intuito de evangelizar, doutrinar e de impor sua cultura, se viram obrigados a mesclar o português com o latim e algumas palavras da língua dos indígenas, criando a chamada língua geral. Dessa forma, os indígenas, em suas tribos, mantinham suas línguas nativas, mas para falarem com a comunidade externa usavam a língua geral. Assim, as línguas gerais eram línguas de base tupi, em uso por grande parte da população. As mais importantes foram a Geral Paulista e a Geral Amazônica. Constituíam a língua do contato entre os indígenas, entre os indígenas e portugueses e todos que iam se agregando ao novo território. Em termos gerais, era a língua da informalidade, comum a nativos e não nativos, sendo instrumento básico no processo de catequização dos povos indígenas. Já o português, era a língua oficial do Estado, empregada em atos e documentos oficiais relacionados à administração colonial. (SANTANA; MÜLLER, 2015, p. 3). Com a chegada da família real ao Brasil, vieram, também, os escravos africanos, com suas línguas nativas. Talvez esse tenha sido o marco mais importante em relação às mudanças linguísticas da língua portuguesa no Brasil, pois, o que no início era uma mescla de português, latim e tupi, agora, passava a sofrer influência das línguas africanas. Essa diversidade linguística original, caracteriza o pluralismo e a heterogeneidade da língua portuguesa brasileira. Apenas a partir da segunda metade do séc. XVIII é que a língua geral começa a entrar em desuso, sob a influência dos imigrantes portugueses que vieram para trabalhar nas minas de ouro e diamantes. Em 1758, o Marquês de Pombal decreta o português como língua oficial. Noll (2004) demarca oito variedades do português no Brasil neste período: o português europeu escrito/impresso; as variedades dos colonos vindos das diferentes 43 regiões de Portugal; o português dos índios integrados em contato permanente com os portugueses; o português dos mamelucos nascidos da união de brancos e índios; o português dos negros boçais chegados da África; o português dos negros crioulos e mulatos; o português falado no complexo da casa-grande e da senzala e o português das populações citadinas. (NOLL apudSANTANA; MÜLLER, 2015, p. 8). Essa miscigenação do povo, refletiu também na língua falada no país. De maneira nenhuma você pode pensar em prejuízo linguístico, pelo contrário, foi justamente essa contribuição e influência vocabulares que propiciaram a ampliação do léxico brasileiro. O contato entre as populações autóctone, branca e africana, dado por diversos motivos, no que tange ao aspecto linguístico resultou no processo natural de renovação lexical. (SANTANA; MÜLLER, 2015, p. 10). 8.2 Diversidade linguística regional O território brasileiro constitui-se de uma grande diversidade linguística. Desde o início da colonização portuguesa, o país sofreu influência de diferentes culturas, as quais caracterizam a língua falada das regiões brasileiras. Além disso, existiram as contribuições idiomáticas dos indígenas, dos africanos e dos europeus. São regionalismos as expressões próprias de uma região específica. Observe nas Tabelas 1, 2 e 3, algumas expressões regionais: 44 45 46 8.3 A diversidade linguística na sala de aula Ao retratar o ensino da língua portuguesa em sala de aula, os professores constantemente se deparam com a diversidade linguística presente nas falas dos educandos e das educandas. Estudos comprovam que a maneira de falar de cada um recebe influência de fatores como: nível de escolarização, status socioeconômico, faixa etária, gênero etc. Segundo Bortoni-Ricardo (2004, p. 49), “Todos esses fatores representam os atributos de um falante [...] Podemos dizer que esses atributos são estruturais, isto é, fazem parte da própria individualidade do falante. Há outros fatores que não são estruturais, mas sim funcionais. Resultam da dinâmica das interações sociais”. Portanto, ao abordar o ensino da língua portuguesa no Brasil, há necessidade de uma maior atenção da forma como esse ensino tem sido ministrado e seus desafios por parte do corpo docente. A visão sociolinguística, em geral, atesta que um dos maiores problemas no ensino da língua é resultado do uso de um padrão linguístico, no caso, a norma padrão, a qual se distancia da fala discente, e, também, não considera as vivências linguísticas do corpo discente. Para os sociolinguístas essa questão é crucial, pois a participação é condição fundamental para promover a integração social e o enriquecimento linguístico do grupo. Atualmente, as variações linguísticas presente nas falas dos educandos e das educandas no contexto escolar, não recebem a importância devida, apesar de pesquisas apontarem a necessidade de serem levadas em consideração. Essa polêmica tem trazido a discussão como conciliar o estudo da língua falada e da língua escrita nas escolas. É importante salientar que a variação linguística se encontra presente em todas as línguas e em todos os tempos. A escola desempenha uma função social, ou seja, os estudos sociolinguísticos destacam que não se pode desconsiderar o contexto cultural e linguístico dos discentes e subjuga-los à língua padrão instituída. Na escola se aprende o uso da língua culta e escrita, porém o reconhecimento da fala também é relevante, uma vez que constitui parte fundamental da identidade dos estudantes. A escola não pode ignorar as diferenças sociolinguísticas. Professores e alunos têm que estar conscientes de que existem duas ou mais maneiras 47 de dizer a mesma coisa, e que essas formas alternativas servem a propósitos comunicativos diferentes e são recebidas de maneiras diferentes pela sociedade. (BORTONI-RICARDO, 2005). 9 EDUCAÇÃO MULTICULTURAL E DIRETRIZES BÁSICAS DA LEI BRASILEIRA Fonte: https://pequenosmochileiros.com.br 9.1 Educação multicultural no Brasil: desafios e possibilidades Para começar seus estudos sobre uma educação que contemple todos os grupos étnicos nacionais, você deve conhecer o conceito de cultura em seu caráter antropológico e sociológico. Isso facilita muito a compreensão dos desafios existentes para que a educação multicultural exista. O conceito de cultura evoluiu muito com o passar do tempo. Da simples oposição aos fenômenos da natureza, traduzindo-se nos artefatos criados pelo homem, tal conceito passou a designar as práticas e tradições típicas da humanidade, englobando características que distinguiam classes de pessoas. Assim, 48 algumas classes passaram a ser tidas como mais elitizadas, com maior “cultura” do que outras e com acesso aos aspectos eruditos (das artes, da literatura, das obras clássicas, etc.). Por sua vez, outras classes se ligaram a uma cultura popular, de “menor valor”. A partir do século XX, o mundo presenciou um fenômeno chamado de virada cultural: o conceito de cultura passou a se estender a todos os estratos da sociedade, envolvendo o conjunto de práticas discursivas (aquilo que se diz) e não discursivas (aquilo que se faz) que existem dentro de determinado grupo étnico e que costumam ser ensinadas e transmitidas para as gerações que se sucedem. Burke (2005) conceitua cultura de forma simples, caracterizando-a como um sistema de integração, de diferenciação e de referência que organiza e dá um sentido à atividade dos seus membros. Ou seja, por meio da cultura dos grupos de que participam, as pessoas constroem sua identidade cultural e, a partir daí se sentem integradas a esses grupos e passam a organizar a sua vida, as suas ações diárias, por meio daquilo que aprendem com os demais membros. Fonte: www.portugues-multicultural.webnode.com.br Reforçando o conceito, Moreira et al. (2008, p. 27) comenta que “Cultura se identifica, assim, com a forma geral de vida de um dado grupo social, com as 49 representações da realidade e as visões de mundo adotadas por esse grupo”. Dessa forma, você pode considerar que todos os indivíduos são produzidos socialmente a partir de sua cultura, aprendem a ler o mundo e a pensar a partir de uma matriz de ideias que são ensinadas nos grupos em que convivem e que determinam regras de convivência; são papéis a representar e que constituem as suas subjetividades. Logo, todas as culturas são importantes e não deveria haver privilégios entre elas, não é mesmo? Mas será que todas as etnias são devidamente representadas no contexto escolar? Partindo desses questionamentos, você vai conhecer o conceito de colonialismo. Por meio dele, você vai entender melhor por que algumas etnias foram privilegiadas no currículo escolar. O Brasil, ao ser conquistado pelos portugueses, seguindo a tradição típica do processo de expansão europeu pela Educação multicultural e diretrizes básicas da lei brasileira mundo na época das grandes navegações, passou pelo estabelecimento de privilégios. Teve início aqui uma assimetria de valor e poder entre as etnias que participaram do processo colonizador. Nesse contexto, as etnias europeias tiveram maior força e prestígio do que todas as outras. Basta você perceber que os “descobridores” portugueses, ao avistarem os índios, os classificaram como selvagens e sem cultura, por isso determinaram que deveriam ser catequizados e civilizados a partir da cultura europeia. Segundo Quijano (2007, p. 93), “A colonial idade é um dos elementos constitutivos e específicos do padrão mundial do poder capitalista. Funda-se na imposição de uma classificação racial/étnica da população mundial como pedra angular deste padrão de poder”. Dessa forma, com a colonização, se estabeleceu uma classificação étnico-racial cruel e desigual. Os europeus (brancos) seriam cultos, ricos e poderosos, enquanto os índios seriam selvagens e sem cultura; já os africanos e seus descendentes seriam propriedade explorada em sua mão de obra. A crença monocultural de que somente a cultura europeia era importante e que deveria se estender a todos ofereceu as condições para que outros grupos étnicos (índios e negros) fossem escravizados. Oliveira
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